Aos que não
gostam de ler
Tenho pena das pessoas que não gostam de ler. E o
afirmo mesmo que, aos meus leitores, lhes pareça haver camuflada nesta
confissão uma robusta presunção minha. Não obstante, não tenho eu qualquer
pretensão de sustentar alguma verdade. E me permito enunciar alguma idiotice
aqui ou ali neste texto.
Tenho pena das pessoas que não gostam
de ler e que não leem, porque, por alguma razão para cuja exposição, talvez se
congreguem fatores socio-culturais e genéticos, estão privadas do alargamento
de sua percepção e compreensão das ocorrências do mundo, uma compreensão que
envolve o aperfeiçoamento do pensamento que pensa sobre aquilo que é capaz de
produzir. Refletir é pensar o já pensado. Tenho pena das pessoas que não leem,
porque dizem simplesmente não gostar, porque se privam de (re)pensar suas
próprias ideias, crenças, opiniões, convicções e supostas verdades
inquestionáveis. Tenho pena delas porque elas tenderão a viver a vida inteira
orientando seus comportamentos e pensamentos pelo senso-comum. Tenho pena delas
também porque serão mais facilmente ludibriadas.
Tenho pena delas muito porque não
descobriram o valor dos livros num tempo chuvoso como este em que escrevo,
tempo em que o tédio costuma aninhar-se na alma. A leitura é um remédio muito
eficaz contra o tédio e o desalento em dias em que o céu parece conspirar
contra nossa necessidade neurótica de felicidade - felicidade que aceitamos
como um fato, como experiência sempre possível e inquestionável, a despeito da
condição humana. Minha saudosa avó paterna já me dizia antes mesmo de eu ter
tomado conhecimento de que dissera a mesma coisa Rubem Alves: “a felicidade não
existe; o que existem são momentos de alegria”. Eu acrescentaria, ratificando
esta lição da sabedoria e da lucidez que minha avó compartilhava com Rubem
Alves, sem o saber: “felicidade não existe, o que existe é a alternância entre
estados de alegria e estados de tristeza, estados de bem-estar e estados de
sofrimento, entre entusiasmo e tédio”. Também estou convencido de que a
felicidade é um dentre os ideais acalentados pelo espírito humano. As alegrias
me parecem mais factíveis, porque concretas, mas não menos frágeis em face do
sofrimento que pode, a qualquer momento, se abater sobre nós.
Mas só chegarão a refletir sobre isso
os que gostam de ler e o fazem assumindo a possibilidade do prazer. Tenho pena
dos que não gostam de ler e que vivem a se queixar do tédio que lhes abate a
alma, porque lhes custa aceitar que a leitura possa entreter.
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