Mostrando postagens com marcador homossexualidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador homossexualidade. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

"Eu adoro ver uma garota sair e conquistar o mundo pelas lapelas. A vida é escrota. Você tem que encarar e quebrar tudo." (Maya Angelou)

 

                          



                               A BIODIVERSIDADE

 

Quem atrever-se a pedir razoabilidade ao comportamento humano deveria consultar os anais da história para verificar que a loucura, a insanidade, a desrazão, a perversidade acompanham a evolução da espécie humana desde tempos remotos. Conta-se que, em Sodoma e Gomorra, a prática de infanticídio era comum no modo de vida dos cananeus, habitantes daquelas regiões. Escavações em Megido, Jericó e Gezer revelaram uma área inteira que teria sido um cemitério de crianças. Era comum o sacrifício dos alicerces naquele tempo: quando se construía uma casa, sacrificava-se uma criança e seu corpo era depositado em um alicerce, porque os habitantes da casa acreditavam que isso traria felicidade ao resto da família. Antropólogos, historiadores, arqueólogos dirão: felizmente os costumes mudam , o processo civilizatório tende a coibir tais práticas , a Lei as tipifica como crimes... mas o que me inquieta é que, algum dia, tenha sido possível praticar o infanticídio como parte de um ritual religioso, que, algum dia, grupos humanos tenham podido acreditar que, ao fazê-lo, tornaria feliz ou bem-aventurada a vida de seus familiares. Como não há uma autoridade metafísica e divina, que possa julgar os criminosos e a quem até possamos imputar a responsabilidade pela criação de seres tão insanos, desvairados e perversos, resta que dentre um grupo destes seres extravagantes, excêntricos subsistam alguns ajuizados, esclarecidos, que concluam que, se a prática de infanticídio se tornar uma prática generalizada e normal na comunidade como um todo, ao fim de 60 ou 70 anos, não sobrará mais ninguém para dar continuidade à espécie. Então, instituiu-se o interdito pela Lei proibindo que crianças sejam sistematicamente assassinadas, com punição aos perpetradores do assassínio. Talvez, a seleção natural tenha alguma participação nesse processo de esclarecimento gradual da humanidade. Talvez, a Natureza, mais sábia que estes macacos pelados ufanos, tenha contribuído, sem planejamento e intenção, para selecionar aqueles que poderiam pôr fim a uma barbárie, que, se não cessasse, levaria à extinção a espécie. A Natureza parece “saber” mais que o animal humano que a vida é que deve ser o valor maior a ser cultuado, cultivado, perpetuado em toda a sua diversidade. Que a morte só pode se dar na medida em que contribui para a eco-organização do todo. O excesso de morte responde ao excesso de vida. A oposição entre a fecundidade desenfreada ( que gera um crescimento exponencial da população) e a mortalidade sem peias desempenha o papel de regular mutuamente os níveis demográficos. Assim, a natureza opera por meio do processo de reorganização que é parte inerente ao processo de desorganização. A eco-organização é nutrida e regenerada não apenas pela vida, mas também pela morte, e é regulada pelo antagonismo entre os excessos de vida e de morte. Todos os ecossistemas tendem ao equilíbrio e parecem lutar contra as tendências do grande predador humano para causar sistematicamente o desequilíbrio, para arruinar a ordem, para deflagrar a morte em excesso. As sociedades humanas se instituem a partir deste princípio natural: a necessidade de se reorganizar, de produzir continuamente novas ordens em meio à irrupção necessária das desordens, das perturbações. Todo excesso seja para o lado da ordem (totalitarismos) , seja para o da desordem (entropia), deve ser combatido. Uma lição que os macacos pelados ainda não conseguiram aprender com a natureza é que a eco-organização é inseparável da constituição, da manutenção e do desenvolvimento da DIVERSIDADE BIOLÓGICA - diversidade, aliás, é um fato biofísico que esses animais doentes, loucos e desnaturados insistem em recusar no modo de organização de suas sociedades e culturas. É em virtude dessa insistência com que esses animais erram na aprendizagem da diversidade como um elemento vital constitucional da biocenose (o conjunto de todas as interações entre os seres vivos no meio geofísico) que ainda é preciso combater os preconceitos ( no sentido amplo do termo, tanto como pré-concepção enganosa ou falsa quanto como repúdio, aversão) contra o que é diferente, diverso de um padrão normativo, que eles mesmos criaram na vida comum, um padrão que não é algo dado (decretado, posto) nem por um deus, nem legitimado pela ordem natural. Felizmente, vivemos numa época histórica em que as vozes da diversidade em todas as suas legítimas manifestações clamam e lutam pelo direito de reconhecimento, de viver, de contribuir para a construção de sociedades mais democráticas e plurais. Esse movimento vital, essa agonística devem ser estimulados, devem ser intensificados contra as forças reacionárias, conservadoras, contra as mentalidades esclerosadas que persistem em reagir contra o modo de ser da vida, que se manifesta como pluralidade, diversidade e exuberância.

 

(...)

 

Aquele caso de Sodoma e Gomorra se me deparou num livro que versa sobre o que diz a Bíblia sobre a homossexualidade. Não há, como já sabia, pois já havia lido outro livro dedicado ao tema, nenhuma condenação bíblica da homossexualidade, ao contrário do que acreditam o homem comum e os fundamentalistas... enfim... mas o que me deixa deveras estarrecido é como se pode ainda hoje tomar a Bíblia como referência para fundamentar a moral e os costumes. É claro que muita gente ignora que as morais modernas é produto de um longo processo de secularização. Nem tudo na Bíblia serve de parâmetro para normatizar o comportamento moral do homem moderno, pelo menos nas sociedades industrializadas ocidentais. Em Juízes 19, por exemplo, conta-se a história de homens que desejavam estuprar um homem estrangeiro hospedado na casa de um levita. Esse relato é semelhante ao caso de Sodoma e Gomorra. O hóspede deveria ser entregue aos homens para que fosse violentado sexualmente. Mas o senhor da casa se nega a fazê-lo e oferece sua filha virgem e sua concubina para que fossem estupradas no lugar do forasteiro. E assim elas foram abusadas “toda a noite até pela manhã”. Tal costume (o de oferecer mulheres para que fossem estupradas no lugar de um forasteiro) é simplesmente repulsivo às sensibilidades modernas. Todos nós sentimos repulsa a isso. E as mulheres hoje deveriam todas se sentirem escandalizadas e deveriam se recusar a admitir qualquer tentativa de usar a Bíblia para admoestá-las e moldar seu modo de viver, de ser, de pensar... enfim, sua conduta... Sabemos que a sociedade judaica dos tempos bíblicos era patriarcal; que o patriarcado é uma herança nefasta que herdamos das culturas que constituem o berço da civilização ocidental. No mundo antigo, as mulheres eram servas dos seus maridos. Essa condição de submissão, de servidão das mulheres é patente nos textos bíblicos.  Simplesmente os códigos morais vigentes à época – estamos falando de um período que cobre os séculos VIII e  VI a.C. – não são os nossos, não podem balizar nossas condutas nas sociedades modernas de hoje. Mas ainda encontramos milhares de mulheres ostentando a Bíblia, pregando a Palavra de Deus em favor da “Família Tradicional” (lê-se “família patriarcal”) a outras mulheres!... Eis aí um caso emblemático do oprimido que aceita a sua opressão por não se reconhecer como sujeito que vive em condições históricas de opressão... Não quero aqui suscitar discussões intermináveis sobre religião e Bíblia, embora muito me agradem... (sou ateu), mas não sou nenhum perseguidor de religiosos... Embora eu acredite que eles vivam num mundo construído por um imaginário-simbólico entretecido por suas fantasias (mas também sei que todos nós vivemos nossa relação com o real pela mediação da fantasia no sentido de Lacan... nós evitamos o confronto com o real como condição necessária para podermos suportar a existência (mas isso é outro tema)...

Está claro, para quem quer que se debruce sobre as Escrituras Sagradas, (particularmente, sobre o Antigo Testamento) que o que lá encontramos é uma literatura heterogênea que reflete os modos de viver, de pensar, de se organizar politicamente e de compreender o mundo, próprios de  comunidades humanas que viveram  do século VIII ao século VI a .C, e que tais condições históricas são muito diferentes das nossas. A Bíblia – não me canso de repetir – é uma obra humana, demasiado humana. É produto de acontecimentos socioculturais, políticos, econômicos que cobrem a extensão territorial que inclui hoje o Líbano, Israel, partes da Jordânia, Egito, Palestina e Síria. Em suma, toda uma região banhada pelos rios Tigre e Eufrates. Lá se encontra o berço da civilização ocidental (sem esquecer os gregos e romanos, evidentemente)... mas o bebê cresceu e deveria ser capaz, agora adulto, de emancipar-se definitivamente de seus pais e seus preconceitos milenares...