Rasuras e
rascunhos de amores
A minha breve ingênua história
Aquele copo de cerveja. A embriaguez
fingida. A encenação cativante. E lá estava Ana Paula desejosa de se apossar de
mim. Ana Paula tinha um corpo voluptuoso, mas meu coração não se inclinava a
ela. Curiosamente, ele se enfeitiçara por outra Ana Paula. Por quem chorou. Era
a época de minha adolescência.
Depois, já no segundo grau, conheci
Marcelle, que me roubara um mês de serenidade, quando se despediu de mim para
tomar aquele avião rumo a Portugal. Mal havia requestado sua afeição, precisou
partir. Nos correspondíamos por cartas. Tendo voltado Marcelle, o fantasma do
Dinho, do grupo Mamonas Assassinas, resolveu importunar-me as promessas de amor
eterno que eu fizera a ela. Nos encontramos alguns dias depois de seu retorno.
Dois encontros, e ela decidiu pôr um ponto final em nossa breve história de um
amor promitente. Voltei para casa em pranto. Era 1999, e eu contava 17 anos.
No ano seguinte, já decidido entregar
toda minha alma ao amor, tentei requestar a afeição de uma jovem professora.
Eu, com meus 18 anos, e ela, talvez com os seus 25. Lhe ofereci margaridas e me
ficaram justificativas. No entanto, para a minha felicidade, naquele mesmo ano,
conheci Monique. A ela dediquei os três anos e sete
meses mais liricamente intensos e inflamados de paixão de minha vida. A ela
compus a maioria de meus versos. Fora um período de entrega e perturbações do
coração. Foi quando se me aflorou o ultra-romântico que determinaria até então minha
peregrinação amorosa.
Embora tenha resistido à ideia de que
Monique não seria a mulher ao lado de quem gozaria uma tórrida noite de
núpcias, tendo permanecido ao seu lado reprimindo minha pulsão sexual por amor
(um amor castrador), decidi deixá-la. E
doeu, como doeu! Era 2004. E naquele mesmo ano, conheci Carolina, a quem não pude
corresponder os mesmos favores e frescores líricos que me destinava. E a quem
dediquei este poema, passado algum tempo de nosso rompimento - um poema de cuja
existência ela sequer sabe.
Carolina
Hospeda
lancinante n’alma,
Sobeja
saudade soterrada,
De ti,
Carolina, borboleta
Reminiscência
pousada!
Devorados
livros, um mogno de projetos,
As letras na
mente adejando, tristeza...
Lamúria
familiar, Carol se esqueça
Deste remido
inquisidor dos mistérios
Ah! Bênção
renegada! os lêmures visitantes
Já se riem
do engano nímio daquele tempo,
Versos
fartos, forjados à meia-luz no aposento
Versos
vácuos: sombrios olhares ludibriantes!
Os projetos,
Andorinha Cordial! são o inverso
Dos sonhos,
que a este insulado homem confiou
Plasmam a
corja de olhares que não me assaltou
São todos
deveras reais como lápides de cemitério
Apenas de
ti, já envolta aos braços outros, de fato
Sei, porque
vi, Feição Inolvidável! sorrias junto aos
[braços
Entregando-lhe,
Gratuidade!, cada estrela que no quarto
Lembro:
adeus!, vejo, acenando, Astro-lábio de meus
[rastros
(BAR)
Estava terminando o curso de Letras e Carolina também compunha seus versos. Também era estudante de Letras. Mas não pude amá-la. O fantasma de Monique ainda jazia em minha memória. Os anos que se sucederam trouxeram-me à alma a depressão, mas também a prosperidade acadêmica. E durante todo esse tempo, a poesia ultra-romântica não cessava de romper-me da alma. E os versos pululavam no papel. Uma enxurrada de poemas compostos na verve do romântico maldito em que me transformei. Foi possuído de um estro lírico que me assaltava o descanso das noites, que me tomava as horas da tarde, e que tornava mais densa, mais pungente, embora também mais lúcida para a consciência, a depressão. Na depressão da alma, erigia meus versos de amoroso talante. E as mulheres que eu desejava amar, que não pude amar eram sombras a visitar-me à noite. Eram espectros a ocupar-me o espírito, conturbado e impregnado de um lirismo endoidecido e fatal. Fatal, porque me fazia morrer cada vez mais para o mundo.
Em 2007, após a ruína da alma, conheci
Valquíria, a quem ofereci alguns versos e um buquê de rosas. Não preciso dizer
que a Monique também oferecia muitos buquês de rosas. Mas Valquíria não me
compreendia, não me atendia os apelos do coração. A ela ofereci estas linhas:
Dileta moça, a quem dedico estes poemas,
aceite-os com o coração terno, pois que resultou da expressão de um coração
inflamado, que anseia por acolher-te no seu recanto. Estes poemas são teu, só
teu. Somente a ti ofereço, porque me foste amável, acolhedora.
Estes poemas são só teu. Lê-los desobrigada de testemunhar tua impressão
sobre eles. Lê-los quando estiveres sozinha, ou quando uma tristeza te pousar
no espírito. Lê-los a fim de lembrar-te de mim. Lê-los quando não te restar
algum passatempo melhor. Lê-los para afagar teu espírito. Lê-los para acalentar
teus sonhos. Lê-los para que nunca se esqueça de que existe um poeta que teu
sono divinal deseja velar.
Querida Val, graças a ti, tenho estampado no semblante uma alegria que me
foi furtada da alma, quando sobre mim recaiu o vento negro da solidão. Gostaria
de que estes singelos poemas e tantos outros que escrevi perdurassem em sua
vida... Gostaria de que tu os lesses no refúgio de teu quarto, à meia-luz... E
meditasse por longas horas sobre minhas palavras... E com o coração acalentado
por elas, detivesses-te a pensar em mim... Pousada em tua cama, com o espírito
pululando de sonhos, se te afigurasse que por ti nutro um carinho inefável...
Ah! Pudera contigo nestas horas estar!... Não obstante minha ausência, saberás
que, no silêncio de meu quarto, ouvirei tua voz ecoando-me no coração... E em
ti pensarei detidamente... Inundarei minha alma de fantasias de amor! Ah!,
dileta moça, devotarei a ti meu desmedido lirismo!
Há muito, à meia-luz, em meu quarto, venho dispensando incomensurável
esforço intelectual à idealização de um amor, que me escapa ao abrigo do
coração, ainda que subsista em minha mente como um navio naufragado no oceano.
Há muito, querida Val, venho-me esforçando por contentar a alma feminina, à
semelhança de um príncipe, porém renegado, dos contos de fada. Ah! Ver na vida
tudo quanto não se conta nas histórias da princesa e do plebeu faz-me debruçar
sobre a cama em pranto convulso. Dói-me sentir o desamparo... Porém, estou
bem... Estou mais otimista... Mais desejoso de experimentar a afeição
feminina... De uma mulher bela, carinhosa, em cuja alma habite um mar de
fantasias amorosas... Ah! Ter em meus braços a mulher cujas feições compuseram
meu imaginário por longo tempo! E crer em que essa mulher és tu revigora-me o
espírito e acalenta minha esperança.
Á Valquíria, com muito carinho!
Em 2008, foi outra moça, chamada
Renata, que fez minha alma embebedar-se no lirismo novamente. Ela foi a
motivação para estes versos.
Aromas de um Anjo
Virgem este teu cheiro o céu me torna próximo
Morrer em rubros lábios que incendeiam este viver!
Cemitério de sons cadavéricos que brinda o anoitecer
Neste sonhar
largo recôndito inóspito!
Meu coração emurchecido é desditosa nau
Que se lança às vagas de amoroso pranto
Dos goles de um amor que encarnou um mal
Faça embalar teu venturoso Canto!
Teus angélicos olhos quando fitando
Senti n’alma irromper clarões
De coxos sentimentos de prisões!
Paixões que me tornam tão pequeno
Como um grão de escuro esquecimento
Que teu cheiro devora impregnando!
(BAR)
Mas o texto que mais alento e tempo me tomou foi este, tecido em prosa e delírio, e também a ela dedicado.
A estrada
de amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem
destino. E a casa do amor – em cuja porta não se chama e não se espera – fica
um pouco adiante.
(Guimarães
Rosa)
Meu coração está umbilicadamente
unido ao seu
De um lado, o mar de
esperanças que deita as escumas como cassas bordadas por Érato, acarinhando-me
as bordas dos dedos dos pés; acima, a abóbada celeste, banhada em azul-ferrete,
estampando seus pequenos diamantes cintilantes, envolve-me qual o manto da
Virgem Senhora, concedendo paz e alento a este pegureiro dos versos. Do outro lado, o descampado que se
estende a perder de vista sobre o qual repousa a treva; ermo, sombrio, pela sua
superfície cálida e infértil, vagam almas atormentadas que a terra expulsou do
túmulo... Espectros vadios a que a vida deu vertigens de amores sublimes,
inalienáveis e intangíveis.
Após
muito errar, detenho-me, nestas horas em que invoco as Musas, como o faziam os
antigos amantes da pena, na extensão limítrofe com aqueles dois espaços; de um
lado, o ressonar do mar plácido com suas vagas afagando rochedos, para o qual
declina o lume da lua alva. Berço recôndito e sacro da lassidão é, pois, esse
cenário – uma dimensão psíquica que me enreda o coração a imensos sonhos, com
seus largos braços em que descansa a ternura divina; do outro lado, o uivo do
vento que estremece a terra, o escarcéu dos espectros em divagação, o ranger do
céu anuviado, metido, agora, numa densa atmosfera escarlate, que em desespero e
loucura banha toda vida errante que ousa lançar a terra suas virtudes.
Estas
palavras que arremesso à vida prematuramente são filamentos algodoados por que
teço o vestido de amor que há de revestir sua alma. Dorme sua alma num mistério
que me enternece e me extasia. Uma emoção indistinta me inunda o seio, detenho-me
novamente em seu olhar – sacrário da ternura -, hesitante entre sua permanência
angélica e seu ir-se sempiterno... Olhar que me escapa aos anseios da pena, que
pena a esperar por uma gota de amor que o recrie nos versos.
Seu
olhar tem a permanência das vagas que se derramam grávidas de candura e alento
e se retraem levando consigo os suspiros servis de minha alma de amor
endoidecida. Quando a fito, imersos seus olhos em eflúvios de Afrodite Urânia,
noto-lhe a presença ausente em que meus olhares furtivos de amor se perdem.
Não
sei que haja um sorriso que acarinha o Céu tão docemente, por vezes, pego-me a
namorá-lo com este meu olhar lânguido que embala o mundo todo na pequenez do
delírio humano. E neste sorriso que me influi um alento imaculado, que fecunda
cada verso lavrado nos campos floridos e férteis do âmago, vejo estilhaçados
outros olhares que a assaltaram, por ventura, sem que você lhes divisasse a
embriaguez poética, sem que lhes sentisse a viração em que navegam as almas
sonhadoras, insanas, que Deus à vida lança para se tornarem escravas da Lira
dos Byrons, dos Azevedos, de toda sorte de gente desgraçada que negaram o
mundo, cantaram um amor que as Alturas faz render.
Ah!
E os cabelos num azul que exala a vida, deitadas as madeixas nas espáduas,
quando recolhidos, deixando-lhe nu o toutiço! É neste átimo que o tempo oculta
aos que ignoram os lírios-do-vale que sinto invadir-me a alma a mansidão a que
se abandonam os benditos. Benditos, sim, os que, por generosidade de sua alma
ou por um pestanejar descuidado dos olhos de Deus, tiverem entrelaçados aos
dedos os dedos de sua mão que me visita os sonhos de ternura amorosa para
acarinhar-me o seio. Benditos aqueles que, encerrados no peito, tiverem os
segredos e as margaridas de seu coração. Benditos, sim, aqueles que lhe
inspirarem o amor que a fez carne num dia santo, em que o Céu abriu os salões
divinais para cantar, celebrar e anunciar, ao som de cítaras, flautins e
clarins, o nascimento de um pedacinho do céu na Terra. Benditos, sim, os que se
deleitam em amor tão santo, pois que, em outros corpos plasmados nesse amor,
haverá de residir, ao menos, uma feição sua, uma parte que recobre tudo e que
forja dimensões infindas que outros Arqueiros de Eros, quiçá, ousem visitar
para desvendar as delícias de sua progênie, nos caprichos divinos sobre os
quais essas dimensões repousam. Benditos, enfim, aqueles que se consumirem em
densas meditações, na solitude, para, laboriosamente, edificar versos e frases,
que à vida vêm, para beijar-lhe as orlas dos pilares que sustêm toda a pureza
de que seu corpo está impregnado.
Não,
agora cessarei de escrever. Estanco em qualquer caminho... Esta carta que me
nasce das mãos, outrora, estivera a suplicar a existência em meu coração;
provavelmente não pouse em suas mãos; não é digna de você. Fora-me extraída das
entranhas da alma; inçaram-na sonhos fátuos, delgados e límpidos; mas não posso
pretender que ela lhe caia nas mãos, após ter alçado vôos tão altos. Adarvada
de ameias altas está sua alma e seu olhar, e minha alma, esmorecida,
esgueirando-se como uma sombra mete-se por corredores obscuros da existência,
que a levarão a lugares inóspitos, onde uma dor arquejante será seu solar.
Mas
isso que lhe importa, se não nutrir por mim amor? A menos que seja o amor que
mantém viva toda criatura; uma compaixão pelos mendigos, pelos enfermos; esse
amor, então, de que eu não desdenharia, porque todo mendigo agraciado divide
com pombos as migalhas do pão da misericórdia (crendo, assim, reconciliar-se
com os Céus), tão-só me tornaria ainda mais pulsantes as palavras; e sua
permanência indistinta, que justifica as linhas, que incita o balé da pena, que
faz brotar-me da alma estas prematuras flores verbais, me legará a tristura
maciça que, como pedra, arrastarei na alma.
Como,
contudo, em Clarice se acha consolo, “por enquanto é tempo de colher morangos”.
Se o leitor chegou ao final deste texto,
se não se sentiu nauseado pela sua doçura lírico-romântica veemente, deve ter
sido capaz de inferir daí por que a moça a quem o destinei silenciou e foi
indiferente aos apelos de meu coração. Que me cuidem excêntrico, mas não me
neguem ser este texto um testemunho de vida de um autêntico ultra-romântico.
Isso, sim, é a mais fidedigna expressão do que é ser romântico. Todo romantismo
de que se ouve falar nestes tempos de amor líquido é balela. Tolices que
ludibriam os corações que só conheceram o romantismo pelos textos da literatura
clássica.
Alguns anos de análise me ajudaram a
compreender por que estas expressões líricas me condenavam ao infortúnio, ao
invés de conduzir-me pelas longas e floridas estradas do amor.
Este poema a seguir também fora escrito
para essa moça:
Olhar de despedida
Longo olhar cuja delicadeza encerra
O mar de deleite em que me navega o seio
Ouso com uma lágrima cingir-te ao peito
Mas teu olhar inclemente depõe reza
Enlaçar-te um beijo, então, de chofre pudera
Com a loucura de Werther e o denodo de Fausto
Sem que este olhar que é de minh’alma o claustro
Deite caminhos que me consumirão a Primavera
Como anjinhos traquinas à sacada do Templo
Olores de mirra ao Cristo tomados
Lança-me a convidar a ceia dos abençoados
Mas quando a alma da esperança entra na balsa destemida
Faze rugir de teu olhar a tempestade e um sonho imenso
- Presságio sempiterno de um olhar de despedida.
(BAR)
E não poderia esquecer-me de Dani
(chamava-se Daniele), para quem meu coração se inclinou naquele mesmo ano. Por
um breve momento. A ela também enderecei alguns escritos, um dos quais foi esta
carta desqualificada.
Mais uma carta apenas
É só mais uma carta. Uma carta tecida
por sentimentos venosos que se interpenetram, plasmando as dores que na alma
arrasto. É só mais uma carta. Uma carta cujas palavras me foram lapidadas
laboriosamente no espírito e embebidas no sangue vivaz de meu coração. É só uma
carta a mais. Uma carta à qual se podem reunir tantas outras eventuais,
escritas, quiçá, por pretensos amantes, homens estúpidos, que ostentam uma
catadura insinuante e aos quais, porém, rendem lágrimas alguns corações. É uma
carta apenas, nada mais. Uma folha de papel estéril, suscetível ao abandono, a
estar confinada numa cesta de lixo, junto a resíduos orgânicos intoleráveis a
nossa fisiologia humana. É só mais uma carta. Uma carta que, reunida àqueles
resquícios orgânicos apodrecidos, também se putrefará; as palavras de que se
compunha se tornarão pútridas e se esfacelarão, na força inexorável do tempo.
O tempo cuidará de consumar a dorida
transfusão a que estará submetido aquele pedaço de papel... Pois é apenas um
pedaço de papel... Um tumor verbal excretado pelo meu coração; é apenas uma
excrescência que faz ficar combalida a harmonia sacra da pureza dos sentimentos
benévolos que habitam seu coração. É só mais uma carta. Dentre as muitas
escritas a custo de lágrimas, numa inquietude sobremaneira incomum, mais uma
carta retalhada na indiferença e no silêncio. É só mais uma carta. Uma carta
que não poderá relutar contra o fim a que será destinada, quando, talvez, outro
atrevido, conquanto estúpido, pousar os olhos sobre seu templo imaculado,
estampando, perfilados, os quartzos translúcidos e assaz polidos, que lhe ornam
o limiar do céu da boca.
É uma carta apenas. Uma carta que Deus
destina, impiedoso, à vacuidade fossilizada no coração humano. É apenas mais
uma carta, uma folha de papel. Uma carta de emoções rasgadas e lançadas como
areia à imensidão do céu; cada qual delas, dispersa ao vento, que as arrasta
para os confins da treva, onde haverão de dormitar, relutando em obedecer à
vontade dos fados, tentará, debalde, enlaçar-se a uma gota de misericórdia
divina, que resvalará no anseio, diluindo-se em milhares de gotículas de
esperança, que caem suavemente no sertão de meus sonhos.
As palavras que naquele pedaço de papel
dormiam rangerão como range a carne sob uma vestimenta de espinhos... Os sons
plangentes prantearão sua alma... Irromperão no seu silêncio, enquanto ouve Sozinho...
É apenas uma carta.
Também a Dani, dediquei este outro
texto e este poema que destaco dentre os dois que lhe escrevi, tendo toda a
alma empregado para cortejá-la:
Desarmonias verbais – Do outro lado do texto
Ante
o computador... Entre os dedos, uma caneta esferográfica azul... Debruçado
sobre um caderno comum, ponho-me a escrever, rejeitando lugares-comuns,
aquietando as idéias que me pululam na mente, acarinhando os sentimentos que me
incitam a continuar a escrever essas linhas sem destino e desamparadas... É,
estão desamparadas, porquanto não defini, ainda, meu plano de produção textual.
Todo aquele que escreve, ou melhor, produz um texto, oral ou escrito, o faz
valendo-se de estratégias e procedimentos, com vistas a auferir êxito.
Primeiramente, o produtor precisa ter a intenção de comunicar, ou melhor, de
praticar uma “ação verbal”... Que pretendo eu com esse “universo semântico”
lapidado na minha alma? Não se trata de um produto de introspecção... Escrevo
porque viso a algum objetivo... Qual será?... Pretendo escrever sobre o cosmo
feérico que a expressão poética me permite construir nos vastos dias que se
transcorrem... No entanto, “cosmo feérico” tem alta carga conotativa e nada
esclarece sobre o que vou, deveras, escrever... Tudo bem!... Vou escrever
sobre... Sobre a paixão que cultivo pela linguagem... Escrevo porque admiro a
forma das palavras, sua sinuosidade, seu “mistério semântico ou simbólico”...
É... Por exemplo, a palavra “inefável”, enquanto unidade sonora (/i/, /n/, /e/,
/f/, /a`/, /e/, /l/), é opaca, surda e muda. É “opaca” porque não nos permite
“penetrar” na sua natureza semântica, para desvendar-lhe o significado; é
surda, porque não é sensível à natureza (re)criadora do poeta, que está sempre
ávido por acrescentar-lhe mais um “sentido”; é muda, enfim, porque não me
representa nada... não me diz nada do mundo, das coisas do mundo, dos seres que
nele habitam, do estado-de-alma dos seres... em suma, não me fala ao
espírito.... No entanto, conhecendo seu significado convencional, posso
valer-me dela para “expressar o inexprimível”. “Inefável” significa “indizível”.
A linguagem é fascinante mesmo!... Até o que não significa comunica, significa,
representa alguma coisa, mesmo que essa “coisa” seja o “nada”. Concluo que esse
texto se reveste de idéias “inefáveis”. Na verdade, o texto está aqui... em
minha mente, como uma estrutura significativa subjacente que vai tomando forma
à medida que eu escrevo... À construção de um texto subjazem várias
capacidades, uma das quais é a cognitiva... O texto é uma estrutura semântica
mergulhada na mente, que se materializa por meio dos sinais lingüísticos... Há
um texto boiando-me na mente... Não posso, entretanto, regurgitá-lo à fina
força... Devo esculpi-lo no estado bruto do pensamento... Descreio, contudo, da
existência de um pensamento pré-lingüístico; só há pensamento nos quadros da
linguagem; não há pensamento sem linguagem... Controvérsia teórica...
Vou
procurar determinar o destinatário desse texto. A quem escrevo?... O texto só
pode “existir” para um leitor, que lhe conferirá a devida coerência... Que
leitor é esse? Quais os meus pressupostos em relação a ele? O leitor é,
deveras, uma leitora... Isso... Escrevo a uma moça... É uma mulher da qual sei
pouco... No entanto, deduzo ser ela muito afeiçoada, ou melhor, dedicada ao
estudo, ao desenvolvimento de sua capacidade cognitiva... Suponho, logo, que
ela tenha inclinação para a leitura... Suponho ser ela uma leitora assídua...
Creio em que ela é, pelo menos, sensível à expressão lírica... Talvez, idéie
ela um mundo “romântico” também, onde o homem exalta a natureza verdejante e o
amor se manifeste na unidade de duas almas pré-destinadas a viver a comunhão de
seus templos... Talvez, a leitora ria-se deste mundo nosso que, à força da
modernidade caótica, esvazia conceitos, tornando-os vácuos. Talvez, lamente a
vacuidade das relações humanas... Talvez se ria dos falsos românticos, que,
sequer, como diria o poeta Cazuza, são “exagerados”... Uma rosa não é um
sentimento, ou melhor, um estado-de-alma... É um símbolo, esvaziado, esmagado
por todo aquele que se diz romântico, sem o ser... O romântico é, em última
instância, um estado-de-alma, e não uma atitude. Perdoe-me a leitora, porque
insisto em reafirmar o que é ser romântico. É que todo romântico é, decerto,
uma voz sufocada num tropel; é um grito ofegante no mundo que lhe é tão estranho
quanto medonho. As páginas preenchem as lacunas amorosas que se fincam no âmago
do poeta romântico... As páginas são a companhia na soledade... E muitos
românticos erram pelos caminhos líricos que o levarão ao infortúnio ou à
incerteza da ventura amorosa... Os românticos estão por aí... calados,
taciturnos, preferindo negar a si mesmos, preferindo ser o que não são... Os
românticos não vão à televisão... Não estão numa pista de dança... Estão, sim,
envolto às palavras, num quarto, à meia-luz, meditando, profundamente, sobre
Deus, sobre a existência humana, sobre a realidade sócio-cultural e econômica
em que está mergulhada a sua classe social; chorando pelas vezes em que foi
abandonado por amores esmeradamente nutridos... Expressando verbalmente suas angústias
e frustrações... Dedicando-se ao bem-estar de sua família, estudando ou
trabalhando como qualquer cidadão... A leitora, entretanto, não deve estar
interessada na definição da natureza do romântico típico...
Eis
o abismo de minha expressão lírica: não há leitores. Meus textos, poemas ou
prosas, estão pré-destinados a um lugar vazio, escuro e oco, onde não há vozes,
corações cândidos, joviais; onde só se ouve o gemido das palavras, ávidas por
sentir a voz veluda que as acaricie... Sim, a voz de um leitor arguto,
enamorado do simbolismo lingüístico, desejoso de explorar a ductilidade da sua
língua materna... As palavras murmuram,
lacrimejantes, à espera de uma leitora que as acolha em sua alma, que as embale
no berço do coração... Não há, entretanto, voz doutro lado... Nossa relação com
a linguagem verbal é tão íntima, intrínseca, que esses adjetivos não qualificam
adequadamente essa relação; tal relação – entre homem e linguagem – é tão
“una”, que não é comparável à relação entre mãe e filho, que é naturalmente
sólida, quando se observa o longo período que se estende da gestação aos
primeiros estágios da vida escolar da criança... Todavia, eventualmente, essa
relação pode ser rompida... Só mesmo a morte pode separar o falante de sua
língua. Ora, uma determinada língua perece, enquanto realidade oral, só se
todos os falantes nativos morrerem...
Não,
não quero uma leitora experimentada em Lingüística... Tampouco, escrevo a uma
leitora versada em Literatura... Escrevo a uma moça que idéio, mas que não é perfeita...
Pois a perfeição é uma qualidade de Deus apenas...
Há
urros de sentimentos passionais naquele labirinto a que são destinadas as
minhas composições escritas...
Com
efeito, escrevo a uma leitora a quem talvez nunca tomará conhecimento desse
texto... Não ousarei transpor os limites da aparência do leitor idealizado. Por
ora, esse texto progride, porque idéio um leitor cujos olhos perpassarão por
essas páginas e cujo coração se embeberá em emoção, quer seja alegria, quer
seja júbilo, quer seja simpatia, quer seja repugnância, ou experimentará uma
sensação de incômodo, semelhante à que sentimos, quando alguém que não nos é
afim, fita-nos à porta de nosso quarto.
Chegam-me
ao espírito estas idéias. O leitor a quem destino este texto – e o faço com o
peito embebido de satisfação – deve ser uma pessoa que tenha por hábito sentar
à frente de um computador a esmo, ou que esteja habituada a elucubrações. São
21h35 min. É domingo. Relutei em compor este texto... Mas as idéias e os
sentimentos se inflamavam... Rugiam como leões aprisionados... Os sentimentos,
deitados nesta folha de papel, agora adormecem, embalados pela esperança de
todo escritor, ou melhor, aspirante a escritor: divisar, do outro lado do muro,
uma voz que o chame: “Pule, pule! Venha!”. No entanto, o escritor, já
mortificado pela indiferença do mundo, vacila nos seus juízos... Terá a leitora
predisposição para acolher sua composição em prosa e, enfadonhamente, subjetiva
e especulativa? Que pensará a leitora, ao final da leitura? Quiçá suponha ter
sido o “eu” deste texto acometido de uma “loucura verbal”, que o coage a
escrever sofregamente. É... talvez tivesse razão a leitora...
Por
que escrevo? Não sei... A quem escrevo? Não sei... O texto é uma atividade de
interação... O leitor é sempre uma construção do produtor do texto... Os
sentimentos e as idéias desvendados sob o véu sonoro das palavras sintetizam
minha natureza lírica, que jamais será plenamente conhecida, pois o material
lingüístico não nos permite expressar o inexprimível, embora forje certos
signos opacos, mudos e surdos. Felizmente, pode-se sempre rogar a Deus um átimo
de reciprocidade na consciência e no coração de um leitor “curioso”.
Nossos destinos
Tão logo da madre brotaras – Pequenina!
Aos braços de outro destino foste
levada
Pelo Vento! Em seu soprar, ó
embalada!
No teu berço de ouro, sob a Luz
Divina!
Teu destino – Um pai querido que
te nutre!
Meu destino – Padrasto amigo que
me pune!
Tu trazes em teus olhos de Deus a
morada
Eu sou como a figueira amaldiçoada!
Oh! Tu vives livre como as pombas
do Éden!
Eu, na gaiola de paixões que não
me esquecem
Tu és a Helena de Deus. Te inveja
Nêmesis!
Eu sou como Prometeu: Sou dor que
geme!
Oh! a que jardins, a que terras dás
lume?
A que almas inebrias com teu
perfume?
Oh! Teu destino suave brisa que
me roça a face!
Ó destino: um sopro frio de amor
que me arde!
(BAR)
No longo tempo que transcorria entre
uma frustração e outra, eu dormia com a solidão mortuária (não a solidão que me
é amistosa hoje, que hospedo com o alto custo que lhe arranco; hoje, ela me
paga o aluguel mensalmente), e a tristeza ficava a arranhar-me a alma. Talvez
não seja o poema mais emblemático deste período, que se estendeu de 2006 a 2008; mas é, decerto,
o poema que mais claramente expressa a minha intimidade com a tristeza.
Senhora Tristeza
O pingo da noite cai-me
morosamente
No tempo do coração
Os segundos são vastos
De ausência
Que inebria as estrelas
Sob um véu de fina esperança
A esperança de que é vinda
De regiões longínquas e ignotas
O destino que carregas no olhar
É vagaroso, alvo e escuro...
Inunda-me a alma de sonhos
repisados
Vou amando-te entre versos
fraturados
Mas acordo, sempre acordo...
Vens vindo aproximas-te
indistinta
Disforme, os lábios constritos
Como se quisesses beijar o infinito
Infinito que minha alma aprisiona
Os dias são acres e ásperos...
E sua ausência reflui como as
vagas
De um mar sombrio...
Que ressona solitário
Vens avançando sobre as emoções
fugazes
Devorando-me o último alento...
És a imagem sem forma
Que tomba no último verso
Que morre na última letra
Que se enterra na loucura
De apaixonar-se por ti, Senhora
Tristeza.
(BAR)
E Dani passou, e mais recentemente
veio-me Jéssica, e com ela a oportunidade de experimentar a ingenuidade
adolescente outra vez. Novamente, deixei exposta minha alma. Mas silencio, para
não alongar ainda mais este texto, muito do que vivi neste período de fins de
2010 e inicio de 2011.
Eis resumida aqui a breve e avassaladora
história de minha alma itinerante das experiências de paixão e amor, por vezes
não correspondido, e por isso mais declaradamente romântico. Insisto nisto: o
amor romântico é amor da impossibilidade. E este último poema, escrito em algum
momento nos anos em que meu coração diligente aspirava à ventura amorosa e se
entulhava de decepções, faz eco à literatura trovadoresca que exprimia a
vassalagem amorosa – uma fonte de inspiração em que os românticos de antanho
não deixaram de beber:
O Vassalo
Se prostrado a teus pés de anjo me deixo estar
E minha alma em refolhos te exalta assim
Se sou por isso mendigo de amor. Tem pena de mim!
Que não conheço outro jeito de amar!
Se ris da devoção deste amor promitente
E se profanas a santidade destes pálidos versos
Não sabes quanto Amor há em meus amplexos
Nem quanta ternura guardo n’alma fremente
Não conheces um querer que é bendito
Nem pousaste os lábios em boca tão cálida
Onde a ternura desabrocha como a crisálida
Nas noites quando de paixão consumido
O pensamento vai-te ao encalço em ardor
Não conheces as feições santas do Amor!
(BAR)