quinta-feira, 24 de novembro de 2011

"Por que eu devo permitir que o mesmo Deus que abandonou seu filho me diga como cuidar do meu?" (Robert Green Ingersoll)

                                   
                                                      


 ATEÍSMO QUE LIBERTA   CONTRA TODA
     FORMA DE PRECONCEITO



Escusa dizer que eu não me tornei ateu da noite para o dia e que esta condição resultou de incessantes períodos de leitura e reflexão. Só mesmo com leitura e reflexões aturadas pude expurgar o excesso de crenças e opiniões infundadas de que uma longa tradição religiosa, da qual eu fui, acidentalmente, uma continuidade, me impregnou. Esta herança tornara-me deslumbradamente ignorante ou, se preferirem, um ingênuo conformado. Conformado com a esperança de que houvesse uma existência metafísica para uma ideia: a de deus, embora eu não me cuidasse um religioso conformado; ao contrário, estava sempre questionando as convicções dos paroquianos, dos familiares e discordando, em silêncio, de toda a pregação cansativa do padre. Eu era um rebelde metafísico em potência, que veio a descobrir a vantagem de viver uma vida que pudesse ancorar-se em explicações e justificativas racionais, com base em evidências disponíveis.
As religiões são um insulto à dignidade humana e elas promovem o aviltamento do humano: os homens precisam se rebaixar para adorar a deus (que não é senão, com Feuerbach, a própria essência humana projetada para fora de si e pensada como um Ser a quem se atribuem qualidades humanas superlativizadas). Toda forma de religião é, historicamente, infensa à razão. Como não encontrem justificativas racionais para validar suas doutrinas, os homens de religião se valeram do conceito de (que é uma confiança sem ter provas). Assim, ensina-nos uma longa tradição discursiva monoteísta: “tenha fé, e ignore as evidências”.
Onfray, em Tratado de Ateologia (2007), escreve, nesse tocante, o seguinte:

“O monoteísmo detesta a inteligência, virtude sublime que define a arte de ligar o que, a priori e para a maioria, passa por desligado. Ela torna possíveis as causalidades inesperadas, mas verdadeiras: produz explicações racionais, convincentes, apoiadas em raciocínios; recusa toda a ficção fabricada. Com ela, evitam-se os mitos, e as histórias para as crianças. Não há paraíso depois da morte, não há alma salva ou condenada, não há Deus que sabe tudo e vê tudo; bem conduzida, e de acordo com a ordem das razões, a inteligência, a priori atéia, impede todo pensamento mágico”
(p. 53)

O monoteísmo ainda ensina-nos ser esta vida de pouco valor e nos incute a crença em que uma vida mais próspera e feliz nos aguarda depois da morte, sem embargo da falta de evidências. As religiões se fundam na ignorância e se desenvolvem pelo medo, pela angústia, pelo desespero daqueles que, conscientes da sua finitude, não encontram sentido em sua vida, sem ancorarem-se na crença na existência de um Criador de todas as coisas, muito embora esse Criador, infinitamente benevolente e amoroso, também teria sido o responsável por criar inúmeros microorganismos e parasitas que causam uma série de enfermidades nos demais seres de sua criação, incluindo aqueles pelos quais ele teria certa predileção (ou não): os homens. Como explicar por que o hiv, o câncer e as inúmeras bactérias existam pelas mãos de um Ser que só quer o bem do homem?
As críticas à mentalidade religiosa podem ser feitas de diferentes maneiras, podem enveredar-se por diferentes caminhos; no entanto, aqui vou apresentar uma crítica mais fundamental, a que se apóia no raciocínio, no poder que a razão tem de representar um estado-de-coisas verificável e confiável do mundo. Veremos, assim, que é a ignorância o pilar do discurso religioso, um discurso envenenado, impregnado de crenças aleijadas e irracionais.
Devemos assumir, tacitamente, a existência de Deus, sem provas, como o fazem os religiosos. Logo as proposições abaixo se baseiam no pressuposto de que Deus existe.

1a proposição: Deus é quem criou o universo e de tudo que nele existe.
(essa proposição implica, entre outras coisas, que Deus criou a Natureza e os seres que participam dela; logo os animais sencientes)

2a proposição: Deus é todo-poderoso

3a proposição: Deus é bom, ou melhor, boníssimo.

Vamos ignorar que na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento (convido o leitor a ler O Problema com Deus, de Bart. Ehrman), Deus não era uma personagem tão boa assim; aliás, era muito maléfica. O Deus de Abraão era capaz, inclusive, de fazer pacto com o diabo. Mas vamos ignorar isso, por ora. O Deus de amor fora anunciado por Jesus (muito embora se acredite que esse mesmo deus reserve aos transgressores um local onde haveria dor e ranger de dentes).
As três proposições afirmam coisas a respeito de deus: na primeira, afirma-se que ele é o Criador de tudo quanto existe; a segunda que ele pode tudo, que seu poder de atuar é irreprimível, ele é absoluto, nada o constrange, nada pode impedi-lo de agir; a terceira, enfim, afirma que ele é bom e, sendo bom, rejeita o mal.
Ocorre que tal deus deveria contribuir significativamente para a vida de todos os seres vivos criados por ele. Agora, confrontemos o conteúdo destas proposições com o que realmente acontece no mundo. Em primeiro lugar, como criador de todas as coisas, deus demonstra-se bastante incompetente ou mal: ele criou vírus, bactérias, terremotos, vulcões, enfim, toda uma sorte de manifestações naturais que podem nos fazer enfermos ou nos reduzir a pó. A natureza nos dá provas suficientes de que não há ninguém no comando. Ele bem que poderia resolver (já que pode tudo) o problema dos sismos entre as placas tectônicas, acabando com os terremotos, que não indicam qualquer propósito e que, ao contrário, apontam para o fato de que a formação do planeta não se deu segundo um projeto inteligente. Um ser infinitamente inteligente seria capaz de reconhecer que vibrações do solo com poder de destruição em larga escala não contribui em nada para a prosperidade e felicidade dos seres que habitam estas terras. Não “servem” ao bem deles. Os religiosos supõem ter em mãos um testemunho da “mente” de deus, então gostaria que explicassem a razão da existência dos terremotos sob a ótica de Deus.
Ora, se a Natureza lança diante dos nossos olhos tantos fenômenos catastróficos que indicam que, se houvesse um ser benevolente cuidando de cada um de nós, ele deveria ser capaz de evitá-los, então lidamos com uma evidência para a conclusão de que não há deus nenhum. E ainda fica a nos incomodar a questão: por que um Ser infinitamente bondoso iria criar terremotos, vulcões, furacões, tsunamis, tornados, etc? Por que um deus infinitamente bondoso iria criar parasitas, bactérias, vírus, todos agentes patológicos?
Ainda no tocante à ignorância, tive já a oportunidade aqui de divulgar um texto em que dou exemplos de homossexualismo entre os animais não-humanos. E tive a oportunidade de fazer ver, na base de evidências, que o homossexualismo é um comportamento que participa da natureza; portanto, natural. È preciso muita ignorância para ter a ousadia de afirmar que o homossexualismo é inatural e que o natural é o comportamento heterossexual. E é preciso também grande dose de ignorância para afirmar que o homossexualismo é em si condenável, já que entre povos antigos a prática homossexual era aceitável e apreciável. Os antigos gregos mantinham práticas homossexuais e bissexuais. Assim era antes que as ideias cristãs, pelas pregações de Paulo de Tarso, invadissem o território conhecido como Ásia Menor e chegassem às mentes dos habitantes de Corinto. Muitas sociedades antigas aceitaram o homossexualismo; outras mais o rejeitaram. Assim também nem todas as religiões o condenavam: as da Grécia pagã o adotavam em seus rituais. No entanto, é com o advento e o fortalecimento do cristianismo, ou seja, com a sua propagação pelo mundo ocidental que as práticas homossexuais passaram a ser não só condenadas, como também perseguidas. Pode-se dizer que as culturas influenciadas pelas religiões abraâmicas tendem a ser intolerantes com o homossexualismo. A ideia absurda segundo a qual Deus condena a homossexualidade se deve a tais influências na formação do pensamento ocidental.
Na agenda dos desafios deste primeiro decênio do século XXI, está o combate à intolerância religiosa e à perseguição aos homossexuais. A homofobia tem crescido em nossa sociedade e é urgente que nossas autoridades atentem para o fato de que se trata de uma dentre as formas de discriminação e violência, não raro, justificadas pela herança da doutrinação judaico-cristã. É inaceitável que grupos separatistas, formado por jovens ignorantes e estúpidos, continuem a violentar indivíduos, pelo simples fato ou suspeita de que sejam homossexuais e ainda justifiquem tais atos hediondos por uma suposta autoridade, seja a Bíblia, seja deus. Novamente, vemos aqui quanto uma visão de mundo, provinda de uma cultura distante temporalmente (cultura centrada na figura paterna, autoritária e que inseria a mulher numa condição de degradante submissão) pode influenciar o modo como muitos indivíduos de gerações posteriores, vivendo numa época diferente, atuam e compreendem as condições de existência numa sociedade que busca trabalhar suas desigualdades numa forma democrática de governo laicizado.
É fato que muitas religiões do mundo incluem ensinamentos anti-homossexuais. No Islamismo, em geral, o homossexualismo é proibido. O cristianismo também não o aceita, tratando-o como pecado.
É urgente que se dilua a áurea sagrada da religião, sob a qual muitos homens se encobrem e na qual se garantem quando buscam justificar os atos mais execráveis. É preciso reconhecer, de uma vez por todas, que as religiões têm prestado um lamentável serviço para a depravação da razão e da inteligência humanas e para a justificação da barbárie.

2 comentários:

  1. Deus e o Diabo são formas do ser humano não se sentir culpado em cometer atrocidades. Em delilar imaginando que algo pode melhorar a vida dele. Embora a igreja católica tenha tomado quase a humanidade toda, fazendo você se ajoelhar, levantar e ensinando gestos para serem reproduzidos, qualquer pessoa sabe, mesmo em seu inconsciente, que divindade não existe, porém insistem em padronizar o que foi passado por gerações anteriores. Deus nada mais é do que o desespero do ser humano em vida eterna.
    E disse Voltaire:
    “O mundo só estará salvo no dia em que o ultimo Rei for enforcado com as tripas do último padre.”
    Sensata essa frase.

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  2. Um lúcido comentário, uma contribuição sensata! E eu conhecia esse passo de Voltaire... Adorei!

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