quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"E de repente este EU saltou-me da consciência" (BAR)


                 

                       Questionamentos viscerais
           

tempo aguardo que me irrompa da consciência uma avalanche de pensamentos portentosos. Quem me dera fosse surpreendido por uma enchente de ideias efusivas, que lançassem meu espírito às páginas de minhas inquietudes! Nada semelhante me acontece. Tão só a insistência em escrever segundo as flutuações da alma. Meu esforço é prender a atenção do leitor nestas linhas o tempo necessário para que ele se convença de que não deixará estas linhas aborrecido.
Darei um tom intimista a este texto e desatarei a escrever sobre minhas impressões, percepções, sensações... Começarei então... Eu sou atormentado por pensamentos, especialmente quando vou me deitar para dormir... por vezes, acordo de madrugada e eles não me deixam retornar aos braços de Morfeu...Eles me sobrevêm à alma com a força de uma enxurrada... e eu, por vezes, me afogo... E não são pensamentos banais, que nos lembram os afazeres do dia seguinte... são pensamentos transcendentes, destes que tocam na ferida da angústia, que lançam questões infindáveis sobre a existência... De repente, o assombro! Eu estava ali deitado, Eu mesmo, essa pessoa única (como o é cada um de nós) e o estar vivo inundando-me. Eu, que sou plena consciência de mim e do que me cerca. Um instante “em que a qualidade de sentir assoma como um lampejo, e é como se nossa consciência e o universo inteiro não fossem, naquele lapso de instante, senão uma pura qualidade do sentir” (O que é semiótica, p. 70). A Vida que excede nossa compressão, toda ela inundada em mim e minha consciência se encheu dela. Desculpe-me leitor porque não conseguirei dar à tinta a dimensão exata desse sentir. Só sei dizer que me assombrou a possibilidade de a morte não me permitir experimentar a vida novamente. Ao contrário do que advoga certa corrente de materialistas dogmáticos, não tenho certeza de que a morte é pura e simplesmente um retorno ao não-ser. Eu não posso ser tão categórico assim, a despeito de eu ser ateu. A diferença, nesse tocante, entre mim e um religioso é que eu me contento com o Mistério, não tenho necessidade de alimentar esperança e me apoiar na sedução da fantasia.
É verdade que, muitas vezes, a fantasia é preferível à realidade, desde que a fantasia seja recompensadora. Mas a fantasia nega a realidade; a realidade comanda; e a recompensa da fantasia, se houver, é intangível e enganosa..
Assisto à novela Amor eterno Amor e me agrado do amor transexistencial das personagens Rodrigo e Miriam, que noutra vida se chamavam Salvador e Alice. Pudera cada um de nós ter um amor predestinado! Que lindo, exclama o coração! O espiritismo (ou kardecismo, como ficou conhecido entre nós) ao menos tenta oferecer uma justificativa para o sofrimento que atinge as pessoas, muito embora sua teologia continue a ser calcada na teologia cristã. A mensagem do Cristo e a representação do Deus cristão permanecem a mesma, embora a identidade do Messias seja outra; na teologia espírita, Jesus era um médium.
O não-crer não me impede de me maravilhar com a imaginação que nos leva a desejar que, no final, tudo seja justificado e “todos os justos viverão felizes por toda a eternidade” (eventualmente, retornando para prestar algum serviço a Deus). Os espíritos mais evoluídos não precisarão retornar (pelo menos, não sem sua vontade). Afinal, tal como na teologia cristã, no Espiritismo, o mundo também é um lugar de sofrimento. Na doutrina espírita, o mundo é um lugar de expiação. Estamos aqui para expiar nossas faltas de existências anteriores. O sofrimento do inocente – da criança que acabara de nascer, imaculada – é justo, porque o espírito nela encarnado cometeu injustiças, crimes, faltas em outra existência, muito embora ela não tenha consciência disso, o que é uma dificuldade para a aceitação dessa doutrina. Condenar quem sequer tem consciência das razões por que está sendo punido? Como pode?
Tenho, contudo, de reconhecer entre os espíritas um avanço: eles não pretendem evangelizar ninguém. Não fazem proselitismo.
As pessoas, em geral, se esquivam de pensar sobre tudo isso, sobre o estar aí, no mundo. Tendem a negar a morte, mesmo que inconscientemente. Triste a condição humana: somos conscientes de nossa finitude e nada podemos fazer para evitá-la. Que alternativa nos resta senão aceitar a morte e desejar mais vida? Porque é disso que se trata: religiosos ou não, cristãos, mulçumanos, judeus ou ateus, nós desejamos, de algum modo, experimentar a vida sem fim. Que cada existência seja um ciclo é o que desejamos, eu e você! O espiritismo nos ensina que cada nova existência nos impõe o esquecimento. Devemos esquecer a existência anterior enquanto existimos novamente, mas restituímos a lembrança de nossas vidas passadas quando desencarnamos e retornamos ao mundo dos espíritos. Com que propósito precisamos submeter-nos a uma série de encarnações? Para nos aproximar de Deus. É claro, é preciso haver um sentido no ter de retornar à Terra várias vezes. E  o que acontecerá quando alcançarmos a condição de espíritos puros, libertos das paixões terrenas? Não sabemos, uma vida tal é inimaginável; não havendo temporalidade, que nos sobra de consciência? Que nos resta para fazer? Pelo menos, não ficaríamos entediados, porque não haveria o tempo. Uma vida sem temporalidade é impensável para nós. Tente imaginá-la! Não conseguirá; sem tempo, não há ação, consciência, desejo... não há vida.  Parece que retornamos ao absurdo. A existência é absurda, já dizia Sartre. Existir transcende-nos a consciência. Sou apenas um produto biológico, resultante da fusão de um espermatozóide com um óvulo determinado? Poderia Eu não ter existido? Por que você, que me lê, nasceu em tal meio familiar e não em outro? Por que você tem gozado de uma vida confortável junto de pessoas que o/a amam, enquanto outros não gozam de semelhante privilégio? Por que seu nascimento foi ileso enquanto outras milhares de crianças nasceram sofrendo? Penso nos bebês que nascem com alguma doença congênita... Penso nos que não sobreviveram a ela? A explicação espírita para o fato de um bebê ou uma criança morrer prematuramente é que cumpriram o pouco que lhes restava para cumprir. É como se ainda lhes faltasse uma pequena etapa de sua expiação. Então, o espírito nasce para logo morrer. Podemos supor que as consequências para os pais possam ser terríveis, dolorosas... Mas um espírita encontraria nesse caso um propósito benévolo, porque, afinal, tudo provém de Deus e a ele retorna... Mesmo o sofrimento mais atroz faz parte do plano misterioso de Deus (talvez os pais da criança ainda precisassem sofrer por suas próprias faltas, porque, segundo essa lógica, sofrer edifica, fortalece, melhora). Assim pensam os cristãos: é necessário sofrer para crescer na fé. Felizmente, o homo sapiens, por mais estúpido que seja, criou a ciência para amenizar o sofrimento, para lutar contra ele. A medicina é a expressão da luta dos seres humanos contra o sofrimento e a favor da vida. Felizmente, quando sentimos dor sabemos precisar de um médico e não de um padre ou pastor.
Enquanto escrevo, ouço uma vizinha evangélica que vive a berrar com suas filhas... o alvo do destempero da cristã é sua filha mais nova agora... Parece que a igreja não tem contribuído para torná-la uma pessoa mais serena e paciente, uma mãe disposta a educar sem precisar recorrer a extremismos vociferantes...
De um lado, o Mistério; de outro a crença em Deus e todas as implicações dificultosas que ela envolve. Quando alargamos nosso olhar, tomamos consciência de que o perigo ronda-nos sobre a cabeça (o espaço abriga corpos que podem dizimar nosso planeta). E mesmo aqui encontramos uma série de perigos à vida. Não preciso elencá-los... Definitivamente, a natureza não é perfeita, o mundo nem sempre é tão hospitaleiro. Sempre podemos imaginar um mundo melhor...
Há tempo me apercebi de que a fé pode nos cegar para o mundo, ou melhor, para a compreensão de como o mundo realmente é. Dou apenas um exemplo disso. Os que, por razões religiosas, condenam o homossexualismo, porque simplesmente se trata de um comportamento contrário à vontade de Deus (que determinou (?) que todos sejam heterossexuais), ignora o fato de que práticas homossexuais são muito comuns entre outras espécies de animais também. Um fato biológico, uma evidência incontestável. Ou aceitamos que a evolução tenha programado certos organismos para a experiência sexual entre membros do mesmo sexo, ou os crentes devem repensar o que julgam saber sobre Deus, porque, afinal, Deus criou o mundo, inclusive animais propensos à prática homossexual. Parece que Deus não se importa muito com isso!
Fico pensando também quão difícil é sustentar um propósito divino quando nos damos conta de que existiram pessoas como Adolf Hitler, Mussolini e Ozama Bin Laden. Esses homens perpetraram atrocidade, causaram sofrimento a milhares de seres humanos. E Deus sabia, desde o nascimento deles, que eles se comportariam dessa forma, porque, afinal, Deus é onisciente. O Holocausto levou à morte 6 milhões de judeus (e os judeus creem-se o povo eleito de Deus). Já ouço o eco dos defensores do livre-arbítrio... eles sempre julgam a questão de modo simplista e incontroversa... Vejamos, então, como seria um diálogo entre Deus e Hitler, depois de morto:

- O que você fez? Como pode cometer tanto mal?
- Ora, o senhor me deu a liberdade de escolher entre o bem e o mal... O senhor não deveria saber que rumo eu tomaria... ?
- Sim, eu sabia desde sempre...
- Então, por que não evitou que eu fizesse tanto mal?
- Porque eu não posso coagi-lo... Você é livre...
- Bem, as coisas não são bem assim... lá embaixo não há liberdade absoluta...
Mas, em todo caso, apesar de sua ignorância, por que o senhor não fez nada para me impedir? Só por que não pode me coagir... Se o senhor tem poder ilimitado e é infinitamente bom, ao ver que um espírito criado pelo senhor mesmo cometia maldades, por que não interveio, pondo um fim a sua vida? Devo lembrar que o senhor me criou? O pessoal lá deseja um mundo melhor, alguns até se esforçam para sustentar a paz por um longo período, ainda que a guerra tenha atravessado a História desde os primórdios da humanidade... O senhor não tem contribuído para a realização daquele desejo, enviando para lá embaixo homens como eu, tão inclinados às paixões egoístas, megalomaníacas e tirânicas... Deveria caprichar mais...
- Pois é... não sei onde tenho estado com a cabeça...
- Deveria ter feito melhor.... Olha, lá embaixo, há muitos espíritos maléficos...
- E há também os bons e caridosos...
- Ah! Sim... é verdade... é preciso manter o equilíbrio... o bem e o mal... o senhor os criou, né? Para que os homens pudessem exercer sua liberdade...
- Agora, você deve ir para o lugar onde passará toda a eternidade: o Inferno!
- Tudo bem. Só me responde uma coisa: por que o Senhor, que é infinitamente bom e poderoso, não matou logo o diabo? Diz aí... vocês têm um pacto, né? Nunca entendi essa afinidade...

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