Caminhos
Bem sei que estou equivocado ao dizer
isto: sempre achei que, para escrever um
livro, é preciso que se tenha chegado a um estágio mais adiantado de
maturidade. Reconheço meu desejo de
ver um livro meu publicado; no entanto, não mobilizo esforços para realizá-lo.
Acho que não é chegado o momento. Por isso, se acaso eu vier a morrer antes de
poder publicar um livro, eu gostaria de que alguém de minha família preservasse
os textos que escrevi e que se acham arquivados neste computador e publicados
neste blog. A escrita é uma prática
que encaro com muita seriedade e, quando releio meus textos, percebo que dessa
seriedade pude colher reflexões interessantes. Já escrevi sobre minha relação
com a escrita, já manifestei como me dedico ao trabalho de confeccionar um
texto. Por vezes, - também já o disse – tão-logo lhes ponho um ponto final,
releio os textos , e descubro várias inconsistências. Corrijo-os, a fim de lhes
dar uma forma publicável. Isso não me impede de revisitá-los e alterá-los num
ou noutro ponto.
Não
raro, ao relê-los, me admiro das coisas que escrevi. E cada releitura mostra-me
uma pluralidade de caminhos verbais ainda por trilhar. Eis a magia do discurso:
a inesgotabilidade dos sentidos, das possibilidades de dizer nunca exatamente
do mesmo modo.
Neste
átimo, fixo o olhar no vocábulo “caminhos” e sua semântica se me abre diante da
consciência. O que ela revela? A possibilidade de ir adiante... E foi tomando os caminhos das palavras que pude
reconciliar-me comigo mesmo e com mundo e ir adiante, nesta marcha social em
direção à morte inevitável. Percebo, com regozijo, que minha dedicação ao
trabalho com a linguagem curou-me o espírito. E, todas as noites, posso
reencontrar-me com as palavras que me inundam de vida a solidão. Elas revestem
meu espírito como músculos revestem os ossos. Dão-lhe força, elasticidade e
mobilidade. A elasticidade do espírito se mede pela sua plasticidade
linguística, isto é, pelo seu manejo com a maleabilidade e dinamicidade da
língua.
Caminho
conjuga bem com a vida. Esse vocábulo traz em seu bojo a transitoriedade. Por
ele, fazemos a transição. E não é a vida transitoriedade? O caminho que leva à
vida e à morte é o mesmo. Entre o nascimento e a morte, o transitório.
Felizmente, o homem pôde desenvolver a linguagem verbal, que lhe permite acomodar
o infinito na brevidade. Pensar a infinitude na brevidade da vida, na
estreiteza de nossas percepções. Aspirar ao infinito nos limites de nossa
compreensão da vida. Foi a linguagem que nos permitiu o “grande salto” (a
transcendência às condições naturais, de cujas raízes, no entanto, os biólogos evolucionistas
insistem em nos lembrar). Talvez, o caminho da vida não nos leve a lugar algum;
mais vale estar nele, poder percorrê-lo de ponta a ponta, ainda que a chegada
seja um precipício do qual nunca poderemos escapar. Uma boa imagem para a
morte: a do precipício. Nascemos
grávidos da morte. Nascemos já precipitados para a morte. Precipitar-se é
lançar-se, atirar-se. Nascer é inclinar-se à morte. E toda a vida é uma luta
contra o fenecimento. Nosso organismo, desde muito cedo, trava uma verdadeira
batalha contra os operários da morte (e não faltam operários neste planeta a
trabalhar para que a morte faça sua morada em cada ser vivo).
É o
mesmo o caminho que me conduziu a alma a estas reflexões e que me levará a por
um ponto final neste texto. Que o silêncio das palavras seja o prenúncio de
longos e largos caminhos na urgência do viver que míngua a cada aurora
desabrochada no céu.
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