quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"Um debate é uma troca de conhecimentos. Uma discussão é uma troca de ignorâncias". (Robert Quillen)

                     




                                               Incomodações
                              Para a necessidade de um debate equilibrado
                                                      entre religiosos e ateus  
                                                      

Perdoem-me se os primeiros enunciados deste texto destilarão doses ácidas de altivez; se com eles pretendo eu olhar de meu mirante espiritual as rasas pegadas deixadas pelo espírito de pessoas que trafegam virtualmente nas redes de relacionamentos on-line, como Orkut e Twitter, e que são incapazes de sustentar um debate circunscrito às exigências da razão, desferindo mutuamente uma série de acusações, ofensas e despautérios. Perdoem-me, pois que aqueles que me acompanham há muito e me conhecem sabem que não sou presunçoso. E, por mais desinteressantes sejam, para mim, muitas das comunidades nos espaços de relacionamentos virtuais, participo de algumas delas (decerto, das que me atraem pela temática que propõem). No entanto, apesar de parecerem-me, a princípio, interessantes, não deixam de me frustrar pela quantidade de postagens repletas de lugares-comuns, visões rasas e pouco fundamentadas e, principalmente, repletas de ataques pessoais.      
Em outro texto, tratei da falta de reconhecimento de uma ética discursiva, que deve reger debates que se propõem ao tratamento de questões de alguma relevância social, política e cultural. Alguns participantes, simplesmente, ignoram-na. Receio que esteja eu sendo demasiado acurado no modo como desenvolvo aqui meus pensamentos; dou passos lentos como quem deseja atacar de surpresa. Busco certa discrição verbal na consideração dessa empobrecida realidade intelectual dos ciberespaços. Uma amiga querida minha, contudo, abandonou finezas, ao dizer-me, com razão, que a maioria dos que se envolvem naqueles debates são muito ignorantes. Talvez, nem sejam tanto, mas são, em alguma medida, “despreocupados”.
Tenho, pois, participado (na verdade, voltei a participar) de comunidades ateístas no Orkut e no Facebook. Neste, as comunidades me agradam mais. Não percebi, entre os participantes, ataques pessoais, ainda que, vez por outra, se topem mais comentários de indignação ou de defesa da causa ateísta do que comentários que abram caminhos para alguma reflexão válida. Sucede diferente nas comunidades ateístas das quais participo  no orkut (pelo menos a minha foto está entre as dos participantes, já que, a rigor, dou pouca contribuição). Nelas, observa-se um festival de acusações (especialmente, na comunidade Debates de Religião x Ateísmo, cuja denominação já nos permite entrever as condições favoráveis ao teor relativamente agressivo dos discursos). Excogitei de apresentar alguns trechos aqui, mas conclui que me demandaria muito tempo. Fica o convite para quem quiser atestar por si mesmo.
É bom ponderar que nem todos os comentários têm aquele teor; alguns incluem alusões filosóficas, trazem à cena algumas sombras de perspectivas teóricas interessantes. Mas outros tantos passam ao largo do tema proposto; outros, ainda, chegam a tangenciá-lo, mas tão logo dele se afastam. Veja-se um exemplo disso:

 A diz: ou guris de 14 anos, que estão começando a carreira de ateus de modinha.

B diz: ateu de modinha,senhora,saiba que vivo numa comunidade catolica muito conservadora,e que sofro muito preconceito.Seguir uma modinha não seria sensato na minha posição.

O tema do fórum é expresso com a denominação criativa “Religião=ignorância?.  Mas notem que A foge ao tema, ao sugerir que o ateísmo é uma moda crescente na sociedade pós-moderna. E B imediatamente replica, se defendendo. Parece que, agora, estamos diante de um outro tema “ateísmo é modismo?”. Não raro, dentro do macro-debate, estimulado pelo tópico principal, há outros debates que se particularizam em torno de temas com os quais se comprometem dois ou mais enunciadores. Em geral, observa-se não haver uma continuidade de raciocínios, talvez porque os participantes não se dêem ao trabalho de ler as contribuições uns dos outros, a menos que tenham interesse em completá-las ou refutá-las.
Note-se abaixo um claro exemplo de agressão verbal, que não serve senão para infertilizar qualquer debate:


A diz: mesmo teístas terem feito mais pela ciencia,apenas os ateus compreendem a existencia claramente."
Ta explicado. Que merda cara, no meu tempo, nós só falavamos sobre "ateismo", na universidade e mesmo assim, eram discussões tratando de filosofia. Não tinha nenhum poser idiota metido a etendido de ciência, pagando de "sagaz" no círculo... só marxistas... (Hahaha).


B: vi que voce é o que chamamos de "porca capitalista" (quem critica o marxismo por influencia do capitalismo selvagem)
poser idiota é voce que vem aqui só pra me xingar


As partes em negrito foram por mim grifadas com o objetivo, evidentemente, de salientar a incapacidade de os participantes levarem adiante um debate equilibrado e apenas alimentado por argumentos válidos, ou seja, orientado para a manifestação de posicionamentos claros e coerentes e não impregnados de sentimento agressivo. Salvo este caso particular, em que um dos enunciadores é uma jovem adolescente, não me surpreenderia se, em casos análogos, os enunciadores, equiparando-se em gênero e idade, pudessem, estando face-a-face, desferir, um no outro, pontapés e socos. Vale lembrar a lição de Freud sobre a grande dose de agressividade que carrega a natureza humana. E, quando a causa está impregnada de um sentido visceral, como, por exemplo, a de religiosos que se esforçam por defender suas crenças e a de ateus não menos dedicados a defender seus argumentos contrários, dá para se ter uma noção da suscetibilidade humana à agressão.
Tenho insistindo em dizer que religião se discute sim e que o desejável, numa sociedade que se acredita democrática, é favorecer oportunidades de discussão séria neste terreno. Não obstante, não posso aceitar o fato de encontrarmos aqui e ali uma forte disposição para ataques pessoais de ambas as partes – teístas e ateus. Os partidários dos dois grupos tendem a se comportar linguisticamente de modo agressivo, desferindo mutuamente ofensas e acusações.
Sou tentado a sugerir que só a ignorância de ambas as partes pode explicar isso. É possível que haja muitos que buscam em livros conhecimentos suficientes para validar seus argumentos; mas outros tantos ou não são leitores assíduos ou verdadeiramente interessados em aperfeiçoar sua argumentação, ou, se lêem, o fazem ignorando as vantagens dessa atividade, ou seja, lêem, mas se limitam a vomitar conhecimentos fragmentados ou cristalizados e a encarar o debate como uma arena em que pessoas devem duelar e afirmar-se continuamente como portadoras de verdades incontestes. 

3 comentários:

  1. É, Bruno, infelizmente são poucos os religiosos que conseguem, de forma não agressiva, discutir sobre religião. Percebi que os adolescentes são os que menos entendem do assunto e o trata com coerência. A eles é muito mais fácil adotar xingamentos, baixar o nível, pois lhes falta o discernimento e a maturidade para ouvir e falar. O respeito fica excluso e as agressões verbais vêm de todos os lados.
    Debates deve ser feitos de forma respeitosa, coerente, plausível, adotando uma postura ética de ambas as partes.
    Já comentamos antes, e não é de hoje, que discutir com pessoas religiosas é muito difícil, pois eles se ofendem com o simplies fato de irmos ao oposto deles. Para eles não crer em deus é algo inaceitável. O q para os ateístas é algo simples de se discutir para eles se torna um campo de guerra, como você mesmo mostrou no seu belo texto.
    Como já dizia House, de forma brilhante e irônica, em um de seus epsódios: "Se fosse possível argumentar com pessoas religiosas não existiria pessoas religiosas."

    Grande beijo, meu querido! E continuemos nossa jornada!

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  2. ótimo tudo! ótimo o esclarecimento introdutório: debate x discussão.

    uma das coisas que me desanimou a continuar interagindo em comunidades - quando tinha Orkut - foram esses 'tipos' aí.
    triste, né?
    por mais que saibamos que há tanta ignorância no mundo, é ainda pior quando nos deparamos com ela, assim tão agressivamente. e, alás, a ignorância é mesmo uma agressão; um atentado!

    beijão, querido

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  3. Também acredito que religião se discute sim, apesar de que religião não convive bem com crítica... A rede de relações sociais ta aí pra confirmar, não é só em torno da religião. Ontem “presenciei” vários xingamentos e despautérios em torno de uma foto que dizia preferir o rock ao funk. O que eu vejo dos ateus são discussões sérias, não percebo ateus guerreando contra religiosos, a guerra é contra ideias não contra pessoas... Como você citou no texto anterior, “o debate acelera a inteligência” e as pessoas precisam aprender com urgência a encarar um debate sem se debater.

    Bjusss

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