sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Para pensar, eu preciso escrever (BAR)

                                 
                                              Escrevo, logo sou


Quando decidi cursar Letras, eu sequer suspeitava do grande valor que tem a linguagem para a própria condição humana. A faculdade da linguagem nos determina como seres humanos, como homo loquens (seres de discurso). Não obstante, cuidava que, desde então, eu conciliaria duas inclinações: a inclinação poética e a inclinação para a reflexão teórica. Conciliados em mim o poeta e o cientista da linguagem. E a linguagem tornara-se, então, o terreno de minha expressão lírica e poética e o objeto de estudo teoricamente dirigido, ou seja, de estudo acadêmico.
Não tardou para eu me aperceber de que a linguagem é um importante instrumento que permite a coesão social; não tardou para eu me aperceber de que a linguagem constitui a base fundamental das sociedades humanas, sem a qual estas não seriam possíveis. Não tardou para eu aprender que o modo como experienciamos o mundo, como o interpretamos e compreendemos depende fundamentalmente do modo como a nossa língua “recorta” o real. Aprendi que as nossas experiências de mundo se tornam dados de nossa consciência, ou seja, formas  de conhecimento, por meio das categorias disponibilizadas pela linguagem. Aprendi que a linguagem está intimamente ligada ao pensamento, à cognição, à cultura e que a inter-relação entre esses domínios permitem aos homens a construção da realidade.
Evidentemente, para os não-iniciados nos estudos linguísticos, sociocognitivos e filosóficos, essas considerações sobre o valor da linguagem podem parecer ininteligíveis (mas já tive a oportunidade de esclarecê-las aqui neste blog, em outros textos). Todavia, não é de minudências teóricas que vou tratar aqui.
Comecemos por um fato evidente por si mesmo: nós falamos o tempo todo. Nosso universo social, em todas as esferas por que transitamos, está povoado de palavras e outras formas de linguagem. A linguagem perpassa todas as esferas de convivência humana;  em outras palavras, todas as esferas sociais. Com Heidegger está a razão, ao declarar:

“O homem fala. Nós falamos na vigília e no sono. Falamos sempre, até quando não proferimos nenhuma palavra, mas escutamos ou lemos, mas nos dedicamos a um trabalho ou nos perdemos no ócio. De um modo ou de outro, falamos ininterruptamente. Falamos porque o falar nos é inato. O falar não nasce de ato particular de vontade. Diz-se que o homem é de natureza falante e é próprio dele, ao contrário das plantas e dos animais, é o ser vivente capaz de falar. Dizendo isso, não se pretende afirmar apenas que o homem possui, ao lado de outras faculdades, também a de falar. Pretende-se dizer que propriamente a linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem”.

É claro que a faculdade da linguagem é, aí, compreendida como uma propriedade que define a espécie humana. Todos nós falamos, todos nós, homens e mulheres, nos servimos da linguagem para interagir socialmente, para comunicar nossos estados de espírito, nossos pensamentos.  Nem todos, contudo, usam-na de modo a se notabilizarem, a se distinguirem.
Há os que se utilizam de palavras rasteiras, esvaziadas, se valem delas como um chamariz. Há os que a usam para promover discórdia, para ferir os outros. Como forma de ação social, a linguagem nos permite atuar socialmente. Ao usar a linguagem, agimos sobre o outro, provocando nele, por meio de atos de fala, determinadas reações e comportamentos. Como forma de instituição e delimitação de poder, pelo uso da linguagem discriminamos, marcamos uma relação hierárquica, delimitamos as fronteiras sócio-culturais que nos separam do outro. Pelo uso da linguagem, excluímos socialmente.
É fato inegável que o uso da língua pode congregar ou apartar. Falar uma mesma língua é indispensável à construção de uma identidade social, nacional e histórica. A língua é um elemento fundamental da identidade. Pelo uso da linguagem, marcamos a unidade e a diferença.
Quando decidi criar meu blog e, através dele, propalar os meus escritos, consegui, para a minha alegria, congregar pessoas que, hoje, partilham comigo de suas experiências, sentimentos, ideias e emoções. E muito se deve isso à minha iniciativa de pôr a nu a minha alma, de desnudá-la, de modo que ler-me é me conhecer. Quem me ler me conhece. Conhece-me o essencial, eu diria. O essencial em mim está verbalizado. Ser e escrever, em mim, é a mesma coisa. Vale a paráfrase da famigerada frase cartesiana – “escrevo, logo sou”.
A experiência que eu tenho com a linguagem é uma experiência de sensibilidade. Para não ficarmos patinando em clichê, a sensibilidade deve ser entendida aqui como ‘capacidade de ser afetado por algo’,  ou ‘percepção aguçada’. A linguagem me toca, me afeta, me acarinha a alma e me aguça a percepção. E me alegro quando me dou conta de que as palavras que se espraiam nestes papéis virtuais também afetam os leitores. A linguagem atua não só no domínio racional, mas no domínio da emoção, do sentimento. É neste domínio, em particular, que concentro a expressão de meu lirismo. É aí que as palavras ganham vivacidade, colorido, força, levando os espíritos a vôos longínquos. Para pensar, preciso escrever. E cada vez que escrevo eu me encho de ser.

Um comentário:

  1. Querido Bruno...

    Entendo cada palavra e cada vírgula, cada acento e cada ponto do seu texto. Mas, para responder, só pedindo licença a Drummond:

    "Chega mais perto e contempla as palavras.
    Cada uma
    tem mil faces secretas sob a face neutra
    e te pergunta, sem interesse pela resposta,
    pobre ou terrível, que lhe deres:
    Trouxeste a chave?"

    Você tem a chave.

    Beijos.

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