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sábado, 11 de janeiro de 2025

"A história é um processo fatal que o homem imaginou que poderia dominar” (Cioran)

 







Se, dantes, perante um morto, eu me perguntava::
"De que é que lhe serviu ter nascido?", coloco agora
a mesma pergunta perante qualquer vivo.
                                                          Cioran


   O pessimismo cioraniano, além de lançar sobre o ser humano um olhar profundamente negativo que desvela sua essência má e enferma, orienta-se pela demonstração da concepção da história como obra do diabo. A visão pessimista da história está intimamente relacionada à visão pessimista do homem: tanto o processo histórico quanto a condição humana exibem a nervura do trágico. Acresça-se que a concepção cioraniana de história foi influenciada sobremaneira por Oswald Spengler, teórico do declínio do Ocidente. Cioran confessa tê-lo lido com entusiasmo febril na adolescência, embora posteriormente seu interesse por ele tivesse findado. Acerca de sua concepção de história como um processo maculado pelo Mal até as raízes, Cioran nos diz o seguinte:


[...] Descobri a história como disciplina teórica bastante tarde. Na minha juventude eu estava muito orgulhoso para ler os historiadores. [...] E, em meus quarenta anos, descobri a história que não conhecia. [...] Pegue a história, estude-a um pouco em profundidade, e as conclusões que você tira são necessariamente terríveis. [...] Eu sempre tive uma visão, digamos assim, desagradável das coisas. Mas a partir do momento em que descobri a história, perdi todas as ilusões. É realmente a obra do diabo . (tradução nossa).


        Abundam passagens, na obra de Cioran, em que se nota seu repúdio ao homem e à história. Para Cioran, um historiador otimista é uma contradição em termos. Para ele, “a história é um processo fatal que o homem imaginou que poderia dominar” (tradução nossa). Ilude-se quem acredita encontrar na história qualquer sentido ou meta. Ela não é mais do que “um dinamismo de vítimas” . Sua crítica da história, no entanto, não pode ser compreendida limitadamente ao humor amargo de quem afirma ser a vida “uma ocupação de inseto” , de quem afirma “que a vida não significa nada, todo mundo sabe ou pressente: que se salve ao menos por um truque verbal”; se o pessimismo que a anima se destila pelas páginas deste gnóstico ateu como um “concentrado [...] que envenena de morte todos os ideais, esperanças e impulsos metafísicos da filosofia” , é porque, enquanto gnóstico ateu, Cioran “vê na total ausência de esperança o primeiro passo para alcançar a lucidez necessária para uma gnose” . Consoante afirma Volpi (1999), Cioran é um negador contumaz do valor objetivo da existência, um incendiário, um destruidor de ídolos, de fantasmas, imagens e deuses que povoam a imaginário social. Como pessimista gnóstico, ele é cônscio de sua queda no tempo e na finitude e vê o universo como uma cela onde vive aprisionado.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

"Se é verdade que sempre há mais de uma forma de interpretar um texto, não é verdade que todas as interpretações são iguais." (Paul Ricoeur)

 





NÃO HÁ FATOS, APENAS INTERPRETAÇÕES : Castoriadis e Ricouer - uma polêmica

 

 

Num diálogo ocorrido em 9 de março de 1985, Paul Ricouer e Cornelius Castoriadis contrapunham as perspectivas que adotavam acerca do imaginário social e da possibilidade de emergência da novidade na História. Ricouer preferia falar em produção histórica, entendendo por “produção” o fazer surgirem novas sínteses, novas configurações, novas significações a partir de um pré-construído, de um horizonte pré-regrado. Para Ricouer, não é possível a criação ex nihil na história. Segundo Ricouer, “só podemos produzir segundo regras; nós não produzimos tudo naquilo que produzimos, mais que não seja porque já temos um discurso antes de falar. Outros já falaram e estabeleceram as regras do jogo”. Castoriadis, por seu turno, preferindo falar em instituição imaginária da sociedade, e não de produção, defende a possibilidade da criação histórica, do fazer vir à luz o novo. Castoriadis consente com Ricouer, contudo, na tese de que o “novo” criado não é o novo absoluto. Para Castoriadis, há um domínio pré-existente organizado por regras previamente estabelecidas, mas nós podemos estabelecer novas regras, podemos sempre transformar as estruturas pré-construídas. Nesse sentido, podemos fazer nascer algo novo nunca experimentado ou previsto.

Desnecessário dizer que os dois pensadores concordam em vários pontos de suas reflexões, mas se distanciam neste aspecto fundamental: para Ricouer, não cabe falar em criação histórica, mas apenas em produção, ao passo que, para Castoriadis, devemos admitir a criação histórica e não a simples produção histórica.

Essa contraposição de interpretações encenada no diálogo entre Paul Ricouer e Cornelius Castoriadis é extremamente relevante para minha abordagem do niilismo. Apesar de acompanhar Castoriadis em muitos pontos de suas análises, não deixo de ver afinidade entre minha proposta de análise e a interpretação de Ricouer. Assim como não há um discurso que rompe o silêncio originário da enunciação, assim como não há um sujeito adâmico que, num momento mítico, teria tomado pela primeira vez a palavra, assim também o novo, na história, não emerge a partir do nada. Aqui me vejo mais próximo de Ricouer do que de Castoriadis. Mas ambos concordam num ponto que, para mim, é fundamental em minha tese sobre o niilismo: a afirmação do caráter fundamentalmente simbólico-imaginário da realidade social e das relações sociais. Para Castoriadis, toda realidade social é mediatizada simbolicamente, no que Ricouer concorda. Ambos afirmam que o agir histórico se realiza numa dimensão simbólica e imaginária que lhe é constitutiva. Fora do domínio simbólico-imaginário, não há sociedade, nem instituições, nem história. O homem, para ambos os pensadores, é HOMO LOQUAX, é homem de linguagem; é homem que não só usa a palavra, mas também inventa e imagina signos, sentido, símbolos, textos e narrativas, com os quais interage com seus semelhantes, construindo “ o mundo” nas práticas sociogntivo-interacionais possibilitadas pela linguagem. É no discurso e nas práticas de interação social pela linguagem que o mundo e os sujeitos se constituem.