
Uma
aulinha de concordância verbal
Uma amiga,
estudando para concurso, disse-me não se lembrar mais das lições de
concordância. Quem, senão os estudantes de Letras, haveria de lembrá-las? Eu já
não sei mais resolver as equações matemáticas. Ignoro completamente as regras
de solubilidade dos compostos químicos. Mas, no caso da concordância verbal e
nominal, nós a dominamos quase inconscientemente. Isso vale para todas as
regras da gramática de nossa língua materna, gramática que internalizamos entre
os 3 e 7 anos de vida. Nós operamos com essas regras, mas, como eu disse, de
modo não-reflexivo. Claro é que não ativamos todas as regras, mas tão-só
aquelas que regem os usos da variedade linguística que dominamos. E mesmo aqui
há usos mais frequentes que outros e, por conseguinte, regras que são mais
frequentemente seguidas do que outras. Por exemplo, é provável (digo provável
porque desconheço algum estudo quantitativo nesse tocante) que, em construções
como “quais de nós...”, a regra mais frequentemente seguida seja a que nos
instrui a fazer com que o verbo assuma a forma de 3ª pessoa do plural, para
concordar com o pronome indefinido interrogativo “quais” (cf. “Quais de nós vão
com você?). Nesse caso, há outra regra válida: a que nos instrui a concordar o
verbo com o pronome “nós” da construção “de nós” (cf. Quais de nós vamos
com você?).
As
dificuldades parecem surgir quando temos de tomar consciência das regras
subjacentes aos mecanismos de concordância. Por exemplo, o leitor pode falar ou
escrever “A maioria dos meus amigos falam inglês”. Uma vez ouvindo alguém dizer
“A maioria dos cariocas não aprovou a iniciativa”, pode começar a hesitar entre
o uso da forma plural e da forma singular do verbo. São ambas agasalhadas pela
norma culta? Sim, são. Quais as regras que estão em jogo aí?
Comecemos
notando a estrutura do sujeito. Todo sujeito é constituído de um substantivo ou
palavra de igual valor. Esse substantivo preenche a posição de núcleo do
sujeito, em torno do qual podem aparecer outras unidades, como em (1) e (2):
(1)
Os cabelos de Isabel são lindos.
Núcleo
(2) As três melhores amigas de Isabel viajaram para o exterior.
Núcleo
Como podemos saber que todo o conjunto à
esquerda dos verbos “são” e “viajaram” é o sujeito. Em primeiro lugar, o
sujeito é o termo com o qual o verbo, via de regra, concorda. É o núcleo do
sujeito, normalmente, que comanda a concordância. Como o núcleo dos respectivos
sujeitos está no plural (v. cabelos/ amigas), o verbo tem de ir para o plural
(na terceira pessoa). Mas por que não considerar apenas o núcleo como sujeito?
Na verdade, quando o sujeito se constitui apenas do núcleo, é o que acontece,
como em (3):
(3) Amor
não é remédio.
Núcleo
Sujeito
Nos casos
(1) e (2), no entanto, presas ao núcleo há outras unidades (todas grifadas em
negrito). O núcleo e as unidades a ele ligadas formam um "bloco de sentido", ou seja, um sintagma. Um dos expedientes para identificar um sintagma é o da comutação com
uma forma pronominal. Se fôssemos usar “eles” em (1), teríamos de inseri-lo no lugar de “os cabelos de Isabel”.
(1a) Eles são lindos.
Núcleo
Agora,
“eles” é o sujeito (o termo com que o verbo concorda). Uma vez que a forma “eles” é passível de ocupar a mesma
posição de “Os cabelos de Isabel”, conclui-se que é toda esta unidade que
funciona como sujeito em (1).
Há
outro expediente para identificar um sintagma – o do deslocamento. Se fôssemos
reescrever a frase (1), de modo a começá-la pelo verbo, o resultado seria:
(1b) (sujeito)
São lindos os cabelos de Isabel.
(Sujeito)
O teste
do deslocamento nos mostra que é toda a unidade “os cabelos de Isabel” que é
deslocada, e não apenas “os cabelos” ou “de Isabel”. Disso se conclui que é
toda a unidade “os cabelos de Isabel” que cumpre a função de sujeito.
Os dois referidos testes - o da comutação e o do deslocamento - são utilizados na análise gramatical para a identificação de grupos coesos de vocábulos (sintagmas), que são os verdadeiros constituintes da oração. No entanto, também se nos mostraram relevantes para determinar a extensão do sujeito, em caso de dúvida.
Os dois referidos testes - o da comutação e o do deslocamento - são utilizados na análise gramatical para a identificação de grupos coesos de vocábulos (sintagmas), que são os verdadeiros constituintes da oração. No entanto, também se nos mostraram relevantes para determinar a extensão do sujeito, em caso de dúvida.
Eu
disse, anteriormente, que o núcleo comanda a concordância do verbo. De fato, é
a regra geral. Mas casos há em que essa regra concorre com outra regra. Se o
sujeito for formado de substantivos “partitivos”, ou seja, que designa uma
porção de um dado conjunto de coisas (a
maioria de, grande parte de, uma porção de, etc.), é possível acomodar o
verbo à forma do substantivo núcleo da construção preposicionada. Como esse
substantivo aparece no plural, o verbo assumirá necessariamente a forma de
plural. Voltemos ao exemplo com que iniciei este texto:
(3) A maioria
dos cariocas não aprovou/ não aprovaram a iniciativa.
Núcleo
Há duas
regras em concorrência nesse caso.
Descrição
do caso: sujeito formado de substantivo partitivo.
REGRA 1
: o verbo concorda, no singular, com o
núcleo do sujeito, ou seja, com o substantivo que designa a parcela do
conjunto.
REGRA
2: o verbo pode concordar, no plural, com o substantivo que designa os
componentes do conjunto.
Lembrando aqui das minhas aulas de Língua Portuguesa... ortografia, conceitos de regências, concordâncias, preposições, conjunções, classes gramaticais, regras e regras... Posso dizer que aventurar-se no nosso idioma não é nada fácil meu amigo... Ainda tem o novo acordo ortográfico, em que precisamos desaprender regras antigas e inserir novas. É bem mais fácil falar concerteza, na hora de escrever surgem às dúvidas, mas eu tento evitar os vexames mais gritantes. :)
ResponderExcluirBjusss