O Bufão e o dançarino
Liberto
das vãs esperanças e das cobiças da multidão, Demócrito de Abdera ria-se das
tolices do homem. Seu riso era expressão não só de sua potência de existir, de
sua alegria de viver, mas também era um ato consciente do caráter ridículo da
condição humana. Nisso ele foi o antípoda de Heráclito - um misantropo que
lamentava as misérias da vida humana. Heráclito lamentava e chorava o fato de
os seres humanos viverem a vida como se estivessem dormindo sem saber que estão
dormindo. Não que Demócrito não concordasse com Heráclito nesse tocante, mas,
ao contrário deste, não vivia a se lamentar pela insignificante condição humana
impregnada de tolices e loucuras, mas a rir dela. Segundo Sêneca, para evitar
“a noite do coração” e a “escuridão diante dos olhos”, é preferível seguir
Demócrito:
“Devemos nos esforçar para conseguir uma
postura de não achar os vícios do populacho repugnantes, e sim ridículos, e nos
aproximar mais de Demócrito do que de Heráclito, pois este sempre chorava
quando estava entre as pessoas enquanto aquele ria. Para Heráclito, todos os
nossos atos pareciam lamentáveis; já para Demócrito, eram tolos. Portanto,
aceitemos tudo com leveza e suportemos tudo com alegria. É mais humano rir da
vida do que se lamentar”.
Todas as tolices humanas não faziam Demócrito
chorar, mas rir. Ele ria não apenas como forma de resistir ao desespero, como
também, sobretudo, como forma de advertir seus conterrâneos sobre a ridícula
loucura que é a vida deles. Se Demócrito escolheu o riso para denunciar a
estultícia dos homens, Nietzsche escolheu a dança como signo de leveza contra o
ressentimento que envenena a vida, contra a opressão dos valores supremos que a
tiranizam. Um dançarino que ri, imbuído de júbilo divino, é a expressão máxima
de um sim inquebrantável a uma existência que se perfaz como um jogo de
máscaras tragicômicas e farsa.
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