terça-feira, 11 de maio de 2021

"A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre." (Oscar Wilde)

 

                                                                        


 

 

A vida como destino para a morte

 

 “A Vida se transmite como uma lepra: criaturas demais para um só assassino.”

 Cioran

Eis o essencial:

           

 

A vida é um trabalho permanente (batimentos cardíacos, circulação sanguínea, respiração pulmonar) de consumo de energias durante o qual a vida é conduzida à morte. Morte e vida são inseparáveis. Como ensina Bichat, a vida é o conjunto das forças que resistem à morte. A vida é, portanto, também um trabalho permanente de luta contra a morte. A vida, ao consumir suas energias, carece de se alimentar. Assim, todos os seres vivos se esforçam para adquirir o alimento que reponha suas energias. A evolução dotou animais de nadadeiras, ou de patas para que alcançassem esse objetivo. Animais predadores consomem outros animais. A atividade da vida produz a morte a que tanto resiste aniquilando outras vidas. Nos seres pluricelulares, a morte inscreve-se em seu organismo na forma de aniquilação das células, as quais são substituídas por outras novas. Quanto mais complexa se tornou a vida, mais se fragilizou, mais se viu ameaçada pela morte, mais se organizou para lhe fazer resistência. A morte é o preço pago para viver. Na luta contra a morte, a vida devora a si mesma.

A vida é um fenômeno marginal e extraordinário no seio do mundo físico. A vida é inteligente, engenhosa, criadora, mas também incompreensível, absurda, insana e horrível. Se a organização dos seres vivos exibe espantosas engenhosidade e complexidade, a vida é loucura. Quando examinada nos detalhes e acuradamente, a vida não segreda nenhum sentido último. O sentido da vida é a morte e viver por viver é a finalidade que se esconde na absurdidade da vida.

 


 






  

A política do senso comum

 

 

Diz o ditado que “futebol, política e religião não se discute”, e não se discute porque tais temas, supostamente, mobilizam, nos interactantes, paixões exacerbadas, incendiárias, que poderiam levá-los facilmente a inimizades e, no limite, a agressões mútuas que encerrariam a discussão. Mas, no caso específico da política, o que a torna tão pouco discutível no domínio do senso comum é que os interactantes, geralmente, estão muito pouco capacitados para um debate equilibrado e fundamentado teoricamente. A política, enquanto área do saber humano, também tem seus especialistas (cientistas políticos, sociólogos, filósofos...), os quais dispõem das ferramentas conceituais para realizar uma análise crítica do fenômeno político. O fenômeno político, como todo fenômeno humano-histórico, é complexo e, por isso, demanda daqueles que ousam convertê-lo em tema ou em assunto de debate nos encontros casuais da cotidianidade mediana, certo repertório de saberes e conceitos que devem ser sistematizados e definidos na discussão. Mas é justamente deste repertório e desta competência para a sistematização e para a definição dos termos empregados que carece o senso comum. E essa carência é uma das razões por que me sinto desencorajado a me embrenhar em “discutir política” no domínio do senso comum. No domínio do senso comum, ao se levantar um tema político, os interactantes não especialistas fazem desfilar, em suas falas, uma série de dislates disfarçados de bazófias, que transformam o que deveria ser um debate num falatório de velhas rabugentas que, em certa altura, já não sabem mais sobre o que realmente estão discutindo. A sobriedade dos espíritos que reconhecem ser o real mais complexo do que o conhecimento que podemos ter dele é, quase sempre, asfixiada pelos dizeres balofos e enervados de certezas absolutas. Um professor de filosofia que tive, a quem admiro, certa feita, ensinou que filósofos devem fugir de debates, de discussões cujo propósito é decidir ao fim e ao cabo quem tem razão. Desde então, tomei esta lição como um princípio ético-metodológico. É que aos filósofos - ele ensinou - importa o pensamento, o exercício do pensamento. E a única coisa que não se exercita nas cenas cotidianas de “debate político” é o pensamento. Não, exercitar o pensamento não é vomitar lugares-comuns, preconceitos, crenças infundadas e ideologicamente orientadas típicas do imaginário coletivo, a fim de medir forças com o interlocutor para impor sua visão pessoal sobre um estado-de-coisas. O senso comum aspira ao monopólio da opinião correta, verdadeira, que deve ser tomada como dogma inquestionável. A tendência do senso comum é sempre simplificar uma problematicidade que, por definição, é complexa. O senso comum não admite a pluralidade de perspectivas (como nos ensina Nietzsche), os múltiplos olhares, a dúvida como princípio metodológico. O senso comum tem a presunção de saber tudo, de esgotar tudo o que se pode saber em algumas concatenações verbais semanticamente insuspeitas na aparência, mas grávidas de pressupostos equívocos. Em matéria política, o senso comum de nossa sociedade, confunde, com frequência, conceitos que não descrevem o mesmo fenômeno. Por exemplo, confunde Estado com Governo. E é comum que, se a questão formalmente socrática “o que é?” é levantada neste domínio do discurso, o silêncio predomine até o momento em que é entrecortado por dizeres evasivos de ataque pessoal ao interlocutor... E, se um dos interlocutores ousar definir os termos relevantes na discussão, atrairá sobre si as suposições de pedantismo. Chamar o outro de pedante, de pernóstico, de enfatuado é a estratégia comum da burrice que se institucionalizou neste país para desqualificar o contraditório. É difícil, eu sei, manter um silêncio monástico quando nossos ouvidos são atravessados e perturbados, e nosso espírito é afrontado por dizeres que carreiam tolices, clichês, preconceitos, despautérios, mas pretender lançar luzes sobre as avenidas escuras e os atalhos sinuosos do senso comum é arriscar-se na paralisia do pensamento, porque o senso comum é como um lodaçal onde o pensamento fica estagnado, atravancado, onde ele não consegue avançar, alçar voos, onde ele não encanta, não semeia o espanto, a admiração. O homem comum é o coveiro do pensamento, e o senso comum é seu cemitério.

 

 

 

 


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