domingo, 5 de fevereiro de 2012

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso." (Joseph Joubert)

Aos colegas ateus:





"Estou de acordo. Sou ateu, mas isso não me obriga a concordar com todos os colegas em todas as questões. Um partido, uma congregação não se forma com indivíduos que estão sempre de acordo; há os dissidentes. Já critiquei o modo como muitos ateus adotam um discurso neocientificista auto-suficiente, um discurso com que supõem poder responder a todas as questões colocadas pela religião ou outras doutrinas metafísicas. Eu posso aceitar a teoria do Big Bang (é a teoria paradigmática que, embora atraia divergentes no tocante a um ou outro aspecto, continua aceitável até que possa vir a ser refutada). Concordo que a hipótese de Deus para explicar o surgimento do universo traz sérias complicações. Ainda que assumíssemos haver um projetista, um exame cuidadoso nos mostraria que ele não pode ser o deus cristão. Tratar-se-ia de um deus completamente desinteressado da sorte dos homens neste mundo, de um deus impotente, de um deus coagido pelas leis da física, pela constituição mesma do universo. Seria um deus fraco (nada comparável ao deus grandioso do cristianismo). Seria um deus que ao criar, perdeu o controle sobre os elementos primários da criação e que, embora tenha projetado uma natureza exuberante, NÃO O FEZ PERFEITA! (ao contrário do que supõe a maioria dos religiosos, aliás perfeição é impensável nos padrões humanos, é ideal). Claro não precisamos da hipótese de Deus para explicar a origem da vida. Mas a ciência silencia em face da morte. Cientistas lidam com a vida. Médicos estão comprometidos em salvar vidas, em restituir a saúde, em preservá-la. A morte é o fim, é onde cala a voz científica e onde se abre o vazio a ser preenchido pela voz do coração, da superstição (se quiserem assim chamar), do sentimento. Diante de um defunto, o médico diz: eis uma matéria inanimada, sem vida. Eis um corpo cujo cérebro deixou de funcionar; portanto eis um morto. Este corpo, que outrora sentia, pensava, estudava, falava, escrevia, trabalhava, amava, chorava, sofria, pulava de alegria, viajava, casava, divorciava-se, se apaixonava, planejava, compunha poesia, emocionava, criava ... este corpo que um dia existiu (se relacionava), é aproveitado para estudos de anatomia. Faço um apelo não à razão, mas à emoção. Nós, seres humanos, não somos só animais racionais, somos pessoas emocionalmente complexas. Somos seres de desejo, de emoção. Viver é emocionar-se, não é só pensar, não é só racionalizar. Não vamos conseguir êxito tentando convencer os religiosos ou os espíritas de que a morte é o fim de tudo, de que viemos do pó e retornaremos ao pó... essa visão niilista não logrará êxito. Enquanto os cientistas nos chamam atenção para a singularidade de nosso estágio na longa cadeia evolutiva, que nos torna uma espécie notável, sob vários aspectos, os religiosos ou espiritas vêem nisso um sinal de que há em nós um substrato que resiste à aniquilação orgânica quando da morte. A crença na possibilidade da inesgotabilidade da vida não me incomoda. Se a maioria apenas a desejasse, sem pretender universalizá-la, sem pretender transformá-la em doutrina, sem fazer dela uma religião, talvez não houvesse muito por que nos opormos. Ficaríamos com o desejo, mas continuaríamos sempre dispostos a dar voz a nossa única certeza: a de que morreremos. O que isso realmente significa é algo que nos está velado. Antes de bradar "todos vamos morrer aceitem isso", olhemos ao nosso redor, vejamos quantos desgraçados chegam ao mundo e que, por circunstâncias adversas pelas quais não foram responsáveis (ou vocês responsabilizariam uma criança que nasceu com um problema congênito, que nasceu em regiões pouco favoráveis à sua sobrevivência?). Uns nascem em berço de ouro, uns são acolhidos pelos pais; outros nascem em condições de pobreza e são, às vezes, abandonados. Uns morrem muito cedo, ainda crianças; outros vivem uma vida longa de privações, de sofrimento. O que é certo é que o sofrimento tece as malhas da existência humana. O budismo tem a nos ensinar muito a esse respeito (em parte, pode-se aproveitá-lo). É notável que cientistas como Richard Dawkins convoquem a todos nós a usufruir a vida, que é única e valiosa, mas tenham forçosamente de sufocar o sentimento, de ignorar que milhões de pessoas são privadas de gozar desse privilégio. Para muitos, a vida é dura, para muitos a vida é uma desgraça, para muitos a vida não passou de alguns dias. Serão estes infortunados recompensados de algum modo? Terá a passagem deles neste planeta se limitado ao infortúnio, à desgraça, à infelicidade? Não sabemos. Aqui a ciência sai de cena. E o mistério nos abraça, nos envolve a todos. Somos filhos desse mistério. Contentemo-nos com ele, sem nunca desistir da Vida!"

2 comentários:

  1. Quem se dá a liberdade de conhecer um pouquinho, sabe que o mecanismo da religião é de ilusão, e quando tentamos entendê-la o encanto e magia desaparecem... A maioria que diz produzir a paz, o amor ao próximo e entre os povos tem gerado um fanatismo exagerado que já levou milhões a perderem a vida.
    Não se pode deixar a razão ser sobrepujada pela fé. Até um cego consegue perceber que há muito tempo o rei está nu e sem forças, pois não consegue usar sua onipotência e benevolência diante de tanta atrocidade que acontece diante de nossos olhos.
    Como diz Onfray a fraqueza, o medo, a angústia diante da morte, que são as fontes de todas as crenças religiosas, nunca abandonarão os homens. Por outro lado, é preciso que alguns espíritos fortes defendam as idéias justas... Sabe-se que essa defesa é uma tarefa difícil, pois as pessoas que geralmente se envolvem em debates saem a favor de suas crenças sem respaldo algum, condicionadas em convicções herdadas do cristianismo, e não há razão que as tire da condição de marionetes em estado de torpor e alienação, mas apesar disso, você tem sido um desses espíritos fortes, e a defesa das suas ideias você tem feito com louvor.

    Enfim, o que eu conheço de verdade é a fragilidade da vida. E diante da morte, a minha única certeza é que um dia serei saudade e esquecimento. E enquanto o mistério me abraça... Colho o dia!

    Carpe Diem você também meu amigo! Bjusss

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  2. Relendo este comentário, só posso dizer: PERFEITO!!!

    Beijos!

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