terça-feira, 6 de julho de 2021

"O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora. (Demócrito)

 




                                           O Bufão e o dançarino

 


      Liberto das vãs esperanças e das cobiças da multidão, Demócrito de Abdera ria-se das tolices do homem. Seu riso era expressão não só de sua potência de existir, de sua alegria de viver, mas também era um ato consciente do caráter ridículo da condição humana. Nisso ele foi o antípoda de Heráclito - um misantropo que lamentava as misérias da vida humana. Heráclito lamentava e chorava o fato de os seres humanos viverem a vida como se estivessem dormindo sem saber que estão dormindo. Não que Demócrito não concordasse com Heráclito nesse tocante, mas, ao contrário deste, não vivia a se lamentar pela insignificante condição humana impregnada de tolices e loucuras, mas a rir dela. Segundo Sêneca, para evitar “a noite do coração” e a “escuridão diante dos olhos”, é preferível seguir Demócrito:

“Devemos nos esforçar para conseguir uma postura de não achar os vícios do populacho repugnantes, e sim ridículos, e nos aproximar mais de Demócrito do que de Heráclito, pois este sempre chorava quando estava entre as pessoas enquanto aquele ria. Para Heráclito, todos os nossos atos pareciam lamentáveis; já para Demócrito, eram tolos. Portanto, aceitemos tudo com leveza e suportemos tudo com alegria. É mais humano rir da vida do que se lamentar”.



         Todas as tolices humanas não faziam Demócrito chorar, mas rir. Ele ria não apenas como forma de resistir ao desespero, como também, sobretudo, como forma de advertir seus conterrâneos sobre a ridícula loucura que é a vida deles. Se Demócrito escolheu o riso para denunciar a estultícia dos homens, Nietzsche escolheu a dança como signo de leveza contra o ressentimento que envenena a vida, contra a opressão dos valores supremos que a tiranizam. Um dançarino que ri, imbuído de júbilo divino, é a expressão máxima de um sim inquebrantável a uma existência que se perfaz como um jogo de máscaras tragicômicas e farsa.