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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Não sei por que consumimos grande parte do tempo procurando entender os outros, quando deveríamos buscar entender a nós mesmos" (BAR)

                          
                     
                                      O essencial

Para encaminhar estas meditações a bom termo, começarei referindo uns trechos do livro Perdas e Ganhos, de Lya Luft. Aprecio as seguintes passagens e, deitando meus pensamentos sobre elas, os conduzirei por caminhos que, espero, o leitor também possa trilhar:

Tudo se complica porque trazemos nosso equipamento psíquico. Nascemos do jeito que somos: algo em nós é imutável, nossa essência tem paredes difíceis de escalar, fortes demais para admitir aberturas. Essa batalha será a de toda a nossa existência”.
(ênfase no original)

“O meu diminuto jardim me ensina diariamente que há plantas que nascem fortes, outras malformadas; algumas são atingidas por doença ou fatalidade em plena juventude; outras na velhice retorcida ainda conseguem dar flor”.


“Essa mesma condição também é a nossa, com uma diferença dramática: a gente pode pensar. Pode exercer relativa liberdade. Dentro de certos limites, podemos intervir”.
(grifo meu)

“Por isso, mais uma vez, somos responsáveis, também por nós. Somos no míninmo co-responsáveis pelo que fazemos com a bagagem que nos deram para esse trajeto entre nascer e morrer”.
(ênfase no original)

Essas lúcidas passagens se acham à página 27. Uma leitura polifônica nos permitiria ver nelas a voz sartreniana. A influência existencialista é inegável. A autora alude à nossa condição humana de seres pensantes, seres de angústia, em face da consciência da finitude da existência, de seres capazes de exercer certa liberdade, que não é total, mas cerceada por determinadas condições sociais.
Eu gostaria, contudo, de me deter apenas na opinião da autora, segundo a qual existe um núcleo duro em nós (que ela chama de essência, muito embora aqui ela divirja da posição de Sartre, para quem no homem a existência precede a essência). Talvez, ela não assuma uma essência prévia para o homem. Sartre insistiu em que o homem, ou melhor, a sua essência é resultado de suas experiências existenciais; é, pois, na existência que devemos buscar a essência humana. Talvez, não do homem enquanto gênero, mas do indivíduo.
De qualquer forma, estou de acordo com Lya. Há em nós uma essência rija, protegida por fortificações. Essa essência, quiçá, se identifique com o ser. Quiçá, resida nas profundezas daquilo que chamamos, com Freud, de o inconsciente. Essa essência constitui a base do iceberg que é o ‘eu’.
Aqueles que conseguem, ao longo da vida, desnudar a sua essência, ou melhor, parte dessa essência (supondo-se que uma grande porção dela está inconsciente, submersa) e confrontá-la com o mundo vivem autenticamente.
Há, pois, uma essência que nunca será modificada, ou completamente modificada. Mas o que entendo eu por essência? Em filosofia, a essência é uma das divisões do ser, é aquilo que faz da coisa o que ela é. A imutabilidade é atributo intrínseco à essência. Por definição, seguindo a tradição platônica, a essência é a negação da mudança, do devir. A essência é o que permanece inalterado.
Talvez, a esta altura, o leitor tenha ficado tentado a identificar a essência com a personalidade, já que, no homem, a essência é produto da existência. Primeiro existimos para então sermos (essência). No homem, o “eu sou” é “eu existo”. No entanto, a vida nos dá testemunho de que, dentro de uma mesma família, irmãos não têm a mesma personalidade. Embora criados pelos pais, comuns a ambos, cada qual tem seus traços específicos de personalidade. Um seguirá determinados valores herdados; outro dispensará alguns. Evidentemente, nossa formação não se completa na socialização primária (ou seja, no convívio com os familiares). Na verdade, nossa socialização está em aberto e se prolonga pelo resto da vida. Nunca se completa. Ela conta com a nossa participação em outras esferas sociais, donde a influência que exercem sobre nossa personalidade os amigos, os estranhos (“os outros”). Creio em que a personalidade é apenas a superfície que se põe a descoberto na vida social. O essencial em nós liga-se a uma intimidade que só conseguimos revelar num convívio muito restrito e prolongado.
Um casal apaixonado pode, eventualmente, trazer à tona a essência de cada um, mas ainda não me demovi da ideia de que é nos consultórios de psiquiatria que desnudamos a nossa essência. É lá que ela chora, que ela sangra, que ela dói.
Acho que somos grávidos de uma essência que dói. Carregamos o peso dessa dor; uma dor que nos punge sempre que nos damos conta de que somos capazes de pensar e pensar nos coloca adiante e nos lança à angústia. Estamos desamparados, como defendera Sartre? Possível. Fomos lançados à existência, sabemos que ela é finita e enquanto existimos podemos dispor dos pensamentos para buscar entendê-la. No entanto, o desamparo ainda é maior quando não se busca o autoconhecimento, quando não se conhece a essência que torna único cada um de nós.
       O eu só é possível pelo outro, que entre si compartilham o mesmo desejo: o da vida inesgotável