
Uma lição de
Schopenhauer
Um comentário sobre o destino humano
Na
seção 63 de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer dedica-se a
discorrer sobre uma forma de justiça a que ele chama JUSTIÇA ETERNA. Essa
justiça – assevera Schopenhauer – existe e “está na essência do universo”. Após
recapitular brevemente os pontos essenciais de sua doutrina, Schopenhauer
delega exclusivamente à Vontade a responsabilidade pela existência do mundo e
por sua organização. Assim, o mundo é tal como é porque a Vontade assim o quis.
Em seguida, Schopenhauer dirige a seus leitores a seguinte pergunta: “Querem
saber o que valem, no sentido moral da palavra, os homens, considerados em
geral e no conjunto?” (p. 369). Pede o filósofo que se considere o destino dos homens “em
conjunto e em geral”. Eis a seguinte descrição que dá Schopenhauer desse
destino:
“Eis esse destino: necessidade, miséria, lamentos,
dor, morte. É que a eterna justiça vela: se, considerado na totalidade, eles não
valessem tão pouco, o seu destino médio não seria tão horrível. É neste sentido
que podemos dizer: o tribunal do universo é o próprio universo. Se fosse possível
colocar numa balança, num dos pratos, todos os sofrimentos do mundo, e, no outro
todas as faltas do mundo, a agulha da balança ficaria perpendicular,fixamente.”
(p. 369-370).
É por
temor à incorporação dessa verdade incontestável – “a insignificância humana em
face da vontade universal, ou do próprio universo”- que os seres humanos criaram
um Deus que é Pai, do qual esperam não só proteção contra as intempéries da
vida, mas também – principalmente - elevação ao lugar de máxima importância na (humanamente inventada) hierarquia
universal. No seu íntimo, entanto, cada indivíduo sabe que sua vida é, em escala
universal, tão insignificante quanto a de um mosquito, que pode, sem muito esforço,
adoecê-lo e aniquilá-lo. Pode-se imaginar de quão intenso terror seriam tomados
todos os indivíduos que se detivessem a meditar seriamente sobre sua condição
existencial. A vida de cada um deles só é possível sob a condição de um
autoengano imperturbável. E sempre zelosa de preservá-la, a imensa maioria
deles evita a filosofia, já que uma vida filosófica tem um custo o qual eles
não estão dispostos a pagar: a redução ao máximo possível das ilusões que
tornam suportável viver , acompanhada da consequente hipertrofia da
consciência, isto é, do mais alto estágio de seu desenvolvimento, que é a própria Lucidez. É a
Lucidez o maior perigo para o homem divorciado da filosofia, porque a Lucidez
flerta com a loucura e com a possibilidade de suicídio. E porque a filosofia não
é um objeto de estudo, mas uma experiência pessoal, não surpreende que os indivíduos
em geral evitem vivê-la intimamente; não oferecendo salvação alguma, a
filosofia, “condenando” o homem à Lucidez, não pode fazer – e aqui faço eco a
Cioran – senão afiar a faca do conhecimento interior do homem, a fim de que ele
possa suportar ou pôr fim à própria vida com alguma dignidade.
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