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domingo, 1 de maio de 2022

“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.” (Darcy Ribeiro)

 









BRASIL, A PÁTRIA DE TODOS AMADA 

 

 

Faz algum tempo, tenho me ocupado em ler livros que versam sobre economia. Incorporando essa prática ao conjunto de meus diversificados interesses intelectuais, meu objetivo é tornar-me um pouco menos ignorante nessa matéria à proporção que vão se me tornando claros não apenas os conceitos econômicos com que trabalham os economistas (superávit primário, deflação, mercado, riqueza, renda, dívida pública, capital de giro, etc.), mas também os mecanismos, as relações, os eventos econômicos subjacentes à vida social e responsáveis pelas mudanças que percebemos e sentimos em nossa vida e na vida da classe social a que pertencemos. Por exemplo, quase todo brasileiro, desde cedo, aprende que, no Brasil, quem paga os maiores impostos são os pobres. Isso é verdade. Mas a maioria da população brasileira não sabe por que isso acontece e como acontece. À medida que vou desbravando as terras da ciência econômica, um mundo novo se ilumina, se esclarece aos poucos para mim, mas, ao mesmo tempo, também vou tomando consciência do quanto desse mundo permanece sob o véu da ignorância, permanece na obscuridade para o homem comum no dia a dia. Fico atônito em face da quantidade de conhecimentos econômicos que permanecem ocultados, que, se fossem acessíveis à grande maioria da população, talvez ela tivesse mais poder nas decisões políticas, talvez não aceitasse tão docilmente as condições de injustiça em que vive; talvez não consentisse com o sistema de dominação social e econômico que a mantém privada do acesso a maiores porções da riqueza produzida em sua sociedade. Ao compartilhar um pouco do que sei, tenho em vista aqui, especialmente, a parcela da população que apóia o atual governo de Jair Bolsonaro; penso em todos aqueles que se aglomeram em seus “cercadinhos”, a maioria dos quais homens e mulheres da classe média que se formou historicamente, no Brasil, distinguindo-se das camadas populares pelo tipo de socialização de seus membros, os quais se beneficiam do privilégio da educação, de uma escolarização maior do que aquela que possui (ou não possui) os membros das classes inferiores, embora uma grande parte do eleitorado de Bolsonaro inclua também indivíduos muito mais velhos sem grau de escolarização superior. Seja como for, o que dou a saber não é parte do conhecimento de mundo de uma maioria esmagadora de nossa população. Antes, portanto, de defender um líder político que, para mim, é indefensável, por inúmeras razões que não vêm a propósito enunciar agora, acho importante atentar para o que se segue.

Acho, politicamente, que, considerando a realidade social e econômica de um país como o Brasil, marcada por grandes desigualdades em termos de distribuição de renda e riqueza, o melhor a fazer é eleger candidatos a cargos públicos dispostos a organizar um Estado forte que não ceda ao engodo dos proprietários dos meios de produção e de terra (talvez, o melhor a ser feito fosse deflagrar uma revolução social para derribar os poderes neoliberais e recriar todo um aparelho de Estado que, há décadas, é subserviente à lógica do capital financeiro, mas isso é uma utopia num país de sucessivos atrasos sociais e econômicos como o nosso). Mas o que ganhamos com um Estado mais forte e eficiente? Vejamos.

Disse, inicialmente, que, no Brasil, quem paga os impostos mais altos é a classe trabalhadora. En passant, devemos saber que “impostos” são o mecanismos mais eficazes, nas sociedades modernas, para a promoção da redistribuição de riqueza e igualdade social e econômica. Acontece que, desde a época dos Grandes Descobrimentos que marcaram a modernidade, sempre que novas tecnologias acenam para oportunidades de geração maior de riqueza, os membros dominantes da comunidade, ou seja, os donos dos meios de produção, os capitalistas, convencem o poder público (Estado) da importância de fazer investimentos. Mas tais investimentos que carreiam a promessa de gerar mais riqueza para TODOS os membros da comunidade envolvem risco. Como o poder público é o sujeito interessado em alocar e distribuir a riqueza produzida para a comunidade como um todo, cabe a ele investir. Assim, pressionado pelos donos do capital, o poder público aceita fazer o investimento, mas há um problema: faltam os recursos necessários. O poder público não dispõe da riqueza suficiente para tal aventura em nome do “progresso” que beneficiará a “todos”. A solução, então, é a contribuição conjunta dos donos dos meios de produção, que investiriam parte de sua riqueza. Mas é, nesse momento, que as relações de poder mudam em favor dos mais poderosos economicamente. Os donos dos meios de produção, em vez de investirem parte de sua riqueza, correndo o risco de perdê-la, EMPRESTA suas riquezas ao poder público! (começa aí o tal “endividamento público”, ou a tal “dívida pública”). Mas, nesse mecanismo de endividamento do poder público, há que acrescentar um ingrediente. Os recursos obtidos pelo Estado por concessão dos donos dos meios de produção, em vez de serem utilizados para o tal “progresso”, que deveria beneficiar a todos, são empregados em iniciativas que beneficiam majoritariamente os mais ricos. Por exemplo, são utilizados para fornecimento de energia elétrica ou para a pavimentação de ruas em regiões onde residem os ricos ou onde se acham suas fábricas. Assim, deixa-se de gastar com a melhoria de vida de quem mora nas periferias, de quem é mais pobre. Os donos dos meios de produção encontraram um meio de fazer com que o Estado faça por eles e ainda lhes pague por esta obra (através dos juros da dívida). Vejam bem! Mais do que conseguir fazer a obra de que necessitam sem gastar um centavo, os capitalistas ganham dinheiro depois que ela é feita.

O endividamento do poder público significa também que uma parte da riqueza gerada pela comunidade (quem gera a riqueza são as classes trabalhadoras!) e arrecadada em benefício de “todos” acaba por fluir para as mãos de uma minoria já economicamente privilegiada, através do pagamento da dívida contraída. - Deu para entender? Quer que eu desenhe? - Tendo contraído a dívida com os donos dos meios de produção e das terras (“os tais parceiros da iniciativa privada”), o poder público só pode saldá-la de duas formas. A primeira forma é aumentando os impostos, ou seja, aumentando a porcentagem com que cada membro da sociedade deve contribuir sobre as riquezas que gera ou sobre as que tem em estoque. A segunda forma é pagando com riquezas que já foram acumuladas no passado pelo trabalho de toda a comunidade e que deveria ser utilizada para a melhoria das condições de vida da comunidade. Mas agora esse compromisso é desfeito, já que o poder público tem de atender a um compromisso assumido “ingenuamente” que se apresentava como um grande benefício para todos. Endividado, o poder público, porque tem de pagar juros sobre juros, possui uma quantidade de riqueza menor do que antes, que é insuficiente para saldar suas próprias dívidas, tais como pagar seus funcionários públicos, fornecer serviços de saúde, moradia e educação à população, etc. A capacidade de investimento do poder público foi enfraquecida. Mas toda a comunidade continua carecendo de investimentos; afinal, a riqueza existente está sendo consumida e isso pode trazer sérios prejuízos sobretudo àqueles que não detêm nem terras nem os meios de produção (eu e você, caro leitor trabalhador!). De agora em diante, tanto o governo quanto a comunidade passam a ficar dependentes dos donos das terras e dos meios de produção (que formam o que Ciro Gomes chama de “o grande baronato brasileiro”). Os donos dos meios de produção se tornaram agora o único agente econômico capaz de contribuir com o investimento necessário para gerar riqueza que satisfará as necessidades da comunidade. Percebam que genial é este processo, que TODOS NÓS, trabalhadores, ignoramos ou aceitamos passivamente: esse processo situa quem criou o problema (os donos dos meios de produção e de terras) no lugar de único agente capaz de solucioná-lo. Os donos dos meios de produção são, doravante, os “salvadores” em potencial de toda a comunidade, angariando o prestígio e a estima de todos os membros da comunidade (que, no Brasil, culpam os mais pobres por todos os graves problemas do país!).

Como os donos dos meios de produção se tornaram “os salvadores da pátria”, duas consequências imediatas se impõem. A primeira delas é o aumento do poder de barganha que adquirem os ricos com os atores políticos, ou seja, com os agentes do poder público, justamente com aqueles que ocupam posições de decidir e criar as regras de distribuição de riqueza na comunidade. O poder público se tornou subserviente ao poder econômico dos grandes proprietários do capital (os donos dos meios de produção e de terras). A segunda consequência é a possibilidade de eles se apresentarem como os melhores candidatos para representar os interesses da comunidade em processos eleitorais, já que são os únicos dotados dos meios para salvar a sociedade. Essas duas consequências combinadas produzem as condições perfeitas para que, numa democracia representativa que deveria atender aos interesses de todos, um grupo que só representará os interesses das classes mais ricas seja eleito e passe a ter o poder de definir as regras de distribuição de riquezas, privilegiando os que já a possuem em grande quantidade, sem que a sociedade o conteste. Eis um exemplo dentre as formas pelas quais o capitalismo é nocivo à democracia. O que se configura em países como o Brasil, onde o poder público é subserviente ao poder econômico e político dos proprietários do capital, ou seja, da maior parte da riqueza gerada, é uma falsa ou aparente democracia, hoje, certamente, em frangalhos num país onde vige um governo autoritário e antidemocrático como o de Bolsonaro. Em geral, só nos preocupamos com a defesa da democracia, como acontece no atual momento histórico no Brasil, quando a estabilidade do tripé dos Poderes que constituem o Estado Democrático de Direito é ameaçada, mas a ameaça à democracia no Brasil se dá todos os dias sempre que admitimos as indecentes desigualdades sociais e econômicas, sempre que aceitamos a subserviência do Estado aos interesses dos proprietários dos meios de produção, sempre que nos convencemos de que tirar direitos trabalhistas acarreta melhoria no mercado de trabalho, sempre que culpamos os mais pobres pelos problemas que assolam nosso país, sempre que acreditamos que o único problema a ser combatido no Brasil é a corrupção dos governantes, especificamente a corrupção de um único partido político, etc.

Uma vez que ocupem o poder público, os representantes dos interesses dos donos dos meios de produção e de terras, passam, com frequência, a legislar em causa própria. A primeira medida que adotam é o aumento de impostos, mas não de forma homogênea, é claro. Os impostos que recaem sobre a propriedade de terras e dos meios de produção são menores, já que o objetivo é facilitar o processo de investimento para a geração de novas riquezas. Por outro lado, todos os demais impostos, como os de bens e serviços, que afetam a população, sofrem aumento significativo. O Brasil é um exemplo paradigmático desse processo. A carga tributária no governo Bolsonaro foi a maior dos últimos 12 anos. No Brasil, o imposto sobre terra é irrisório. Os impostos sobre a renda e o patrimônio estão entre os menores do mundo. Em compensação, são altíssimos os impostos que incidem sobre os bens e serviços, e esse aumento impacta negativamente a vida dos mais pobres. A maior arrecadação do país recobre o conjunto desses últimos impostos.

A segunda medida adotada pelos representantes políticos dos grupos mais economicamente poderosos é exigir que o Estado abra mão de suas propriedades e transfira-as aos donos de terras e dos meios de produção, para, assim, quitar suas dívidas, recuperando sua capacidade de investimento necessário para cumprir a sua função de promotor da distribuição de riquezas, através de impostos, em benefício de toda a comunidade. O Estado paga suas dívidas, transferindo aos mais ricos o estoque da riqueza que a sociedade possui: terras, empresas e imóveis. Vejam bem! A RIQUEZA GUARDADA EM NOME DA COMUNIDADE E GERADA COM A CONTRIBUIÇÃO DE TODOS é transferida para as mãos da iniciativa privada. Assim, os mais ricos continuam no controle majoritário do principal instrumento gerador de desigualdade social e econômica numa sociedade: as terras e os meios de produção (empresas e imóveis). Esse processo é conhecido pelo nome de “privatização dos ativos do Estado” ou simplesmente “privatização”. Significa simplesmente vender, em nome do poder público, as riquezas construídas com os recursos de todos, sob o pretexto de devolver ao Estado o poder de investimento necessário para gerar riquezas e atender as necessidades das camadas mais pobres da sociedade. Todo o processo desde o início faz ruir as riquezas da sociedade, as quais passam a ser propriedades dos grupos mais ricos e poderosos. Todo o processo de decisão política da comunidade fica submetido ao poder dos agentes que são donos dos meios de produção (JOVENS, não se iludam com a campanha eleitoral, que os convoca para mudar o futuro do Brasil no simples ato de votar!).

Finalmente, enquanto não se destruir essa estrutura político-econômica de poder dominante, nada mudará no Brasil. Continuaremos a ir coercitivamente à urnas para trocar, de tempo em tempo, as fraldas cagadas do bebê.

Sou pessimista quanto aos futuros do Brasil, sempre adiados. Admiro a resistência de quem acredita que, apostando simplesmente em novos políticos, conseguiremos melhorar a nossa vida individual e a de toda a nossa sociedade. Acho que o capitalismo neoliberal no Brasil será sempre uma opção desastrosa (na verdade, ele o é em grande parte do mundo). Em vez de ficar adorando líderes políticos populistas de espectro progressista ou conservador, deveríamos todos fazer a lição de casa: lutar por uma melhor educação, que emancipe as classes subalternas da opressão social, política e econômica que sofrem. Aos que pertencem à classe média, sugiro que reconheçam que seus interesses são comuns aos dos mais pobres, porque vocês também são trabalhadores assalariados e explorados pela máquina do capital.










O CINISMO DA POLÍTICA BRASILEIRA

 

O cinismo do líder do partido do deputado Daniel Silveira ao justificar a participação deste na CCJ escancara a naturalização da relação simbiótica entre política e corrupção no Brasil, relação esta garantida por um aparelho de regulamentos, normas, regras a cuja letra e poder simbólico os políticos recorrem sempre que lhes é conveniente fazê-lo, porque, afinal, esse aparelho jurídico-administrativo foi feito com uma única finalidade, na prática: proteger juridicamente e politicamente os atores políticos, garantindo a eles as benesses do exercício do poder.

Eis a fala do deputado, líder do partido de que faz parte Daniel Silveira:

“Honestamente, não vi o motivo de tanto alarde ou tanta balbúrdia acerca disso. Se formos analisar a vida de cada deputado e as comissões que cada um compõe, nós encontraríamos muita coisa que não deveria acontecer. Então, ele, repito, está no exercício de seu mandato, livre para exercer o seu mandato de forma plena”.

Deputado Paulo Bengston, líder do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, fundado por Getúlio Vargas com o fito de “servir de anteparo entre os sindicatos e os comunistas".

(Vejam bem! “anteparo entre os sindicatos e COMUNISTAS!”) Hoje, a julgar pela eleição de um Daniel Silveira, a última coisa que o PTB parece representar são os interesses da classe trabalhadora e dos sindicatos!

(Estou rindo 😅😅😅😅😅😅 de nervoso)

 

 

A paixão pela linguagem sussurra-me insistentemente para que eu me ocupe em analisar, servindo-me das ferramentas conceituais dos estudos textuais e do discurso, a fala do deputado. Uma análise que faça ver como o discurso de deputado produz sentido, que exponha os mecanismos sintático-semânticos e as estratégias discursivas, pelos quais um sentido é enunciável, é legível e se pretende seja legítimo, aceito, seria bem oportuna, para mostrar aos não especialistas como o discurso político funciona de modo a legitimar relações de poder, de modo a reproduzir estruturas de dominação social, de modo a servir aos interesses dos sujeitos políticos sempre ávidos de permanecer no poder. Reluto em fazer esta análise agora, pois falta-me o tempo necessário para tanto. Talvez, eu a exponha na forma de um texto mais teoricamente elaborado neste blog. Deixo aqui apenas um convite ao leitor: atente para o uso do adverbial modalizador “honestamente”, que se topa no início da fala do ministro.

Há algo muito interessante no uso de adverbiais moralizadores da classe de “honestamente”. A forma “honestamente” é um modalizador afetivo interpessoal, ou seja, através de seu uso o enunciador projeta um sentimento, no caso de “honestidade”, “sinceridade”, sobre o conteúdo comunicado, qualificado-o como um conteúdo que merece credibilidade por parte do interlocutor, porque quem o produz o faz com honestidade, com o compromisso de que, ao dizê-lo, não mente, está sendo sincero. Pelo uso de “honestamente” qualifica-se o modo como o que se diz é dito (digo x como alguém que está sendo honesto ao dizê-lo), mas também busca-se suscitar no interlocutor a confiança de que o que é dito corresponde exatamente àquilo em que o enunciador acredita. O locutor, ao usar “honestamente”, busca construir uma imagem de si positiva, a imagem de quem é digno de confiança, que emite opiniões transparentes, que diz o que pensa e não falta com a verdade.

Sim, há muita coisa envolvida só no uso de uma única palavra como “honestamente”. Os sentidos produzidos não são autoevidentes, não se encontram esgotados na superfície dos textos como boias flutuando no mar. As escolhas linguísticas que fazemos atendem a determinados propósitos comunicativos. São esses propósitos comunicativos que determinam a escolha entre um lexema e outro, entre um modo de estruturação sintática e outro... E o propósito comunicativo principal do deputado é defender a participação de Daniel Silveira na CCJ. Ao escolher o uso de “honestamente”, o deputado que apoia Daniel Silveira, diz o seguinte basicamente: “o que digo é exatamente o que penso, o que digo é digno de confiança, o que digo reflete o homem honesto que sou, o que digo corresponde ao meu dever de não faltar com a verdade, de não escamotear o que sinto, o que penso, pois falando honestamente sou uma pessoa confiável”.












10 Lições básicas de economia

 

 

1. É impossível falar em igualdade de condições num país como o nosso;

2. As empresas privadas têm um único interesse: o lucro;

3. O capitalismo é e sempre será um sistema econômico no qual pobres trabalham para melhorar a vida dos mais ricos;

4. O custo dos planos de saúde oferecidos pelas empresas a seus empregados é convertido no preço do produto final como se fosse um imposto. As empresas não assumem o custo dos planos de saúde; o que elas fazem é incorporá-lo aos demais custos de seus produtos. Consequentemente, o produto que chega ao consumidor é mais caro.

5. São os pobres que financiam os planos de saúde dos ricos;

6. Os bancos e a elite capitalista são capitalistas no sucesso e na prosperidade; mas socialistas no insucesso e na escassez. Quando quebram, os bancos se socorrem do Estado;

7. A maioria dos países capitalistas do mundo não têm interesse em sobretaxar os mais ricos;

8. O Brasil é o país com a maior desigualdade social do mundo. O 1% mais rico concentra a maior parte da renda total gerada no país. Quando tomamos o patrimônio, constatamos o aumento desse percentual já indecente. 1% dos donos das terras concentra mais de 50% das terras cultiváveis do país. Quando consideramos o volume de dinheiro, o 1% mais rico possui mais reservas acumuladas do que os 90% mais pobres;

9. Os bancos brasileiros cobram mais de seus clientes em taxas bancárias do que tudo o que o país investe em educação e saúde;

10. Os pobres geram riqueza, e os ricos a concentram. Os mais pobres precisam trabalhar para sobreviver. Uma grande parte do que os pobres geram como riqueza para a comunidade, através do seu trabalho, é retida como um acréscimo nas mãos dos mais afortunados. Marx é quem nos ensinou que a relação de trabalho no capitalismo está baseada na extração da mais-valia, ou seja, no sobrevalor produzido pelo qual o trabalhador não é pago. Sim, a quantidade de horas trabalhadas é superior ao valor do salário que é pago ao trabalhador!

 

 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

“A miséria de grande parte da população não encontra explicação que a resistência das classes dominantes a toda mudança capaz de pôr em risco seus privilégios”. (Celso Furtado)

 

          



     Política não se discute?

 

A política é uma atividade humana em cujo cerne está o diálogo, a deliberação; portanto, a discussão, no sentido de exposição conflitante, polêmica de pontos de vista, de julgamentos, interpretações, avaliações sobre a melhor forma de organizar uma sociedade em consonância com valores como igualdade e justiça. A política, ensina Hanna Arendt, diz respeito à coexistência e à associação de seres humanos diferentes. Como objeto de reflexão filosófica, a política descerra-se como um campo de questões que norteiam a convivência dos homens e dos grupos humanos entre si, e também as relações deles com o mundo. No entanto, o ditame que sentencia “política não se discute” quer dizer uma coisa que, sendo estranha ao fenômeno político, pretende levar à desmobilização dos atores sociais da participação política: não se deve tomar a política como assunto do falatório do senso comum, porque, nas esferas interacionais mediadas pelo senso comum, os interlocutores mobilizam, na conversação, uma série de crenças simplistas ou falsas, preconceitos, ideologias, lugares-comuns, representações coletivas de mundo que se vão acumulando na intercalação animados com as paixões tristes e ressentidas que levam a maus encontros e perturbam o contrato comunicativo tacitamente estabelecido. A política não é objeto de exame crítico, de reflexão sistemática, articulada e cuidadosa na definição e articulação dos conceitos largamente usados no debate calcado sobre o senso comum. O senso comum não consegue trabalhar os conceitos teóricos , não consegue pensá-los nem articulá-los para compor um discurso coerente e teoricamente bem fundamentado. O senso comum não se ocupa da problematicidade das questões que emergem de cada turno de fala dos interactantes. A conversação do senso comum leva os interlocutores a desconsiderarem os pressupostos de seus enunciados. Portanto, a discussão sobre política, no âmbito do senso comum , se converte, com muita facilidade, em bate-bocas que levam, quase sempre, a arrelias, a mútuas incompreensões, reforçando nos participantes o sentimento de que toda aquela disputa verbal foi em vão, porque nenhum deles modificou sua percepção da realidade construída e reconstruída no discurso de cuja produção eles se encarregavam. No senso comum, os interlocutores são muito mal instrumentalizados teoricamente para pretender refletir sobre “a questão política”, sobre os problemas complexos da realidade sócio-histórica em que vivem. Conceitos como “neoliberalismo”, “capitalismo de mercado”, “mercado”, “ideologia”, “Estado de direito”, “democracia”, “classe social” e outros tantos que definem o domínio discursivo da política como problema científico e filosófico a ser pensado com seriedade teórica são regularmente ignorados pelos interactantes que se movem nas esferas do senso comum. Na insistência no velho preconceito segundo o qual “o Brasil quebrou por causa da roubalheira do PT”, o senso comum assume como verdade incontestável uma visão simplista e equivocada acerca da realidade sociopolítica e econômica do Brasil, ao mesmo tempo que não vê que a realidade é muito mais complexa do que sugerem suas opiniões grosseiras. O senso comum ignora, por exemplo, que o governo Lula jamais rompeu com o sistema de acumulação neoliberal, com que os antipetistas, mesmo sem o saber, parecem simpatizar. O senso comum ignora a incompatibilidade entre o neoliberalismo, cujo significado também desconhece, e a democracia, cujo significado não compreende bem ou, o que dá no mesmo, compreende confusamente. O senso comum também faz vistas grossas ao conservadorismo do Estado brasileiro, que busca sempre assegurar os privilégios das elites econômicas, as relações de dominação, bem como busca reproduzir o modo de exploração que perpetua os padrões existentes de desigualdade de renda, riqueza e privilégio, independentemente do desempenho econômico do país. O senso comum não consegue levar em consideração as mudanças macroeconômicas na economia brasileira que, realizando a transição do Brasil de uma economia de Industrialização por separação de Importações para o neoliberalismo, tornaram a economia brasileira uma economia de baixo crescimento desde que, no fim dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, o Brasil ingressou de vez no neoliberalismo, com uma democracia frágil que convive com profundas desigualdades socioeconômicas. Por fim, a discussão política, no senso comum, não leva em conta as mudanças estruturais da economia brasileira, ocorridas na década de 1990. Com o novo Sistema de Acumulação então vigente, o setor secundário da economia brasileira, ou seja, o setor manufatureiro (industrial) declinou, e a capacidade produtiva caiu significativamente, sobretudo nos ramos tecnologicamente mais sofisticados da indústria. Se, por um lado, a economia perdeu a capacidade de gerar “bons empregos”, o Estado foi-se demonstrando cada vez menos eficiente no enfrentamento dos problemas do crescimento, na reestruturação produtiva e na busca por coordenar políticas econômicas. As reformas neoliberais feitas no Brasil foram incorporadas à Constituição por meio de regras fiscais que se justificavam pela necessidade de estabilização da inflação e da “boa governança”. Consequentemente, entre nós, o neoliberalismo ganhou legitimidade e reforçou sua influência sobre o tecido institucional do país, minando as aspirações democráticas previstas pela Constituição. Mas tudo isso é ignorado pelo senso comum, que limita toda a discussão política ao comportamento ético dos atores políticos, à polarização partidária, ao mesmo tempo que faz desfilar toda sorte de preconceitos como o de classe (o senso comum da classe média prefere culpabilizar os mais pobres pelo desastre econômico do país, já que estes, como os índios aos olhos dos colonizadores , não apreciam a labuta diária, preferindo mamar nas tetas do governo, que por sua vez pouco faz para realizar o suposto desmame). Assim, o senso comum da classe média reflete o modo de ser e de pensar das elites socioeconômicas brasileiras edificadas numa tradição escravocrata e autoritária ainda persistente no modo de ser brasileiro. É que o senso comum compreende o conjunto de esquemas interpretativos úteis para orientar e dar significado e ordem à vida cotidiana. Ele se forma em cada ser humano de modo inconsciente e natural no curso de sua socialização primária e secundária, formando o pressuposto básico das ações individuais. Por isso, a experiência pessoal circunscrita ao âmbito do senso comum é um referencial muito limitado e empobrecido para nos assegurar um profundo e elaborado conhecimento do mundo. Nossas experiências pessoais, formadas pelos encontros com o mundo das coisas, nas diversas situações de interação social, lidam com parcelas muito circunscritas da realidade humanamente experienciável; nossas experiências pessoais, se permanentemente divorciadas da experiência da leitura, não nos permitem uma compreensão sistemática do todo, da totalidade dos problemas com que a existência humana lida; nossa experiência pessoal ordinária parcializa o real, pois só podemos conhecer aquilo que é imediatamente acessível em seu campo, aquilo que se torna para nós familiar. Alargar nossas experiências pessoais com o mundo é o que nos possibilita a leitura, o convívio com os livros. A leitura é também uma experiência pessoal, que se vai enriquecendo, no entanto, à medida que o sujeito leitor participa da construção e reconstrução sociointerativa de um modelo de mundo, de uma versão da realidade que é produto de atividades sociocognitivo-interacionais e dialógicas do produtor do texto. Assim compreendida, a leitura é também uma atividade sociointeracional, na medida em que o leitor é um sujeito social que, no ato de ler, dialoga com um interlocutor-autor (ele mesmo também um sujeito social), mediante um texto que oferece (que propõe) uma imagem do mundo que é social, cognitiva, interacional e linguisticamente construída. A leitura nos patenteia que o real é muito mais complexo do que o conhecimento que podemos ter dele. Há muitos níveis de realidade que nos são inacessíveis em nossa experiência pessoal e imediata com o mundo na cotidianidade. Por isso, a experiência pessoal cotidiana de mundo não é um critério seguro para validar a consistência, a razoabilidade, a veracidade do que pensamos, julgamos ou acreditamos saber acerca das coisas. Nossos encontros imediatos com o mundo da vida são “enxertados” e mediados pelas representações coletivas, as crenças, as ideias, os preconceitos do senso comum.

O senso comum abriga juízos morais e afetivos sobre as causas, as condições dos eventos humanos, naturais e sobrenaturais. O senso comum compreende um conjunto de proposições cognitivas e valorativas, fortemente restritivo e seletivo, porquanto seleciona e articula um dado número de “fatos” dentre a massa ilimitada de eventos, de ocorrências que constituem o mundo da vida. Assim, tudo no senso comum tem caráter de obviedade, de objetividade, de irrevogabilidade e coercitividade irrecusável. Para o senso comum, o mundo é um mar tranquilo de fatos autoevidentes. Nesse sentido, discutir política, no âmbito do senso comum, que ousa entender mais do que entende, é arriscar-se a envolver-se numa disputa na qual ninguém se entende, todos arengam e da qual todos saem como entraram: munidos com o mesmo background de crenças, suposições equivocadas, juízos afetivos e morais cristalizados, preconceitos, valores inquestionáveis e pretensas verdades não devidamente examinadas.



                                              A FARSA DA MERITOCRACIA

 

O projeto político do capitalismo financeiro neoliberal, há mais de 30 anos, é condenar ao silêncio o sofrimento da maioria, ao mesmo tempo que dá visibilidade ao 1% dos negros e mulheres mais talentosos e aptos na esfera pública como se representassem todo o sofrimento social existente.

A mentira da meritocracia consiste em afirmar que, embora o mundo seja um lugar inóspito e cruel, aquele que se esforça e trabalha duro conseguirá ganhar 500 vezes mais que outros. Os que ganham 500 vezes menos é porque são burros ou preguiçosos. Mas a meritocracia mascara o fato de que são as classes sociais os principais meios que permitem reproduzir os privilégios visíveis e invisíveis. A reprodução desses privilégios ocorre, em primeiro lugar e fundamentalmente, pela SOCIALIZAÇÃO FAMILIAR. Como só existe a família de classe, cada qual tem uma história e uma forma de reprodução dos privilégios visíveis e invisíveis. O privilégio mais visível é o econômico. Este é notável na classe da elite de proprietários, os quais detêm todas as riquezas. Entre estes estão os donos de grandes fazendas, dos meios de comunicação, das cadeias de comércio, os grandes especuladores e rentistas. Abaixo desse 0,1% da população, situam-se as classes que lutam pelo capital cultural, que não é visível como o dinheiro e a propriedade. O capital cultural é formado pela incorporação do conhecimento útil e legítimo socialmente. Será a classe média - que se define pela reprodução do privilégio da educação - que criará e disseminará, de modo invisível e eficiente, a farsa da meritocracia mediante a incorporação privilegiada do capital cultural. Numa sociedade como a brasileira, disposições como disciplina, autocontrole, visão de futuro, capacidade de concentração e de elaboração do pensamento abstrato não são dons naturais, mas competências que são verdadeiros privilégios de classe. O hábito da leitura, por exemplo, é criado pelos pais. A criança passa a exercer a prática de leitura seguindo o exemplo dos pais. A disciplina do equilíbrio entre brincar e aprender, que acostumará a criança a renunciar, quando crescer, ao presente em benefício de um futuro, é aprendida na socialização familiar. Tudo isso é, portanto, privilégio de classe, nomeadamente da classe média brasileira, que produz a base social invisível que todo mérito pessoal oculta. Nas classes dos oprimidos e socialmente excluídos no Brasil, os valores reproduzidos são quase todos “negativos”. Toda a socialização familiar se realiza por meio de exemplos práticos (e não por discursos). São estes exemplos práticos que os filhos vão imitar e, mais tarde, reproduzir como um legado de sua classe social. Uma mãe que diz a um filho que ele deve ir à escola precária dos negros e pobres porque só assim ele terá chances de sair da pobreza, dificilmente o convencerá porque, afinal, a própria mãe frequentou uma escola semelhante que não a tornou mais do que uma analfabeta funcional, como sucede com tantos outros membros dessa classe social a que ela e seu filho pertencem. Enquanto os humilhados e desprivilegiados, quase todos negros, se colocam como “fracassados” já no ponto de partida, os membros da classe média entram na escola como bem-sucedidos já desde tenra idade, porque foram nutridos, desde o berço, com os pré-requisitos emocionais, morais e cognitivos para tanto. Essas condições de que se beneficiam desde muito cedo na vida os farão indivíduos predispostos ao sucesso escolar e ao acesso a postos de trabalho com remuneração muito maior anos mais tarde.



Lição básica de história econômica do Brasil

 

O desenvolvimento econômico brasileiro foi historicamente perverso, visto que aumentou as desigualdades econômicas e sociais





Um recorte do Brasil


Nestes pouco mais de 500 anos de história, persistem no Brasil alguns traços que o definiram como sociedade histórica desde o período colonial. Um desses traços é justamente a difícil e tortuosa construção da cidadania. Último país, no Ocidente, a abolir a escravidão, o Brasil convive ainda hoje com inúmeros processos de exclusão social. Somos campeões em desigualdade social. Nosso bovarismo, isto é, nosso inextirpável desencanto com nossas condições sócio-históricas reais, é tão característico do nosso modo de ser brasileiro quanto o familismo, ou o costume arraigado em nossa cultura de transformar questões públicas em questões privadas. A lógica e a linguagem da violência tanto quanto a corrupção estão encravadas profundamente na mais remota história da formação de nossa sociedade. No Brasil, os pobres e os negros ainda são culpabilizados pela Justiça. São os que mais morrem cedo, os que têm menos acesso à educação superior pública ou a cargos mais qualificados no mercado de trabalho. E estas circunstâncias que nos ajudam a nos compreender como nação, como sociedade histórica, são mantidas e reproduzidas por uma estrutura de poder oligárquico caracterizada pela aliança entre os agentes estatais (funcionários administrativos e do governo) e os potentados privados (os detentores da riqueza privada). Estes dois grupos de poder buscam, antes de tudo, realizar seus interesses próprios em detrimento do bem comum do povo.




ALIANÇAS POLÍTICAS

 

Não deveríamos nos surpreender com essa aproximação de Lula à agenda neoliberal, representada na figura de Alckmin. Quando estava na presidência, a despeito de seus 80% de aprovação, Lula foi um neopopulista de mercado. Em 1 de dezembro de 2010, Lula declarou, na Carta Capital, “ foi preciso um torneiro mecânico, metido a socialista, para fazer o país virar capitalista”. O governo lulopetista caracterizou-se pelo desenvolvimento e expansão do mercado de consumo interno e pelo pacto desenvolvimentista com o grande Capital nacional. Só mesmo na narrativa fantástica da extrema direita e dos apoiadores de Bolsonaro, seria possível associar Lula e o PT a algum projeto de revolução comunista no Brasil. O governo petista historicamente foi pró-mercado. Assim, vivenciamos três movimentos psicopolíticos no Brasil de hoje, que configuram juntos uma única produção de força delirante: 1) recusa dos elementos históricos complexos; 2) regressão imaginária radical a um modo antigo de organizar a história; 3) ódio e pressão urgente por ação de violência, sacrifício e restauração da civilização. Esses três movimentos formam o sistema delirante da extrema direita. Esse sistema delirante, paranoico e fetichista alimenta o nosso arraigado e antigo desprezo antipopular e ódio pelos pobres. Esse sistema delirante, alimentando nossa tradição anticrítica e anti-intelectual, enraizado em nossa formação moderna como sociedade escravocrata, explica por que é possível que pessoas comuns insistam em ignorar o fato de que o PT e o governo Lula ousaram dirigir o processo histórico brasileiro para uma expansão de mercado e riqueza COM UM GRAU MÍNIMO DE PARTILHA COM OS MUITOS POBRES.




 

 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

"Brasil, condenado à esperança". (Millôr Fernandes)

 

                                                        



                                                   Flutuações do humor

 

A depender de meu estado de espírito, posso ser mais conservador em matéria de linguagem, não obstante meus sólidos conhecimentos em sociolinguística. Às vezes, posso demonstrar aborrecimento com o hábito comum de cancelamento do pronome “se” nas construções pronominais como “referir-se”, “machucar-se”, classificar-se”. Por exemplo, “fulano machucou” em vez de “fulano se machucou”; “ O Brasil classificou para a Copa do Mundo”, em vez de “o Brasil se classificou para a Copa do Mundo”. Mas, basta alguém dizer que aquelas construções sem o “se” são erradas, para eu acordar o sociolinguista em mim e desatar a fazer reprimendas contra esse hábito incivilizado, antipático e teoricamente inconsistente de reduzir a complexidade do fenômeno social da linguagem a tais valorações normativas. Mutatis mutandis, a depender de meu estado de humor, posso ficar bastante indisposto para com as alegações das religiões instituídas e  com seus fiéis que as reduzem comumente à busca de um Deus pessoal, mas basta que alguém diga que religiões não passam de suspertições, para eu tomar partido em defesa da religião como um acontecimento histórico mais complexo, que, não se reduzindo ao problema da existência de Deus ou de deuses, diz respeito ao retorno do homem para si mesmo na busca do infinito, do incognoscível, do insondável. A religião é a procura de rastros de sentido no infinito. Kierkegaard chamava Deus esse nosso distanciamento máximo do mundo do aqui e agora, da imediatidade das coisas existentes. Na busca religiosa de um Deus, espera-se encontrar um sentido último (metafísico) que possa ser compreendido. Esta é uma experiência que me é estranha, até certo ponto incompreensível, muito embora legitimamente humana. Porque essa experiência de encontro com o que nos transcende é, num sentido primário, o encontro com o espírito humano. Espírito significa autorrelação, a relação que o eu mantém consigo. Na busca de Deus, o homem busca interrogar-se sobre suas origens, sobre quem ele é, sobre por que existe, sobre o sentido último da vida e do Universo. Assim, posso compreender que as religiões aspiram a realizar este anseio humano de “religare”, de religação com a origem de um sentido cuja busca o animal humano está condenado a fazer. Mas essa origem continua, para mim, sendo um mistério que o Deus dos monoteísmos não consegue solucionar. Posso, pois, dizer de mim o que disse Max Weber acerca de si mesmo: “não tenho nenhuma afinidade musical com a religião” mas “não sou antirreligioso”. Mas não me venham com notícias de um “Além” incognoscível, não me venham querer fazer-me crer que vocês sabem o que há por trás das cortinas (se é que existam tais cortinas), não me venham dizer que acharam aquilo que, há milênios, a humanidade busca. O animal humano se encontra nessa busca e se define por essa busca de si mesmo. E cada tentativa de interromper essa busca por meio de respostas simples e absurdas é uma forma de superstição e de autoengano.






                                        FIM DA CORRUPÇÃO 


Tem uma moçada aí que pede o fim da corrupção como se pôr fim à corrupção no Brasil fosse como encerrar as atividades de uma empresa por falência. Até apareceu por estas bandas cabralistas um tal de Messias populista prometendo pôr fim à bandalheira dos congressistas, inaugurando uma nova era em que no Brasil já não mais se ouviria falar de corruptos de colarinho branco. Daí resolvi estudar para entender de onde vem este nosso costume abjeto de favoritismo dos poderosos, de corrupção dos administradores do Estado. E descobri que esse costume se enraizou neste solo castigado pela escravidão de negros e indígenas desde o período colonial. Desde muito cedo, no Brasil, o serviço judiciário existiu não para fazer justiça, mas para extorquir dinheiro. Os Sermões de Padre Antônio Vieira davam testemunho disso. A prevaricação de magistrados no período colonial era corrente. Para comprová-lo, basta ler alguns ofícios de presidentes dos Tribunais da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro no século XVIII. Em 22 de janeiro de 1725, Vasco Fernandes Cézar de Menezes escreveu da Bahia ao Rei de Portugal contando à Sua Majestade sobre “as desordens e excessos que se veem todos estes povos tão consternados e oprimidos...a que continuamente os provoca a crueldade e tirania destes bacharéis”. No Brasil, desde o período colonial, consagrou-se, assim, um velho costume que persiste inquebrantável e vigoroso até hoje: a dualidade dos ordenamentos jurídicos. Há um ordenamento jurídico oficial, que vige, no entanto, apenas formalmente, e há outro ordenamento jurídico efetivo, nunca oficialmente promulgado, que em tudo corresponde aos interesses próprios do grupo oligárquico. E por falar neste, a oligarquia brasileira não é a oligarquia tradicional, em que o poder supremo se concentra exclusivamente nas mãos de uma minoria de abastados, mas sim uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, que une entre si a classe rica e os principais agentes do Estado, deixando o povo à margem de todas as decisões políticas. A privatização do poder político se estabeleceu entre nós no período colonial. Essa privatização é o objetivo perseguido pelo capitalismo. Ela deu origem à longeva tradição do patrimonialismo de Estado, tão comum na América Latina. Essa tradição arraigada em nossa cultura favorece as práticas de corrupção sistêmica no trato com a coisa pública. Outra vez Padre Antônio Vieira se queixava à Sua Majestade da corrupção generalizada dos funcionários enviados às colônias portuguesas. Nas colônias, incluindo o Brasil, os administradores, sempre aparentando obedecer às autoridades d’além-mar, continuavam a servir aos seus interesses próprios sem que fossem importunados. Também nesses tempos remotos mas atuais, era comum que os Governadores, na qualidade de presidentes dos Tribunais da Relação, procurassem se conciliar às boas graças dos desembargadores, acrescentando-lhes aos ordenados gratificações extraordinárias conhecidas como “propinas”. E, como era de esperar, a fiscalização, que deveria ser exercida pelo Conselho Ultramarino sobre o conjunto dos altos funcionários em exercício por aqui, deixava muito a desejar, porque até o século XVIII havia uma só viagem marítima oficial por ano entre Lisboa e o Brasil. A corrupção sempre grassou no serviço judiciário português , quer na metrópole, quer nas colônias. Desde Platão, aprendemos que os costumes não se mudam por leis, ao que Rousseau acrescentou outra lição amarga para nós: a verdadeira constituição do Estado são os costumes. A conclusão eu deixo a cargo do leitor. Por fim, antes de pedir o fim da corrupção aos próprios agentes corruptores, busquemos estudar a nossa história, a história da formação de nossa sociedade e de nosso Estado. Talvez assim, se não conseguirmos debelar tal costume tão familiar entre nós, ao menos não nos deixaremos seduzir por populistas que se apresentam como ovelhas do pastoreio da Redenção com pele de lobo que frequenta os salões onde se refastela junto de sua alcateia, há anos, no banquete dos cofres públicos. No Brasil, moçada pedinte, desde muito cedo, o poder de mando, de dominação política e econômica, se concentrou na aliança formada entre os agentes estatais - governadores, magistrados, membros do Ministério Público, altos funcionários - e os potentados privadas - o grande empresariado, donos do capital. Aqueles, no exercício de suas funções oficiais atuam a serviço dos interesses destes, enquanto estes, fingindo submissão aos poderes oficiais, pressionam aqueles, quando não os corrompem simplesmente, em todos os níveis - legislação, administração, prestação de justiça. E quanto ao povo? O povo que se lasque! A notícia amarga e desoladora é que a coligação oligárquica soberana não dá sinais de que um dia chegará ao fim no Brasil. Para isso acontecer, o povo teria de deter realmente o poder soberano, o que significa dizer que teríamos de instituir uma verdadeira democracia no Brasil. Mas entendam isto, pelo amor de Deus! NÓS NÃO VIVEMOS NUMA PLENA DEMOCRACIA. O que temos aqui é uma pseudodemocracia, um simulacro de democracia, um arremedo de democracia. Como ensinou Aristóteles (sempre a filosofia - essa inutilidade tão necessária ou mais necessária do que todas as inutilidades), a democracia é o regime em que o povo soberano goza de relativa igualdade de condições de vida; mas o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Além disso, o que torna ainda mais favorável a perpetuação da coligação oligárquica, cujo poder inviabiliza a realização de uma autêntica democracia no Brasil, é o fato de que a mentalidade da população menos favorecida é mais facilmente inclinada a obedecer do que a mandar ou a tomar iniciativas. A educação política do povo é necessária, mas ela não pode ser de responsabilidade, pelo menos não inicialmente, do Estado, pois o poder oligárquico a ela se oporá.