
O mesmo nauseante
Tenho andado sem inspiração ultimamente. Eu
queria ter escrito sobre a problemática em torno do conceito de verdade em
filosofia, mas desisti do empreendimento, mesmo depois de ter colhido materiais
suficientes para me ocupar do tema. Ando desmotivado para escrever; quiçá,
porque tenha me perguntado sobre os propósitos por que escrevo. De que me vale
este laborioso trabalho? Certa vez, justifiquei minha escrita de modo a fazer
ver ao leitor que ela me permite reelaborar o que li e aprendi, a fim de que
eu, realmente, chegue à compreensão. Escrevo com vistas a compreender o que
aprendi lendo. Assim, não me importaria com o interesse do leitor blogueiro.
Nesta
nova oportunidade, escreverei sobre o que me aborrece e sobre o que me deixa
espavorido (não confundamos com esbaforido,
que significa ‘ofegante’). Este texto não trará nenhuma contribuição cultural
ao leitor. É um texto confessional. Não me pergunte por que isto tem alguma
importância, mas preciso dizer que os clichês de amor que circulam no facebook são tediosos. Vejamos alguns:
“Só porque
alguém não te ama como você quer, não significa que este alguém não te ame com
tudo o que pode.”
“Porque no
final de tudo, o que realmente importa é estar ao lado de quem a gente ama.”
“Eu poderia
ser a pessoa mais agradável do mundo, mas optei por ser eu mesmo.”
Essas
frases fazem eco à psicologia barata. As pessoas não nos amarão segundo a
medida do amor que desejamos. O mundo não será do modo como desejamos. O mundo
ignora nosso desejo. A segunda frase é mais uma mentira que circula por aí. Nem
sempre o que realmente importa é viver ao lado de quem a gente ama. Se essa
pessoa não nos amar, por que deveríamos querer viver ao lado dela? E se essa
pessoa nos amar de modo muito suspeito, porque deveríamos continuar amando-a? Por
que deveríamos ser a pessoa mais agradável do mundo? As pessoas são
contraditórias. Os seres humanos são animais muito complexos. Há sempre quem
nos julgará desagradáveis. Não agradamos a todos e nem devemos agradar a todos.
E o “eu mesmo” é uma ficção, uma máscara que utilizamos para viver em
sociedade. É claro que não podemos ser simpáticos o tempo todo (os simpáticos
demais também levantam suspeitas e aborrecem as pessoas); nem podemos ser
sempre antipáticos, sob pena de não conseguirmos conviver relativamente bem.
Pessoas
que vivem a vomitar clichês são pessoas de superfície, e a mim elas não atraem.
É possível que apareça um “anônimo” para comentar este texto e me julgar um
“intelectulóide prepotente”. Vez por outra, aparece um desses supostos “críticos
aborrecidos do intelectualismo” por aqui. Infelizmente (ou justamente), em
nossa cultura, se enrudece essa tendência a repudiar a quem se
eleva sobre o senso-comum. Doa a quem doer, mas é fato inegável que mais ampla
formação cultural e aumento do grau de escolaridade são fatores por que
demarcamos certas fronteiras sociais.
O
sempre mais do mesmo também é detestável. Veja-se o novo Big Brother. As mesmas
situações, as mesmas intrigas, as mesmas baixarias, as mesmas apelações sexuais
vulgares, o mesmo desejo que têm os participantes de se tornar celebridades instantâneas, sob o aplauso
de uma massa que não faz senão contribuir para o aumento da riqueza da já rica
e mais poderosa emissora de televisão deste país. O tempo que uma pessoa
consome assistindo a este programa idiotizante seria mais bem empregado para a
leitura. Digo, a leitura que edifica, e não a que adestra.
Sinceramente,
os meus dois maiores desafios enquanto professor são: formar leitores
competentes e desenvolver nas pessoas um senso crítico sobre as valorações
sociais dos usos linguísticos. Refiro-me à árdua tarefa de desarraigar o hábito
que a maioria das pessoas tem de rotular de ‘certa’ e ‘errada’ a forma como os
outros falam sua língua materna (o português, em nosso caso). Esse trabalho
começa na escola, mas tem de começar desde as séries iniciais. Tento mostrar
que valores como ‘certo’ e ‘errado’ não estão nas expressões linguísticas, mas
são atribuídas a elas pelos seus usuários. E eles fazem isso, irrefletidamente,
porque foram educados numa longa tradição gramatical normativista. Na verdade,
os critérios por que se julgam certas formas e usos da língua como certas e
outras como erradas não são claros para a maioria dos falantes nativos de
português. Eles aprenderam na escola que o certo é dizer/ escrever “você está
entre mim e ele” e que é “errado” dizer/ escrever “você está entre eu e ele”,
sem que seu professor lhe explicasse a razão por que uma forma linguística está
certa; e a outra, errada (e sem problematizar essa visão valorativa dicotômica!).
No máximo, ele ouviu algo como “é errada porque não é assim que se diz na norma
culta”. Mas quem estabeleceu essa norma culta? E quem não se expressa na norma
culta é inculto? Os jogos de poder ficam mascarados e o falante nativo não se
dá conta deles. E ele continuará acreditando que há formas linguísticas às
quais as noções de certo e errado são imanentes.
Não vou
adiante.
Deixarei
o leitor com este trecho, filosoficamente perturbador (como não poderia deixar
de sê-lo), cujo autor questiona a ideia famigerada da passagem do tempo. Será mesmo que o tempo se move?
“Apesar de realmente parecer para nós que o tempo se move
para frente, não está claro como isso acontece, porque o tempo não é um objeto
físico ou uma coisa. Mas, então, em que sentido, exatamente, ele se move? Na
verdade, se estivesse realmente se movendo, poderíamos ter a capacidade de
dizer a que velocidade. Você pode pensar que os relógios medem esse ritmo mas
não é bem assim. (...)
“O tempo voa”, dizem, “quando
estamos nos divertindo”. Sou a favor da diversão, mas divertir-se não pode
fazer que o tempo passe mais rápido, se o tempo não está passando de jeito
nenhum”.
(Filosofia em 60 segundos (2012),
pp.19-20.)
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