(Des)embrulhando-se
Em mim, aprisionado um sentir-se deslocado. A
serenidade enjaulada na presença do desespero. Trago na alma algo desesperante
que asfixio para sobreviver. Há dias se me aconchegou a vacilação e o temor. ‘É
preciso escolher!’ Brada-me a sensatez. E o sentir-se só aperta-me mais o seio
do ser. A ansiedade me inunda. Em vão, varro a angústia para debaixo do entulho
recalcado. Apenas as pessoas psicologicamente densas precisam de psiquiatra. Os
imbecis não necessitam, nem aqueles que raramente se ocupam de si mesmos. Estes
vivem segundo as flutuações rasas do humor e costumam ver sol na iminência de
uma tempestade. Tenho-me esforçado por sustentar a conciliação entre mim e o
desejo. Em mim, reside um profundo desentendimento entre o existir e o desejo. Há
tempo matei a esperança em favor da autonomia. Deleguei à ação o poder de
autoridade sobre minha inclinação à apatia. Os clichês do amor já se me
tornaram intoleráveis. Alieno de mim todos eles. Precisei vestir esta couraça
da indiferença por força das circunstâncias adversas ou das escolhas
precipitadas – o que dá no mesmo, quando consideradas as consequências. Viver é
equilibrar-se na alternância entre os aclives e declives do espírito. Toda
constância de alma é, para mim, suspeita. É a forma mais robusta de neurose. Os
psicanalistas o confirmam.
“Dizem os psicanalistas que aqueles que estão “bem-demais-em-sua-pele”
podem estar em estado de perigo, pois a normalidade elevada ao plano de um
ideal não é senão a loucura bem-compensada, que poderá explodir a qualquer momento
que houver descompensação”.
(p. 14)
(O que é neurose, São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004)
Esse enfrentamento íntimo que travo entre mim e o comigo é que produz em
minha alma o gosto acre de desconforto. Eu mesmo me incomodo.
“Muitas
vezes são os homens retos e puros, espontâneos e autênticos, corajosos,
criativos e rebeldes que são considerados “anormais” por uma sociedade que, no
fundo, teme as mudanças que eles possam provocar”.
(p. 15)
(O que é neurose, São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004)
Lamento ser o leitor inapto para a compreensão da profundidade semântica
deste texto que põe a descoberto o abismo de minha emoção. E não o culpo porque
o íntimo, sempre inescrutável, é inapreensível pela linguagem ordinária. Ficar-lhe-á
apenas a sensação de meia compreensão – o que me é bastante.