segunda-feira, 20 de junho de 2011

"Um dia, talvez, eu venha a desabitar-me, e então me reconhecerei" (BAR)







Mudança


Gosto da noite sem lua
Nebulosa e fria
Da noite invernal
Que me lança sobre a alma
Uma alegria fina,
Que me cai bem
Como uma veste branca de seda

Gosto da noite com sereno
Que embala e faz dormir
Um sono denso, inconsolável
Gosto da noite silenciosa
Fúnebre como um corvo
Gosto da noite desbotada
Com suas horas murchas

Gosto da noite vazia
Com seu espesso véu

[que se oculta

Com finas gotas de lágrimas
Caídas das pálpebras do céu
Gosto da noite que dorme tranquila
Enquanto sonho e me perco
[numa rua e caminho

Por uma estrada sombria
                         
                               (BAR)

Quem sou eu?
Uma lembrança
Que ainda não nasceu.
(BAR)

canal Viva da tv fechada está reprisando a novela Vamp, exibida pela Rede Globo, em 1991. Gosto de rever essa novela, porque, entre outras coisas, faz-me recordar-me de um tempo tão gostoso de minha infância. Lembro-me de que colecionei, junto de meus primos, o álbum de figurinhas com as personagens da trama. E posso hoje me divertir novamente com a atuação de Ney Latorraca no cômico papel do Conde Vladymir Polanski. A trilha sonora da novela também era ótima.
Lembro-me de que brincava com meus primos de vampiros. Colocávamos aqueles dentes de plástico, que comprávamos em lojas de artigos para festas. Em 1991, contava eu nove anos. E não posso evitar esse sentimento nostálgico.
A lembrança do passado infantil traz-me à consciência o homem que me tornei. Tenho procurado não me confrontar comigo mesmo. Esse confronto legou-me muitas páginas tristes durante anos. Percebo que meus poemas atuais não trazem presa às suas notas a melancolia. Eles têm mais leveza, inspiram ânimo; são mais sutis, delicados, ternos.
Outrora, meus versos serviam à expressão das cicatrizes de minha alma, que então estivera desgastada. Por mais belos que possam ser, eles hoje me cansam. Não consigo lê-los.
De fato, eu mudei; ligeiramente, mas mudei. Minha atitude diante da vida não é a mesma; o pessimismo que, dantes, caminhava pelas largas avenidas enevoadas de minha alma, sucumbiu ao meu brio.
No entanto, ainda acho que preciso mudar mais um pouco. Talvez, mude o coração de lugar. Faça alguma arrumação no seu interior. Talvez, faça ainda uma faxina na alma. Varra para fora alguns sentimentos despedaçados; e arraste algumas saudades pesadas, como quem arrasta móveis de um lugar para outro.
Começarei fazendo uma viagem, assim que puder. Chamarei um amigo para me fazer companhia, pois que a solidão ainda me assusta. Quero estar num lugar onde possa olhar o horizonte e deixar meus olhos perdidos; um lugar onde, à noite, possa sentir invadindo-me a alma toda a força da vida – aquela mesma força intensa, avassaladora, inebriante, vibrante que sentimos quando amamos.
Quero saborear o simples, o frágil, o delicado, o sereno da vida. Por alguns momentos, quero desafogar-me das incumbências, das obrigações, dos horários que martelam. Quero olhar o futuro e ignorá-lo. O futuro? É a não-consciência, eu não existo ainda. O meu “eu” de hoje ainda não foi apresentado ao meu “eu” do futuro. Que é o futuro senão o presente adiado?
Há tantas coisas que gostaria de fazer, de ter feito... E muitas coisas deixei de fazer, mas sempre consciente de que assim escolhi... Acho que há uma idade em que temos de fazer escolhas e uma idade em que podemos determinar nossas escolhas... Acho que cheguei a esta idade...
Então, decidi escolher-me. Decidi escolher o meu presente, um presente que me escapa a cada nova manhã. O tempo gosta de jogar dados, mas eu há muito abandonei o jogo. Eu sou o meu tempo. E sinto atravessar um tempo precioso: o do amadurecimento do coração.
Ainda farei aquela viagem, quem sabe para visitar amigos distantes. Quem sabe lá reencontro a criança que brincava feliz e que dorme em mim esquecida?

domingo, 19 de junho de 2011

"O amor se diz de muitos modos, mas só há uma forma de senti-lo" (BAR)

                                                  Releitura
Relacionamentos – Arnaldo Jabor

Decidi reler o texto Relacionamentos de Arnaldo Jabor, que figura aqui neste espaço, a fim de fazer uma leitura mais cuidadosa. 
O título do texto – Relacionamentos – já nos permite situá-lo num domínio semântico. Vamos ao dicionário. Na Enciclopédia e Dicionário Koogan Houaiss, encontramos, no verbete relacionamento, o seguinte:

“ato e efeito de relacionar/ amizade/ intimidade: travar relacionamento com alguém”

Como não nos satisfaça essa definição, vamos buscar o significado de seu derivante, relacionar. Destaco o que nos interessa:

“travar conhecimento com pessoas, fazer amizades/ manter relações”

É claro que as definições do dicionário pouco nos ajudaram a compreender o sentido de relacionamento no texto de Jabor e basta que comecemos a leitura para nos certificar de que relacionamento envolve relação afetivo-sexual entre um homem e uma mulher.
Já no limiar do texto, o autor rejeita a construção ideológica de amor do discurso romântico, já que, ao contrário do que veicula e prescreve essa formação discursiva, relacionamentos não duram para sempre. Os ideias de unidade, eternidade e sublimação atribuídos à experiência amorosa são desconstruídos, como se vê em:

“Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa.
- Ah, terminei o namoro...
- Nossa quanto tempo?
- Cinco anos... Mas não deu certo... acabou
- É não deu...”

Note-se que se recupera aqui uma situação discursiva típica do cotidiano, em que os interlocutores compartilham uma representação da experiência amorosa. O fim do relacionamento é uma contrariedade em face das expectativas projetadas. É a realidade rejeitando nossos modelos ideológicos de felicidade.
O autor insistirá em que o parâmetro para avaliar a importância de um relacionamento não é a expectativa do ‘até que a morte nos separe’, mas quanto dele nos beneficiamos no tempo em que nos foi possível vivê-lo.
Se me permitem fazer uma observação que me parece pertinente, o autor instaura, em contraposição à visão romântica, uma visão que poderia chamar de realista. Essa visão realista admite a contingência, os versos e reversos e adversos da vida. Essa visão realista situa a experiência amorosa ou o relacionamento afetivo-sexual no domínio do real e não do imaginário, tipicamente romântico.
No entanto, convém notar que ele não deixa de aderir à visão predominante de nossa época: a do império do efêmero. Segundo ele, “o bom da vida, é que você pode ter vários amores”. Assim, os amores vão e vêm. E não nego a importância de experienciarmos muitos relacionamentos amorosos, já que disso depende nossa maturidade afetivo-emocional; mas discordo de que todas as experiências amorosas estão fadadas a ter um fim.
Outra forma de rejeitar o ideal romântico consiste em negar ao relacionamento a possibilidade de completude. O outro com que nos relacionamos não tem o papel de nos completar, porque ambos são inteiros, indivíduos que se bastam a si mesmos. Estou de acordo em parte. Um relacionamento deve enriquecer, e não preencher uma falta. Mas relacionamentos amorosos nos descentram; no amor, não há espaço para a centralidade do ego. Há, aqui, uma perspectiva influenciada pelo discurso da psicologia. Veja-se o que se segue:

“Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não lute, não ligue, não dê piti. Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não”

O autor nos mostrará que relacionamentos não seguem os scripts de nosso coração. Há perdas e ganhos, isso é inevitável. É preciso aprender a lidar com isso e nossa felicidade, com ou sem a pessoa amada, depende de como lidamos com as nossas frustrações, com as expectativas não realizadas, com o que deixamos de viver juntos. De certo modo, ele nos chama a atenção para a restituição do ‘eu’ que acaba, não raro, por se dissolver no relacionamento com o ‘outro’. É quando, apaixonados, nos perdemos no outro. Convém, no entanto, não assumirmos comportamento individualista que nos impede de nos relacionar. Por isso, insiste o autor “a pior coisa é gente que tem medo de se envolver”. Temer o envolvimento jamais! Relacionar-se afetivamente depende de uma abertura anímica, de uma entrega.
Em síntese, o que aprendemos é que o amor adulto não se refugia no imaginário, mas se desnuda nas inconstâncias, flutuações e contingências da vida. O amor é o quanto nos doamos, desejamos e nos desapegamos e nos preparamos para seus novos vôos; é o quanto priorizamos, o quanto nos reconhecemos imperfeitos e irracionais. Não há regras, não há parâmetros. Há apenas a vida do amor, que pode ser mais ou menos breve, mais ou menos intensa, mais ou menos extasiante. Enfim, no amor maduro “não há garantias”.
Que não há garantias, está bem; mas creio em que o amor é uma temática que tem implicações existenciais muito sérias. Quero, antes de pôr termo a este texto, refletir um pouco sobre a seguinte passagem:

“Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento. Tem gente que pula de um romance para outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?

Antes de me deter nessa passagem, vale dizer que amar é estar vulnerável. É não ter medo de envolver-se e de decepcionar-se. Há pessoas que preferem ficar à superfície, por medo de experimentarem dissabor, ilusão e decepção. Não ama quem tem medo de acumular algumas feridas na alma. A realidade do amor não compreende apenas campos floridos, para além destes haverá campos áridos e desérticos; não há só abundância, mas haverá escassez e períodos de seca.
É verdade que o nascimento e a morte são acontecimentos que experienciamos sozinhos. Mas usar isso como argumento para a necessidade do desapego é perigoso, porque não podemos nos esquecer de que existir é estar em relação com. Existir é movimento para o outro. Em outras palavras, nosso nascimento inaugurará uma série diversa de relacionamentos, que se iniciam em casa, com a nossa mãe e nosso pai. O ser humano é ser social, ser para a sociabilidade. E amor é relação. Mesmo quando amamos a nós mesmos, significa dizer que nos relacionamos com nós mesmos. E quantos de nós gostaríamos de morrer sozinhos?
Se, por um lado, nascemos “sozinhos”, não fomos preparados para viver sozinhos. A sociabilidade é algo inerente à nossa condição humana.
De uma perspectiva linguístico-discursiva, pensamentos são compartilhados, porque são formados nos discursos socializados. É claro que essa talvez não tenha sido a concepção do autor, pois que ele se refere a um pensamento auto-consciente, um pensamento subjetivo que se sabe de si mesmo. Sucede, contudo, que, ao nos relacionar, compartilhamos pensamentos, especialmente aqueles de que nos servimos para conduzir o relacionamento para um destino venturoso.
Acho que o amor, na fase adulta, nos põe diante do problema de manter a integridade do “eu”, sem centralizá-lo, sem conferir-lhe a primazia, ao mesmo tempo em que é preciso, descentralizá-lo, fazê-lo participante da vida do outro, sem privá-lo, sem cercear o domínio de sua atuação. Novamente, estamos diante do dilema: somos dois desejando um só. Não se conclua daí que somos “uno”, mas que o amor nos coloca num único sentido: o da reciprocidade.
Bem, o amor na fase adulta deixa de habitar nossos diários, para habitar a realidade mesma do cotidiano. O amor não é uma experiência conveniente nos momentos em que nos sentimos entediados, não é um passatempo, embora deva nos entreter; mas é uma experiência que deve constar da nossa agenda, que deve estar entre as experiências que escolhemos viver. Para uns, pode ser um momento, alguns dias, umas horas; para outros, pode ser um projeto, que é preciso iniciar e construir. Para uns, pode ser apenas um dos meios para se alcançar a felicidade; para outros, pode ser o fim último da felicidade, seu ápice.
Seja como for, na fase adulta, o que sabemos sobre o amor é que só aprendemos a amar amando. E isso não significa que nos tornaremos diplomados. Longe disso. O amor é uma singular experiência que a alma nunca alcança completamente e que o corpo deseja ardentemente, sem nunca conseguir abrangê-lo. O que sabemos talvez é que o amor exige a conjugação do corpo com a alma; exige, pois, a pessoa inteira (com seus desejos, sonhos, medos, raiva, frustrações...). Ele exige um retorno, uma doação de nós mesmos. Priorizá-lo ou não dependerá de nossa maturidade e do quanto já caminhamos na longa estrada que ele abre diante de nós.


sábado, 18 de junho de 2011

o nosso amor a gente inventa pra se distrair...







Criação

Ao amor
Bastam duas coisas:
Grandes doses de sensibilidade
Para viver
E uma embriaguez
De compreensão
Para não entender
Embebedada a razão
O resto
A gente inventa
Com o gênio do coração
Sem saber por quê

(BAR)

Poeminha noturno para nossos incansáveis corações...Para ler só à noite...



Infância


Para viver a profundidade do amor
Convém retirar dele o peso da alma
Porque no amor
O que sobra é nossa infância
E sua inocência

Que sabemos dele?
Tanto quanto sabem as crianças
O suficiente para nos alegrar
Assim são as crianças
Elas se alegram
E não se preocupam
Em explicar

Quanto mais queremos entender o amor
Tanto menos tempo nos sobra
Para amar

O amor
Se vive
No que ele tem de inexplicável
A poesia do amor
É seu silêncio
Indizível
Contido inteiro num olhar
No cheiro que excita
No sabor que delicia
Na vontade incontida
de se entregar

(BAR)

Arnaldo Jabor - o gênio do cotidiano...

Relacionamentos

Arnaldo Jabor


Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa:-

'Ah,terminei o namoro...'
- 'Nossa,quanto tempo?'
- 'Cinco anos...Mas não deu certo...acabou'
-É não deu...

Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam. Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro? E não temos esta coisa completa. Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama. Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel. Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador. Às vezes ela é malhada, mas não é sensível.Tudo nós não temos. Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele.Pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia. E as vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona...Acho que o beijo é importante...e se o beijo bate...se joga...se não bate...mais um Martini, por favor...e vá dar uma volta. Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não lute, não ligue, não dê pití. Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não. Existe gente que precisa da ausência para querer a presença. O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta. Nada de drama. Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro, recessão de família? O legal é alguém que está com você por você. E vice versa. Não fique com alguém por dó também. Ou por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar,seu pensamento. Tem gente que pula de um romance para o outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia? Gostar dói. Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração. Faz parte. Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo. E nem sempre as coisas saem como você quer...A pior coisa é gente que tem medo de se envolver. Se alguém vier com este papo, corra, afinal, você não é terapeuta. Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível. Na vida e no amor, não temos garantias. E nem todo sexo bom é para namorar. Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar. Nem todo beijo é para romancear. Nem todo sexo bom é para descartar.Ou se apaixonar. Ou se culpar.Enfim...quem disse que ser adulto é fácil?

Um leitura de Jabor

    Relacionamentos
          Um sobrevôo do espírito

Estive na PUC para dar uma palestra esta semana. Participei de um congresso de PLE (Português língua estrangeira). Convinha aproveitar a oportunidade para não só divulgar o tema de minha tese de doutoramento, mas também enriquecer um pouco mais o currículo. Lá encontrei alguns colegas com os quais compartilhei bons momentos no curso de especialização e nas aulas presenciais do doutorado. Bons tempos! Aproveitei para comprar dois livros, com preços promocionais. Essa é outra vantagem de ir a congressos. Senti-me contente e minha alma imbuiu-se de um espírito acadêmico que me agrada, se bem que eu dispense a vaidade peculiar aos indivíduos desse meio.
Bem, mas não é à minha satisfação acadêmica que reservo estas palavras. Quero escrever sobre o texto de Arnaldo Jabor, intitulado de relacionamentos – texto a mim oferecido pela dileta amiga Cláudia, a quem agradeço. Não se trata de uma análise, mas apenas de uma ligeira reflexão. Nada densa. Será um sobrevôo tênue e superficial de meu espírito.
Há tanta verdade nas palavras dele, que me assusto. Digo, fico perplexo, emudecido. Confesso que me custa escrever este texto. Que tenho eu a acrescentar em face de “Não fique com alguém (...) por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós”?
Acho que a significação das crônicas de Jabor é o seu poder de dizer o essencial. Esse essencial é, muita vez, expresso na sua forma nua e crua, sem mais colorido, sem contornos românticos. O prova a passagem “Na vida e no amor, não temos garantias”.
Agrada-me também a passagem:
“Tudo nós não temos. Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele”.

E o que dizer desta outra?
“E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.”

Não a completude, pois que somos pessoas inteiras, mas sim o acréscimo. Um relacionamento amoroso, para mim, hoje, deve acrescentar, e não subtrair, tampouco completar; pois que solidão não é falta, nem ausência; é presença plena de si mesmo.
Outra mais:

“Existe gente que precisa da ausência para querer a presença”

O que nos ensina Jabor? Muita coisa, é claro. Que o amor é prática, é convívio, é carne, é desejo, que o amor não é uma aritmética e que, assim como a vida, é imprevisível. Que o amor deve ser vivido no tempo e não projetado para além do tempo, para um vazio de um tempo que ainda não somos. Que não se preenche a ausência de uma experiência amorosa com outra experiência amorosa imediata. O amor acontece, não se procura. Namoro é envolvimento. Amor é sexo e pouco importa a posição. Amor é reciprocidade de duas individualidades que se acrescentam e não se completam.
Amor não deve preencher um vazio, deve inundar nossa alma de graça.
Em suma, que o amor, na fase adulta, deixa as regiões imaginárias do espírito juvenil encantado e sonhador, para habitar o concreto da realidade com suas flutuações, intempestividades, inconstâncias e desacordos. Eis o amor maduro, aquele que não nos vem empacotado, embrulhado e pronto para caber na simetria de nosso coração. Na fase adulta, o amor é um projeto, cujo valor, para alguns de nós, se medirá pelo quanto nos permitimos nos envolver, a despeito de suas deformidades.



homens que não conseguem amar...

Por que os homens não amam

Levei mais adiante a leitura do livro Homens que não conseguem amar e, portanto, gostaria de compartilhar com vocês o que os seus autores nos ensinam sobre como identificar homens que têm fobia a compromissos e sobre as razões dessa fobia. Eu pretendo me concentrar nas razões.
Como eu sugeri, no outro texto que tratava do mesmo assunto, os autores, como sejam provavelmente psicanalistas ou psicólogos, desenvolveram sua pesquisa de um ponto de vista comportamental e psicologizante. Isso fica claro quando levamos em conta a necessidade de os autores definir e explicar o comportamento fóbico, a saber, a fobia e de sugerir que os homens que fogem a compromisso, porque se sentem “presos”, ou temem sentir-se assim, comportam-se como as pessoas que têm claustrofobia. Trata-se, como se vê, de uma análise claramente psicológica ou comportamental.
Aprendi com a dialética, cujo princípio basilar se exprime na seguinte frase “a verdade é o todo”, que toda realidade é constitutivamente contraditória; e mais ainda, que a realidade é sempre mais complexa, mas diversificada do que o conhecimento que podemos ter dela. Há sempre alguma coisa que escapa às nossas sínteses. O pensamento dialético avança no sentido da totalização. É claro que há níveis de totalização, uns mais abrangentes que outros. Por exemplo, posso estar interessado em estudar a situação econômica no meu país. Então, a primeira totalidade que devo considerar é a sociedade brasileira, relativamente à economia, história, suas desigualdades sociais, etc. Todavia, se eu quisesse aprofundar a minha análise, por exemplo, procurando entender a situação do Brasil no cenário econômico mundial, então necessitaria de outro nível de totalização, um nível mais abrangente, que compreendesse as relações econômicas e de mercado em escala mundial; isso significa considerar o estágio do capitalismo atual (um capitalismo pós-industrial, etc.), sua gênese, suas contradições, etc.
Não vou discorrer sobre o pensamento dialético, é claro. Quero apenas insistir que a análise empreendida naquele livro busca explicar uma parcela da verdade, um nível da totalidade. Mas vale a lição de Émile Durkheim, ao estabelecer o objeto de estudo da sociologia, ou seja, o fato social. Escreve ele, em As Regras do método sociológico:

“Uma vez, porém, que hoje é incontestável que a maior parte das nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós, mas antes nos vêm do exterior, elas só podem penetrar em nós impondo-se; é isto apenas o que a nossa definição significa”
(p. 33)

Deve-se ficar claro que o autor não considera a determinação social como absoluta; portanto, o indivíduo gozará de certa autonomia, mas não poderá ser pensado, em termos de seus comportamentos, pensamentos e personalidade, sem considerar as influências do meio externo, isto é, social.
Agora, vamos buscar as contribuições de Zygmunt Bauman, aquele já conhecido sociólogo a cujo pensamento recorro para assegurar minhas teses. Em seu livro Amor Líquido, o autor faz-nos ver que relacionamentos são investimentos, nos quais se entra com tempo, dinheiro, empregam-se esforços, que poderiam ser orientados para outros fins. Citarei um trecho que me parece esclarecedor:

“É claro. Relacionamentos são investimentos como quaisquer outros, mas será que alguma vez lhe ocorreria fazer juras de lealdade às ações que acabou de adquirir? Jurar ser fiel para sempre, nos bons e maus momentos, na riqueza e na pobreza, “até que a morte nos separe”? Nunca olhar para os lados, onde (quem sabe?) prêmios maiores podem estar acenando?”
(p. 29)

Acho interessante a analogia que o autor faz entre o gerenciamento de um relacionamento e o gerenciamento de ações no mercado. Os acionistas detêm as ações e podem se livrar delas, de acordo com as condições do mercado de capitais. Ocorre que, num relacionamento, apenas os envolvidos podem ponderar as probabilidades e avaliar os benefícios. A menos que se contrate um especialista para aconselhamento e orientação, quem está num relacionamento deve tomar decisões, enfrentar as flutuações, as “dores de cabeça” típicas de um relacionamento.
Bauman nos ensina que, numa sociedade caracterizada pelo efêmero, pelo “presente eterno”, pela satisfação imediata, pela rejeição do “a longo prazo” e do “até que a morte nos separe”, não nos surpreenderá

“O desvanecimento das habilidades de sociabilidade [que é] reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objetos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu “valor monetário”. Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na atividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e participação ativa podem intensificar os prazeres”
(p. 96)

O cenário social em que os homens que têm fobia a compromisso vivem e atuam é um cenário ideológico, cultural e econômico caracterizado por relações efêmeras, vividas sempre num presente eterno e que devem proporcionar prazer imediato. Donde se conclui que o “para sempre” ou “até que a morte nos separe” lhes sejam ideias assustadoras. Para esse tipo de homem , estar num relacionamento com uma mulher é estar aprisionado. Numa sociedade em que as promessas de prazer eterno e imediato, de liberdade sem responsabilidade, de lazer e divertimento, de imagens que criam, estimulam e reforçam os desejos; numa sociedade em que o outro é reificado (tornado objeto de usufruto e descarte), os homens que têm fobia a compromisso não seriam senão aqueles indivíduos em que as determinações de tais condições sociais foram mais agravantes.
Voltando ao livro referido, os autores observam que o significado de compromisso se define pela ideia "envolver-se para sempre". Na modernidade líquida, os relacionamentos têm prazo de duração. Homens que têm fobia a compromisso são homens para quem o para sempre é assustador. É interessante notar que não se questiona as razões sócio-culturais que provocam essa ‘fobia’ (se é que se pode chamar tal comportamento de ‘fobia’). Como não sejam sociólogos, nem filósofos, tampouco antropólogos, os autores não poderiam alargar sua análise de modo a apreender os fatores sócio-culturais, ideológicos e econômicos que determinam esse tipo de comportamento denominado de ‘fóbico’.
Eu vou arriscar uma explicação que me parece pertinente. Desde já, reconheço minhas limitações neste campo. Consideremos o que se segue, trecho colhido do livro Os tempos hipermodernos:

“Jean –François Lytoard foi um dos primeiros a notar o vínculo entre a condição pós-moderna e a temporalidade presentista. Perda de credibilidade dos sistemas progressistas; primazia das normas de eficiência; mercantilização do saber; multiplicação dos contratos temporários no cotidiano – o que significa tudo isso senão que o centro de gravidade temporal de nossas sociedades se deslocou do futuro para o presente? A época dita pós-moderna, definida pelo esgotamento das doutrinas emancipatórias e pela ascensão de um tipo de legitimação centrada na eficiência, faz-se acompanhar do predomínio do aqui-agora”.
(p. 59)

Convém reter o seguinte:
a) temporalidade presentista;
b) multiplicação dos contratos temporários no cotidiano;
c) primazia das normas centradas na eficiência;
d) predomínio do aqui-agora.

Agora, consideremos esta outra passagem, que se acha no livro Formas da Criseestudos de literatura, cultura e sociedade, de André Bueno.

“Como o leitor há de notar, posições que vão a contrapelo da cultura pós-moderna, que faz o elogio das superfícies, das imagens, dos simulacros, dos fragmentos soltos da vida social, da simples imersão nas aparências cotidianas da vida urbana. E o faz como um valor, algo a ser defendido e enfatizado, em termos de abertura, pluralidade, deriva, intensidade, instalando, com um passe de mágica, o reino da liberdade, em pleno reino da necessidade. Mais que isso, pondo de lado o reino da necessidade e as inúmeras resistências do real, tornando a própria necessidade uma virtude. Em resumo, a vida na caverna pós-moderna não como experiência empobrecida e mutilada, desumanização e violência, redução do campo do possível, o mundo máximo do fetiche de mercadorias, das coisas conversando com outras coisas, mas como o campo para as inúmeras escolhas, vários estilos de vida a serem consumidos”.
(p. 17)
(grifo meu)

Gostaria de lembrar que fetiche de mercadoria, uma expressão que remonta a Marx, se define em dois sentidos: por um lado, à semelhança do fetiche religioso, trata-se de uma coisa que existe em si e por si mesma. Por outro lado, ainda na concepção religiosa, trata-se de uma coisa que exerce domínio sobre seus adoradores. A mercadoria é uma força estranha que age sobre os homens e os domina.
O homem pós-moderno, seduzido pelas imagens, pelos simulacros, é aquele a quem são oferecidos serviços e produtos que se destinam à satisfação imediata do prazer e ao conforto. Esse homem é alguém que não se contenta com a monotonia e busca sempre o novo. Num universo econômico, em que “tudo é descartável”, esse homem deverá buscar cada vez mais novos bens e produtos que satisfaçam seu desejo e lhe causem prazer. Acontece que o novo provoca um estado de insaciabilidade nesse homem. Quanto mais experimenta a novidade mais insaciável fica. Mais ele deseja. Ele nunca está satisfeito. E vale lembrar que, a rigor, o desejo é criado nele; ele pensa desejar algo que lhe é indispensável, mas esse desejo é incutido nele por força dos agentes de marketing, publicidade, propaganda. Poderíamos dizer por força dos imperativos da Indústria Cultural.
Esse indivíduo moderno é alguém que aprende a imaginar e alguém para quem a imaginação é fonte de prazer. A imaginação transcende a experiência. A descartabilidade, a predominância do valor de troca sobre o valor de uso das mercadorias, a desvalorização do humano no âmbito das relações de produção (pela alienação e exploração) geram as condições para que, atingidos no domínio espiritual-emocional, pela penetração da ideologia materializada nos discursos que servem ao poder dominante, o indivíduo pós-moderno seja um indivíduo para quem qualquer forma de relacionamento, que tome formas divergentes das condições em que se dão as relações superficiais situadas no domínio dos simulacros e das imagens, que prometem prazer imediato sem custo emocional, deve ser evitado.
Minha análise pode carecer de maior fundamentação, mas creio que ela consegue dar conta do seguinte:

a) em primeiro lugar, dizer que existem homens com fobia a compromisso é dizer apenas um aspecto de uma realidade mais complexa, melhor ainda, é dizer de uma dada perspectiva (no caso a da psicanálise);

b) insiste em que existem fatores sócio-culturais, econômicos e ideológicos atuando na dimensão espiritual-emocional desse tipo de homem. Sócio-culturais, porque envolvem valores, crenças e práticas; econômicos, porque existe uma determinação, ainda que não direta, das formas de relações de produção e de consumo (alienação, exploração, produção em larga escala para consumo de massa, descarte, etc.). Ideológicos, porque responsáveis pela simbolização de tais práticas, de tal modo que as formas como elas se dão se “incorporam” discursivamente na consciência dos indivíduos, de modo a “moldá-los” segundo determinados padrões de comportamento. Aqui, deve-se levar em conta o poder ideológico da palavra. Palavras que inculcam valores, crenças...
No predomínio do efêmero, não há espaço para o compromisso, para relacionamentos que aspirem ao para sempre. Se se pode consumir e descartar, sempre que determinada coisa não satisfaz mais o desejo sempre insaciável, também se pode relacionar-se até o instante em que o prazer dure (aliás, muito pouco). Nesse mundo do consumo-descarte, não convém ficar vulnerável a “dores de cabeça”, “a aborrecimentos”. Trata-se de uma nova forma de hedonismo: um hedonismo que desumaniza em favor de um prazer sempre absoluto, se bem que humanamente empobrecido.




quarta-feira, 15 de junho de 2011

"...hoje a noite adormece em minha alma... e quem sonha é sua serenidade" (BAR).






Minha paixão

Minha alma tem muitas páginas
E todas  levarão
A um único lugar
Meu coração

Minha alma tem páginas vastas
De sonhos, infância
E anseios
De imensidão

Minha alma tem páginas
Que me desnudam
Que me mergulham
Numa canção

Na canção do amor
Que não se cala
Porque eterna
Minha paixão

(BAR)