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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

"Se é verdade que sempre há mais de uma forma de interpretar um texto, não é verdade que todas as interpretações são iguais." (Paul Ricoeur)

 





NÃO HÁ FATOS, APENAS INTERPRETAÇÕES : Castoriadis e Ricouer - uma polêmica

 

 

Num diálogo ocorrido em 9 de março de 1985, Paul Ricouer e Cornelius Castoriadis contrapunham as perspectivas que adotavam acerca do imaginário social e da possibilidade de emergência da novidade na História. Ricouer preferia falar em produção histórica, entendendo por “produção” o fazer surgirem novas sínteses, novas configurações, novas significações a partir de um pré-construído, de um horizonte pré-regrado. Para Ricouer, não é possível a criação ex nihil na história. Segundo Ricouer, “só podemos produzir segundo regras; nós não produzimos tudo naquilo que produzimos, mais que não seja porque já temos um discurso antes de falar. Outros já falaram e estabeleceram as regras do jogo”. Castoriadis, por seu turno, preferindo falar em instituição imaginária da sociedade, e não de produção, defende a possibilidade da criação histórica, do fazer vir à luz o novo. Castoriadis consente com Ricouer, contudo, na tese de que o “novo” criado não é o novo absoluto. Para Castoriadis, há um domínio pré-existente organizado por regras previamente estabelecidas, mas nós podemos estabelecer novas regras, podemos sempre transformar as estruturas pré-construídas. Nesse sentido, podemos fazer nascer algo novo nunca experimentado ou previsto.

Desnecessário dizer que os dois pensadores concordam em vários pontos de suas reflexões, mas se distanciam neste aspecto fundamental: para Ricouer, não cabe falar em criação histórica, mas apenas em produção, ao passo que, para Castoriadis, devemos admitir a criação histórica e não a simples produção histórica.

Essa contraposição de interpretações encenada no diálogo entre Paul Ricouer e Cornelius Castoriadis é extremamente relevante para minha abordagem do niilismo. Apesar de acompanhar Castoriadis em muitos pontos de suas análises, não deixo de ver afinidade entre minha proposta de análise e a interpretação de Ricouer. Assim como não há um discurso que rompe o silêncio originário da enunciação, assim como não há um sujeito adâmico que, num momento mítico, teria tomado pela primeira vez a palavra, assim também o novo, na história, não emerge a partir do nada. Aqui me vejo mais próximo de Ricouer do que de Castoriadis. Mas ambos concordam num ponto que, para mim, é fundamental em minha tese sobre o niilismo: a afirmação do caráter fundamentalmente simbólico-imaginário da realidade social e das relações sociais. Para Castoriadis, toda realidade social é mediatizada simbolicamente, no que Ricouer concorda. Ambos afirmam que o agir histórico se realiza numa dimensão simbólica e imaginária que lhe é constitutiva. Fora do domínio simbólico-imaginário, não há sociedade, nem instituições, nem história. O homem, para ambos os pensadores, é HOMO LOQUAX, é homem de linguagem; é homem que não só usa a palavra, mas também inventa e imagina signos, sentido, símbolos, textos e narrativas, com os quais interage com seus semelhantes, construindo “ o mundo” nas práticas sociogntivo-interacionais possibilitadas pela linguagem. É no discurso e nas práticas de interação social pela linguagem que o mundo e os sujeitos se constituem.