segunda-feira, 4 de julho de 2011

Quem acredita (nunca) alcança...





                  
  Mais é claro que o sol vai voltar amanhã


Nunca me calei a respeito de minha inclinação a acolher as reflexões ateístas; creio, todavia, que foram poucas as vezes em que eu declarei ter aprendido mais sobre a Bíblia, de cuja leitura, deveras, não me ocupo, lendo alguns autores ateístas ou agnósticos. Dentre eles, destaca-se, pela contribuição, Bart. D. Ehrman, autor de O problema com Deus. Ehrman é um dos maiores especialistas do mundo nos estudos do Novo Testamento e das origens do Cristianismo e, antes de tornar-se agnóstico, foi pastor numa igreja anglicana nos Estados Unidos. Certamente, não só uma autoridade nos estudos bíblicos, mas também alguém que exerceu a função de ministro ordenado pela igreja.
Este texto não se destina à reflexão das contribuições do pensamento ateísta. Não pretendo apresentar argumentos contrários à crença na existência de um ser Todo-poderoso e inteiramente comprometido com a existência humana. Quero discorrer sobre o ensinamento do livro Eclesiastes, um dos livros sapienciais das Escrituras hebraicas. O próprio autor, ao destinar uma seção para uma breve leitura desse livro, observa ser ele um dos seus livros preferidos da Bíblia. Como todos os livros estudados por Ehrman, o Eclesiastes não dá conta da pergunta: por que existe tanto sofrimento no mundo? Trata-se de uma questão insolúvel. Claro, se Deus existe e é infinitamente benevolente, por que tanto sofrimento no mundo?
Comecemos notando que o Eclesiastes se distingue dos demais livros, como o dos Provérbios, na medida em que a sabedoria apresentada naquele livro não resulta do acúmulo por gerações de sábios, mas

“é baseada nas observações de um homem enquanto pensa na vida em todos os seus aspectos e na certeza da morte”.
(p. 166)

Esse homem comum que transmite sua sabedoria, após refletir sobre as condições da existência no mundo, não está interessado em responder àquela questão anteriormente mencionada. O Eclesiastes ensinará que a vida frequentemente não faz sentido e que, ao cabo de tudo, todos nós, indiscriminadamente, morreremos. A morte é a única certeza que temos. Não sabemos se a vida tem algum sentido; mas sabemos certamente que um dia vamos morrer.
O autor nos esclarece, à página 168, que a palavra-chave para entender o Eclesiastes é vaidade. O ensinamento aí presente é bem simples: tudo é efêmero, fugaz e, portanto, é inútil se apegar aos prazeres terrenos. Vejamos o que se encontra no limiar daquela página:

“(...) Toda a vida é vaidade. Ela passa rapidamente e se acaba. A palavra hebraica é hevel, que também pode ser traduzida como “vazio”, “absurdo”, “inutilidade”. Hevel literalmente se refere a um vapor que se desfaz, assim a ideia básica é algo como “fugaz”, “efêmero”. A palavra aparece cerca de trinta vezes nesse livro relativamente curto. Para seu autor, tudo no mundo é efêmero e destinado a logo acabar – até mesmo nós. Dar valor e importância em demasia às coisas deste mundo é inútil, vão: todas as coisas são fugazes, efêmeras.”
(p. 168)

Desde já, deve-se rechaçar a ideia de que, em face de tal condição, o suicídio seja inevitável. Tampouco, tem a vida menos valor. Em sete momentos do livro, o autor do Eclesiastes recomenda aos leitores que devem “comer, beber e ser felizes”; ou seja, devem desfrutar a vida enquanto têm tempo. Assim, devemos estar certos de que a única coisa boa que temos é a vida mesma. Ela é o único valor.
Convém aqui dizer que o autor de Eclesiastes acredita não haver uma vida melhor após a morte e que recompensas e punições são distribuídas não segundo o mérito de cada um e que tal distribuição depende do acaso. Não há recompensas para os bons e os sábios, nem castigos para os injustos depois da morte. Para ele, vida é. A vida é tudo que existe. Nesse sentido, parece esboçar o pensamento existencialista desenvolvido por Sartre. Aqui, parece possível inferir o conceito de facticidade, ou seja, uma designação que recobre a ideia de que a existência pertence à ordem do fato e não é necessária, pois que não tem nenhuma razão que a fundamente. As coisas estão aí, simplesmente como são, sem necessidade nem possibilidade de ser de outra forma. Por isso, em Sartre, a existência é absurda. Não há uma razão suficiente que a justifique. As coisas estão aí e eu estou entre elas; isso é um fato. Nossa consciência, então, apreende a si mesma como um fato.
Segundo o ensinamento do Eclesiastes, é inútil acumular riqueza, pois que, se um dia iremos morrer, tudo que acumulamos será herdado pelas gerações seguintes. A riqueza é transitória.
Também uma enorme quantidade de prazer desejada é inútil, porque o corpo perece. Nós envelheceremos, adoeceremos, sentiremos dor, sofrimento e morreremos. Qual é, então, o sentido de desfrutar grande quantidade de prazer?
Quando jovens, nós não estamos, em geral, preocupados em pensar sobre as questões ventiladas pelo Eclesiastes. Quero dizer, não estamos preocupados com o que podemos fazer no tempo que temos de vida, estando sempre conscientes de que a vida nos pode ser tomada a qualquer momento por uma fatalidade. Quem poderá garantir que você, leitor, estará vivo daqui a um mês, ou um ano? Embora goze de boa saúde, quem lhe poderá garantir que a vida lhe será abreviada por um acidente?
Assistindo às reportagens sobre o velório do ex-presidente Itamar Franco, e vendo aquela gente em torno de seu caixão, pensei: será mesmo só isso a vida? A pessoa , o ser Itamar Franco expirou completamente? Tudo aquilo que experimentou, que o alegrou, que o emocionou; toda a sua significação humana terminou ali naquele caixão?
Cada um de nós é uma história subjetiva encarnada. Cada um de nós é um pequeno universo, extremamente complexo, de experiências, de desejos, emoções, sentimentos, significações. Todo esse complexo se extingue completamente com a morte? É só isso? E os que já nascem sofrendo? A morte é credor universal, recairá sobre todos; mas uns sofrem mais do que outros, embora todos sofram em alguma medida. Alguns sofrem desde que nascem, outros virão a sofrer mais tarde. A intensidade do sofrimento pode variar, mas a morte para todos virá.
Então, nos resta apenas a vida, cerceada no tempo. Segundo o IBGE, a expectativa de vida dos brasileiros é de pouco mais de 71 anos. No Japão, esse índice ultrapassa os 80. É claro que a diferença será determinada pelas condições socioeconômicas mais ou menos favoráveis.
Evidentemente, estar consciente da morte não significa saber quando vamos morrer. E acredito que a possibilidade de darmos valor à vida, ou de construir-lhe um sentido depende dessa incapacidade de prever o dia em que morreremos.
A existência do ser humano se desenvolve, então, entre dois extremos: o incognoscível que precede o nascimento (não sabemos donde viemos) e o incognoscível de que a morte está grávida (não sabemos se vamos para outro lugar, depois da morte).
Freud ensinava que o ser humano busca o prazer e, consequentemente, tenta evitar o desprazer. Aristóteles, a seu turno, preconizou a felicidade como o objetivo último da vida humana. Nesse sentido, ser feliz é um bem da alma, que se guia pela virtude. O homem feliz é um homem virtuoso, que não acumula inquietações. Felicidade é ausência de preocupações. A felicidade é resultado de uma atividade bem-sucedida. O homem é feliz quando desenvolve plenamente suas qualidades específicas: a linguagem, a racionalidade e a sociabilidade.
Decerto, grande parte de nossa felicidade depende do bom convívio com o outro. Ter boas relações sociais e afetivas é indispensável à nossa felicidade.
A despeito da brevidade da vida, desde que nascemos, somos projetados para o futuro. Nossos pais são os primeiros responsáveis por essa projeção. Eles esperam de nós, eles nos preparam para o futuro. No entanto, esse “futuro” é sempre escapável, inatingível, no sentido de que ele não é. O futuro é a negação do presente por um breve instante. O futuro, repito, é a não-consciência. O que há é apenas o presente, o presente em que estou aqui sentado em face deste computador escrevendo e você, leitor, do outro lado, em algum outro lugar, lendo. Há duas horas atrás, quando eu ainda não escrevia, só é passado, porque estou consciente do agora em que escrevo e lembro do momento em que ainda não escrevia. Daqui a três horas, quando baterem as seis horas da tarde, o que, agora é futuro, se realizará e, portanto, tornar-se-á presente. A minha consciência só é possível no presente. Tanto o passado quanto o futuro são a não-consciência. É claro que do passado podemos tomar consciência pelo conhecimento e pela lembrança. Mas o meu “eu” do passado só existe pela memória, só é avivado na lembrança.
É possível que, a esta altura, o leitor experimente um sentimento de angústia, mas deve ele contentar-se com o fato de que somos sempre livres para escolher. Nesse sentido, escolhemos quem somos e escolhemos o que fazer do que fizeram de nós. Podemos escolher simplesmente esperar. Conservar a esperança é também uma escolha. Podemos, contudo, escolher agir, segundo um propósito que nos pareça benéfico.
O que não podemos é viver com arrependimento. Creio em que nós devemos viver sem nunca nos arrepender. Talvez, esteja aqui um objetivo relevante para as nossas vidas: evitar o arrependimento.
Quando aceitei o fato de que quem eu sou é resultado das escolhas que fiz e que sempre poderei fazer escolhas segundo a minha vontade e que, portanto, minhas escolhas podem ser de outro modo, reconciliei-me com o mundo, com a vida neste mundo. Esperar demais é perigoso. Agir mais parece melhor. Viver a intensidade de um instante.
Numa vida à qual nos custa atribuir algum sentido, creio ser válido buscar o prazer no essencial: como no beijo apaixonado, no amor que cultivamos no coração e partilhamos, nos passeios noturnos com a pessoa amada, no sexo com amor, no cuidado com o corpo e com a alma, na alimentação, na saciedade.
Sei que pareço repetitivo, mas, depois de muito meditar, não encontro valor maior nesta vida senão no AMOR. O resto são negócios, aos quais não podemos escapar, mas que estão longe de satisfazer os nossos desejos mais íntimos, mais viscerais, mais urgentes que não cessam de reclamar prioridade e saciedade.
Ponho termo a este texto com uma frase escrita por uma moça distante que conheci no ciberespaço, há muito tempo: “na vida, não existe nada melhor que o amor, pode ter certeza”. Isso só já basta.

Um comentário:

  1. M A R A V I L H O S O !!!!

    Aprendo demais com você! Obrigada!
    Um abraço carinhoso!!

    "Esperar demais é perigoso... não encontro valor maior nesta vida senão no AMOR...Isso só já basta".
    BAR

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