quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Há muito, muito tempo atrás...


Cavernosos


Naquele tempo era assim: os homens pré-históricos disputavam a companhia da fêmea, travando duelos violentos entre si. O vencedor arrastava-a pelos cabelos até a caverna, onde, naturalmente, copulavam. A cópula era impudica, à vista de todos os outros membros da tribo.
Não havia muitas posições eróticas. O Kama Sutra ainda não fora inventado, de modo que o papel da mulher nas relações sexuais se limitava ao “estar presente”. O homem, normalmente, só fazia sexo numa única posição, e não era a “papai-e-mamãe”; era a dos “cachorrinhos” mesmo. Em certo momento, a mulher virou-se de ventre para cima, e o homem, estupefato, gozou do prazer que a nova posição erótica lhe oferecia. Ah! Sim, a mulher passou a ser co-participante na relação sexual, mostrando ao parceiro que o prazer era recíproco; era só uma questão de diálogo...
Todavia, existe um fato, ou melhor, uma crença bíblica, que parece dar primazia ao homem no mundo. Deus criou Eva de uma das costelas de Adão. O Divino criou primeiramente o homem, depois criou a mulher; e, ainda, a partir de uma costela de um homem. Eis em Adão o símbolo máximo da soberania masculina no mundo.
Mas acalme-se. Adão, como foi retratado por Michelangelo, em um quadro denominado de “A criação do homem”, não é modelo a que muitos homens modernos aspirariam. A razão é muito simples. Qual é o símbolo máximo com que os homens impõem sua doutrina machista e imperialista? O falo. Sim, o símbolo fálico. Inatingível. Adão o tinha minúsculo, quase um borrão. Certamente, o pintor, por ser adepto do pensamento machista, não concederia a tal símbolo dimensões mais generosas, já que isso, talvez, pudesse denegar sua masculinidade, ou, pelo menos, maculá-la perante a sua estirpe. Por outro lado, se Adão visse como sua genitália fora retratada, provavelmente se envergonharia, porque a maior ofensa que se pode fazer a um homem moderno é atribuir a sua genitália adjetivos diminutivos.
Os homens de hoje se espelham nos bravos guerreiros medievais, que impunham suas espadas em defesa de suas propriedades ou de suas ideologias, ainda que, neste último caso, não se encontre muito eco. Os homens atuais erigem seus falos e cantam num só coro: “Tesudos, unidos, jamais serão vencidos!”.
Ana Cristina César, poetisa da geração de 70, escreveu um poema, cujo título é “cartilha da cura”; expressou-se assim: “as mulheres e crianças são as primeiras que desistem de afundar navios”. Lembrou-me a Revolução Industrial, fato preponderante para a instituição do capitalismo. Nessa época, as fábricas tornaram-se locais onde se realizavam a divisão do trabalho e a imposição do horário e da disciplina ao trabalhador. As mulheres e crianças eram submetidas a trabalhos estafantes e recebiam, ainda, salários indignos, menores que os dos homens.
Os homens deveriam coibir seus instintos primitivos de prazer, para circunscrever sua energia ao trabalho fabril. Portanto, nada de gastar energia com atividades outras; o capitalismo não requesta amor. À mulher cabia a tarefa de educar os filhos (quando o tinham) e ler... Mas a leitura às vezes incutia-lhe sonhos e aspirações utópicas; muitas se frustraram; faltou-lhes a realidade concreta que os livros não teciam.
Amor? Só nos livros.
Hoje já não há mais o lirismo desmedido que outrora habitara o âmago dos trovadores portugueses e dos românticos brasileiros. A vassalagem masculina sucumbiu ao orgulho que concede o lucro. Nós somos os capitalistas! Basta! Compramos tudo, inclusive o amor interdito no berço.
Uma mulher venusta intentava autonomia amorosa. Acreditava, ingenuamente, que a sua Igreja lhe concederia uma sorte próspera. Dizia a pobre moça que a Igreja é a casa de Deus e o local onde se realizam as prédicas do Evangelho. Não fora feliz em suas investidas amorosas; mas o seria, segundo ela.
Esqueceu-se, mulher, de que sua Igreja é dos homens. Há muitas mazelas que até mesmo o mais ímpio dos homens se assustaria. Lutero revoltou-se contra a hipocrisia religiosa que perdurou séculos. Mas não o estimo; havia razões econômicas envolvidas. Contudo, valeu-nos a lição de que o poder religioso não podia confundir-se com o poder político.
Em época de antropocentrismo predominante, o homem busca égide sob as asas do criador, que liberta e aprisiona seus desejos mais incônscios. Neste oxímoro, vivemos...
Resta aos intelectuais discutir a hipocrisia ideológica vigente. A sociedade fecunda mitos de que a posteridade se alimenta, e, nesta azáfama, esquecemos o que da podridão podemos resgatar. Não havendo escolhas, desvanecemos nossos sonhos na mais difusa linguagem, para não morrermos no silêncio que nos comprime os pulmões.
Sempre haverá, porém, aqueles homens néscios que assomam mais um degrau da insipiência, cuja própria retórica iterativa lhes concede uma conduta burlesca, mas prestigiada por um pequeno grupo de fêmeas, cuja consciência foi transfigurada por uma educação que se preocupou com a castidade inviolável e o pudor supérfluo, sem perceber que a herdeira não pôde alçar vôos, porque lhe cortaram as asas, ao invés de a ter ensinado (etimologicamente, ‘marcar com sinal’) a não farfalhar como a folhagem ao primeiro sinal de vento. Esquecem-se de que não se amputa a perna a alguém, para que não fuja; ensina-se sempre o caminho de volta para a casa. Também não se emudece a quem não se deseja ouvir; voltam-se os ouvidos ao léu.
A barbárie inunda o dia-a-dia. Os espectros de nosso imaginário que entre as sepulturas passeiam não são tão assombrosos quanto os cavernosos vivos que rastejam a nossos pés e que ruminam as palavras defecadas por sua excelência e majestade, por sobre as quais expõem sua catadura especiosa, mas inadvertidamente consumível.
(BAR)

Um comentário:

  1. Bruno,
    vc sempre impecável em cada excerto! Adorei!

    *Esta semana recebi um cômico email, que ilustrava a 'historinha' de Adão e Eva mais ou menos assim:
    Que quando Deus os criou, disse-lhes que havia dois 'presentes' para lhes dar e ao começar a oferecer o primeiro, já foi interrompido por Adão, que pediu euforicamente 'eu, eu, eu, eu, Deus, por favor, eu!". E a oferta era o privilégio de poder fazer xixi de pé. Então, Deus lhe concedeu. E lá foi o estúpido do Adão fazer xixi em tudo que é lugar; brincar de desenhar na areia; e um monte de coisa idiota.rs
    Ao que Eva perguntou qual seria a segunda oferta e Deus lhes disse: A segunda é um cérebro, minha cara, um cérebro.
    E fim da história! hahaha

    O bom é que ainda bem que a esta história de Adão e Eva nem todo homem se encaixa, né, Seu exceção?! ;P

    Beso

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