SOBRE A
MATURIDADE
A filosofia
jamais se curva em face da petulância da estupidez, da arrogância dos corpos
moldados por uma raiva crônica alimentada pela incapacidade de profunda
compreensão. Tais corpos , jactantes, vociferam: “não vês que trago a marca do
acúmulo de experiências!”. Pois bem. E também ostenta o estigma de inúmeros
preconceitos, a marca crostosa da rigidez espiritual, da dureza da
sensibilidade que os impede de ver o mundo com outros óculos, com lentes mais
bem ajustadas às diferenças, à tolerância, à pluralidade de modos de ser e
viver. O envelhecimento não nos torna, necessariamente, mais sábios, se,
durante grande parte da vida, nos habituamos a servir aos mecanismos de
fabricação social de indivíduos assujeitados. Se um corpo vital chega à
maturidade desconhecendo que toda a sua existência social é fabricada para
atender aos interesses da sociedade em que se desenvolveu, se ignora que,
enquanto ser humano, ele se engana ao se pensar como sujeito autônomo, se
ignora que ser sujeito é sempre existir como efeito de submissão a relações
sociais que sistematicamente o produz como sujeito em processos ideológicos de
assujeitamento - assujeitamento aos poderes instituídos, assujeitamento às
normas sociais, às morais, aos discursos, aos valores; enfim, se ignora que ser
sujeito é constituir-se na linguagem, nas relações com o outro, fora das quais
não há um “eu” - então o envelhecimento não lhe legou nenhum grande benefício
de que deva se orgulhar. A velhice apenas lhe acentua as marcas da decrepitude,
da degeneração orgânica e assinala a proximidade do fim de uma vida medíocre e
flagelada pela servidão social, pela escravidão aos mecanismos sociopolíticos
de dominação. Como ensinou Sêneca, no século I EC., aquele que viveu 100 anos
pode ter tido uma vida breve, se a viveu sem exercitar o cuidado de si, se a
viveu sob o modo do desperdício. E aquele que se ocupou de si, mesmo tendo
morrido aos 30 anos, viveu uma vida longa e plena.