terça-feira, 17 de maio de 2011

o esvaziamento do ego

                                                                                
                                                      

                                                                           Somos dois

Cuido que a capacidade de autocrítica, de auto-avaliação é uma virtude. Mas o que é uma virtude? Virtude é poder para agir para o bem. Aristóteles a considerava uma disposição para a prática do bem.  A virtude, em suma, constitui a maneira de ser e de agir humanamente visando ao bem.

            Qual é o bem que se alcança na capacidade de autocrítica ou auto-avaliação? É o autoconhecimento. Uma pessoa capaz de autocrítica reconhece em si as diversas formas de manifestação de seu ser, ou seja, os seus diferentes modos de ser , de se dar ao mundo.
Escrever, para mim, é um meio de me reconhecer. No entanto, há outra maneira de buscar um auto-reconhecimento: a auto-reflexão propiciada pela experiência amorosa. É porque, no AMOR, necessariamente, estamos diante do Outro. E o AMOR que logre sucesso e felicidade deve ser experimentado no intervalo entre o Eu e o Outro. Aqui, se deve reconhecer a necessidade de o Outro ocupar um espaço que lhe é próprio e dele usufruir. O AMOR nos impele à luta do Ego. O ego deve esvaziar-se à medida que se nos vai desanuviando a consciência de que o Outro é um ser independente, autônomo.
O ideal de amor romântico – o amor da desmesura – pode ser assim representado no discurso de Aristófanes, em Banquete, de Platão:

“Ser unido e fundido no amado! Serem apenas um! E a razão disso é que assim era nossa antiga natureza, pelo fato de havermos formado anteriormente um todo único. E o amor é esse o desejo e a ânsia dessa contemplação, dessa unidade”.
(p. 124)

O excerto faz referência ao mito do andrógino. Com a divisão perpetrada pelos deuses, “a humanidade encontraria a perfeita felicidade se se abandonasse às injunções do amor, encontrando cada um o seu próprio amor, e voltando assim ao antigo estado natural” (p. 125).
Evidentemente, entre o AMOR idealizado, sustentado por ideais de sublimidade e perfeição, nutrido pela fantasia, e o AMOR praticado, experienciado, que nos convoca ao convívio com o outro, que nos ensina sobre a sua autonomia e independência em relação à nossa própria capacidade de atuação, há uma distância intransponível. Atuar com o outro e não atuar sobre o outro – é isso o que nos ensina o AMOR.
O AMOR não é saturante; saturação é incompatível com o AMOR. O AMOR é abstinente.
Imagino não ser fácil para muitos de nós esvaziar o ego em face da experiência animicamente impregnante do AMOR. Mas disso depende nosso crescimento individual, nossa maturação amorosa. É certo que o desejo, quando intenso e abrangente, torna-nos incapazes de reconhecer que ao Outro deve ser reconhecido o seu espaço. Nascemos separados em anos, em lugares, em famílias, em formas de educação e de transmissão de valores. O AMOR, todavia, promove um novo nascimento: o da união. Essa união, contudo, não se confunde com dependência unilateral. Reciprocidade não se manifesta por interdependência, mas na quantidade de vezes que somos capazes de emitir sinais de que estamos presentes, nos preocupamos, nos interessamos, nos doamos, nos dedicamos. A reciprocidade é expressa na nossa capacidade de suprir alguma carência mais urgente, aquela que grita do fundo de nossa alma.
Todavia, também me parece equivocada toda a expectativa demasiada projetada sobre o Outro. Esperar demais é caminhar junto ao abismo da frustração. Devemos esperar na medida da possibilidade de espera. Essa medida é determinada pela abrangência do relacionamento amoroso, pela sua maturidade, pela natureza das emoções nele envolvidas, pela solidez de seus projetos.
A experiência amorosa nos põe diante do vazio da existência; de certo modo, ficamos continuamente vulnerável a este vazio. É que sua abrangência existencial é totalizante. O AMOR totaliza o ser, sem sufocá-lo. O laborioso trabalho espiritual e emocional de que nos encarrega o AMOR é, justamente, o esvaziamento do ego.
Acho que depois do AMOR resta o silêncio ou o eterno ressoar silencioso das palavras inaudíveis – aquelas que significam no fundo de nossa alma, que desse fundo lançam seus sons acalentados. Diante do AMOR, convém subtrair o ego e deixá-lo ser como é: incompreensivelmente deleitoso, harmonioso, intrigante e transgressor.



2 comentários:

  1. eu tinha escrito comentário agradecendo o seu, mas o blogger [meio louco] apagou! =s

    saudade de passar por aqui, querido!
    agradeço a visita! e qro, assim q puder, visitá-lo tb!

    beijos

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  2. Oi Bruno!
    Poucos conseguem descrever o amor com tamanha grandeza, fugindo totalmente dos clichês típico de quem ama... A vida tão frágil e delicada, o desapego, o doar-se inteiro, transpor essa linha tênue entre o eu e o outro... Poucos conseguem sublimar o amor dessa forma... É esse amor e encantamento que arde e fertiliza transformando as vontades, sentimentos, e até inseguranças em tamanha profundidade... Só mesmo quem ama com a alma é que consegue dar nova tonalidade ao amor tornando-o assim, quase indecifrável.
    Bjusss

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