quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Por simples bom senso, não acredito em Deus. Em nenhum." (Charles Chaplin)

        

     O ateísmo ativista
  Repensando o projeto


A palavra ativismo é definida, na Enciclopédia e Dicionário Koogan- Houaiss, tanto como ‘atitude moral que privilegia as necessidades da vida e da ação, sobre os princípios teóricos’ como ‘propaganda ativa em favor de uma doutrina’. O ateísmo propalado por autores como Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens tem sido compreendido como um ateísmo ativista justamente porque esses autores, ao publicar obras e participar de debates e conferências, em televisão e em universidades, atuam incisivamente contra a religião e a fé. Eles, realmente, partiram para o ataque. Cada qual do seu modo: Dawkins valendo-se de sua competência enquanto biólogo e expoente do darwinismo. Sua obra Deus: um delírio foi escrita sob a perspectiva baseada em sua formação. Ele considerará a fé um vírus, que contamina a consciência das pessoas, impedindo-as de pensar coerentemente sobre suas crenças religiosas e suas crenças sobre o modo como o mundo funciona.  Sam Harris, a seu turno, atacará de modo mordaz a fé religiosa e, particularmente, a fé islâmica. No Posfácio de seu livro A morte da Fé (2009), em resposta a uma das críticas que recebera de seus leitores (algumas por e-mail), o autor é claro:


“Se existe algum livro que ataca mais duramente a religião, eu o desconheço. Isso não quer dizer que meu livro não tenha muitas falhas; mas com certeza ele não pode ser acusado de tentar apaziguar a fé religiosa”.
(p. 272)

O excelente livro deus não é grande (2007), de Hitchens, conta com relatos de suas experiências como jornalista enviado a regiões de conflitos, com ataques sem peias a personalidades porta-vozes da fé, como Madre Teresa de Calcutá. Conhecimento e experiência conciliados de modo lúcido e ácido no ataque ao fenômeno da religião – é o que encontramos, em suma, na obra deste grande e saudoso intelectual.
Comum aos autores aqui mencionados é a tese segundo a qual a fé deturpa a razão, se alimenta da irracionalidade, embota a consciência. Veja-se, a título de exemplo, o que escreve Sam Harris nesse tocante:

“A fé religiosa, embora seja a única espécie de ignorância humana que não admite sequer a possibilidade de correção, continua a ser protegida contra as críticas em todos os cantos da nossa cultura. Ignorando todas as fontes de informação válidas acerca deste mundo (tanto espirituais como mundanas), nossas religiões assumiram antigos tabus e fantasias pré-científicas como se estes encerrassem o mais profundo significado metafísico. (...) Na melhor das hipóteses, a fé religiosa torna as pessoas, mesmo as bem-intencionadas, incapazes de pensar racionalmente sobre muitas das suas preocupações mais profundas e; na pior das hipóteses, é uma fonte contínua de violência entre os seres humanos”.

(p. 259)


Hitchens, por sua vez, apontará o fato de a larga propagação de religiões estar ligada à inversão ideológica que declara os homens não mais como criadores de deuses, mas como criaturas destes. O ventre das religiões é justamente essa ideologia. Nela se ancoram as doutrinas, os rituais, a fé. A dimensão da cultura (criação humana), onde devemos situar as religiões e os seus deuses, é apagada nessa concepção invertida (ideológica). A ideologia aqui referida mascara a verdadeira realidade que envolve homens e deuses: aqueles como os verdadeiros criadores; estes como suas verdadeiras criaturas.
Comum aos autores referidos aqui é também a ideia de que a religião nasce da ignorância sobre como o mundo é e de que se alimenta dessa ignorância. O alicerce da religião é a ignorância. E a fé religiosa estorva a capacidade de as pessoas desenvolverem o pensamento reflexivo e crítico.
É interessante ver que Dawkins, particularmente, se preocupa muito com a educação das crianças; ou melhor, se preocupa com a incapacidade de as crianças fazerem determinadas escolhas, como escolher se vão seguir ou não a religião de seus pais. Para ele, uma criança não se define como católica ou islâmica; ela não é nem uma nem outra, não tem maturidade para avaliar as implicações de assumir este componente de sua identidade; na verdade, segundo o autor, a ela é imposta a religião dos pais. A preocupação de Dawkins se justifica pelo fato de que a forma como o adulto se relacionará com a sua fé, defenderá suas crenças religiosas e encarará a religião em sua própria vida dependerá do modo como a doutrina religiosa foi inculcada nele, quando criança, pelos pais. É claro que, aliada aos pais, está a Igreja e seus cursos de doutrinação (no caso da Igreja Católica, o catecismo e a crisma). O modo como a religião influenciará o comportamento desse adulto durante a vida dependerá de como se desenvolveu a atividade de adestramento psicológico dele, quando criança, promovida pela família e Igreja.
Convém, agora, sintetizar a preocupação fundamental dessa corrente de ateístas: combater a ignorância religiosa, fonte de erros, irracionalidade e, em casos extremos, de violência. Mas é preciso elucidar esse ponto e a pergunta que devemos fazer é: no que consiste essa ignorância? Vale perguntar ainda: como ela se manifesta?
Os estudos filosóficos ensinaram-me a buscar o rigor na definição de termos e no tratamento de questões sobre a qual me debruço. Preciso, pois, me deter na definição de dois conceitos operacionais: o pensamento e a ignorância. O conceito de pensamento que me interessa aqui é aquele que se estrutura simbolicamente, ou seja, pela linguagem verbal. É o que devemos chamar de pensamento conceitual. Não existe fora dos quadros da linguagem, donde se segue que pensar é, com Kant, “conhecer através de conceitos”. Assim é que a mente constrói conceitos e os organiza na forma de juízos. Para mim, linguista, na forma de proposições, textos, discurso. O pensamento é essencialmente linguístico ou discursivo. Para Kant, pensar é julgar, é calcular. Quando tomamos os conceitos ‘menino’, ‘caiu’ e ‘no chão’ (as palavras criam conceitos) e os organizamos numa oração, formamos uma proposição ou pensamento: “O menino caiu no chão”. Essa frase reconstrói um estado-de-coisas no mundo tornando-o dado de nossa consciência, ou seja, forma de conhecimento. Posso desenvolver esse pensamento, articulando-o a outro pensamento. Por exemplo, posso articular àquela oração uma causa: “O menino caiu no chão, porque estava correndo do cachorro”. Casos há em que a oração introduzida pela conjunção “porque” não veicula a causa, mas a explicação para o que se enuncia anteriormente: “Deve ter chovido, porque o chão está molhado”. Note-se que “porque o chão está molhado” é uma justificativa para o ato de fala “deve ter chovido”, produzido na base de uma inferência feita a partir da constatação do estado do chão. É como se disséssemos: “Eu afirmo [deve ter chovido], porque o chão está molhado”. Diremos que a relação causal opera sobre proposições, de tal modo que B é causa de A; mas a justificativa ou explicação opera sobre atos de fala, de tal sorte que o que se apresenta é uma explicação/ justificativa para o ter dito B, ou seja, para a enunciação de B (Deve ter chovido).
Esses exemplos mostram que as relações entre os pensamentos envolvem também pensamentos não anunciados, ou seja, envolvem pressupostos e operações linguístico-cognitivas como inferências. Aliás, a inferenciação é uma atividade fundamental e indispensável na compreensão de textos, seja orais, seja escritos. Ao usarmos a linguagem, em nosso dia-a-dia, estamos em todo momento fazendo inferências. Um caso de pressuposição é ilustrado em “O carro parou de trepidar”. Desse enunciado depreendemos o pressuposto “O carro trepidava”. A unidade que ativa o pressuposto, ou que o sinaliza, é “parou de”. É por meio desse elemento linguístico que inferimos “o carro trepidava”. O pressuposto está inscrito no enunciado e é recuperado na base desse enunciado.
Em O que é Filosofia (2008), Caio Prado Jr. distinguirá entre o pensamento elaborador, que operando sobre conceitos e os articulando na forma de enunciados, é responsável pela produção de conhecimento, e o pensamento reflexivo, a saber, aquele que se volta sobre o já pensado (o conhecimento produzido).  O pensamento reflexivo é o pensamento sobre o pensamento. Na verdade, a conceituação, ou seja, a representação que a mente faz das ocorrências do real já é uma etapa do pensamento elaborador. Prado nos ensina sobre a relação entre essas duas formas de pensamento:

“Desse primeiro momento ou nível da atividade cognitiva (isto é, a elaboração da conceituação representativa da Realidade), o instrumento dessa atividade,que é o pensamento elaborador do conhecimento, se volta sobre si próprio e toma reflexivamente por objeto aquele mesmo conteúdo conceptual ou Conhecimento por ele elaborado”.
(p. 20)

O pensamento elaborador, responsável pela conceituação, se desenvolve a partir da experiência sensória do indivíduo. Ele se apóia nos dados acessíveis aos sentidos, conta com a experiência de mundo do indivíduo pensante. A transformação dos dados postos aos sentidos em dados de consciência, ou seja, em formas de conceitos, é no que consiste a conceituação.
Compreendida esta etapa, passo a considerar o conceito de ignorância. Não podemos deixar de referir o nome de Sócrates, considerado pelo Oráculo de Delfos, o homem mais sábio que já existiu, porque reconheceu sua ignorância, ao proferir a famigerada frase “só sei que nada sei”. Grosso modo, pensamos em ignorância como carência, insuficiência, falta ou ausência. Ignorar é desconhecer. Todos nós ignoramos em alguma medida. A ignorância reconhecida por Sócrates é o que eu chamaria de ignorância propulsora, a saber, aquela que nos impele ao conhecimento. Ela abre caminho para o conhecimento; uma vez reconhecida, o indivíduo se esforçará por saná-lo com o conhecimento. Ela é, assim, um vazio que deve ser preenchido com conhecimento(s).
A ignorância também pode ser pensada como um engano do indivíduo em relação à qualidade e correção de seus conhecimentos ou crenças. A ignorância faz com que ele tome por verdadeiro o que é falso, incorrendo em ilusão ou em erro. A ignorância mantém-no no nível das opiniões falsas ou da aparência, impedindo-o de alcançar a essência das coisas, a(s) verdade(s). Importa também entender, nessa discussão, o valor das evidências. Uma evidência é tudo aquilo que se impõe ao espírito de modo claro, distinto e para o qual se dispensa demonstração. A evidência racional importa às ciências. Descartes reconhecia a evidência intelectual como o único critério de objetividade. Consoante o filósofo, não podemos aceitar como verdade nada sem que antes se imponha ao espírito como evidente.
Entendemos por que Dawkins (e outros), ao ser indagado sobre o porquê de não acreditar na existência de Deus, responde de modo a fazer entender ao seu interlocutor que “faltam evidências”. Claro está que o conhecimento, para ter validade (incluindo-se, evidentemente, o conhecimento científico) precisa apoiar-se nas evidências. Elas constituem o conjunto de elementos necessários para corroborar ou negar uma dada teoria ou hipótese científica. É claro que as evidências não estão disponíveis de antemão; elas dependem de pesquisas desenvolvidas na base de um conjunto de pressupostos.
As evidências diferem dos indícios em termos de grau de confiabilidade ou certeza. As evidências são tomadas como provas de que uma crença ou ideia é verdadeira. Elas validam conhecimentos. Os indícios são sinais que apontam para a probabilidade de que algo tenha acontecido ou exista. No domínio da criminologia, da jurisprudência, do Direito, fala-se em indícios, sempre que na cena de um crime há pistas que podem ajudar para o conhecimento de quem foi o seu autor, bem como de como foi praticado.
A ignorância atacada pela corrente do ateísmo ativista representado nas figuras de Dawkins, Harris e Hitchens é uma espécie de ignorância que toma como verdades insuspeitas, inquestionáveis, inatacáveis determinadas crenças que carecem de evidências, de base empírica. Elas sequer contam com indícios. Mas também é uma ignorância que infertiliza o pensamento reflexivo. Ela o turva, obscurece-o e, não raro, o impede. A ignorância religiosa torna seu possuidor uma pessoa ingênua, incapaz, às vezes, de perceber as incoerências, contradições, disparates que vazam de seus pensamentos. Lembro que pensar é encadear proposições, frases, juízos; pensar implica um trabalho cuidadoso com a linguagem verbal, baseado em alguns princípios da lógica.
Vamos a um caso que constatei em uma postagem no facebook. Primeiramente, vale elencar algumas proposições vulgarmente produzidas sobre Deus, herança dos ensinamentos teológicos mediante a Igreja:

1. Deus é Pai;
2. Deus é amor;
3. Deus é bom;
4. Deus é todo-poderoso;
5. Deus é onipresente;
6. Deus é onisciente.

Na postagem, estampava-se a foto de um acidente de trânsito fatal. Quase toda uma família morta, exceto um menininho. A criança sobreviveu. A imagem incluía o dizer: “Quando Deus põe a mão”. Quer-se fazer crer que Deus, “pondo” suas mãos invisíveis, salvou a criança, evitando sua morte. Mas, inexplicavelmente, deixou seus familiares morrer. Devemos supor que Deus tenha um plano para aquela criança e outro “plano” para seus familiares? Mas o que dizer da criança que, além do trauma provocado pelo acidente e pela visão aterradora de ver seus familiares mortos, deverá levar uma vida na condição de órfã? Deus não foi bem sucedido. Um pai reconhece que uma criança necessita de seus pais; um pai que ama não deixaria seu filho abandonado; e o mais impressionante: se Deus é todo-poderoso, por que não salvou a todos, se não quis evitar o acidente (embora pudesse fazê-lo, já que seu poder de agir é absoluto)? Ele não parece tão plenamente presente assim, mas chegou a tempo de salvar a criança (devia estar ocupado naquele momento, mas se apressou em socorrê-la).
O que devemos reter, nesta ilustração, é o fato de que o que se diz de Deus entra em choque, em conflito com as ocorrências do real. A sobrevivência do menino surpreende, é claro; mas pode ser explicada pelas circunstâncias do acidente, por exemplo, a posição em que a criança se achava, seu tamanho, o ponto em que a força do impacto incidiu (provavelmente, no lado onde estava o motorista e as outras pessoas que morreram). Importa ver que não precisamos da hipótese de Deus para explicar o que parece ser um “milagre”, um acontecimento extraordinário e impressionante. Se lançamos mão dela, ficamos ainda sem explicação para o fato de Deus só ter salvado a criança e ter deixado morrer as demais pessoas no carro (seus familiares). Para os religiosos, em geral, crendo não ser a morte o fim da vida, não nos surpreendemos que possam dizer que a morte das outras pessoas que estavam no carro era plano de Deus, era a sua vontade. Essa crença absurda é para mim aterradora! Ter um ser todo-poderoso, senhor do universo, a decidir quem deve viver e quem deve morrer excede em horror qualquer história de terror já criada pelo gênio humano.
Lançar mão do dispositivo Deus para explicar os acontecimentos do mundo não só nos dá explicações errôneas sobre o modo como o mundo funciona, não só não nos fornece conhecimento nenhum, como também pode acarretar-nos mais inquietações do que serenidade. Talvez, essas inquietações não encontrem abrigo no coração dos fiéis, simplesmente porque eles não se ocupam em pensar seriamente sobre suas afirmações, sobre suas crenças a respeito da relação entre Deus e o mundo, a respeito do modo como Deus atuaria no mundo. Seria mais justo admitir que, se há um criador do Universo, esse criador se desinteressou de sua criação; ele não intervém em favor de suas criaturas, donde se conclui não evitar que terremotos matem milhares de pessoas, que um tsunami arrase uma cidade no Japão, que vulcões, epidemias causem choro e dor a muitos corações.
A ignorância a que se opõem ferrenhamente aqueles autores é também a ignorância da prepotência, da arrogância, da vaidade. As pessoas de fé não se permitem sequer pôr em xeque suas convicções. Raramente (ou nunca) se perguntam: “e se eu estiver errado?”. Essa pergunta honesta também poderia ser sugerida a nós, ateus, por eles, religiosos. Pode ser que estejamos errados; mas a falta de evidências a favor da existência de Deus tem corroborado até hoje a posição ateísta, a tem sustentado firmemente.
Quando o ateu nega a existência de Deus e se arvora na defesa de sua posição, ele, deve se esforçar por mostrar que muitos erros e crimes foram cometidos em favor da crença numa ideia ilusória. Devemos ter em conta que tudo que os homens fizeram até hoje (guerras, doutrinas, templos, vestimentas pomposas, sistemas hierárquicos, tratados de teologia, rituais, privações, etc.) em torno do nome de Deus fizeram-no em favor da consolidação e manutenção da crença em um ser que não pode ser experienciado sequer por microscópio ou outras técnicas avançadas (como as que são empregadas para estudar a complexidade de um átomo). Na escala existencial, Deus está abaixo de um micróbio, ou mesmo de um átomo (ou mesmo de um nêutron). A despeito de tantas crueldades, guerras, genocídios em seu nome, estranhamente, ele se mantém em profundos silêncio e omissão. Mas esse fato não incomoda as pessoas religiosas .
É verdade que não são todas as pessoas que chegam ao extremo de guerrear e cometer crimes em nome de Deus, mas muitas poderão, ao menos, romper relações ou evitá-las, caso descubram que um amigo ou colega nega-se a acreditar em Deus. Deus (a ideia de Deus) instaura uma cisão, uma discriminação, uma divisão no interior de uma sociedade ou comunidade. Sam Harris nos ensinou sobre o poder de uma crença, de uma ideia. A crença move as pessoas, leva-as a agir. Uma crença equivocada poderá (o faz) levar a ações equivocadas e, não raro, funestas.
Tem razão Gleiser ao nos chamar a atenção para o fato de que os ateístas da vertente ativista ignoram o que se passa nos corações dos fiéis, quando estes se entregam às suas orações, se envolvem em seus rituais e se relacionam com os imprevistos da vida. Por isso, o ataque ou a crítica não deve ser direcionado para o desejo ou o sentimento de que haja algo além da materialidade do mundo, da vida tal como a conhecemos. O problema dessa crença é a sua consequência. As pessoas que seguem tenazmente a doutrina da vida além-túmulo acabam por apregoar o desapego, o desinteresse pelas coisas desse mundo. Os mais extremistas, lançam aviões contra arranha-céus ou se suicidam com bombas presas ao corpo, levando consigo vários inocentes. Tudo porque acreditam que gozarão de felicidade eterna no paraíso reservado a eles por Deus (Alá).  É verdade que, entre nós, os cristãos católicos e evangélicos não alcançam esse grau de paixão envenenada; mas os últimos, especialmente, pregam um discurso apocalíptico e de conversão à causa de Cristo. Os católicos não fogem à regra. Também esperam pelo Juízo Final, com o retorno de Cristo. Há, como observou bem Onfray (2007), na doutrina cristã propagada por Paulo (embora nem todos os textos com seu nome tenham sido escritos por ele), obsessão pela morte, pelo fim absoluto.
O ataque deve ser dirigido, portanto, no sentido de evitar que a onda de ignorância alimentada pela religião em relação a questões éticas, políticas, sociais e culturais penetre as nossas instituições e sirva de parâmetro para estabelecer formas de convivência antidemocráticas e eivadas de preconceitos. Exemplos disso são a implementação por certas autoridades políticas da corrente evangélica do ensino da Bíblia nas escolas, a perseguição aos homossexuais, a disseminação da ideia absurda e repugnante de que a aids é um castigo de Deus aplicado aos homens, etc.
É claro que o debate aberto, a insistência em que a religião pode ser discutida sim devem constar da agenda ateísta. Se os religiosos participam, através de associações, pela mediação da igreja, social, cultural e politicamente, defendendo suas opiniões, seus valores, suas crenças, também nós, ateus, devemos lutar por maior participação nessas esferas. O conflito de percepções, de interpretações, de valores, de éticas é indispensável.
Devemos abandonar atitudes demasiado agressivas, as ofensas, as ridicularizações, sem deixar de sermos irônicos (quando necessário) e sagazes. A orientação de nosso discurso deve, não raro, situar-se no domínio em que as crenças religiosas são apresentadas e articuladas. É preciso atacar de dentro, e não de fora, o que significa apreender as conexões entre os dizeres. Se queremos pôr a nu a ignorância, devemos tateá-la nas entranhas de sua materialização verbal. Isso significa atentar para como os pensamentos são tramados e como reproduzem as gritantes incoerências da doutrina e das Escrituras.

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