domingo, 10 de julho de 2011

"Toda esperança é vã numa vida destinada a ser finita" (BAR)

                    
                         

                                        Especulações dominicais
                                               Sobre morte e amor

Toda esperança é vã à vida destinada a ser finita. Não lembro onde li ser a esperança válida só para quem espera. Eu nada espero. A manhã deste domingo convidou-me a recolher-me junto aos livros. Apanhei cinco livros, que estavam na prateleira, se bem que só  li algumas páginas de quatro deles. Dentre eles, destaca-se o livro O amor em palavras: o discurso amoroso em questão (2011) presenteado a mim por uma aluna minha do curso de Letras, a quem muito agradeci o carinho. A autora do livro, Isabel Osório Tubino Do Coutto, veio entregar-me um exemplar e estampou-me na folha de rosto uma dedicatória. Senti-me honrado, evidentemente, e trocamos algumas poucas palavras sobre meu interesse em Análise do Discurso (já que a pesquisa de que o livro é um produto foi orientada nessa linha teórica).
Comecei a leitura hoje, por isso me custa fazer qualquer avaliação. É claro que o tema me é caro e que a proposta do trabalho afina-se com as teses já por mim propaladas em meus textos destinados à discussão sobre a experiência amorosa. O objetivo da autora é pensar o amor por meio da prática discursiva. O que disseram e o que dizem os homens sobre o amor historicamente? Quem é o sujeito que diz? A ênfase da análise recai, aliás, sobre o conceito de sujeito, tão caro ao analista do discurso.
Uma frase se destaca na Introdução. Escreve a autora:

“Falar de amor implica deixar a desejar, por mais que se diga, sempre vai ficar faltando alguma coisa”
(p. 22)

O sujeito escolhido pela autora é o adolescente. Assim, sua preocupação recaiu sobre a análise de redações de alunos do ensino fundamental de uma escola pública. Nestes trabalhos, os alunos foram solicitados a definir amor e paixão.
Conceitos como formação discursiva e formação ideológica são fundamentais numa análise que se oriente pelos pressupostos teóricos e metodológicos da Análise do Discurso. Nesse sentido, citando um autor como Jurandir Freire Costa, em Sem Fraude nem favor, Coutto traz à cena as três formações ideológicas em que se situa o amor em nossa cultura:

“ é um sentimento universal e natural;
é um sentimento surdo à “voz da razão”;
é condição sine quan non da felicidade”.
(p. 19)

A ideia de que sem amor nada faz sentido é recorrente no discurso do adolescente, consoante nos dão testemunho as redações analisadas. O que é preciso saber é que esse sujeito que diz do amor está inscrito no processo sócio-histórico de produção de sentidos, mesmo que ele não tenha consciência disso. E ele não pode evitar essa ligação. Dizemos sempre de um dado lugar social e nosso dizer se insere num conjunto historicamente estabelecido de acontecimentos internos ou externos ao texto, ou seja, numa memória discursiva. Ademais, todo discurso instaura um interdiscurso (a presença de diferentes discursos no interior de um dado discurso). Na verdade, todo discurso está calcado em discursos anteriores, ao mesmo tempo, que instaura a possibilidade do aparecimento de outros discursos. Cada palavra enunciada mantém relação com o silêncio fundante. Cada vez que enunciamos ou produzimos um discurso “abrimos” espaço para o silenciamento, porque nenhum discurso diz tudo. A crença na possibilidade de se dizer tudo é efeito da ideologia. A ideologia representa a transparência do sentido e seu fechamento. Sucede, contudo, que os sentidos estão “abertos”. Eles tomam diferentes direções; e a linguagem é opaca, não transparente. Devemos sempre ter em conta que o sentido pode ser outro, que ele não está ali ‘boiando no texto’, mas é produzido sócio-historicamente. Por isso, em Análise do Discurso, fala-se em um processo sócio-histórico de produção de sentidos, de cujo curso o sujeito é instado a participar.
Como campo interdisciplinar, que congrega o materialismo histórico, a Lingüística e uma teoria do discurso, a Análise do Discurso pensa o discurso na sua relação com a História. Em outras palavras, o linguístico é indissociável do histórico. Assim, a produção de sentidos é conseqüência de processos históricos determináveis discursivamente.
A esta altura, talvez o leitor se pergunte o que tem a ver o início deste texto, em que considero a esperança com o seu desenvolvimento até aqui. Acredito que a coerência comece a se lhe afigurar doravante.
Meu cachorrinho está velhinho, magro, cego e surdo. Vive choroso e batendo com a cabeça nas coisas; às vezes, me deparo com ele parado diante da parede. Uma cena trágica de nossa condição de seres vivos, seres destinados ao envelhecimento, à enfermidade e à morte. O pouco tempo de vida que resta ao meu cachorrinho aviva-me a consciência da fragilidade da vida e faz-me, inevitavelmente, retornar ao que, para mim, é essencial: o amor.
O livro, aqui mencionado, lembra-nos a importância da experiência amorosa em nossas vidas; traz-nos à consciência o valor do amor como condição de felicidade. Muitos homens e mulheres acreditaram (e ainda acreditam) que o amor é condição para a felicidade; portanto, que esta só pode ser plenamente alcançada na experiência amorosa. Como bem observa a autora, o amor sempre foi considerado signo de felicidade. Ao contrário, segundo ela, acredita-se que quem não ama é infeliz (p. 16).
Este texto não resulta da intenção inicial que tomava forma em meu espírito. Inicialmente, pretendia escrever sobre o valor do conhecimento, da linguagem e sobre minha relação com esses dois valores. Nada muito diferente do que costumo tratar neste blog; no entanto, uma vez avivada a consciência de que a morte chega a todos nós, seres vivos, pressentida no sofrimento de meu cachorrinho, preciso declarar, enfaticamente, que O AMOR É O MAIOR VALOR DESTA VIDA.
Se, por um lado, é vã toda esperança; por outro lado, ainda desconfio de que minha felicidade amorosa está ligada a um ser que ainda não conheci. Talvez, alguém sensível e inteligente o bastante para apreender essa inquietante relação entre morte e amor, uma relação que nos constitui, enquanto seres destinados a morrer. A morte é um fantasma que dorme conosco todas as noites; o amor é uma forma de exorcizá-lo quando acordamos, ou uma força que nos encoraja a enfrentá-la.
O valor máximo do amor está na consciência aguçada da morte. Morte como fato inevitável; amor como possibilidade sempre e incansavelmente desejada.
Pobre do homem que no intercurso entre o nascimento e a morte não soube o que é amar e ser amado. Se, como se diz, a morte é que dá valor à vida; é só o amor que é capaz de sustentá-lo e justificá-lo. Um coração acumulado de amor é mais satisfeito e pode, assim, cumprir seu destino: a morte.

Um comentário:

  1. Caro Bruno, navegando casualmente, esbarro neste seu texto, que remete ao meu. Fico feliz com as reflexões acerca do tema e com nossa afinidade teórica. Bj Isabel Tubino

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