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sexta-feira, 2 de março de 2012

"Mergulhadas no silêncio as palavras tornam-me cantante" (BAR)

                      
 
                               
                           Auto-exame preliminar

No meu cotidiano, vou acumulando palavras em minha alma; palavras que sufoco, silencio, para não me enfadar demais, dando-lhes o direito de gritar. Calo-as para que eu possa conviver em meios sociais com que não me identifico. Sinto-me quase sempre deslocado. Embora me esforce para entabular as conversas triviais e adequadas à ocasião, prefiro o silêncio quando me dou conta de que as bocas que se animam a falar vomitam lugares-comuns. Prefiro o silêncio quando os temas preferidos dos encontros são o Big Brother ou relacionamentos amorosos, em geral, tratados na base dos padrões ideológicos predominantes.
Prefiro o silêncio, deixando-me absorto, a contrapor-me sempre que me parece necessário. Não sigo as tendências e não permito que meus pensamentos se conformem à maneira de pensar predominante. E, quando ouso problematizar, percebo que os que estão em meu derredor não conseguem acompanhar-me. Alguns se cansam; evitam aprofundamentos. Preferem manter-se à superfície dos temas culturalmente relevantes; limitam-se a reproduzir o senso-comum. Ignoram o que nos ensina a filosofia: a atitude filosófica nos permite não aceitar sem examinar as opiniões provenientes do senso-comum de nossa sociedade.
O que distingue, basicamente, um filósofo do homem comum é que a este último satisfaz o viver imerso na realidade, conforme as condições sócio-culturais; ao contrário, o filósofo não apenas vive a realidade, mas busca examiná-la, questioná-la para compreendê-la. Muitos aceitam tudo que se lhes dizem sem ponderar; o filósofo é aquele que suspeita, não aceita de antemão as ideias preconcebidas, as opiniões correntes e os preconceitos de sua sociedade.
A filosofia foi, para mim, um trampolim para a adoção do ateísmo. E também instrumentalizou-me para a construção de uma consciência crítico-reflexiva, uma consciência que não se acomoda às diretrizes sociais, aos sistemas de ideias que não fazem senão nos moldar, nos adaptar, nos conformar ao status quo.
Meus alunos me perguntavam como poderiam mudar a maneira de trabalhar língua portuguesa na escola em face das condições sócio-culturais que insistem em reforçar a ideologia do “erro” em língua. A questão é complexa e não se pode dar a ela uma resposta simples. Mas o que lhes ensinava, nessas ocasiões, é que precisariam assumir o papel de agentes de educação. Precisariam adotar uma prática pedagógica que lhes permitisse ir na contramão. O domínio da sala de aula é jurisdição do professor e, exibindo este uma sólida formação, estará apto a resistir às condições pouco favoráveis. Ele engendrará novas condições.
Escusa dizer que nos espaços de relacionamentos virtuais da internet grassam postagens eivadas de lugares-comuns, ditos agastados, ideologias, opiniões rasas típicas do senso-comum. Vejamos alguns exemplos:




"Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação." (anônimo)

“A vida não é perfeita, não é como um conto de fadas onde existe um "e viveram felizes para sempre". A vida é tal e qual como ta deram. A perfeição está em vivermos cada momento como se fosse perfeito *
(anônimo)


O leitor poderia contribuir com mais exemplos; decerto, eles são fartos. Não vou me ocupar em examinar essas postagens colhidas do facebook
Veja-se, a título de ilustração, o efeito causado pela doutrinação religiosa. As religiões nos enraízam  crenças e opiniões, moldam nossa consciência de mundo, habituam-nos a pensar e compreender o mundo segundo o seu sistema de dogmas e ideias. Elas adestram nosso pensamento, tornando-nos incapazes de pensar além da sedimentação de crenças com que nossa consciência foi modelada. Ir na contramão desse engessamento de consciências perpetrado pelas religiões pode-nos acarretar alguns desafetos, pode pôr-nos à margem de certas convivências.
Também se ousamos avaliar negativamente a influência de programas reality shows como o Big Brother na formação de uma consciência de cidadania, corremos o risco de atrair para nós alguns resmungos de desagrado. A grande maioria das pessoas que se deixam estar diante da tela de um televisor não se preocupa em lançar um olhar crítico sobre o que a televisão lhes oferece. No contexto pós-moderno, torna-se difícil ao homem comum compreender  que os meios de comunicação, como a televisão, são produtores de representações ou imagens ideológicas, justamente porque, segundo Claude Lefort, a ideologia contemporânea é uma ideologia invisível, aparece como não-localizada, não-determinável, embora, se encontre, no caso, nos meios de comunicação de massa. O discurso que aí se produz aparece como anônimo, como impessoal, totalizando-se em o discurso do social. A ideologia disseminada pela televisão é uma ideologia que homogeneíza, massifica. A televisão torna-se um poderoso veículo de espetacularização da realidade social.
Os livros exercem sobre mim um fascínio. A leitura me engendra férteis inquietações. Deleito-me quando, por ventura, minhas especulações se confirmam na leitura de um trecho, nas considerações de um grande estudioso. Alegro-me quando, ao me deparar com um trecho como o seguinte, colhido de Conferências sobre leitura (2005), apercebo-me de que todo esforço é válido para incentivar a prática de leitura:

“(...) o ato de ler, se criticamente feito por grandes parcelas da população, significa mais poder aos cidadãos: maior capacidade para enxergar as contradições sociais, melhores fundamentos na hora de tomar decisões (até mesmo decisão na hora de votar nas eleições), competências mais apuradas para chegar às raízes da injustiça e desigualdade, etc.”



Há sempre um livro entre mim e o outro. (BAR)