terça-feira, 14 de junho de 2011

os homens que fogem a compromisso


             
                                             
                 A feminilidade de minha alma




 


Estava eu ontem me ocupando com alguns afazeres triviais – cortar o cabelo, comprar folhas para a impressora... quando topei com um livro, em cuja capa estampava-se o título Homens que não conseguem amar. Detive-me a olhar a capa e ler o texto da contracapa, hesitei por alguns minutos (porque sabia se tratar de um livro de auto-ajuda; portanto de um livro que não ofereceria um conteúdo intelectualmente edificante), mas minha paixão de leitor inveterado tilintou alto e, quando vi o preço (R$ 9,90), resolvi comprá-lo. Comecei a lê-lo ontem, não sem que antes tivesse pedido licença a Leibniz, Aristóteles, Marx e outros autores que contribuem sempre para o meu enriquecimento cultural. Interrompi a leitura e, hoje, a retomei. Confesso que ainda não terminei o primeiro capítulo, não porque seja extenso, mas porque traz alguns relatos pessoais não muito estimulantes. É que os autores, reconhecidos como especialistas em relacionamentos, a fim de produzir sua pesquisa, colheram diversos testemunhos de mulheres que já viveram ou vivem relacionamento com um homem que, segundo os próprios autores, tem fobia a compromisso. Alguns testemunhos são triviais, mas há outros interessantes.
Convém oferecer algumas informações relacionadas ao contexto da pesquisa empreendida. Contam-nos os autores que, embora desenvolvida num contexto social americano, o empreendimento da pesquisa contou com os testemunhos de leitoras brasileiras. Eles agradecem, inclusive, às diversas entrevistadas brasileiras, quando de sua visita  ao Brasil. Disso se segue o reconhecimento de que há semelhanças entre os casos de americanas e brasileiras. Tanto umas quanto outras já viveram histórias parecidas no tocante a relacionamentos com homens que fogem ao compromisso.
Como eu disse, ainda estou lendo o primeiro capítulo, e é dele que vou me ocupar aqui. Gostaria de partilhar com as seguidoras de meu blog (a maioria esmagadora são mulheres) um pouco da leitura deste livro e, assim, abrir um espaço para o diálogo e a reflexão. Lembro que uma de minhas preocupações intelectuais é a meditação sobre as formas de relacionamentos, chamados epidérmicos ou líquidos entre homens e mulheres da denominada modernidade líquida. Mas é bom lembrar que o recorte operado pela pesquisa de que o livro é um resultado é diferente, pois os autores não estão interessados nos relacionamentos entre homens e mulheres muito novos, mas mais maduros e profissionalmente estabelecidos. A faixa etária varia entre 25 e 40. Os casos mais frequentes, até onde pude constatar, são os de homens e mulheres na faixa dos 30-35.
No limiar do capítulo em pauta, os autores esclarecem o problema:

“muitos homens têm um medo exagerado de compromisso. Se você é uma mulher contemporânea, há grandes chances de que venha a se envolver com pelo menos um homem, possivelmente mais de um, que prefere fugir ao amor”.
(p. 16)
Bem, o livro vem confirmar uma realidade com que eu me defrontava nos testemunhos de amigos na minha faixa etária, ao dizerem que comprometer-se com alguma mulher é manter-se numa condição de aprisionamento.
Os autores nos explicam qual é o perfil desse tipo de homem: é aquele que não telefona após um primeiro encontro agradável; é o homem atraente e desejoso que, após uma noite de sexo, some; ou mesmo o namorado dedicado que, ao ver o relacionamento sendo encaminhando para um casamento, o abandona. E pode ser também o homem que, após o casamento, se torna infiel ou indiferente. Esclarecem os autores:

“Para ele, você é sinônimo de esposa, mãe, de ficar junto – para sempre – e isso o deixa aterrorizado. É por isso que ele a abandona. Você não consegue entender, mas, se isto servir de consolo, ele provavelmente também não compreende as próprias reações. Só sabe que um relacionamento mais sério lhe causa grande desconforto e ansiedade”.
(p. 16)

A principio, ficamos tentados em dizer: “Freud explica!”. Mas, antes de concluirmos assim, vamos avançar um pouco mais na compreensão do fenômeno. Os autores apresentam o primeiro caso, o de Jamie e Michael, que se conheceram numa festa. Ela tinha acabado de completar 28 anos e estava bem empregada e satisfeita. Eu não vou recontar a história, mas citarei uns trechos que me parecem bastante ilustrativos do comportamento desse tipo de homem. Atentemos para este trecho do relato de Jamie:

“A sensibilidade dele era tocante. Contou que sua última namorada estava mais interessada na carreira do que nele. Para ter um relacionamento sério, disse Michael, ele queria uma mulher como Jamie, que sabia estabelecer prioridades”
(p. 18)

O rapaz, então, estreitou o vínculo, e os dois tiveram noites maravilhosas de sexo e muito companheirismo. Inicialmente, tudo parecia perfeito. Estavam juntos há cinco meses e a moça feliz com a perspectiva de casamento. Mas não tardou para acontecerem algumas mudanças no comportamento de Michael. Conta a moça:

“Michael disse que (...) precisava se afastar um pouco da minha intensidade. Eu não tinha a menor ideia do que fosse essa ‘intensidade’, mas ele insistia em dizer que eu era intensa demais”
(p. 23)

Não posso deixar de notar que me vejo refletido nesse testemunho. Após o término, a moça culpava a si mesma, e confessou:

“Constatar que o amor não significava para ele o mesmo que para mim me causou muita dor, eu não sabia o que fazer”
(p. 24)

Convém dizer que os autores selecionavam para entrevista homens inteligentes, com boa formação acadêmica (alguns com um doutorado no currículo) e profissionalmente estabelecidos e bem-sucedidos. Portanto, não se trata dos fracassados ou vagabundos, nem de menininhos que não sabem o que querem da vida (muito embora o comportamento deles, no momento em que fogem ao compromisso, assemelhasse-se a de um homem adolescente, mas é cedo para avaliar o que provoca a fobia).
Veja-se o que nos diz os autores a respeito do público feminino entrevistado:

“O público ao qual me dirigia era composto principalmente de mulheres. Além de serem sempre mais interessadas em discutir a relação, elas tendem a fazer mais perguntas, a se abrir mais e a ter menos medo de fazer auto-avaliação. A maioria delas estava se recuperando de relacionamentos com homens que fugiam da possibilidade de um compromisso real (...)”.
(p. 25)

Segundo os autores, as mulheres entrevistadas são unânimes em dizer que o que as incomoda é que os homens dizem querer uma coisa, mas fazem outra. Ou seja, inicialmente, eles demonstram muito interesse, alguns até insistem convidando para jantares, etc., falam de amor, se entregam sexualmente, mas, à medida que o compromisso vai se tornando mais sério, mais afinado com o juntos para sempre, eles fogem. O juntos até que a morte nos separe é, definitivamente, um fantasma que eles querem exorcizar.
No tocante ao público masculino entrevistado, revelam-nos os autores:

“Em geral eram homens inteligentes, com uma boa formação. A maioria dizia ser sensível às necessidades femininas. A questão que se colocava era: por que esses homens bem-nascidos e inteligentes tratavam as mulheres tão mal?
(p. 27)

Os autores estavam interessados em saber: a) se esses homens tinham um plano definido, ao iniciar um relacionamento?; b) se, ao contrário, agiam deliberadamente de forma manipuladora?; c) se sabem que têm medo de compromisso?; d) se esse medo os leva a provocar o fim do relacionamento?. Havia interesse em respostas mais específicas. Por exemplo, queriam saber se algum desses homens deixou de procurar uma mulher após fazerem sexo? Por que alguns homens desistiam do relacionamento depois de pedir uma mulher em casamento? Se os homens se tornam infiéis quando o relacionamento começa a ficar bom e íntimo?, etc.
As entrevistas com os homens permitiram ao autores as seguintes conclusões, que elenco abaixo:
1ª) Quando um relacionamento ganha mais intimidade, homens que tem fobia a compromisso comportam-se de modo irracional;
2ª) Esses homens atribuem às mulheres os defeitos para tentar se sentirem melhores em relação ao modo como eles se comportam;
3ª) A maioria desses homens reconhece que, ao enfatizar os defeitos das mulheres, estão mascarando sua própria incapacidade de se comprometerem.

O que ficou claro, durante as entrevistas, é que os homens têm muita dificuldade para falar sobre seus sentimentos mais íntimos. Não sabiam lidar com o que fizeram e nem queriam refletir sobre isso. Insisto em que tais tipos de homens

“(...) empreendem [sic.] uma perseguição incansável até sentir que o amor e a reação da mulher o deixam encurralado no relacionamento – eternamente. No momento em que isso acontece, ele sente o relacionamento como uma prisão que lhe provoca ansiedade, quando não pânico total. Antes que a mulher saiba o que está acontecendo o homem já começou a fugir do relacionamento, dela e do amor”.
(p. 30)

Os autores ensinam que há homens que, depois de um ótimo primeiro encontro, não procuram mais a mulher, porque sentem medo da expectativa de que o relacionamento leve a um casamento. Casos há em que alguns acreditam que sexo é sinal de compromisso e, uma vez acontecendo, o relacionamento torna-se mais íntimo e, intimidade, para esse tipo de homem, é sinal de “aprisionamento”.
Ao ler este trecho, reafirmo minha distinção masculina e sinto-me, nesse tocante, muito mais situado no domínio emocional feminino do que no masculino. Porque, para mim, sexo é compromisso e intimidade e deve tornar possível o fortalecimento do vínculo. Novamente, ressoa aqui minha alma romântica e idealista. Mas, como se vê, a grande maioria de homens não pensam e agem dessa forma.
Ensinam ainda os autores:

“A fuga de um homem depende muito do que ele percebe como o ponto irreversível de compromisso em uma relação. Esse ponto varia em função de uma série de fatores, tais como comportamento-padrão do homem, a atitude da mulher e o nível de envolvimento entre os dois. É o momento em que ele olha para ela e sente que, se não sair imediatamente do relacionamento, ficará encurralado para sempre”
(p. 31)

No final do capítulo, os autores elencam o que seriam os pontos irreversíveis, ou seja, as situações em que os homens se sentem envolvidos pelo medo de que o relacionamento se torne mais sério:

1º ponto: apenas um encontro e nada mais. Segundo os autores, toda mulher já se decepcionou nesse momento. O homem desiste do relacionamento, depois do primeiro encontro, mesmo tendo sido ele muito agradável.

2º ponto: depois do sexo, ele não mais aparece. Muitos homens abandonam o relacionamento, depois da primeira relação sexual. Segundo os autores, esses homens entram em pânico.

3º ponto: Quando o estar em casa se aproxima. É quando os homens temem ficar presos, no momento em que percebem que o relacionamento torna-se mais estreito, mais íntimo, mais emocionalmente sólido.

4º ponto: O dia seguinte. Alguns homens já dão sinais de recusa a um relacionamento que começa a tomar as formas de um compromisso mais perene.

Os capítulos seguintes são destinados a orientar as mulheres a identificar tais tipos de homens e a aprender a lidar com eles.
Deixo aqui um espaço aberto para comentários e reflexões. É interessante notar que existem fatores sócio-culturais que, pelo menos até onde li, foram ignorados. A abordagem empreendida é, claramente, de caráter psicológico. Caberia avaliar a influência de fatores sociais, relacionados aos modos de comportamento  estabelecidos nas relações afetivas entre homens e mulheres por força das influências culturais e econômicas, incluindo-se aqui educação, valores e poder.
Eu preciso me aprofundar mais na leitura do trabalho, mas acho que posso já fazer uma crítica. Uma vez publicada num livro destinado ao grande público, particularmente feminino, a pesquisa não deixa de reforçar um estereótipo, a saber, a crença em que homem não quer compromisso. Assim mesmo, de modo genérico. Por outro lado, não deixa de testemunhar os fatos.
O que é interessante é que, a despeito de todo esforço empírico empreendido, a pesquisa, necessariamente, tem de recortar seu objeto de estudo, de modo que deixa escapar uma grande parcela da realidade. Hegel já ensinava que, de uma perspectiva dialética, a realidade é contraditória.
O problema dos livros de auto-ajuda é que eles se destinam a nos “ensinar a viver”. Ora, não há receita para a vida, nem para os relacionamentos afetivos. Nenhum livro que trate de relacionamentos, por melhor que seja a intenção do seu autor, servirá para livrar homens e mulheres de suas frustrações em relacionamentos. Nossa maturidade afetiva, emocional, moral depende das experiências vividas, da prática, da convivência. Só aprendemos a nos relacionar afetivamente, sem vacilar, sem temer a vulnerabilidade, nos relacionando.
Por outro lado, a pesquisa confirma uma tendência bastante atual: a dos vínculos líquidos, da fragilidade dos relacionamentos (pós)-modernos. O que se nota é que a maioria das mulheres ainda desejam estabelecer vínculos sólidos, duradouros, que lhes dêem segurança, afeto, muito embora elas sejam autônomas e profissionalmente bem realizadas (realizadas enquanto pessoa). Ao que parece, para os homens, bastam a realização profissional e o status econômico.
Parece-me que uma boa explicação possa ser desenvolvida pela observação das formas de educação tradicionalmente dada a homens e mulheres. Numa sociedade claramente patriarcal e machista como a nossa, homens e mulheres são educados de modo, que venham ocupar os lugares socialmente estabelecidos para cada um dos "gêneros". Em outras palavras, homens não são educados para lidar com assuntos do coração; as mulheres sim. Donde se segue a ideologia segundo a qual mulheres são mais sensíveis do que homens, ou homens não sabem lidar com suas emoções.  As mulheres podem ser bailarinas, mas homens bailarinos são mal vistos, tachados de homossexuais. Homens podem jogar futebol, mas uma mulher jogando futebol também será mal avaliada. Felizmente, o sucesso de nossas jogadoras de futebol têm contribuído muito para amenizar preconceitos.
Parece-me que, ao chegar próxima dos 30 anos, o amor, para a mulher, ganha uma concretude, uma densidade, mormente se ela já alcançou uma estabilidade profissional, que não tinha quando ainda contava seus 20 anos. Essa concretude atribuída à experiência amorosa, suas expectativas de que essa experiência se prolongue não estão afinadas com as expectativas de muitos homens, igualmente realizados em sua profissão. E não adianta buscar certas inclinações em comum. Veja-se o caso de Anne, que conta sua desditosa história com um pastor anglicano:

“A melhor parte da história é que o cara era um pastor anglicano. Ele morava na Filadélfia, e eu, em Nova York, mas tínhamos amigos e o gosto pela música em comum. Também éramos da mesma religião. Durante umas férias, nos encontramos em um festival de música e ficamos duas semanas em contato permanente. Ao fim da primeira semana, ele já falava em como eu era importante na vida dele. Na verdade, disse até que estava começando a se apaixonar por mim. Devo acrescentar que ele também passou um bocado de tempo falando sobre a importância dos valores e dos compromissos. Finalmente, voltamos para Nova York e, em vez de seguir para Filadélfia, ele foi embora dizendo que me ligaria no outro dia, mas só telefonou duas semanas depois. Parecia muito distante e estranho. Tentei ligar para ele infinitas vezes, enviei-lhe inúmeros cartões postais e, tenho vergonha de confessar, até um pequeno presente de aniversário, mas ele nunca mais me ligou. Fiquei arrasada. Escrevi-lhe incontáveis cartas longuíssimas, mas fui, felizmente, convencida por amigos a não enviá-las. Nelas eu assumia a responsabilidade por todos os pecados do mundo. Como pode um homem que passou tanto tempo falando sobre o bem e o mal comportar-se dessa maneira? Durante um ano, tive certeza de que havia feito alguma coisa errada. Às vezes ainda penso nele”.
(p. 33)

Uma leitura mais rica deste trabalho pode ser feita à luz das contribuições do capítulo 5 Feminização dos valores morais, constante do livro Feminismo e ética: como feminizar a moral  (2005). Lá se pode ler o seguinte:

“Constata-se e critica-se principalmente a existência de uma “masculinização” da ética cultural ocidental. Para algumas feministas, de Aristóteles a Rawls o conceito de justiça teve uma leitura predominantemente masculina. Kant é o autor no qual mais se concentram as críticas feministas (...)”
(p. 67)

Trata-se aqui de defender uma reorientação dos valores morais da sociedade atual, por meio de uma ética feminina. No tocante ao tema aqui visitado, a ética feminina atuaria no sentido de resistir ao efêmero nas práticas sociais pós-modernas. Em outras palavras, buscar maior densidade, perenidade, solidez nos vínculos afetivos deve ser uma forma de afirmar a ética feminina, numa sociedade em que os valores masculinos da competitividade, do utilitarismo, do descartável, do efêmero são muito presentes e determinantes.

Digressões finais

Não sei se consegui obter sucesso em minha exposição. Chego ao cabo dela, sem ter certeza de que tudo que pretendia escrever eu consegui escrever. De qualquer modo, não posso deixar de lembrar que sou um homem situado social e culturalmente, ou seja, um homem atento à realidade sócio-cultural em que vivo, um homem atento às formas de relacionamento estabelecidas numa sociedade utilitarista e caracterizada pelo efêmero.
Vale atentar para uma pergunta feita em um fórum de uma comunidade no Orkut, que se intitula Mulheres inteligentes:
Homens inteligentes: eles existem?
Oi moças... no mundo globalizado e competitivo de hoje, existe espaço para homens inteligentes e românticos?

As mulheres responderam. Seguem-se algumas das respostas:

Sempre tem espaço para homens inteligentes. Especialmente quando nao acham que sao os donos da razão. Alias, tanto homem como mulher fica insuportável quando tem esse mis-concepção.

Mas romanticos - bem. Tem sim. Mas só um para cada. Por exemplo, agora casei. Entao um homem inteligente ser romántico é ponto negativo. Nao poderei usufruir da sua compania e amizade. Mas se ele souber direcionar o seu romantismo - se eu ver que ele é romantico com sua parceira e simplesmente amigável e educado comigo - nossa, tudo de bom. Ai vou torcer para poder ser amiga dele e da parceira.

dificil
existe sim,mais e mmmmuito raro.

Claro que existem !!
ja conheci vários e é uma das coisas que mais admiro em um homem, antes mesmo da beleza exterior ...



nao achei ainda hahaha

Homem, heterossexual, inteligente, romântico, simpático ... está difícil....
detalhe que nem falei bonito e bem de vida... XD mas com calma agente acha ... se não vou acabar seguindo a dica e virar lésbica mesmo rss

Ora, é claro que a pergunta foi mal elaborada, pois que assenta no pressuposto de que homens inteligentes possam não existir, o que é um disparate. Que eles existem é fato. O problema é encontrá-los, reconhecê-los e valorizá-los.
Lembrou-me o texto Crônica do amor, de Arnaldo Jabor. Há duas passagens neste texto que me divertem ao mesmo em tempo que lança uma crítica muito sutil:

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.”

A segunda é esta:

“(...)você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?”
   


Há muitas mulheres à procura de homens que desejam realmente compromisso; assim também há homens que ainda querem compromisso. O problema é dar-se o encontro deles. Assim como as mulheres entrevistadas, eu também já vivi poucas, mas frustrantes, experiências com mulheres que não queriam compromisso. Mas, antes, eu queria ser escolhido. Á medida que nos aproximamos dos trinta anos – para mim, faltam alguns meses – nós é que devemos escolher. Sucede assim com a mulher que chega aos trinta anos. Ela é que deve escolher, só deve viver com quem a merece. É claro que a busca pode ser árdua, haja vista às condições pouco animadoras, mas eu acredito que o provérbio demasiadamente humano ainda vale: “ama a ti mesmo como nunca amarás o teu próximo, e assim serás amado”.
Já disse, várias vezes, que minhas melhores amizades são com mulheres. O mundo masculino, os seus valores não me atraem. Gosto das delicadezas do coração, do olhar que acolhe, mas também que devora. E incansavelmente declaro que o AMOR e o conhecimento são os valores que persigo. Mas que o AMOR, o compromisso amoroso, estará sempre como prioridade. É o destino dos poetas, de quem mantém uma relação íntima com a linguagem. O que faço em minhas horas vagas senão escrever e ler? E me sinto realizado, pois minha profissão me permitiu isso. Ora, eu respiro linguagem o tempo todo. Como professor de português, ensino sobre língua, discurso sobre linguagem. Mas, ao mesmo tempo, trabalho com a estética da linguagem, com a sua beleza.
Costuma-se dizer que as mulheres são mais comunicativas, que exibem maior destreza  no uso  da linguagem do que a grande maioria dos homens. Não sei até que ponto isso é verdade. Mas nisso também me identifico com o feminino. Aprecio o diálogo e gosto de ouvir o que as mulheres – porque homens, em geral, não falam de sentimentos, falam de suas crises fálicas  e só – têm a dizer sobre seus sentimentos.
Certa vez, uma amiga me contava sobre seu relacionamento com o namorado e eu a ouvia ao telefone. E ficávamos horas a conversar... É que eu entendo que relações afetivas são fundamentais à nossa vida. A vida não é só trabalho, estudo, incumbências. É verdade que, desde há muito, me preocupo com o meu futuro amoroso. Quero dizer, viver um relacionamento amoroso estável e próspero é uma prioridade hoje em minha vida.  

Contarei uma situação interessante que vivi.  Em sala de aula, lia com meus alunos o texto muito divertido de Arnaldo Jabor Crônica do amor (http://pensador.uol.com.br/frase/MzI5OTc/); a certa altura, disse às minhas alunas (as moças predominam num curso de pedagogia) que são indispensáveis a um relacionamento amoroso cinco qualidades: fidelidade, cumplicidade, companheirismo, confiança e reciprocidade. Acrescentei que o elenco poderia ser estendido e que essas cinco qualidades compunham o ideário amoroso. A prática, como ensina Jabor, é bem diferente. Definitivamente, o amor ignora nossos scripts.  Alguém me disse que, no amor, os envolvidos devem ter, em alguma medida, objetivos em comum.
             Sucede que senti as alunas realmente atentas à leitura que fazíamos em conjunto. Elas estavam atentas ao que eu dizia sobre o amor e me pareciam docemente estupefatas. Afinal, não é todos os dias que se ouve um homem manifestar tamanha sensibilidade romântica ao abordar o tema amor. Eu me alegrei com o resultado da aula. Em primeiro lugar, porque as fiz ver, durante a leitura, além do que viriam, caso lessem o texto sozinhas. Em segundo lugar, porque pude provocar-lhes a sensibilidade, isto é, não só o entendimento, mas a sabedoria que vem da alma; aliás, das profundezas da alma, dos seus recônditos, onde moram nossos sentimentos mais ternos e mais carentes de amor e desejo de felicidade. Lá mesmo onde residem nossos sonhos e desejos inconfessáveis; lá onde mora a criança em nós, carente de cuidado, de amparo, de proteção. Sensibilizar é também função do professor. Assim eu penso.

2 comentários:

  1. Bruno, esse assunto eu tenho tenho especialização, afinal foram 15 anos ao lado de um homem incapaz de amar. Enquanto a gente namorava tudo perfeito, eu achava que ele me amava, mas a hora do compromisso, assumir filho, tudo mudou, levei anos para entender e todos esses anos sofrendo e tentando reverter o irreversível: ele não é capaz de amar. Primeiro pensei que tinha sido a falta de amor dos pais por ele, porque realmente isso ele não teve; depois achei que por ele ser muito "exatas" excelente na matemática e física não tinha desenvolvido o lado "humanas"; pensei que pudesse ser crise dos 30, dos 35 e 40; mas não era. Hoje constatei que realmente nunca amou, porque quando meu advogado foi falar com ele que eu queria separar a pergunta que ele fez: quanto isso vai me custar? Aí foi respondida a minha pergunta de tantos anos, nunca houve amor nem por mim nem por ninguém. ..

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  2. Claudinha, postei seu comentário, porque acho importante que fique registrado aqui um testemunho de uma experiência de vida muito pertinente ao problema de que trata o texto que postei. Obrigado por você voltar a postar, porque seus comentários enriquecem, iluminam os meus pensamentos. Você contribui com a sua percepção e sensibilidade, com a sua experiência de vida e isso é motivo de muita alegria e satisfação. De certo modo, ao ler suas palavras, sinto-me próximo de você. Poder contar com a sua lucidez é também muito importante para mim. No casamento, o amor é burocratizado e, infelizmente, reduzido a tramites legais.

    Beijos carinhosos!

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