A NOSSA RESISTÊNCIA
por uma
desmitificação niilizante do homem
No curso de minhas reflexões sobre o fenômeno multívoco, heterogêneo,
polimórfico do niilismo, para a produção de minha segunda tese de doutorado, a
questão da crença na linguagem, tal como abordada por Nietzsche no contexto de
sua análise destrutiva da metafísica e da moral platônico-cristã, impõe-se a
mim como uma tarefa pedagógica de uma vida inteira, pois que, enquanto
professor e estudioso da linguagem, tenho de lidar com a insistência com que o
macaco pelado, que é o homem, crê na relação especular entre a linguagem e o
mundo, crê na correspondência entre as palavras e as coisas. É com base nessa
crença que o animal humano criou o mundo simbólico - o mundo da cultura -, esse
outro mundo entretecido pelos signos. A crença na linguagem é o fundamento da crença
na verdade. É por manter uma relação metafísica com a linguagem que o animal
humano cria, sem que o saiba, um mundo de ficções metafísicas a serviço da
negação da vida (Deus, Ser, Identidade, Verdade, Razão). Ora, a própria ideia
de Deus é produto da metafísica da linguagem. Como diz Nietzsche, em O
Anticristo:
“Todo esse mundo de ficções tem a sua origem no ódio contra o natural -
contra a realidade! - é a expressão de um profundo descontentamento com o
real”.
Sim, de fato, o perigo não reside propriamente no caráter ficcional, na
invenção, que Nietzsche, com razão, diz serem condições necessárias à
sobrevivência desse animal fabulador que é o homem. Há ficções úteis à vida. O
perigo repousa no fato de que as ficções criadas por ele são tomadas como
critérios de verdade, de uma verdade que lhe dá supostamente acesso a um “mundo
verdadeiro”. E essa crença no “mundo verdadeiro” fundamenta e orienta ainda
hoje a existência do homem comum, que dorme e acorda nutrido pela crença de que
goza de um privilégio ontológico relativamente a tudo mais que existe no
Universo.... E nem mesmo o coronavírus conseguiu curar o animal humano de sua
loucura.
O homo sapiens é homo demens!
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