
Um Universo sem Criador
O universo é feito da cepa do trágico,
quer isso dizer que sua dinâmica é heraclitiana: discórdia e concórdia,
harmonia e desarmonia, em relações agonísticas, formam o tecido do mundo. As
galáxias colidem; as estrelas explodem, e os cataclismos perturbam e destroem a
ordem do mundo vivo. O universo é extraordinária potência de criação e de
destruição. A história humana é não só a história do nascimento das
civilizações, mas também de sua ruína e morte. A relação tensionada, conflitual
entre ordem, desordem e organização carreia vida e morte ao mesmo tempo.
Nascimento, inovação e criação são necessários à constituição do Universo, mas
também são inevitáveis a desintegração, a degenerescência e a morte. O universo
está sempre nascendo e morrendo. Um mundo perfeito é impossível, seria pura
ordem imutável, monótona. O mundo precisa da imperfeição, isto é, da desordem;
e isso bem entendido quer dizer: o mundo precisa ser impregnado de morte
(Tânatos) que, num combate sem trégua com Eros, torna possíveis os arranjos dinâmicos
e provisórios. Eros se encarrega de
unir, de compor, de formar arranjos, estruturas, enquanto Tânatos desune,
decompõe, destrói descerrando o caminho para novas criações, e o jogo de
criação-destruição-ordem-desordem é reiterado incessantemente. O universo não
tem Criador; ele se autocria a partir da deflagração inicial. Por ser capaz de
autocriação, o Universo gerou, nesse processo de autocriação, simultaneamente,
as partículas, as ondas, o tempo e o espaço. O Universo se auto-organizou
criando uma dinâmica agonística que se expressa na forma de relações ao mesmo
tempo contraditórias e cooperativas entre ordem, desordem, interação e
organização. A lei do Universo é a da complementaridade dos antagonismos.
Nós não fomos feitos à imagem e à semelhança do Criador, mas à imagem do
Universo, pois cada um de nós carrega em si partículas nascidas nos primórdios
do Universo. Cada um de nós traz em si, ou seja, na materialidade orgânica de
nosso corpo, a história do Cosmo e a história da vida. Somos constituídos de
átomos forjados no coração ardente de estrelas anteriores ao Sol, de moléculas
formadas na terra ou trazidas por meteoritos. O Universo está em nós, e nós
somos partes dele.
É certo que nosso universo chegará ao fim. Porque “tudo que nasceu
merece morrer”, como disse Nietzsche. A desordem solapará a ordem, Tânatos
triunfará sobre Eros. Será que o fim descerrará um novo Caos, isto é,
potencialidades de ordem, desordem, de emergência de vida novamente? Quem sabe?
Mas, se assim se der, será para garantir o retorno ao vazio nirvânico inicial.
O Tao retorna ao seu contrário. O caminho que leva à vida é o mesmo que conduz
à morte.
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