sábado, 16 de julho de 2011

Como refletir menos...

                                  
                                        Para que refletir tanto?


Tédio: fastio, aborrecimento, desgosto.  Está lá no dicionário. Este sábado está entalado em minha alma. Ontem, insinuava-me uma intenção verbalmente entusiasmada em meu espírito. Hesitei em escrever sobre alguns temas que, agora, estão suspensos na lembrança. É possível que eu venha a esquecê-los. Talvez, seja melhor registrá-los aqui. Passearam-me algumas ideias sobre a origem das religiões, sobre a crença em deuses e demônios, sobre a relação visceral entre os humanos e os deuses. Também me pareceram atraentes os pensamentos sobre otimismo e pessimismo, que encontrariam alicerce numa pesquisa feita por uma psicóloga sobre o otimismo generalizante entre os homens e mulheres pós-modernos. A reportagem on-line foi viabilizada por uma amiga. Talvez, fosse interessante refletir sobre o que é ser otimista, pessimista e realista e que consequências acarretam essas atitudes nas relações interpessoais.
Aconteceu, contudo, que a intenção não fecundou. E, após visitar algumas comunidades de Orkut, em que passeiam livremente e sem suspeita os clichês de toda sorte, fiquei, sinceramente, desanimado. Às vezes, busco um retorno intelectual, um sinal mais ou menos interessante do espírito humano, nesses espaços (e já o encontrei certa vez); mas, hoje, o que li foi uma série de torneios verbais cansativos e agastados.
Então, uma amiga fez um comentário em uma de minhas últimas postagens, neste blog: “ultimamente, tenho refletido sobre como não refletir tanto”. Houve um tempo em que eu me incomodava com o excesso de reflexões que jorrava de minha alma; especialmente, quando elas não encontravam repercussão em outros espíritos.
Acho que devemos nos acautelar quando nos damos conta do fastio em face dessa capacidade tão desigualmente distribuída entre os homens. É que, muita vez, nós incorremos no equívoco de pensar que reflexões precisam ter finalidade prática. Algumas pessoas carecem de exercitar o pensamento reflexivo, como quem carece de beber água, de se alimentar, de dormir. Para muitos de nós, refletir é uma necessidade tão vital quanto essas necessidades biológicas. Pode parecer uma comparação equivocada – porque é claro que nossa vida depende mais destas do que daquela; no entanto, para muitos, refletir é fazer-se existir. A reflexão toca primeiro e intimamente a existência. Viver e existir são coisas diferentes.
No entanto, é claro que reflexões em demasia podem acarretar-nos aquela sensação de profundo desencanto, desgosto, aborrecimento, desilusão, simplesmente porque os espíritos que pensam e problematizam são mais lúcidos, esclarecidos. Quem reflete sofre mais, sente mais, porque se depara com a verdade, com a crueza do real.
É sempre melhor pensar em conjunto, compartilhar reflexões. Mas elas, em geral, são fecundadas na intimidade de nossos espíritos, resultam de um trabalho espiritual individual, se bem que nunca original. As minhas reflexões se esteiam nos terrenos das reflexões dos outros.
Quem não se inquieta não reflete. Quem não se incomoda e, portanto, vive comodamente no mundo e com o mundo não precisa dar-se ao trabalho de produzir reflexões.
Queria poder refletir mais sobre isso, amiga, mas a melhor forma de refletir sobre o como não refletir tanto é deixar que o silêncio preencha o espaço que seria destinado às reflexões. Deixemos que ele reflita por nós. O silêncio diz mais quando damos voz a ele.
Que ele povoe nosso espírito para que novas reflexões floresçam!

Poemas das horas invernais



Chamada


Ei! Psiu!
Vê se me enxerga!
Sou poeta!

(BAR)



Sem volta

No amor,
Não há volta
Que percorra
O mesmo caminho

(BAR)




Adversos

Um dia eu sonhava
Que amar só bastava
E foi então que a vida me ensinou
Que só amor não basta
E entre os versos
Da alma
Interpõem-se
Os adversos
Da vida

(BAR)


Cambaleante

Excesso no amor
Leva à embriaguez
E o coração cambaleia
Bêbado
Torto
Titubeando
Continua trombando

(BAR)



Casamento moderno

Dê-me a sua receita de amor
Que eu lhe dou meus ingredientes
Fidelidade
Dedicação
Confiança
Cumplicidade
Companheirismo
E
Desejo
Misture isso no coração
E qual será o resultado?
Dez anos de terapia

(BAR)


Carência

O amor não é necessário
Quando se tem
A vida inteira pela frente
Ele é necessário
Quando a vida
Nos escapa
A cada dia

(BAR)


Náufrago

A bóia do amor é o coração
Que nos mantém a salvo
Exceto quando se vai
Em direções contrárias
Deixando-nos amparados no acaso

(BAR)



Direções

O amor tem muitas vias
Caminhos que nos levam
A uma mesma direção
A
do coração
Só não se pode
Entrar na de mão-dupla
Que nos leva
Ao contrário
De sua razão

(BAR)



Vocabulário

Ao poeta
A falta do amor
É abundância
De palavras


(BAR)


Maturidade

Amarei talvez as de trinta
Talvez
Talvez as de vinte e cinco
Amarei as independentes
Sensatas
Decididas
As mais experientes
Amarei a todas alegremente
Sem delas nada esperar
Amarei por um instante
A brevidade de todo amar

(BAR)


Asas

Quero um amor
Que me tenha em casa
E que me dê asas
Ao coração

(BAR)


Somos dois

A única diferença
Entre sexo e amor
É que no sexo
São necessários dois

(BAR)


Suicida

O suicídio do coração
É amar à distância
A lembrança
Do ser amado

(BAR)



O início

O cuidado com o amor
Começa
No berço da alma
Quando os sonhos
Ainda engatinham

(BAR)



Acordo

No amor
Há o acordo
Dos corações
Há coincidência
Dos desejos


Na vida
No entanto
Muitas avenidas
Muitas idas
Muitas voltas
E revoltas
Pelas vezes
Que erramos as entradas
E entramos
Nas estradas sem saídas

(BAR)


Ausente

No amor
Só há uma única lição
A felicidade existe

Na vida
São muitas as lições
E descobrimos que a tristeza
Bebe no cálice da alegria
E toda manhã
Trará um dia
Que o céu acende
E
Assim
De repente
A noite chega
O céu apaga
E logo
Faz-se novo dia
E vão-se arrastando
As horas
E martelam as incumbências
As urgências gritam

No amor
Só há uma única lição
O mundo deve estar ausente
E nada para o amor
É mais urgente
Do que o bem-estar
Do Coração.

(BAR)

Exagerado jogado aos teus pés eu sou mesmo exagerado...






O Vassalo

Se prostrado a teus pés de anjo me deixo estar
E minha alma em refolhos te exalta assim
Se sou por isso mendigo de amor. Tem pena de mim!
Que não conheço outro jeito de amar!

Se ris da devoção deste amor promitente
E se profanas a santidade destes pálidos versos
Não sabes quanto Amor há em meus amplexos
Nem quanta ternura guardo n’alma fremente

Não conheces um querer que é bendito
Nem pousaste os lábios em boca tão cálida
Onde a ternura desabrocha como a crisálida

Nas noites quando de paixão consumido
O pensamento vai-te ao encalço em ardor
Não conheces as feições santas do Amor!

(BAR)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Hoje escrevo para não ser esquecido

                                                    
                      


                          Verberotismo


- O que há contigo? Por que te inquietas?
- Quero viver mais!
- E o que te impede?
- Não sei dizer.
- Oh! Homem de tantas palavras! Agora, admites não tê-las?
- O que sinto é inefável!
- Inefável, escolheste bem! O que desejas?
- O gozo do amor sem interdito.
- É o que te falta?
- é.
- E do que careces para consegui-lo?
- ousadia ou sorte.
- Ora, ousadia depende de nosso abandono de certos hábitos. Sorte? Tu não és daqueles que acreditam em sorte.

As férias, definitivamente, não me favorecem; que discordem de mim, mas a alguém acostumado à leitura, a elucubrações, que vive, cotidianamente, rodeado por livros, enchendo a cabeça de pensamentos, de palavras, discursos, teses, argumentações, e que busca em Sartre, Sócrates, Heidegger, Marx, Nietzsche, Schopenhauer matéria para elevadas e fecundas reflexões, as férias não favorecem, porque propiciam uma grande extensão de tempo para a ociosidade. No entanto, acho que incorri num equívoco. O trabalho espiritual é também uma forma de atividade. Escorrego no terreno da ideologia, que faz a distinção entre os que trabalham (operam com o corpo) e os que pensam (operam com o intelecto).
Marx ensinava que o lazer dado usufruir ao trabalhador alienado, numa sociedade capitalista, é uma forma de lazer alienado, de sorte que o lazer torna-se uma extensão da alienação existente nos modos de produção capitalista. Nesse sentido, a atividade de pensamento ou de reflexão está excluída dessa forma de lazer.
Parece que eu fui, graças à minha própria formação acadêmica, privilegiado, porque posso usufruir a atividade de pensamento, durante o tempo em que não leciono. De qualquer modo, eu não escapo às inquietações intelectuais, às questões do conhecimento; eu não escapo às tramas da linguagem, porquanto respiro as palavras continuamente. Em suma, estou envolto às palavras e delas me sirvo não para apenas comunicar,  mas, principalmente, para sentir-me.
Cuido que, ao me socorrer da companhia das palavras, busco uma compensação; uma compensação para um vazio existencial, cuja extensão é imensurável, que me atravessa. Nesse vazio, situa-se meu coração. Outrora, escrevia para ser notado, para bradar – Eu existo! Hoje, escrevo para que não seja esquecido.
Sublimação e repressão são duas palavras cuja significação toca-me intimamente. Em primeiro lugar, com Marcuse, a sublimação não deve implicar diminuição da energia erótica ou seu empobrecimento, mas uma forma de concentrá-la numa outra esfera de atividade, que não a genital. Vou elucidar mais esse ponto, citando um trecho em que Guido Mantega, em Sexo e poder nas sociedades autoritárias: a face erótica da dominação, artigo que compõe o livro Sexo e poder, ensina-nos sobre a contribuição de Marcuse na reflexão sobre os mecanismos repressivos das sociedades autoritárias:

“(...) Marcuse também concebe um tipo de sublimação que não implica o empobrecimento da energia libidinal, mas somente sua canalização para uma nova esfera de prazer. Isso é possível em função da erotização maior do corpo e das várias atividades humanas, de modo a criar zonas erógenas ou atividades eróticas fora da esfera genital, que possam extravasar os limites do próprio corpo. Trata-se das manifestações erógenas “espirituais”, derivadas do poder criador de Eros (o princípio de prazer), tais como o “amor das belas ocupações”  e “o amor dos belos conhecimentos”, que vêm juntar-se ao amor corporal, para formar a nova constelação de prazer de uma sociedade não repressora. Nessas atividades, a sexualidade não é desviada e nem impedida de atingir seu objetivo (o prazer sexual); pelo contrário, ao atingi-lo, transcende-o em favor de outros, buscando uma gratificação plena”.
(p. 26)
(grifo meu)

Nem sempre a vida de um escritor (no sentido lato do termo) reflete-se na sua obra. Em outras palavras, nem sempre buscaremos na obra o testemunho da vida de um escritor. No entanto, tudo que escrevo sou eu mesmo verbalizado. Disso se segue que meus escritos carregam uma forte carga erótica e libidinal, embora, consoante Marcuse, sublimada. Lembro, certa vez, ter escrito que, ao escrever, tenho ejaculações de pensamentos. Aqui, está a libido verbalizada, harmonizada com o erotismo da linguagem, que produz o prazer do conhecimento e da estética.
O erotismo de meus textos é produzido pelo coração; é o coração que goza, que ejacula, que alcança o prazer em sua forma espiritual. Esse prazer, decorrente da expressão espiritual erógena não exclui o desejo sexual pelo corpo, mas o transmuda numa liricamente mais densa, forte e contemplativa atividade humana.
Também é em Marcuse que buscaremos a compreensão da importância do reino da fantasia. É aí que os desejos e impulsos do prazer (libidinal) se mantêm a salvo dos aparatos repressores da sociedade. O reino da fantasia é, para o autor, o próprio inconsciente. É ele que impede que o princípio de prazer sucumba ao princípio de realidade. Nele está o potencial transgressor. A fantasia não é senão uma forma de negar a repressão e, nesse sentido, torna-se uma forma mais elevada (superior) de vida.
E o que acontece com esse reino “protetor” dos desejos de prazer e inibidor da repressão. Novamente, é na obra já referida, que buscaremos um esclarecimento:

“Com o tempo, os aparatos ideológicos da sociedade capitalista conseguem invadir essa fortaleza outrora inexpugnável, e substituir a velha fantasia impulsiva por uma nova imaginação pré-fabricada pela sociedade repressiva, com sonhos que podem ser concretizados pela máquina de consumo. Dessa forma, o princípio do desempenho aprisiona esse último reduto de rebeldia, desfazendo a dualidade realidade/ fantasia correspondente ao princípio de realidade e do prazer – submetendo tudo ao princípio de desempenho econômico, e reduzindo o homem a uma única dimensão. O “homem unidimensional” é aquele onde até a consciência foi aprisionada pelo controle social
(p. 27)

Do fragmento acima, pode-se depreender a minha busca por uma atividade espiritual sempre emancipada e libertadora. Donde se segue minha disposição fervorosa para criticar e rejeitar certos padrões sociais, entre os quais os que reduzem a atividade sexual ao mero desempenho, à mera performance e praticidade.
No capitalismo, a aparência de liberdade implica o acionamento de mecanismos de controle por meio de artifícios ideológicos e psíquicos ‘ocultos’ (que operam à sombra de nossa consciência). A submissão existe, se bem que está invisível. A famigerada liberdade sexual deu ensejo a novas formas de controle da vida sexual dos indivíduos. Veja-se a grande quantidade de especialistas que detêm a competência para falar de sexo e de ministrá-lo (em livros de medicina, psiquiatria, psicologia, sexologia, etc.) e de produtos destinados ao aperfeiçoamento do desempenho sexual dos casais.

“[a liberdade sexual] aumentou consideravelmente. Porém essa liberdade deve ser entendida entre aspas, pois ela não representa a livre manifestação do princípio de prazer, mas sim uma sexualidade contaminada, pelo princípio do desempenho econômico. Trata-se da “dessublimação repressiva”, onde, aparentemente, existe uma liberação de Eros, mas, na verdade, permitem-se as ações, mas não o sentimento. O indivíduo desoritizado, incapacitado de manifestar os seus sentimentos mais profundos, passa a intensificar seus “exercícios” sexuais. Para usar uma imagem pretensamente lírica, é um corpo amando sem alma”
(p. 20)


Se me impus uma repressão sexual por rejeitar o imperativo de corpos que amam sem alma, não me imponho uma repressão verbal, em que erotizo os pensamentos, com vistas à harmonia entre o lirismo da alma e o corpo das palavras. 
Certamente, há muitos homens interessantes, que ousarão invadir o coração, ou entrar gentilmente. Mas, igualmente certo, é haver poucos os especiais, que se expandem pela alma, pela linguagem, pelo caráter, pelo coração, que têm sede de AMOR que cuida e se sacia na simples presença.



terça-feira, 12 de julho de 2011

"O amor revela mais do que esconde". (BAR)

                                                           Divagações


Disseram-me que eu não devo encarar a vida com tanta seriedade. Às vezes, vale mais uma embriaguez de sentimentos e grandes talagadas de emoções inflamadas e só. O futuro pouco vale se não aprendemos a conviver com cada instante que se apossa de nós. Somos inteiramente num instante. Eu estou todo neste exato momento em que escrevo; não há sequer uma parte de mim que esteja em outro lugar. Meus pensamentos estão contidos nesse breve espaço de tempo em que me esforço por escrever este texto.
Quero que alguém compartilhe comigo desta inquietante sensação de que eu sou neste instante. Beba comigo essa dose exagerada de lucidez. Penso tanto nos dias que virão, nos meses que ainda não nasceram. Penso tanto no futuro, minha vida tem sido projetada para esse futuro, tempo em que chegará a felicidade tão desejada.
Mas o que eu quero realmente é não mais planejar. Quero a amizade de pessoas que chegaram a um tempo de suas vidas em que não planejam mais, apenas vivem  segundo a medida da sabedoria que a vida já lhes proporcionou.
Aprendi que não devemos sempre agradar as pessoas, nem sempre devemos estampar um sorriso gratuito só para parecer simpáticos. Eu sou agradável no trato, delicado na expressão, divertido, quando me cabe, e até cortês. No entanto, há momentos em que posso parecer ser antipático simplesmente por preferir o silêncio, o isolamento. Às vezes, me recolho num estado de anestesiamento, fico absorto e me perguntam o que há comigo. Há momentos em que é melhor calar. Há uma dimensão em mim que prefiro cercar com o silêncio e só compartilhar com quem seja merecedor de minha confiança.
Eu ouso declarar que nada é mais importante nesta existência tão pouco inspiradora que o amor dos que nos querem bem. Nada mais. Nossos pais, nossos avós, e todos que nos educaram e cuidaram de nós são, certamente, o sentido de tudo isso. É claro que não contaremos com eles sempre; um dia, sucumbirão e nos caberá escolher entre viver só ou unir nosso corpo e coração a outra pessoa com quem renovaremos aquela aliança que nos justificava a vida.
Nascer, crescer, reproduzir-se e morrer – processos que explicam o curso de nossa vida biológica, mas que não dão conta da significação de nossa dimensão humana. E as emoções? E os sentimentos? E as experiências? E as tristezas? E as alegrias? E as dores? Onde se encaixa tudo isso? E as paixões? E os amores e desamores? E as lembranças? A memória? A saudade? E o desejo? Onde se encaixa tudo isso?
Quer conhecer bem as pessoas? Atente para o modo como amam. Na forma como amamos, manifestamos o modo como somos e sentimos. O amor revela mais do que esconde. Revela nossa única verdade: somos todos muito carentes.


"Viver a fecundidade da solidão é produzir o melhor de si mesmo". (BAR)


                               

                                           Eu diante de mim
                                Sobre a solidão de nossos dias

Hoje, quando penso no que vivi, nos últimos sete anos de minha vida, nos infernos espirituais em que me afundei, por conta da depressão que me abalou a serenidade, quando penso no que podia ter vivido, se minhas escolhas tivessem sido outras, ou no que não teria vivido; quando penso no longo tempo em que a solidão me foi a única companhia e que, não raro, me abandonava a ela; quando penso nos benefícios que os livros e a leitura assídua e incansável me trouxeram durante esse período; quando penso no alívio que experimentei ao ler o texto Solidão amiga, de Rubem Alves, que muito me ensinou a enfrentar minha ansiedade e meu desespero; quando penso nesse passado que me nega, enquanto sujeito que se realiza no presente, se bem que não possa negar a herança do passado; quando penso em tudo isso, chego à conclusão de que as obras do pensamento, os frutos doces e amargos do intelecto sempre me contentaram, porque sempre foi o Bem maior em minha vida.
É claro que o AMOR sempre esteve a guiar-me os pensamentos e não nego que ele seja, em minha vida, um Bem eminente. Ora, quem levantaria às seis da manhã para compor um roteiro e destiná-lo à pessoa amada que apresentaria um seminário? Quem correria atrás de ônibus para não perder um minuto sequer do tempo em que podia estar junto à pessoa amada? Quem enfrentaria chuva, frio e calor intenso, numa caminhada incansável para estar junto à pessoa que ama? Quem brigaria por mais tempo, quem reivindicaria mais tempo para o amor?
Não vou me alongar nesse tocante; não cabe aqui insistir no quanto me dediquei às mulheres que amei, que foram poucas. Reitero que não serei eu que farei reconhecer o meu valor, serão os outros. Não lamento injustiça e não procuro justiça. Para onde quer que olhemos, vemos injustiças. Não quero ser justificado, quero dar o melhor de mim. Assim, se amo, dou o melhor de mim; quando leciono, dou o melhor de mim. Quando leio, quando escrevo, quando medito, dou o melhor de mim.
Minha inteligência, minha sensibilidade, meu coração, minha alma, minha forma peculiar de me relacionar com a existência, como fato irrecusável e absurdo, minha abertura para o Mistério, minha avidez por questionar e rejeitar dogmas e crenças infundadas, infensas ao bom-senso, meu esforço por conservar minha autenticidade, minha distinção, minha singularidade são o melhor de mim.
Hoje, distribuo, igualmente, ao corpo e ao intelecto os cuidados que lhes são devidos. E isso me contenta, me regozija. Decidi, finalmente, cuidar de mim e isso significa preservar a saúde do corpo e da alma. Minha alma sempre esteve bem alimentada e saudável, em que pese os estados depressivos de que foi acometida, no passado, porque fora nutrida de conhecimento. Os livros são suas vitaminas, suas refeições. O corpo, hoje, está mais forte, vigoroso. Houve um tempo em que valorizei excessivamente os cuidados com a alma em detrimento do corpo. Hoje, corpo e alma estão conciliados. E, no AMOR, busco conservar essa aliança.
Quem de vocês, leitores estimados, antes de dormir, quando o sono insiste em nos escapar, permite o acesso à sua mente de pensamentos metafísicos sobre a possibilidade da vida além-túmulo? Certa vez, uma amiga distante perguntou-me se eu era agnóstico, embora eu já tenha declarado minha simpatia pelo ateísmo. Se por agnóstico entendemos aquele que rejeita a possibilidade de conhecer o Absoluto e até de pensá-lo, então eu sou um agnóstico. No entanto, se o agnóstico for definido como quem “fica-em-cima-do-muro”, sem opinar para um ou outro lado de uma questão, então não sou um agnóstico de fato. E, se como diz Richard Dawkins, em Deus – um delírio (2007) “um ateu (...) é alguém que acredita que não há nada além do mundo natural e físico, nenhuma inteligência sobrenatural vagando por trás do universo observável, que não existe uma alma que sobrevive ao corpo e que não existem milagres (...)” (p. 37), então eu não sou, nesse sentido, um ateu. Não creio no Deus de Abraão, tampouco no Deus de Cristo que, tomado de um sentimento muito humano, ousou questionar Deus sobre o motivo de tê-lo abandonado, na agonia da crucificação. No entanto, creio que haja um universo supra-sensível, uma dimensão espiritual. Talvez, eu seja um ateu espírita. Uma antítese? Decerto, porque o espiritismo funda-se nos ensinamentos do evangelho e assume como pressuposto a existência de Deus, no modo como Jesus Cristo o representou.
Como todo bom leitor, sou intelectualmente inquieto. Inquietude intelectual é uma qualidade que me define, em parte. As religiões infertilizam as mentes, engessam os pensamentos, castram a criatividade da alma. Por esse e outros motivos, hoje, não sou religioso.
Convém, todavia, dar novo curso a estas palavras, pois que não é de religião que pretendo me ocupar aqui. Concentro meus pensamentos na minha relação com a vida. Para tanto, refiro, abaixo, um texto postado por uma amiga professora na página de perfil de seu Orkut. Trata-se de um texto que me chamou atenção e que gostaria de compartilhar com vocês, leitores.

"Temos todo o tempo do mundo". Mas infelizmente as coisas não são bem assim.
Não temos todo o tempo do mundo, não temos tempo a perder. Mas infelizmente perdemos!
Perdemos tempo com muitas coisas, perdemos tempo acreditando em sonhos, perdemos tempo acreditando em alguém, perdemos tempo sem perceber.
Mas não notamos que o tempo passou (e o perdemos) senão quando nos vemos decepcionados com alguma coisa ou com alguém.
Tempo perdido? Talvez sim, talvez não...depende somente do ângulo por onde procuramos enxergar as coisas. Diz um velho ditado que "nada é por acaso" e, a partir deste pensamento podemos enxergar as coisas de um modo
diferente, de um modo em nos vemos mais maduros, talvez até machucados, mas com olhos voltados para o futuro, capazes de enfrentar novamente a vida e seus desafios.
Willian Shakespeare diz em um de seus poemas que "depois de algum tempo você aprende que maturidade tem mais a ver com as experiências que você teve do que com quantos aniversários vc celebrou", e isto é verdade! Somente as experiências podem nos ensinar!
A dor, às vezes, é a nossa melhor amiga!
                                                 
Leiamos duas ou três vezes. Leiamos quantas vezes quisermos, para que não deixemos escapar um punhado sequer da sabedoria que este texto veicula. Inicialmente, repercute a voz de Renato Russo, na canção Tempos perdidos. Lembra? “Somos tão jovens...”. Na canção, Renato diz: “temos todo tempo do mundo...”. Assim, pensam os jovens. É claro que não temos todo o tempo do mundo; nosso tempo aqui neste planeta é breve e pode chegar ao fim sem que sejamos avisados. Decerto, perdemos tempo quando ficamos a ruminar nossas dores e perdemos tempo supervalorizando nossas decepções, nossas frustrações. Decepções e frustrações todos nós experimentamos em muitos momentos da vida e seu impacto negativo sobre nós dependerá do quanto esperamos do outro, dependerá, portanto, da medida de intensidade de nossas expectativas, de nossos anseios.
Somos seres de emoção, e, como tais, somos suscetíveis à dor e ao sofrimento. Não se trata de sugerir que devamos ser indiferentes, insensíveis. Chore a intensidade de sua dor, sofra a medida de seu sofrimento. Mas, no abismo de sua dor, na clausura de seu sofrimento, sempre haverá a possibilidade de ‘abrir uma janela de sua alma’, por onde poderá ver “as coisas de outro ângulo”.
E a razão parece estar com Shakespeare: maturidade não se mede pelo número de aniversários, mas pela quantidade e valor de nossas experiências. Depende do grau de nosso envolvimento anímico e corporal com a existência. Nesse sentido, acho que o AMOR é uma força propulsora para esse envolvimento. Que outro desejo, que outra emoção está tão ligada ao envolvimento com a existência, com a vida? Os amantes não querem viver mais, gozar mais, entregar-se mais? A experiência amorosa nos descentra, nos desloca, nos arremessa a regiões espirituais dantes inacessíveis, porque nossa alma se guiava pelo regime insosso e exigente do cotidiano. O AMOR só exige o melhor de nós: o nosso ser.
Doravante, considerarei o texto de minha amiga Gizelda, postado em seu blog. Leiamo-lo:

"A Solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. 

«Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles. 

Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos. "

Arthur Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida

Solidão é questão de estado de espírito.Ninguém precisa ser ou sentir-se superior para gostar de estar só.Há momentos em que nós somos nossa melhor companhia.

Não posso deixar de notar, numa leitura polifônica, a voz de Freud, que, em O Mal estar na cultura (2010), ensina estarem entre as três fontes de sofrimento dos homens justamente as relações sociais. Ilustrativo é o seguinte trecho colhido dessa obra:

“A proteção mais imediata contra o sofrimento que pode resultar das relações humanas é a solidão voluntária, o distanciamento em relação aos outros. Compreende-se: a felicidade que se pode alcançar por esse caminho é a da quietude”.
(p. 65)

Em seguida, acrescenta:

“Contra o temido mundo externo não é possível defender-se de outra maneira senão por alguma espécie de afastamento, caso se queira resolver essa tarefa por si mesmo”.
(id.ibid.)

É claro que não devemos daí concluir que a felicidade repousa em alimentar uma aversão à vida social. Não se trata de ser misantropo. Devemos sempre ter em conta que nós, seres humanos, somos seres sociáveis; desde os primórdios, nossa vida se organiza em comunidades e nossa sobrevivência depende dessa organização. Nossos ancestrais só conseguiram desbravar o mundo e sobreviver porque formaram tribos, grupos e instauraram a divisão do trabalho, distribuindo papéis aos seus membros. No entanto, como bem mostra Freud, a sociedade está longe de ser a meta de felicidade do homem. A vida civilizada exige que os homens reprimam seus instintos de prazer. Nunca alcançando a felicidade, em virtude dos mecanismos repressores da cultura, os homens devem contentar-se com a sublimação de seus impulsos. Assim fazem os artistas quando se concentram em seu trabalho e dele extraem contentamento e um prazer substitutivo, ou os pesquisadores que se alegram com os resultados de seu trabalho. Entretanto, a sublimação, embora seja uma espécie de compensação à frustração experimentada pelos homens, por não terem realizados seus impulsos mais primitivos, jamais produzirá a mesma intensidade de prazer que aquela realização produziria.
A solidão permite o confronto do ‘eu’ consigo mesmo. Em outras palavras, quem teme deixar-se estar só teme, na verdade, confrontar-se consigo mesmo. A solidão convoca o ‘eu’ a pôr-se diante de si mesmo, para nele mesmo meditar. Também a solidão, ao colocar o mundo entre parênteses, devolve-nos aquela sensação, que nos é tomada no convívio social: a sensação do vazio do ser, ou seja, do nada. É na ociosidade que os grandes filósofos puderam produzir seus pensamentos. Para pensar, é preciso estar em ociosidade. O ócio é oficina para os pensamentos. Se bem conduzido, o ócio proporcionará a produção de pensamentos elevados, fecundos, próprios dos espíritos largos, profundos, libertos.
Eu rejeito, em parte, a lição de Schopenhaeur, filósofo cujos pensamentos, aliás, muito aprecio, porque renunciar à sociedade é, na verdade, para muitos de nós, muito difícil, salvo os eremitas.
Cabe, finalmente, assentar o nosso dilema nos seguintes termos:
a) somos seres projetados para viver em sociedade;
b) construímos sociedades que nos tornam insatisfeitos e infelizes;

O que fazer? Se não estamos dispostos a seguir o conselho do eminente filósofo, devemos buscar relações sociais que nos favoreçam. Frustrações e decepções podem recair sobre nós nessa longa busca. A solidão poderá servir bem como uma balsa nas tempestades, uma balsa que, se bem conduzida, nos permitirá experienciar-nos de um modo mais íntimo. Essa intimidade pessoal, essa imersão em nós mesmos é indispensável para o nosso bem-estar psíquico. É esse olhar interior que nos permitirá lançar luzes sobre as trevas de nossas relações pouco produtivas e favoráveis com os outros.
Mas é bom lembrar que solidão não pode individualizar. Não se trata de acreditar que nos basta a solidão, que nos basta a nós mesmos, que o ego deve ser a prioridade, o centro de nossas disposições emocionais. A solidão deve ser um momento fértil para reflexões, para a partilha de pensamentos. Eu, para escrever, preciso estar sozinho; às vezes, imerso num silêncio inquisidor, às vezes, com a televisão ligada, ou, uma música tocando ao fundo. O importante é que a solidão faça-nos perceber de outro modo. Viver a fecundidade da solidão é produzir o melhor de si mesmo, é pôr a nu o fundo do ser, que, muita vez, se oculta aos olhos do outro, especialmente se esse outro é “intelectualmente obtuso” ou, o que dá no mesmo, estúpido.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Amor através dos discursos

                                                
                  

                       Discursos e Amor

C hamou-me a atenção a seguinte passagem, em O amor em palavras: o discurso amoroso em questão:

“(...) o discurso amoroso, de origem incerta, esteve presente em todos os momentos da história do homem e assim deverá continuar, em movimento constante, até o fim dos tempos. Impreciso, vago, escorregadio. Assim é o discurso. E sobre o amor o que temos? Discursos. E só”
(pp. 34-35)


A autora, Isabel Osório T. D. Coutto, lembra-nos que a relação entre amor e palavra (ou discurso) estava presente em O Banquete, de Platão. Nessa obra, Eros era manifestado de diversas formas através do logos (palavra, linguagem, discurso). Em uma das redações escolares citadas pela autora, um aluno da 8ª série escreve que o amor “é dizer que a gente gosta de uma pessoa e ela gosta de você” (p. 34). Mais adiante, acrescenta: “O amor é dizer que eu te amo e tu me ama”.
A construção ideológica do amor nos chega por meio de vozes, ou discursos, cultural e historicamente determinados. O imaginário do amor é tecido, em grande parte, pelos discursos legados à posteridade em O Banquete. Além disso, o ideário do amor romântico, caracterizado pela necessidade de consumação no laço matrimonial ainda encontra raízes no imaginário do homem pós-moderno. Os valores do amor romântico ainda estão presentes na literatura, no cinema, nas revistas, na televisão.
É preciso, antes de prosseguirmos, considerar, em linhas gerais, a função do discurso relativamente à sociedade que o produz. Discurso deve ser entendido como prática social, que é moldada pela estrutura social e, ao mesmo tempo, é constitutivo dessa estrutura. Através do discurso, a estrutura social é constituída, reproduzida e modificada. Discursos são, pois, formas de ação sobre o mundo e sobre a sociedade. Trata-se de um fenômeno da vida social inter-relacionado a outros elementos dessa vida.
Toda prática discursiva envolve processos sociocognitivos de produção, distribuição e consumo de textos. Tais processos estão relacionados a âmbitos políticos, econômicos e institucionais (ideológicos) específicos.
Portanto, a forma de dizer o amor está intimamente relacionada à forma como desejamos experienciá-lo. Como seja um tema universal, há muitos discursos sobre o amor. A obra referida O Banquete dá-nos testemunho disso. Uma das vertentes discursivas dizem do amor que é um sentimento sublime, o mais elevado, o mais nobre dentre os bons sentimentos. Naquela obra, encontraremos a ideia de amor como força ordenadora do cosmos, ou força responsável pela harmonia do universo.
Uma interessante amostra discursiva dos “retratos” do amor através dos séculos é o poema de Carlos Drummond de Andrade, referido abaixo. Leiamos com atenção:

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando eu ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois, (tempos mais amenos)
fui cortesão em Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina;

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

(Carlos Drummond de Andrade)

Note-se que o poema, de estilo narrativo, expressa a experiência amorosa através das épocas. Na primeira estrofe, faz-se referência ao amor na Grécia Antiga, mais precisamente no tempo mítico da Guerra de Tróia. Na segunda estrofe, o amor é experienciado no período cristão, em Roma. Ele era um soldado romano que se apaixona por uma cristã lançada aos leões. A cada período os amantes se encontram, como se reencarnassem, mas nunca conseguem viver juntos. A morte é seu destino. Na última estrofe, finalmente, chega-se à época moderna, em que vive o homem prático, individualista, independente, que vai ao cinema, e não precisa enfrentar leões; um típico consumidor das sociedades modernas que tem dinheiro no bolso, que não tem de duelar para viver junto à pessoa amada, muito embora ainda conserve o sonho de felicidade amorosa oferecida pelos filmes hollywoodianos.
Embora pareça simplista a visão do estudante sobre o amor, ele não deixa de revelar a relação entre Eros e Logos, discutida em O Banquete. Claro é que o aluno não tem consciência disso, o que nos mostra que o imaginário do amor é devedor da construção ideológica através do discurso da Antiguidade Clássica. Ora, ele dá testemunho do resultado dos saberes acumulados pelas gerações durante séculos.
O imaginário do amor é construído discursivamente pelas vozes (autores, personagens, pessoas comuns...) que o dizem através das épocas. Atualmente, fala-se em amor líquido, contrariamente à concepção tradicional do amor como sentimento de permanência, de fidelidade à própria união que o engendrou. O amor líquido é descartável, fugaz, porque escorre, se dissipa, dada a sua fragilidade, e urgência. O amor líquido é resultado de práticas sociais em que os envolvidos são estimulados ao consumo desenfreado de coisas e pessoas.
É interessante notar que há duas grandes vertentes de estudo sobre o amor: uma realista, de que se encarrega a ciência, preocupada com a descrição dos processos fisiológicos ocorridos no organismo de um indivíduo “acometido” de amor e/ou paixão; e uma idealista, mais abstrata e especulativa.
O amor, como abstração, como matéria de pensamento, se dissolve em face da carência de modelos de experiência amorosa que a sustentem. Em outras palavras, é comum que se diga que não sabemos o que é o amor, que há um grande hiato entre o que se diz do amor e a forma como o experienciamos. Sucede que, em geral, não somos incentivados, ou ensinados a pensar sobre o amor, a refletir sobre a experiência amorosa. Disso não se segue que pensar sobre o amor seja garantia de prosperidade; mas pensá-lo permite-nos situá-lo na dimensão da vida real e reconhecê-lo nas  suas diversas manifestações. Nossa dificuldade de entendê-lo se deve, em parte, à dificuldade de dizê-lo, de pensá-lo.
O amor é corpo, é intimidade da alma; é sua nudez revelada no convívio com a pessoa amada. Discurso nenhum apreenderá toda a dimensão anímica que torna o amor um sentir que nos alegra, que nos anima, que, para muitos, justifica a existência – um absurdo destinado a sucumbir.

domingo, 10 de julho de 2011

Quando tenho de ficar só...



                                                                Anoitecer

Na sala, um falatório com risadas estridentes, entremeadas com exaltações e gargalhadas. Todos embalados por uma conversa trivial sobre chá, café e adoçante. A alegria trivial de uma vida comum preenche os espíritos que interagem, num fim de domingo em que minha alma sucumbe ao vazio do tédio.
Prefiro recolher-me em um quarto para escrever. E, então, estou eu diante desta tela de computador esforçando-me para que as combinações verbais que estampo neste papel virtual me permitam algum grau de expressão lírica. Nesse momento, incomodam-me as palavras; quero rejeitá-las, mas não consigo. Sua companhia lembra-me os dias desgostosos a que ficou presa minha alma; quero afastá-las, mas não consigo.
Diante de mim, meu cachorro perambula, desnorteado. Tenho de acudi-lo, mas meu corpo está preguiçoso. Uma pausa. Por um momento, esqueço que ele não mais escuta; é vão chamar pelo seu nome. Uma pausa.
Olho minhas últimas fotos... Apaixono-me por mim. Admiro-me. Mas não posso evitar uma leve inquietação: por que continuo solteiro? E não me venham dizer que eu sou exigente ou pachorrento, ou acomodado. Acontece que não tenho sorte no amor. É meu destino. Também não lamento, porque lamentar não me é proveitoso. Apenas constato, interpreto o que me parece intrigante.
Não é que não me considere atraente, em muitos sentidos. Não é que não seja eu merecedor. Talvez, como me disse, certa vez, uma amiga, eu tenha muitas pretendentes, se bem que não as conheço. E não as conheço porque, talvez, eu seja mesmo desatento.
As férias não me beneficiam. Os amigos sumiram; o único que restou não responde às minhas solicitações. A verdade é que meus amigos namoram ou estão noivos e alguns deles são companhia apenas para conversas triviais ou entretenimentos como jogar vídeo-game.
Com o tempo, os amigos se afastam; é a ordem normal da maturidade; uns namoram, outros casam. A vida se encarrega de nos distanciar. Por outro lado, quanto mais estudamos, quanto mais lemos, quanto mais elevado nosso grau de cultura, mais seletivos ficamos.
Eu experiencio a solidão do intelecto e dela, raramente, sou retirado.