segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"A palavra é o meu domínio sobre o mundo" . (Clarice Lispector)






                              O homo loquens
                     Breves meditações sobre a linguagem

O tempo me é escasso e receio que não conseguirei externar aqui todos os pensamentos e sentimentos que me ficaram a adejar no espírito nesta manhã. Há excesso nesta experiência da alma que, mesmo depois da queda, ousa ainda ostentar suas asas esplendorosas e opalinas.
Sem mais rodeios, trago à cena o seguinte trecho do livro O que é realidade, de João Francisco Duarte Júnior. À página 27, lê-se o essencial no tocante ao papel que a linguagem desempenha na fabricação da realidade (realidade que não pré-existe à consciência que a organiza numa estrutura dotada de sentido). E não há consciência sem palavras. Bakhtin já havia nos ensinado a respeito disso: a realidade da consciência é o signo.

“O ser humano move-se, então, num mundo essencialmente simbólico, sendo os símbolos linguísticos os preponderantes e básicos na edificação deste mundo, na construção da realidade. Como afirmou o filósofo Ludwing Wittgenstein, “os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo”. Ou seja, o mundo, para mim, circunscreve-se àquilo que pode ser captado por minha consciência, e minha consciência apreende as “coisas” através da linguagem que emprego e que ordena a minha realidade. Assim, o real será sempre um produto da dialética, do jogo existente entre a materialidade do mundo e o sistema de significação utilizado para organizá-lo”.


È claro que não se pode esperar que o homem comum reconheça na língua que utiliza no dia-a-dia esta função básica, ou seja, a função de simbolização, a que lhe fornece um conjunto de categorias que permite que suas experiências de mundo sejam incorporadas à sua consciência numa estrutura dotada de sentido. É claro que não podemos esperar que as pessoas saibam que o mundo não existiria sem os homens e sem um sistema de símbolos – a linguagem – que os diferencia dos animais.
O que o homem comum sabe sobre o papel que a sua língua desempenha em sua vida é simplesmente que ela lhe possibilita a comunicação; melhor seria dizer, a interação social. Evidentemente, isso não é pouca coisa. De fato, a linguagem é lugar de interação social e sem ela não haveria esse meio de trocas e atividades sociais. Aliás, sem linguagem verbal, as sociedades humanas tais como a conhecemos sequer existiriam, porque a linguagem é a realidade mais profunda da estrutura social; dela dependem os demais domínios da sociedade.
Tudo isso está claro. Embora colocado de maneira simples – já que exigiria um desenvolvimento mais pormenorizado, a fim de que alcançasse a atenção merecida, o tema chama-nos a atenção para a importância da ampliação de nossas experiências de linguagem, com vistas ao alargamento de nosso mundo. É o que nos ensina o filósofo Wittgenstein. Enquanto um indivíduo continuar vivenciando a linguagem de modo empobrecido, enquanto ele continuar tendo experiências de linguagem restritas às esferas sociais pelas quais transita habitualmente, enquanto não ampliar essas experiências, continuará circunscrevendo sua atuação na realidade, o que significa dizer continuará mantendo seu mundo muito limitado.
Se você vive e atua num ambiente linguístico empobrecido, se as formas de linguagem com a qual você entra em contato lhe fornecem percepções de mundo, ideologias, crenças rasas que rezam verdades insuspeitáveis, então você não estará habilitado a ampliar seu mundo, a expandir seu poder de atuação social, política, cultural, em suma,  humana.
Pensemos nisso.
Quero compartilhar com os meus leitores as palavras que se acham neste belíssimo passo de Hjelmslev, eminente linguista estruturalista e o principal seguidor do pensamento de Ferdinand Saussure. No artigo Estudo da Linguagem e teoria da linguagem, escreve:

A linguagem – a fala – é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, é quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam a nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida cotidiana até os momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e valor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento (...)”.

(p. 179)


A língua não é um mero instrumento para interagir socialmente, tampouco para a expressão do pensamento; nada semelhante a uma ferramenta que, após a termos usado, guardamos numa caixa. A língua não é instrumento do pensamento, mas seu próprio fundamento. Não há, insisto, pensamento conceitual (baseado em conceitos) sem alguma forma de linguagem. As palavras, que criam conceitos, são responsáveis pela própria possibilidade de pensamento. Portanto, linguagem e pensamento estão intrinsecamente ligados. Disso se segue a compreensão da linguagem como uma faculdade específica humana, inscrita na mente/cérebro dos homens e essa capacidade está intimamente relacionada à cognição.
Fiquemos a pensar sobre a importância da linguagem para a existência humana...

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