quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Como falar da felicidade sem falar do amor?" (André Comte-Sponville)

                             

                                      Quem inventou o amor?

Eu gostaria de compartilhar com vocês, estimados leitores, um pouco da leitura, a que me dediquei nesta tarde, do livro O Amor (2011), do filósofo francês André Comte-Sponville.
Ao revisitar as três formas de amor que o pensamento grego conhecia, a saber, Éros, philia, ágape, Sponville, no capítulo Éros ou amor paixão, nos ensinará a respeito desse amor:

“(...) o amor-paixão (...) é o amor que sentimos quando estamos apaixonados, mas no sentido mais forte e verdadeiro do termo, quando “caímos fulminados de amor”, como se diz. Em suma, é o amor que vocês, senhoras, sentiam pelos seus maridos, antes de eles se tornarem seus maridos. Ou o amor que vocês, senhores, sentiam por suas esposas antes de elas se tornarem suas esposas. Lembrem-se de como era diferente...”
(pp. 29-30)
 
É considerando, portanto, o amor-paixão (Éros) que o autor passará em revista a posição de Sócrates, em O Banquete. Dentre aqueles que discorreram sobre o amor e renderam elogios a ele, na ocasião, Sócrates foi o único a dizer a verdade sobre o amor. No discurso socrático, o amor é o desejo pelo que falta.
Não é meu intento, contudo, pormenorizar o conteúdo do discurso de Sócrates, mas referir a opinião do autor sobre o valor do feminino na experiência amorosa. Devemos ter em conta que o que Sócrates nos ensinou sobre o amor é atribuído a Diotima, uma sacerdotisa. Portanto, a verdade vem de uma mulher, e não da boca de um homem (que era a norma naquela época).
Nesse tocante, se expressará o autor:

“É muito raro, em toda a filosofia grega, especialmente na obra de Platão, a verdade vir de uma mulher. E, sem dúvida, não é por acaso que isso ocorra justamente com relação ao amor. Cheguei a dizer, por provocação, que o amor é uma invenção das mulheres”.
(p. 42)
(grifo meu)

Eis a tese: “o amor é uma invenção das mulheres”. Seguirá o autor apresentando justificativas para tal afirmação. Insistirá que ele não quer dizer, com ela, que os homens são incapazes de amar ou que o amor não existe. Na verdade, segundo o autor, o amor existe, já que foi inventado; e ele existe, inclusive, para os homens também. No entanto, declara:

“(...) mas não existiria se as mulheres não tivessem tomado a iniciativa do amor”.
(id.ibid.)


Para o autor, o amor seria uma experiência primordialmente feminina, ou seja, uma experiência criada e ensinada pelas mulheres, e não pelos homens. Sua argumentação segue nestes termos:

“O que quero sugerir, dizendo isso, é que uma humanidade exclusivamente masculina (poderia ter ocorrido, a natureza apresenta outros modos de geração que não a reprodução sexuada) nunca teria inventado o amor. O sexo e a guerra sempre teriam sido suficientes – digamos, para sermos menos incompletos: o sexo, a guerra, os negócios e o futebol sempre teriam sido suficientes! Acontece que, para as mulheres, felizmente, o sexo, a guerra, os negócios e o futebol não são suficientes. Assim, elas inventaram outra coisa, que concerne à cultura pelo menos tanto quanto à natureza (mas a cultura faz parte do real, como a humanidade), algo que elas viveram como mães, sem dúvida, muito mais e muito antes do que como amantes ou esposas, algo que chamamos de amor, que elas trataram de ensinar também aos homens (ao filho, ao companheiro), os quais pouco a pouco conseguiram aprender, ao longo dos milênios, a tal ponto que para os mais talentosos quase poderíamos esquecer que se trata de um personagem que foi composto... (...)”
(pp. 42-43)

Ao cabo deste parágrafo, o autor agradece “do fundo do coração” a todas as mulheres por tão grandioso feito.
Importa ver que, ao situar o amor no domínio do feminino, ao qual atribui o autor o poder criador, ele nos chama a atenção para a relação intrínseca entre amor e cuidado, entre amor e amparo. Afinal, é essa a experiência que a mulher, então, mãe, vive junto ao filho que está a amamentar e a criar. O amor nasce então do ato de cuidado. Trata-se, novamente, da ideia, aqui por mim, exaustivamente, defendida do amor como experiência de cuidados.
Também aí vemos que, no universo feminino, sexo não se identifica com amor, muito embora a experiência sexual deva ser uma das formas de expressão do amor. Donde se segue a crença generalizada de que mulheres fazem amor e homens fazem sexo. O divórcio entre sexo e amor, comum no universo masculino, é superado, pelo menos ideologicamente, no universo feminino. Neste, sexo e amor não se identificam, mas aquele mantém com este relação simbólica, tal como significante (sexo) e significado (amor).
Sabemos, contudo, como me dissera um taxista, que há muitas mulheres sexualmente disponíveis por aí (embora muitas ainda esperem encontrar homens para os quais a experiência sexual seja também uma das formas de expressão da experiência amorosa). Se,  dos anos 60 a 70, assistimos a uma “Revolução Sexual”, quem sabe daqui a alguns anos não possamos assistir a uma “Revolução amorosa”? Sim, uma “Revolução do Amor”, que tem de ser deflagrada pelas mulheres, suas criadoras. Essa revolução consistirá num movimento político-ideológico que reivindicará mais respeito, mais fidelidade, mais cumplicidade, mais excesso de alma e de ser nas experiências interpessoais.
Já é tempo de fazer ver uma ética feminina, fundada no cuidado. A mesma mulher que hoje conseguiu ocupar o cargo de maior poder deve ser a mulher que reivindicará e conquistará o domínio sobre algo, que lhe é seu naturalmente, e que é tão importante à vida da humanidade: O AMOR.
É com as palavras de Sponville, que compõem a seção Introdução, que ponho termo a este texto. O autor lembra-nos o seguinte a respeito do amor:

“(...) Não são necessárias longas preliminares para justificar a escolha desse tema: o amor é o tema mais interessante. Quase sempre. Para quase todo o mundo. Por exemplo, numa noite, num jantar com alguns amigos. A conversa pode girar em torno da situação política, do último filme que vocês viram, da sua profissão, das férias, e tudo isso pode ser interessantíssimo. Mas, se um dos convivas se põe a falar de amor, o interesse dos outros quase sempre aumenta sensivelmente. Sim, o amor, tomado em si mesmo, é o tema mais interessante, quase sempre, para quase todo o mundo. Acrescentarei que qualquer tema só tem interesse à medida do amor que temos por ele. Imaginem que um de vocês me diga: “Não, não, para mim nem um pouco! O que mais me interessa não é o amor, é o dinheiro!” Eu responderia, claro: “Isso prova que você ama o dinheiro!” É sempre um amor...
(...) Não só o amor é o tema mais interessante, para a maioria de nós, mas qualquer outro tema só tem interesse à medida do amor que temos por ele”.
(p. 11)




2 comentários:

  1. "Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar."
    (Machado de Assis)

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  2. Ora vede: Definindo S. Bernardo o amor fino, diz assim: Amor non quaerit causam, nec fructum: "O amor fino não busca causa nem fruto". Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: o amor fino não há de ter por quê nem para quê. Se amo por que me amam, é obrigação, faço o que devo; se amo para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo, como ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama, para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse só é fino.
    Padre Antônio Vieira

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