A Vontade e Brahman: Schopenhauer descobre os Vedas
Maya, em sânscrito, tem o significado original de
“poder criativo-mágico” do Divino. Através deste poder (Maya), Deus se torna o
mundo, e o mundo, no final, se torna Deus. Deus encena uma peça, chamada
“lila”, e o mundo é o grande palco onde acontece essa peça divina. Brahman, a
realidade última, é, assim, um grande mago que se transforma no mundo. A
palavra “Maya”, de “poder criativo mágico” passou a significar, com o tempo, o
estado psicológico de um ser humano sob o feitiço ou encantamento da peça
mágica. A ilusão de Maya é o estado em que nos encontramos cotidianamente
quando tomamos os acontecimentos, os eventos do mundo como existindo objetiva e
independentemente de nós. Estamos presos no feitiço de Maya quando tomamos o
nosso “eu” como distinto do “mundo”. Sob o feitiço de Maya, ignoramos que
Brahman, a realidade última e Atman, a nossa alma individual, a fonte última e
mantenedora de todos os seres, é Um, formam uma Unidade: “Tu és isso”. É o que
nos dirá também Schopenhauer: meu corpo e meu pequeno “eu” não são mais do que
a manifestação (aparência) de uma mesma Vontade da qual o mundo é um espelho,
tal como Brahman é o próprio mundo no seu jogo transformístico. O ensinamento
básico dos Vedas é que as coisas e os eventos fenomênicos são manifestações de
uma mesma realidade última (Brahman). Quando Schopenhauer diz que sua doutrina
expressa, em linguagem racional, a essência da sabedoria Védica, ele está
afirmando que sua doutrina ensina o que ensina basicamente o hinduísmo: toda
ordem fenomênica é objetivação de uma única e mesma Vontade, todos os seres
existentes são manifestações de uma única e mesma Vontade. Mas Schopenhauer não
chega a assumir todas as consequências de sua apropriação da metafísica
religiosa hindu. A Vontade, que Schopenhauer diz ser a essência do mundo, não
chega a se identificar totalmente com Brahman, já que Brahman, embora
onipresente, é o Divino que se transforma no mundo, é uma espécie de mago
dotado de um poder criativo e mágico (maya); o mundo é criação do poder mágico
do Divino, mas Schopenhauer insiste em que a Vontade não é a causa eficiente do
mundo, o que não nos impede de ver nela um pouco das qualidades místicas de
Brahman, já que, tal como Brahman é Atman quando se expressa na forma da alma
humana, a Vontade também se objetiva em cada fenômeno, em cada ser do mundo
orgânico e inorgânico. As aproximações da filosofia de Schopenhauer com a
escola Vedanta, que se baseia nos Upanishads, não devem, portanto, ser
substimadas. Os hindus ensinam “moksha”, a experiência de libertação do
encantamento de Maya, assim como Schopenhauer ensina a “negação da vontade”
como o caminho de libertação última da tirania da vontade, do desejo, que nos
faz querer viver a vida mesma tal como se nos apresenta submetida ao encanto de
Maya, identificado por ele com o “principium individuationis”. A metafísica da
Vontade em Schopenhauer não pretende ser uma explicação da causa primeira do
mundo. A filosofia, para ele, não deve se ocupar com o “de onde veio o mundo”
nem com o “para que existe”, mas apenas com “o que é o mundo”. Sua metafísica
busca compreender no mundo o fundamento mesmo desse mundo. A metafísica,
segundo Schopenhauer, não é apenas uma interpretação, mas é, sobretudo, uma
decifração. Decifrar o enigma do mundo é compreender a coisa-em-si, a saber, a
Vontade, cuja natureza é metafísica.