O sonho e o
pesadelo da credulidade
Ontem, assisti, no Discovery Channel, um documentário interessante sobre uma possível
erupção solar que ejetará o que os astrônomos chamam “massa coronal”, no dia vinte um de dezembro deste ano. Essa
massa se constitui de partículas (especialmente, prótons) que seguindo no curso
até a Terra , atingem-na e causam danos em seu campo magnético. O fenômeno
conhecido como ejeção de massa coronal,
consiste em grandes erupções solares de gás ionizado, em alta temperatura. Os
cientistas já observaram que o campo magnético da Terra está se enfraquecendo,
de modo que o efeito das erupções solares pode ser cada vez mais danoso. Alguns
cientistas acreditam que, em breve, uma erupção solar possa danificar nossos
satélites e causar um black-out em
todo o mundo. A restituição da energia elétrica, em tal condição, levaria uns
dez anos. Há outras consequências mais catastróficas no impacto provocado pela ejeção de partículas
radiativas em nosso planeta. O leitor que desejar saber
sobre essas consequências poderá assistir ao vídeo do documentário, cujo link é
http://www.youtube.com/watch?v=phsnr5KvZF4.
É o mesmo o sol que nos
aquece, que nos ativa no organismo a vitamina D, que permite aos vegetais
realizar a fotossíntese, que é a fonte de energia primária de nosso planeta, e
que pode aniquilar toda a vida existente nele. O mesmo universo que mantém a
vida traz em si o germe de sua destruição (alguns asteróides, escapando a sua
órbita em torno do sol, podem representar uma ameaça à nossa sobrevivência). O
mínimo de compreensão das condições do Universo é suficiente para rechaçar a
crença em sua perfeição. Quem se preocupar em compreender a forma como a vida
se dá na natureza também chegará, sem dificuldades, à mesma conclusão. O exemplo a seguir, dado por Dawkins, em seu O Gene egoísta (2007), é muito pouco
adequado à concepção de uma natureza perfeita:
“Os louva-deus são
insetos carnívoros (...). Na época do acasalamento, o macho se arrasta com
cautela na direção da fêmea, monta sobre ela e copula. Se tiver a oportunidade,
a fêmea o come, começando por lhe arrancar a cabeça, quando o macho estiver se
aproximando, logo que ele tiver montado nela, ou ainda depois que tiverem se
separado. Para nós, pareceria mais sensato que ela esperasse a cópula se
completar antes de começar a devorá-lo. Porém, a perda da cabeça não parece
privar o restante do corpo do seu cadenciado movimento sexual. Na realidade,
uma vez que a cabeça do inseto é a sede de alguns centros nervosos inibitórios,
é possível que a fêmea melhore o desempenho sexual do macho ao lhe devorar a
cabeça. Se assim for, isso seria um ganho secundário. O benefício primário é a
boa refeição que ela obtém”.
(p. 44)
Eu não estou preocupado em
salientar qualquer questão de moralidade envolvida na prática do louva-deus
fêmea , ao devorar a cabeça de seu parceiro sexual, já que a moral não se
aplica ao comportamento selvagem. O que quero mostrar é que, embora possamos
compreender as razões evolutivas que levam a fêmea do louva-deus a devorar o
macho (ao devorá-lo, ela se beneficia com a possibilidade de continuar subsistindo – na verdade, Dawkins mostrará que são os genes os beneficiários), é difícil
imaginar como tal prática poderia se integrar numa ordem natural “perfeita”.
Num mundo perfeito, penso que seria mais plausível que indivíduos da mesma
espécie não devorassem uns aos outros, especialmente quando estabelecessem um
laço de procriação. Num mundo perfeito, os terremotos, vulcões, tornados,
furacões, ciclones, estiagem são dispensáveis; igualmente dispensáveis seriam
as doenças.
De que temos várias razões
para dizer que o mundo não é perfeito, que a vida poderia ser melhor não há
dúvida. Mas as dificuldades que encontramos na vida podem ser engrossadas com
as nossas interpretações supersticiosas das ocorrências do real. Veja-se, por
exemplo, o caso, muito comum, de pessoas que acreditam que “olho gordo” ou
inveja pode ter um efeito nocivo à sua vida. Creem que um sentimento possa, por
si mesmo, modificar alguma coisa na realidade objetiva. Você pode imaginar quão
terrível seria um mundo em que também a inveja alheia, em si, pudesse
acarretar-lhe alguma infelicidade? Mas muitas pessoas acreditam que, além de se
proteger contra a ação das pessoas, também devemos nos proteger contra a sua
inveja, cuja simples manifestação pode afetar negativamente o curso de nossas
vidas.
Você pode imaginar ainda um
mundo em que, além de nos preocuparmos em trancar nossas casas, em levantar
muros altos e imponentes, com um sistema de arcos energizados, para guarnecer
nossas casas, ainda tivéssemos de nos preocupar em nos proteger contra os
demônios ou as influências de entidades malignas que atuariam por intermédio de
trabalhos de macumba, feitiços e outras formas de evocação sobrenatural?
Em tais circunstâncias, não
nos surpreenderíamos se a vida nos tornasse desalentadora e insuportavelmente
aterrorizante.
Felizmente, lhe trago uma
boa notícia: as forças malignas como realidades ontológicas não existem. Não há
qualquer evidência de que um demônio exista e tenha possuído uma pessoa. Não há
razões para acreditar que a inveja possa nos prejudicar objetivamente. Não há
relação entre o fato de uma pessoa nos invejar e nós perdermos o emprego, a
menos que essa pessoa, por inveja, seja motivada a fazer perdê-lo. Mas, nesse
caso, não é a inveja que produz o efeito, mas a ação da pessoa invejosa. O
desejo em si não produz realidade. Não é por que eu desejo que haja vida após a
morte que, necessariamente, há ou haverá vida após a morte. Quão distante
ficamos de uma verdadeira compreensão da realidade!
O apelo que eu faço é que
procuremos interpretar o mundo com empenho racional. Que não deixemos que nossa
capacidade de imaginação nos represente um mundo ‘perfeito’, onde tudo ocorre
segundo uma Providência que visa ao bem, ou mais aterrador, onde um substrato maligno opera com o propósito de nos causar prejuízos. Um mundo onde
demônios e outros seres malignos duelassem, numa guerra cósmica, contra seres
benignos pelo controle do universo, tendo-nos como seus receptáculos ou “soldados
cósmicos”, seria um mundo onde viver se tornaria muito mais desagradável
(eufemismo).
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