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domingo, 10 de abril de 2022

"Em vez de chamar uma percepção falsa de 'alucinação', deveríamos chamar a percepção externa de 'uma alucinação confirmada' ". (Hyppolyte Taine)




A realidade não é como parece ser

 

O  que exprimo aqui é uma intuição, uma intuição que os místicos hindus nos ensinam, intuição de que Schopenhauer também comunga, uma intuição que parece encontrar respaldo na física quântica. “A vida é como um sonho”. O que vemos, sentimos, experienciamos são apenas imagens deste sonho enigmático. Atores entram e saem de cena incessantemente. Aparecem e desaparecem para sempre como espíritos que se dissolvem no ar. Nada é substancial. Acidentes fatais, guerras, epidemias, catástrofes naturais, o tráfego dos pedestres, o barulho e a azáfama dos grandes centros urbanos, mares, tempestades, dia e noite, tudo isso é feito da matéria onírica. Nada deixará para trás um sinal, um vestígio. Nossas vidas frágeis e breves são feitas da matéria de que se fabricam os sonhos; elas têm o acabamento do sono. Eu não estou louco; ao contrário, encontro-me na mais profunda e cristalina Lucidez de quem chegou a compreender o Essencial. Todos vivemos sob a ilusão do véu de Maya. Acreditamos tocar uma realidade concreta com as mãos, mas, ao fazê-lo, ela se desmancha entre nossos dedos como castelos de areia; acreditamos existir independentemente de nós uma realidade exterior, maciça, cheia de luz e cores que captamos com nossos olhos. Erramos! É o nosso cérebro que constrói a realidade que experimentamos. O que vemos, sentimos, percebemos são modelos, imagens ou mapas mentais fabricados por nosso cérebro. É como o membro fantasma que mesmo amputado ainda é sentido. Algo estranho (fora do comum) acontece nessa experiência de quem tem uma perna amputada: a realidade e a sensação podem divergir, mas coexistir no cérebro. Os sinais não viajam de nossos olhos para o cérebro; é justamente o contrário que acontece: eles viajam do cérebro para os olhos. É o cérebro que constrói uma imagem do que prevê que os olhos devem ver. O realismo dependente do modelo, em física, não é uma forma de idealismo, porque não nega que existe um mundo exterior à nossa consciência. Mas o realismo dependente do modelo não se identifica com o realismo em sua versão tradicional, porque a realidade exterior existe na dependência de um modelo mental produzido pelo cérebro de um observador. A realidade não existe de modo autônomo, segundo a perspectiva do realismo dependente do modelo. Diz-nos o astrofísico Carlo Rovelli, “o que vemos não é uma reprodução do exterior. É o que esperamos ver, corrigido pelo que conseguimos captar”.  

Não quero convencer ninguém da razoabilidade destas epistemologia e metafísica. Assumo-as como fundamento de uma ética de compaixão e solidariedade para com todos os viventes, cuja existência está atolada na ilusão de Maya. Elas me ajudam a suportar o absurdo de uma existência cujas condições não foram escolhidas por mim, elas me ajudam a suportar o peso da perspectiva de minha morte inevitável, que avança insondável à medida que envelheço; elas me ajudam a aceitar a vanidade que corrói, até as raízes, todos os meus esforços, tudo aquilo que se me afigura como sumamente importante. Ter sempre em conta o caráter insubstancial da vida, de tudo aquilo que experienciamos constitui o princípio de uma ética do desapego, do desprendimento.

Assim diz um excerto de “A tempestade”, de Shakespeare:

 

“...as torres, cujos topos se deixam cobrir pelas nuvens, e os palácios, maravilhosos, e os templos, solenes e o próprio globo, grandioso, e também todos que nele aqui estão e todos os que o receberam por herança se esvanecerão, e assim como se foi terminando e desaparecendo essa apresentação insubstancial, nada deixará para trás um sinal, um vestígio”.

 

 

Disse que, à luz dessa intuição, corroborada pela física quântica, suporto o “ab-surdo”, isto é, o que é desagradável aos ouvidos, o que é incompreensível, porque é “alogos”, irracional, dissonante. Eis o absurdo: a absoluta gratuidade e contingência da existência. Camus chama absurdo ao divórcio entre o desejo humano de logicizar, de explicar racionalmente o mundo, de lhe conferir sentido e a realidade cruel, ilógica dos acontecimentos, ou ainda, absurdo é, para Camus, o divórcio entre a opacidade indiferente do universo e o desejo humano de sentido, clareza e felicidade.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

"Brahman é aquilo por meio do qual vivemos e agimos, a espontaneidade fundamental de nossa natureza". (Zimmer)

 





A Vontade e Brahman: Schopenhauer descobre os Vedas

 

             Maya, em sânscrito, tem o significado original de “poder criativo-mágico” do Divino. Através deste poder (Maya), Deus se torna o mundo, e o mundo, no final, se torna Deus. Deus encena uma peça, chamada “lila”, e o mundo é o grande palco onde acontece essa peça divina. Brahman, a realidade última, é, assim, um grande mago que se transforma no mundo. A palavra “Maya”, de “poder criativo mágico” passou a significar, com o tempo, o estado psicológico de um ser humano sob o feitiço ou encantamento da peça mágica. A ilusão de Maya é o estado em que nos encontramos cotidianamente quando tomamos os acontecimentos, os eventos do mundo como existindo objetiva e independentemente de nós. Estamos presos no feitiço de Maya quando tomamos o nosso “eu” como distinto do “mundo”. Sob o feitiço de Maya, ignoramos que Brahman, a realidade última e Atman, a nossa alma individual, a fonte última e mantenedora de todos os seres, é Um, formam uma Unidade: “Tu és isso”. É o que nos dirá também Schopenhauer: meu corpo e meu pequeno “eu” não são mais do que a manifestação (aparência) de uma mesma Vontade da qual o mundo é um espelho, tal como Brahman é o próprio mundo no seu jogo transformístico. O ensinamento básico dos Vedas é que as coisas e os eventos fenomênicos são manifestações de uma mesma realidade última (Brahman). Quando Schopenhauer diz que sua doutrina expressa, em linguagem racional, a essência da sabedoria Védica, ele está afirmando que sua doutrina ensina o que ensina basicamente o hinduísmo: toda ordem fenomênica é objetivação de uma única e mesma Vontade, todos os seres existentes são manifestações de uma única e mesma Vontade. Mas Schopenhauer não chega a assumir todas as consequências de sua apropriação da metafísica religiosa hindu. A Vontade, que Schopenhauer diz ser a essência do mundo, não chega a se identificar totalmente com Brahman, já que Brahman, embora onipresente, é o Divino que se transforma no mundo, é uma espécie de mago dotado de um poder criativo e mágico (maya); o mundo é criação do poder mágico do Divino, mas Schopenhauer insiste em que a Vontade não é a causa eficiente do mundo, o que não nos impede de ver nela um pouco das qualidades místicas de Brahman, já que, tal como Brahman é Atman quando se expressa na forma da alma humana, a Vontade também se objetiva em cada fenômeno, em cada ser do mundo orgânico e inorgânico. As aproximações da filosofia de Schopenhauer com a escola Vedanta, que se baseia nos Upanishads, não devem, portanto, ser substimadas. Os hindus ensinam “moksha”, a experiência de libertação do encantamento de Maya, assim como Schopenhauer ensina a “negação da vontade” como o caminho de libertação última da tirania da vontade, do desejo, que nos faz querer viver a vida mesma tal como se nos apresenta submetida ao encanto de Maya, identificado por ele com o “principium individuationis”. A metafísica da Vontade em Schopenhauer não pretende ser uma explicação da causa primeira do mundo. A filosofia, para ele, não deve se ocupar com o “de onde veio o mundo” nem com o “para que existe”, mas apenas com “o que é o mundo”. Sua metafísica busca compreender no mundo o fundamento mesmo desse mundo. A metafísica, segundo Schopenhauer, não é apenas uma interpretação, mas é, sobretudo, uma decifração. Decifrar o enigma do mundo é compreender a coisa-em-si, a saber, a Vontade, cuja natureza é metafísica.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

“O que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano.” (Isaac Newton)

                                                              



 

                                 O Véu de MĀYĀ

                                                                                    A realidade não é o que parece

 

 

1. Introdução

 

A cada nascimento, um indivíduo é lançado ao desconhecido. Nascer é o começo de uma experiência bastante perturbadora: aperceber-se como um “eu” lançado num mundo estranho e incompreensível, sem razão e casualmente. Assim, o indivíduo, tendo atingido certo grau de consciência reflexiva, não poderá ignorar que a experiência da vida é semelhante àquela de alguém que, abruptamente, começa a sonhar. Tanto a relação entre a vida e o sonho quanto a relação entre a morte e o despertar são consistentes com os ensinamentos das tradições orientais, nomeadamente a do hinduísmo e do budismo. Schopenhauer, fazendo eco a essas tradições, postulou que a vida é um sonho do qual a morte é o despertar. Ora, nós não conferimos realidade aos nossos sonhos, e só, ao despertar, descobrimos que esta realidade era enganosa? E se a realidade percebida não passar de uma espécie de sonho? Esta é uma questão na qual convido o leitor a meditar, com seriedade e cuidado, ao longo da leitura deste texto. Ao contrário do que podemos pensar, não há diferença intrínseca entre percepção e alucinação, e toda percepção carreia uma porção alucinatória.

Sem chegar a um veredito sobre a referida questão, este texto brota do solo de minha estupefação, de meu espanto costumeiro, de minhas inquietações espirituais e tem como fito dar ao leitor comungar dessas mesmas inquietações. Este texto se estrutura em torno da seguinte hipótese: a física moderna, nomeadamente a física quântica, parece confirmar a intuição fundamental das sabedorias indianas, qual seja, a de que a realidade aparente ou percebida não exaure a realidade mesma. Há uma realidade fundamental que funciona de modo radicalmente diferente da realidade comum da vida cotidiana. A física quântica ensina-nos que a realidade não é tal como a conhecemos, tal como aparece a nós em nossa experiência ordinária. Não me será possível fazer uma aproximação minuciosa entre a sabedoria védica e as lições da física quântica, e não pretendo sugerir que a física quântica confirme tudo que essa sabedoria bimilenar ensina. Por exemplo, a física quântica não compartilha a crença de que o Universo é dotado de consciência, ou de que a realidade última e fundamental seja o Eu ou a Consciência Infinita, identificada com Deus. Não obstante, a física quântica, tal como as sabedorias da Índia, parece dizer a nós, em tom de advertência, o que Hamlet consagrou na memória discursiva do senso comum: “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

Quiçá seja escusável dizer que o autor deste texto é declaradamente ateu e que, portanto, acredita que a morte é simplesmente o retorno ao inorgânico. Acredito, portanto, que, quando morrermos, nosso corpo voltará à temperatura das coisas inanimadas ao nosso redor, que, uma vez mortos, entramos em equilíbrio com o ambiente, que nos tornamos, em suma, pó, poeira novamente. Não creio, portanto, que temos uma alma imortal que sobreviverá à morte de nosso corpo. Também não pretendo dar a entender que estarei sustentando o vitalismo, ou seja, uma doutrina segundo a qual a vida surge a partir de um princípio ou força vital que permeia o Cosmo e que transcende o domínio da química e da física. No entanto, enquanto ateu, rejeitando uma solução simples e problemática como a da fé na existência do Deus metafísico das três religiões do Livro, pretendo aceitar o Mistério, sem deixar de me confrontar com ele, interrogando-me sobre ele. Como bem diz Morin (2020, p. 19), “não apenas o mistério escapa ao conhecimento como está no coração do conhecimento. O desconhecido é o enigma; o incognoscível é o mistério”.

 

2. A ilusão de Maya

 

Ilusão provém do latim illusio-onis, que, em retórica, equivalia a ironia. A ilusão ou ironia consistia numa estratégia do discurso por meio da qual o orador zombava de um adversário, fingindo dizer algo diferente daquilo que, na realidade, estava dizendo. A forma latina illusion-onis deriva do verbo iludo, que, por sua vez, provém de ludo, que significa ‘jogo’. Illudo é ‘divertir-se’, ‘recrear-se’, mas também ‘burlar’, ‘enganar’. De iludo originou-se o nosso “iludir”, mas também “lúdico”, “eludir”, “prelúdio”, “alusão”. Iludir é enganar, causar uma impressão enganosa, suscitar uma interpretação enganosa. Ilusão significa, então, engano, coisa efêmera, interpretação enganosa ou errônea.

A doutrina vedanta, tal como sistematizada e ensinada por Sankara, reza que Maya recobre o caráter insubstancial e fenomênico do mundo por nós percebido. Todas as coisas existentes que percebemos e com as quais temos contato através de nossos cinco sentidos carecem de densidade ontológica, estão submetidas à ilusão de Maya. Também as faculdades conscientes e subconscientes de nossa personalidade são efeitos da ilusão de Maya. Mas devemos rechaçar a conclusão de que o mundo externo e o nosso eu são inexistentes, porque tal conclusão seria um sinal de incompreensão da doutrina. Deveras, Maya é um enigma inquietante. Maya é uma espécie de “feitiço cósmico”, que nos faz acreditar que a realidade percebida é a única e verdadeira realidade. Permita-me o leitor fazer aqui uma digressão para esclarecer o que significa dizer que, sob o Véu de Maya, o mundo fenomênico é desprovido de substancialidade. Em filosofia, substância (ousía) é aquilo que existe em si mesmo, é a realidade de algo como suporte dos atributos, qualidades, acidentes. A substância, é, assim, a quididade, isto é, aquilo que a coisa é por si e em si mesma, por sua realidade própria. A substância tem uma existência independente. A substância é independente de suas qualidades, permanecendo sempre o que é; ela é imutável. A substância é tanto o ser enquanto existente, quanto a essência, ou seja, a natureza desse ser.

Coube a Aristóteles tratar sistematicamente da noção de substância (ousía) a partir de três planos: o lógico, o físico e o metafísico. Do ponto de vista lógico, a substância é recobre aquilo que não é afirmado de um sujeito. A substância, portanto, não é um predicado. Em “A neve é branca”, o adjetivo “neve” não é substância, porque não designa uma realidade que existe independentemente. Ao contrário, é um predicado, porque designa aquilo que se diz do sujeito (neve). Assim, a ousía é o sujeito lógico, aquilo do qual alguma coisa é predicada. Situada no domínio físico, a substância, porque é sujeito, suporte da predicação, é concreta. Na experiência, só nos é dado sujeito concreto, sensível, que pertence à natureza e que é objeto da ciência. Aqui Aristóteles chama a substância de matéria, que é considerada a substância universal. É na substância material ou física que ocorre a mudança. A substância física permite a explicação da geração e corrupção. A partir daí, se desenvolve a teoria hilemórfica de Aristóteles, segundo a qual toda substância física é composta de matéria (hýle) e forma (morphé). Do ponto de vista metafísico, a substância pode ser estudada a partir de quatro pontos de vista. Do ponto de vista da quididade, caso em que a substância é aquilo que a coisa é por si e em si mesma, independente de qualquer qualidade atribuída a ela. A substância é uma existência independente. Do ponto de vista do universal (kathólou) e do gênero (génos), caso em que a substância, enquanto essência, é comum a todos os seres que admitem a mesma definição. Por exemplo, a animalidade é a substância ou essência comum a vacas, bois e homens. Por fim, a substância é o substrato, ou sujeito (hypokeímenon), o que subjaz. Essa noção atrela-se à de quididade, porquanto a substância é independente de suas qualidades. Porque permanece sempre o que é, não muda. A substância, como substrato, é a sede, o sujeito das qualidades (os acidentes: symbebekóta) e da mudança. A despeito de toda essa classificação e subclassificação, Aristóteles conclui que a verdadeira substância é aquela que possui a quididade, ou seja, que existe em si e por si mesma, que tem uma realidade própria e independente. A substância, portanto, é tanto o ser enquanto ser, quanto essência, isto é, a natureza de um ente.

Dizer, portanto, que Maya recobre o caráter não substancial da realidade aparente é dizer que essa realidade percebida, que cremos existir independentemente de nós, como uma coisa objetiva e sólida, não tem quididade, não existe em si e por si mesma. Como pondera Zimmer (2020, p. 33), ““Tudo isto à minha volta... meu próprio ser...”: eis a rede de liames chamada maya, a potência criadora do mundo. Maya manifesta sua força através do universo mutante e das formas evolutivas do mundo”. Maya, cuja raiz ma- significa ‘formar’, ‘produzir’, ‘medir’, designa o poder de um deus ou demônio de produzir ilusões. Esse deus muda de forma e aparece sob máscaras enganosas. Daí deriva o sentido de “magia”. Na filosofia vedanta, Maya recobre a ilusão que, como um véu, é sobreposta à realidade como efeito da ignorância humana. Todo o universo visível e perceptível é, portanto, Maya.

A sabedoria indiana busca ensinar o indivíduo humano a compreender como opera Maya, a fim de que ele possa transcendê-lo, libertando-se do seu feitiço cósmico. A maior parte dos ensinamentos, dos escritos indianos consagra-se à meta do supremo libertar-se da ignorância e das paixões provenientes da ilusão do mundo fenomênico (o mundo ilusório de Maya). Destarte, a meta última que deve ser alcançada é a redenção ou libertação espiritual, que os hindus chamam Moksa. Moksa é a emancipação final da alma (atma). Consoante ensina Zimmer (ibid., p. 40), “Moksa deriva da raiz muc: “desatar, livrar, soltar, libertar, liberar, deixar em liberdade, sair de, abandonar, largar””.

 

 

Moksa é a metafísica posta em prática. Moska aponta para além das estrelas. (...) Moska é a técnica para transcender os sentidos, a fim de descobrir, conhecer e permanecer identificado com a realidade atemporal que subjaz no sonho da vida no mundo. (ibid., p. 43-33).

 

 

Maya parece expressar, numa linguagem metafísico-esotérica, o que a filosofia e as ciências ocidentais, nomeadamente a física moderna, as neurociências, a sociologia, antropologia e linguística nos ensinam: nossa percepção da realidade não é direta. Como assinala Morin (ibid., p. 22), “nossa percepção do mundo exterior é coproduzida pelas forças organizadoras do cérebro”. Nosso cérebro recria em hologramas (imagens com relevo) uma realidade feita de ondas de frequência. Se pensamos na realidade sócio-histórica, fica patente seu caráter de constructo, de construção resultante do concurso do simbólico no imaginário, socialmente constituídos. Nesse tocante, Morin observa:

 

(...) a realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas e nas nossas percepções, como também pela e na nossa linguagem, pelas e nas nossas teorias ou filosofias, pelas e nossas culturas e sociedades. (ibid., p. 23).

 

 

Se a doutrina de Maya subtrai ao mundo fenomênico a sua substancialidade, será que a física quântica confirma, mesmo que noutro registro, o que reza esta doutrina? É este o problema que nos ocupará na próxima seção.

 

 

3. A física quântica ou a loucura quântica

 

Guitton, em seu livro Deus e a Ciência (1992), escrito na forma de um diálogo com os cientistas Grichka Bogdanov e Igor Bogdanov, nos dá testemunho da verdadeira revolução levada a efeito pela física quântica:

 

A teoria quântica nos diz que, para compreender o real, é preciso renunciar à noção tradicional de matéria: matéria tangível, concreta, sólida. Que o espaço e o tempo são ilusões. Que uma partícula pode ser detectada em dois lugares ao mesmo tempo. Que a realidade fundamental não é cognoscível. (ibid., p. 16).

 

 

A física quântica pede-nos que, para compreender o real, em sua natureza íntima, em sua essência, por assim dizer, renunciemos ao modo familiar pelo qual nos relacionamos com o mundo. Nesse sentido, também para a doutrina vedanta de Maya, o conhecimento verdadeiro do  mundo supõe a libertação da teia de Ilusão tecida por Maya sobre toda a realidade fenomênica. Guitton, no entanto, vai mais longe e ajunta que “(...) a física quântica toca de modo surpreendente a Transcendência” (ibid., p. 10). É nesse momento que Guitton faz sobressair o cristão que era sobre o filósofo que foi. É bastante problemático afirmar que a física quântica admita, de algum modo, uma realidade transcendente. Antes de tentar demonstrar por que penso que a física quântica não toca a Transcendência, preciso dizer algumas palavras sobre o que significa transcendência na história do pensamento ocidental. De modo geral, transcendência designa a condição de algo que pertence a outra natureza radicalmente diferente, que é radicalmente exterior, que é de ordem superior. No teísmo, por exemplo, diz-se que Deus é transcendente em relação ao mundo e aos homens. Isso significa dizer que Deus é radicalmente superior e exterior ao mundo e aos homens. Chamo a atenção para o fato de Guitton grifar a palavra transcendência com “T” (maiúsculo), talvez para sugerir que a Transcendência se identifica com o próprio Deus teísta. Ao menos me parece que Guitton concebe a transcendência como “princípio divino, condição do Ser além de toda experiência humana”. Não creio que a física quântica acene a uma Transcendência no sentido pretendido pelo autor. Os físicos e astrofísicos, muito provavelmente, relutariam em admitir que a física quântica seja o reconhecimento de que há algo muito além do Universo conhecido que se identificaria com algum princípio divino ou espiritual. Talvez possamos dizer que a única transcendência postulada pela física quântica seja a da existência de uma realidade fundamental que, mesmo sendo inacessível à experiência humana ordinária e até mesmo ininteligível pelos padrões dessa experiência, e, portanto, superior a ela, não implica a suposição de que essa realidade tem algo de divino ou sobrenatural. Todavia, se a física quântica não parece implicar uma Transcendência divina como causa explicativa do mundo, ela seria permeável a investigações metafísicas? Em outras palavras, será que no afã de investigar como o mundo funciona no nível subatômico, determinando quantas e quais seriam as partículas elementares do universo, os físicos não estariam adentrando o domínio das investigações metafísicas? Parece-me que sim, e direi o porquê. Consideremos, em primeiro lugar, que Metafísica é a ontologia geral, o tratado do ser enquanto ser. Aristóteles definia-a como a filosofia primeira, pois que ela se ocupa dos princípios e causas primeiras da phýsis. Na tradição escolástica, a metafísica divide-se em metafísica geral, que examina o conceito geral do ser e a realidade em seu sentido fundamental e transcendente; em metafísica especial, que compreende domínios específicos do real. A metafísica especial se subdivide em cosmologia ou filosofia natural, a qual, por seu turno, se ocupa do mundo e da essência da realidade material; em psicologia racional, ou tratado da alma, de sua natureza e propriedades; e em teologia racional ou natural, que recobre o conhecimento de Deus e das provas racionais de sua existência (sem o recurso à fé). Foi no pensamento moderno, sobretudo com Kant, que a metafísica deixa de ocupar um lugar central no pensamento filosófico, já que a filosófica crítica de Kant vai fixar limites às pretensões da metafísica de conhecer o mundo. Devemos a Kant a acepção da metafísica com a qual estamos mais familiarizados hoje em dia. Kant entendia por metafísica toda pretensão a um conhecimento que busque ultrapassar os limites da experiência possível, ou seja, é metafísica toda investigação que pretende ultrapassar o mundo fenomênico, o mundo da representação, das coisas tais como nos são dadas sob as formas da intuição (formas puras que, para Kant, são o tempo e o espaço). A metafísica ousa ir além das formas puras da intuição para dizer algo sobre o incondicionado, o em-si das coisas. Em outras palavras, fazemos metafísica quando nos interrogamos sobre o que se oculta, o que está por trás da natureza, da realidade sensível.

Do ponto de vista metodológico, os físicos podem alegar que muitas de suas especulações e hipóteses ensejadas pela imaginação criadora não chegam a perturbar a zona da cientificidade das teorias já comprovadas pela observação empírica. Físicos podem (e o fazem com certa frequência) formular muitas hipóteses que poderiam ser encaradas como metafísicas, sem que isso tenha alguma validade científica, pois que teorias científicas precisam ser, segundo Popper, refutáveis, ou testadas pela verificação. Em todo caso, se entendemos por metafísica o estudo das causas e princípios primeiros do mundo, então a física quântica adentra o terreno da metafísica. Quando os físicos assumem a existência de uma realidade fundamental diversa da realidade macroscópica de três dimensões de espaço e uma dimensão de tempo em que vivemos, eles fazem metafísica. Nesse sentido, a Teoria das Cordas ou Supercordas, que não foi ainda comprovada empiricamente, embora seja uma solução consistente e elegante para articular a Relatividade Geral à mecânica quântica, ilustra um caso de especulação metafísica no interior da cosmologia.

O mundo desvelado e explicado pela física quântica é um mundo como campo de interações mediadas por bósons. Acredita-se que no mundo subatômico existam centenas de partículas elementares. Existem quatro partículas estáveis no mundo subatômico: o próton, o elétron, o fóton e o nêutron. Mas, segundo Igor Bogdonov (Guitton, ibid., p. 77), “quando mergulharam no cerne do núcleo [do átomo], os físicos descobriram o imenso oceano dessas partículas nucleares, deste então, chamadas hádrons”. Os hádrons decompõem-se em partículas menores, chamadas de quarks. Assim, consoante nota Guitton, “o que chamamos de realidade não é outra coisa senão uma sucessão de descontinuidades, flutuações, contrastes e acidentes de terreno que, em seu conjunto, constituem uma rede de informações”. (ibid., p. 84). As partículas subatômicas como quarks, elétrons, bósons, neutrinos, entre outras, foram primeiramente formuladas como hipóteses matemáticas, para, posteriormente, se revelarem como elementos da realidade fundamental.

A Teoria das Cordas, desenvolvida no interior da física quântica, se propõe ligar a Relatividade Geral à física quântica. Assim, ela funciona como um elo entre uma teoria que explica o funcionamento do mundo numa escala grande e o funcionamento do mundo numa escala pequena. De acordo com essa teoria, se fosse possível observar microscopicamente o interior das partículas fundamentais da matéria (elétrons, quarks, etc.), o que encontraríamos não seria um ponto, mas uma corda em forma de laço (um laço de corda). As partículas interagiriam entre si mediante diversos padrões de vibração desses laços. Embora os físicos não ousem afirmar que as cordas são as partículas fundamentais e indivisíveis do universo, o que é preciso fazer ver é que, cada vez mais, a física moderna assume uma realidade fundamental radicalmente diferente do mundo macroscópico do espaço-tempo.

 

3.1. A granularidade da matéria

 

A mecânica quântica não nos permite mais pensar a matéria como algo sólido, tangível. A matéria é granular e a realidade não é feita de coisas, mas de relações, de eventos. A física quântica não descreve como as coisas são, mas como elas acontecem. Como ensina Rovelli (2017, p. 132),

 

Não descreve onde está uma partícula, mas onde a partícula “se faz ver pelas outras”. O mundo das coisas existentes é reduzido ao mundo das interações possíveis. A realidade é reduzida à interação. A realidade é reduzida à relação.

 

 

São as relações que dão origem às coisas. Nós, como todas as coisas existentes, somos processos, fluxos de eventos “que, por um breve tempo são monótonos” (ibid., p. 133). A física quântica permitiu a descoberta de três aspectos do mundo: 1) Granularidade: o mundo é uma sucessão de eventos quânticos granulares; 2) Indeterminismo: o futuro não é determinado univocamente pelo passado; 3) Relação: os eventos naturais são sempre relações, interações. A física quântica, segundo Rovelli, nos ensina a não pensar o mundo como um conjunto de “coisas” que estão neste ou naquele estado, e sim como um campo de processos, de interações. Um processo é a passagem de uma interação a outra. E as propriedades das “coisas” se manifestam como granulares apenas no momento da interação, isto é, nas bordas do processo, “e são tais apenas em relação a outras coisas, e não podem ser previstas de modo unívoco, mas apenas de modo probalístico. (ibid., p. 134). Um elétron não se acha em lugar algum quando está em interação. Assim, a física quântica esteia-se no postulado do aspecto relacional de todas as coisas. Os elétrons não existem sempre, mas “existem apenas quando interagem” (ibid.).

 

Materializam-se em um lugar quando se chocam contra outra coisa. Os “saltos quânticos” de uma órbita a outra são a única maneira para tornar-se reais: um elétron é um conjunto de saltos de uma interação a outra. Quando ninguém o perturba, um elétron não está em lugar algum. (ibid.).

 

Bizarro este mundo? Mas este é o Universo de cuja trama ígnea surgimos como uma faísca do acaso. A loucura quântica ensina-nos que a realidade observada é dependente do ponto de vista do observador. Grchka Bogdanov alerta-nos sobre o seguinte:

 

(...) o sucesso da teoria quântica é o de se ter edificado à margem da razão ordinária e quase sempre contra ela. É por isso que há algo de “louco” nessa teoria, algo que doravante ultrapassa a ciência. Sem que o saibamos ainda claramente, é nossa representação de mundo que está em jogo e começa a balançar irresistivelmente. (ibid., p. 99).

 

Decerto, o mundo como representação, para falar como Schopenhauer, desmorona, a nossa maneira habitual de perceber e compreender a realidade é radicalmente abalada na mecânica quântica. Assim, se uma flor é colocada num lugar fora do alcance da nossa observação, aceitamos que ela não deixa de existir. Isso sabemos por experiência. Mas a física quântica mantém que, se nós nos detivermos a observar essa flor a partir do nível atômico, sua realidade profunda e existência estarão intimamente ligadas ao modo pelo qual a observamos. Portanto, não podemos assumir a existência objetiva de uma partícula elementar num ponto definido do espaço. Uma partícula só existe sob a forma de um ponto definido no espaço e no tempo, quando a observamos diretamente. Como enfatiza Grichka, “não deixa de ser perturbador constatar que a realidade observada está ligada ao ponto de vista adotado pelo observador”. (ibid., p. 104). Mas o que há de perturbador não é o simples fato de que o mundo percebido exista na dependência de quem o percebe, mas no fato de que o observador afeta o comportamento de suas partículas elementares no momento em que as observa.

 

3.2. A granularidade do espaço

 

O espaço também é granular em pequena escala. Os fótons se encontram no espaço, mas os quanta são eles mesmos o espaço. Os quanta de espaço são o lugar. Em uma escala muito pequena, o espaço não é contínuo, mas tecido por elementos finitos interconectados. Segundo Rovelli, “o espaço físico é o tecido resultante do pulular contínuo dessa trama de relações” (ibid., p. 170). A estrutura do espaço é um efeito do encontro entre dois grãos de espaço. O espaço não é, como costumamos imaginar, um recipiente amorfo onde as coisas se situam, aparecem. Com a gravidade quântica, as coisas não se situam no espaço, mas sim habitam a vizinhança umas das outras, e o espaço “é o tecido de suas relações de vizinhanças”. (ibid., p. 171). Novamente, devemos enfatizar que o mundo não é um conjunto de coisas, mas uma trama de eventos. As coisas não são; elas acontecem. O mundo não é constituído de entes, de coisas que existem, mas é um pulular flutuante de eventos, acontecimentos, processos. A mudança no mundo é onipresente. O mundo é puro devir. Consoante lembra Rovelli, “as próprias “coisas” são apenas acontecimentos que são monótonos por um tempo, antes de retornar ao pó. Porque, cedo ou tarde, tudo sempre retorna ao pó”. (ibid., p. 85, grifo meu). Se este mundo nos causa um sentimento de profundo assombro quando o contemplamos à luz da física quântica, como não experienciar espanto em face da raridade da vida num Universo tão enigmático?

 

É uma surpreendente coincidência que o universo seja do jeito que ele é. Os cientistas tendem a não se sentirem confortáveis com as coincidências, e a interpretação de muitos mundos oferece uma saída. Se o cenário de muitos mundos é verdade, talvez haja muitos universos diferentes lá fora, com constantes diferentes. Alguns entram em colapso num milissegundo. Alguns quase não têm matéria. Nós simplesmente habitamos um que é adequado à vida. (Seife, 2007, p. 227).

 

 

3.3. O presente não existe

 

Quando a física quântica mantém que o presente não existe, deve-se entender que ela nega a existência de um presente objetivo universal. A forma como nossas línguas ocidentais segmentam a experiência do tempo em passado, presente e futuro é enganosa. As relações temporais entre os eventos são, deveras, mais complexas do que supomos. Há mudança no mundo, mas ela não ocorre de acordo com uma ordem universal. A física quântica descobriu a indeterminação, de sorte que não é possível prever com exatidão onde um elétron vai estar amanhã. O espaço-tempo também flutua. A distinção entre presente, passado e futuro é flutuante e indeterminada, de modo que um acontecimento pode estar, ao mesmo tempo, antes e depois de um outro. Assim, segundo Rovelli (2018, p. 149),

 

 (...) o presente comum a todo o universo não existe. Os acontecimentos não são todos ordenados em passados, presentes e futuros: são apenas “parcialmente” ordenados. Existe um presente próximo de nós, mas não algo de “presente” numa galáxia distante. O presente é uma noção local, não global.

 

Ainda segundo o autor, subtraindo-se os efeitos quânticos, “tempo e espaço são aspectos de uma grande gelatina móvel na qual estamos imersos”. (ibid., p. 149). O autor ajunta, no entanto, que “na gramática elementar do mundo não existem espaço nem tempo: apenas processos que transformam quantidade físicas umas nas outras, cujas probabilidades e relações podemos calcular”. (ibid.). Como se vê, no nível mais fundamental de realidade que se pode conhecer atualmente, resta muito pouco do tempo que ordena nossa experiência habitual de mundo. Porque o tempo não é uniforme em todo o Universo? Por que temos a experiência da passagem do tempo no mundo de nossa experiência sensível, mas o tempo tanto quanto o espaço deixam de existir no mundo subatômico? Aqui como em outros casos, estamos imersos no Mistério. Considere-se, doravante, a realidade do vácuo ou o vazio.

 

3.4. O vazio na origem de tudo

 

No budismo, o vazio ou a vacuidade recobre a ideia da interdependência da existência de todas as coisas. O vazio não é o nada. Tudo que existe é permeado pelo vazio. O mundo fenomênico depende do vazio para existir. A vacuidade é, portanto, a realidade suprema, imperecível, imutável. Está além da vida e da morte. Para o budismo, a vacuidade é ausência de existência inerente. O budismo reza que os fenômenos carecem de densidade ontológica, ou seja, não existem em si, mas sua existência depende do observador. Em última instância, o mundo fenomênico é uma construção de meu cérebro.

 Também a física quântica nega que o vazio seja o nada, seja ausência total de existência. Ao contrário, o vazio ou o vácuo é cheio, ele fervilha de atividade. Grichka Bagadanov diz que não há lugar do espaço-tempo onde não se encontre “nada”: “em toda parte encontramos campos quânticos mais ou menos fundamentais” (ibid., p. 93). Portanto, pode-se depreender daí que o “nada” como possibilidade ôntica é uma ilusão. O vácuo é um palco de acontecimentos permanentes, de flutuações incessantes, de violentas tempestades quânticas, nas quais se criam novas partículas subatômicas que são, quase sempre, imediatamente, aniquiladas. Seife nos dá testemunho de sua perplexidade em face do caráter paradoxal do vácuo no seguinte passo:

 

Parece uma contradição dizer que o vácuo é o fenômeno mais complexo do universo. A própria definição do vácuo é a ausência de tudo, um espaço cheio de coisa alguma. Na década de 1930, entretanto, os físicos quânticos descobriram, para a sua grande surpresa, que o vácuo não está sempre realmente vazio. Ele fervilha de atividade, cheio até a borda de partículas e energia. (ibid., p. 189).

 

Num aspecto, a física quântica e o budismo concordam: o vazio é cheio, o vácuo não é o nada. É claro que isso não significa dizer que a vacuidade búdica signifique a mesma coisa que o vácuo da física. A vacuidade búdica se inscreve num registro ético que é estranho ao vácuo de que tratam os físicos. Mas tanto o vazio búdico quanto o vazio do Universo físico está impregnado de Mistério, esconde um segredo. Segundo Seife, atualmente, os físicos acreditam que o vácuo – “o vazio no espaço profundo” - abriga o segredo da mais recente dúvida da cosmologia: o que é a misteriosa força antigravitacional que achata o Universo e acarreta o afastamento das galáxias? Como o vazio é constituído de partículas e energias virtuais que, depois de se atualizarem, teriam produzido a deflagração térmica chamada de Big Bang, não é sem espanto que os físicos acreditam que “o que parece menos real, o vazio, teria sido a origem da nossa realidade” (Morin, ibid., p. 29). Se for possível dizer que o vazio é um vazio originário, então a sabedoria oriental e a física quântica encontram-se novamente em acordo, pois o budismo também crê no vazio originário, no vazio como realidade última.

Chegando ao fim do percurso destas minhas reflexões embebidas no espanto, reencontramos a imagem do mundo como um sonho mantido pela ilusão de Maya, na pena de Igor Bogdanov, que diz explicitamente que “nós sonhamos o mundo”.

 

Segundo a nova física, sonhamos o mundo. Nós o sonhamos como algo durável, misterioso, visível, onipresente no espaço e no tempo. Além dessa ilusão, todas as categorias do real e do irreal se esvaem. Assim como não podemos considerar que o gato de Schrödinger está vivo ou morto, também não podemos perceber o mundo objetivo como existente ou não existente. O espírito e o mundo formam uma única e mesma unidade. (ibid., p. 143, grifos meus).

 

 

Estaria a física quântica validando a tese do idealismo transcendental? Estaria admitindo um metarrealismo como a melhor abordagem do Universo? Guitton não hesitaria em dizer que esta é a melhor abordagem para tentar tornar menos misterioso o Mistério em que estamos mergulhados: “não podemos dizer que o espírito e a matéria simplesmente coexistem: eles existem um através do outro”. (ibid., p. 144).

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. GUITTON, Jean; BOGDANOV, Grichkva; BOGDANOV, Igor. DEUS E A CIÊNCIA. Trad. Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

 

2. MORIN, Edgar. Conhecimento, ignorância, mistério. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

 

3. ROVELI, Carlo. A realidade não é o que parece: a estrutura elementar das coisas. Trad. Silvana Cobucci. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.

______________. A ordem do tempo. Trad. Silvana Cobucci. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

 

4. SEFIE, Charles. Alfa e Ômega: a busca pelo início e o fim do universo. Trad. Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

 

5. ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia. Trad. Nilton Almeida Silva, Cláudio Giovani Bozza, Adriana Franchini De Césare. São Paulo: Palas Atenas, 2020 (1986).