Se, dantes, perante um morto, eu me perguntava::
O pessimismo cioraniano, além de lançar sobre o ser humano um olhar profundamente negativo que desvela sua essência má e enferma, orienta-se pela demonstração da concepção da história como obra do diabo. A visão pessimista da história está intimamente relacionada à visão pessimista do homem: tanto o processo histórico quanto a condição humana exibem a nervura do trágico. Acresça-se que a concepção cioraniana de história foi influenciada sobremaneira por Oswald Spengler, teórico do declínio do Ocidente. Cioran confessa tê-lo lido com entusiasmo febril na adolescência, embora posteriormente seu interesse por ele tivesse findado. Acerca de sua concepção de história como um processo maculado pelo Mal até as raízes, Cioran nos diz o seguinte:
[...] Descobri a história como disciplina teórica bastante tarde. Na minha juventude eu estava muito orgulhoso para ler os historiadores. [...] E, em meus quarenta anos, descobri a história que não conhecia. [...] Pegue a história, estude-a um pouco em profundidade, e as conclusões que você tira são necessariamente terríveis. [...] Eu sempre tive uma visão, digamos assim, desagradável das coisas. Mas a partir do momento em que descobri a história, perdi todas as ilusões. É realmente a obra do diabo . (tradução nossa).
Abundam passagens, na obra de Cioran, em que se nota seu repúdio ao homem e à história. Para Cioran, um historiador otimista é uma contradição em termos. Para ele, “a história é um processo fatal que o homem imaginou que poderia dominar” (tradução nossa). Ilude-se quem acredita encontrar na história qualquer sentido ou meta. Ela não é mais do que “um dinamismo de vítimas” . Sua crítica da história, no entanto, não pode ser compreendida limitadamente ao humor amargo de quem afirma ser a vida “uma ocupação de inseto” , de quem afirma “que a vida não significa nada, todo mundo sabe ou pressente: que se salve ao menos por um truque verbal”; se o pessimismo que a anima se destila pelas páginas deste gnóstico ateu como um “concentrado [...] que envenena de morte todos os ideais, esperanças e impulsos metafísicos da filosofia” , é porque, enquanto gnóstico ateu, Cioran “vê na total ausência de esperança o primeiro passo para alcançar a lucidez necessária para uma gnose” . Consoante afirma Volpi (1999), Cioran é um negador contumaz do valor objetivo da existência, um incendiário, um destruidor de ídolos, de fantasmas, imagens e deuses que povoam a imaginário social. Como pessimista gnóstico, ele é cônscio de sua queda no tempo e na finitude e vê o universo como uma cela onde vive aprisionado.