O BOLSONARISMO COMO SISTEMA DELIRANTE
Walter Benjamin, preocupado em dar conta das
questões “ o que é a história?” “Quem enuncia a história?”, deu-nos a seguinte
resposta: a verdade narrativa da história é apenas uma, qual seja, a do
compromisso com os sacrificados pela história, a do compromisso com os
violentados pela história. Tudo o mais é mentira. A única verdade é que a
história produz violência. Mas os partidários da nova direita e do bolsonarismo
não querem saber da história. Reprodutores de um sistema delirante, com base no
qual eles veem na esquerda, nomeadamente nos governos do PT, um projeto
deliberado de revolução comunista no Brasil, que precisa ser combatido com uma
guerra de salvação nacional capitaneada pelo militarismo, dizem: “ não nos interessa a história, só nos convém a história que me interessa”. Enclausurada
numa máquina simbólica mentirosa, a militância bolsonarista, em nome do
propalado combate à corrupção, a qual é vista como um legado nefasto exclusivo
do petismo (ignorando nossa tradição histórica de corrupção política sistêmica,
da qual participam também os próprios partidos da direita, nomeadamente o MDB
de Michel Temer, e as grandes empreiteiras), insiste em ignorar o fato
histórico de que o governo de esquerda democrático de Lula foi um governo de
mercado e de capitalismo nacional, que integrou grandes porções das camadas
populares à economia de mercado. Foi um governo no qual o Brasil teve um
crescimento econômico acima do PIB mundial. Em 2010, último ano do governo
Lula, o crescimento econômico do país chegou à marca impressionante de 7,5%.
Que o PT tenha cometido erros de governança nas áreas de infraestrutura e
economia é um problema que não encontra lugar na paranoia da extrema direita,
em virtude de seus partidários serem obtusos, néscios e estarem exclusivamente
interessados em reproduzir suas crenças delirantes. Essa gente tem uma
pretensão de saber aquilo que ignora. Não só ignora, rejeita: as verdades
históricas. O governo lulista, que tanto desagrado causa às elites brasileiras
que embarcaram na paranoia bolsonarista, foi um governo que aperfeiçoou o
modelo de capitalismo financeiro, graças ao qual essas mesmas elites lucraram
(e ainda lucram muito). Muita gente ganhou com os oito anos de governo Lula: os
grandes proprietários do capital e as massas, então integradas à cultura de
mercado, por meio da ampliação do mercado de consumo interno no país. Essa
mesma cultura de mercado, que tem seu próprio fascismo ligado à produção de
subjetivação - individualista, maníaco excitado e fetichista - coexiste hoje
com o fascismo alucinatório político, violento e delirante da extrema direita
no Brasil. Não conseguimos (e talvez não consigamos em curto e médio prazo)
eliminar esse “fascismo comum brasileiro”, porque ele tem uma historicidade
profunda que deita raízes em nosso passado escravocrata. E antes que me venha
um bolsonarista acusar-me de construir uma narrativa mítica e gloriosa do
lulismo, deixo aqui minha anuência às seguintes palavras de Tales Ab’Sáber, ao
ponderar que o modelo de governança lulista “também produziu uma cultura
anticrítica, que corroeu a vida a seu modo, rebaixando o espírito geral das
exigências políticas”. E o preço alto que pagamos por esse rebaixamento das
exigências políticas foi o retorno do recalcado, um não conhecido muito
conhecido que retorna, um impensado que se faz presente, uma força corrosiva,
daninha que agia subterraneamente e que hoje ameaça a já frágil democracia
brasileira, que se arrasta capengando em meio à falência do sistema político
brasileiro atual. Esse recalcado que retorna tem nome: Jair Messias Bolsonaro.