Felicidade e
prazer
Na Ética a Nicômaco
Parte do trabalho EUDEMONISMO E HEDONÉ
Um estudo
sobre a relação entre prazer e felicidade
nas éticas
de Aristóteles e de Epicuro desenvolvido na disciplina
Ética I do curso de filosofia da UERJ (2015)
1.2. O lugar
e escopo da ética
Quando Aristóteles faz
uma sistematização do saber, ele situa as ciências
teoréticas[21]
, que buscam o saber por si mesmo, numa posição superior à posição ocupada
pelas demais. No seu quadro hierárquico das ciências, às teoréticas seguem-se
imediatamente as ciências práticas,
após as quais figuram as ciências
poiéticas. No grupo das ciências teoréticas, se topam a metafísica[22],
a física (da qual fazia parte a psicologia) e a matemática. As ciências teoréticas eram consideradas mais dignas e
elevadas. Entre as ciências teoréticas, a mais elevada era a metafísica –
ciência que se ocupa das causas ou princípios primeiros.
As ciências práticas
também visavam à busca do saber, mas não por ele mesmo, mas do saber pelo qual
se pudesse atingir outro fim, qual seja, o da perfeição moral. Nessas ciências,
o saber está subordinado à atividade prática, visto que elas dizem respeito à
conduta dos homens e ao fim que eles buscam alcançar, através dessa conduta. O
termo geral “política” foi empregado por Aristóteles para designar “a ciência
complexiva da atividade moral dos homens, quer como indivíduos, quer como
cidadãos” (Reale, 2007, p. 97). Posteriormente, a política – “a filosofia das
coisas humanas”, foi subdividida em “ética” e “política” propriamente dita,
isto é, como teoria do Estado. Escapa aos nossos propósitos alongarmo-nos sobre
os desdobramentos que resultam da subdivisão da política, naturalmente. Se
aludimos à sistematização do saber feita por Aristóteles, é tão-só para situar
a ética entre as ciências que se ocupam da sabedoria prática. A ética está
preocupada em investigar os princípios de uma vida conforme à sabedoria
filosófica; a ética destina-se à elaboração de uma reflexão sobre as razões de
querermos a justiça e a harmonia e sobre os meios pelos quais podemos
alcançá-las.
Outra forma de
compreender o escopo da ética é começarmos pela consideração do desejo. O desejo – reconhecia
Aristóteles – é uma inclinação natural, uma propensão interna de nosso ser. O
desejo é movimento, uma tendência para alguma coisa, cuja origem é tanto o
objeto externo que nos afeta quanto nosso caráter, nossa índole ou
temperamento, isto é, nosso éthos. A
ética, portanto, ocupa-se do estudo do caráter com vistas a determinar como
pode ele tornar-se virtuoso.
É fato reconhecido que
cada caráter possui desejos diferentes, uma vez que são diferentes os objetos
de prazer e de dor para cada caráter. Destarte, também o caráter é causa de
paixões diferentes e é suscetível de determinadas doenças, de determinados
vícios; também o caráter é propenso a determinadas virtudes. Entanto, em todo
caráter, o vício é sempre o excesso ou a falta entre dois pontos extremos
opostos (por exemplo, a temeridade é excesso de coragem; e a covardia é falta
de coragem).
Quando se diz que o vício
é excesso ou falta, quer-se dizer que ele é hýbris,
ou seja, desmedida ou falta de moderação. Estendendo as quatro causas,
identificadas por Aristóteles no domínio da metafísica, ao domínio da ética,
pode-se compreender como causa material
da ação o éthos (caráter); como causa formal, a natureza racional do
agente; como causa eficiente, a
educação; e como causa final, o bem.
O que se chama virtude é, pois, a
unidade dessas quatro causas.
As seções subsequentes
serão consagradas ao exame de noções que, reunidas, compõem o edifício da ética
aristotélica. Nossa análise não pretende cobrir todo o complexo desse edifício,
mas apenas fornecer um quadro descritivo tanto mais elucidativo quanto satisfatório
para tornar compreensível a investigação sobre a relação entre prazer (hedoné) e felicidade (eudaimonia) no pensamento aristotélico.
Constituirão temas das próximas seções, na ordem em que aparecerão: a virtude, a prudência (ou sabedoria prática), a (boa) deliberação, a escolha, a felicidade (eudaimonia) e
o prazer (hedoné). Não descuraremos
de demonstrar em que medida essas noções se articulam. Essas noções estão na
base da constituição da ética aristotélica; e o tratamento delas precisa dar
conta da forma como elas se ligam umas às outras.
1.3. Virtude[23]
A ética de Aristóteles é
uma teoria da virtude. Definir a virtude e determinar as condições que
possibilitam a um homem tornar-se virtuoso é, portanto, a preocupação central
do estagirita, ao compor seu tratado Ética
a Nicômaco. Todavia, essa preocupação está fundamentada num pressuposto que
consubstancia todo o projeto da ética aristotélica. Trata-se do pressuposto que
consiste em sustentar o primado do intelecto. É esse primado que qualifica a
ética aristotélica de intelectualista. A teoria da virtude desenvolvida por
Aristóteles é inteiramente estruturada pela proposição básica segundo a qual o
agir virtuoso é aquele que está em conformidade com a atividade do intelecto ou
da razão. O primado do intelecto tem seus desdobramentos e está ancorado sobre
um pressuposto que revela a absoluta adesão de Aristóteles à doutrina
socrático-platônica que identifica a essência do homem com a alma, ou com a
parte racional da alma, o espírito, de sorte que “somos a nossa razão e o nosso
espírito” (Reale, 2007, p. 102). No tangente aos seus desdobramentos, o primado
do intelecto se expressa, por um lado, num apelo à necessidade de subordinar os
desejos e as paixões à razão; por outro lado, na assunção de se considerar a
atividade da razão ou do intelecto a própria essência da virtude humana. Em
outros termos, com base no primado do intelecto, Aristóteles definirá a virtude
humana como aquela que consiste na atividade do intelecto ou da razão. No
excerto abaixo, é notável o fato de Aristóteles delegar à razão a função de
comando da orientação do desejo.
O buscar e o evitar na esfera do desejo correspondem à
afirmação e à negação na esfera do intelecto. Consequentemente, na medida em
que a virtude moral é uma disposição que diz respeito á escolha, e escolha é
desejo deliberado, conclui-se que, se a escolha deve ser boa, tanto a razão
precisa ser verdadeira quanto o desejo, correto, e que o desejo tem que buscar as mesmas coisas afirmadas pela razão
(grifo nosso)[24]
Antes de fazer incursão
no tratamento dispensado por Aristóteles à questão da virtude, prossigamos na
mesma linha de raciocínio que ilumina o lugar fixado por Aristóteles para o
primado do intelecto. Doravante, queremos mostrar de que modo o tratamento que
ele dispensará à virtude em sua ética se esteia nesse primado.
Já dissemos que, para
Aristóteles, a essência do homem é a alma. Cumpre, agora, acrescentar que ele
divide a alma em três partes: duas
irracionais e uma racional. As
partes irracionais da alma compõem-se da alma vegetativa e da sensitiva; a
parte racional é recoberta pela alma intelectiva. Aristóteles deduzirá as
virtudes dessa divisão tripartite da alma. Ele dirá que cada uma dessas três
partes tem a sua atividade peculiar (a sua virtude ou excelência). Contudo, a
virtude humana é tão-só aquela que consiste na atividade do intelecto ou da
razão. É verdade que, diferentemente da alma vegetativa, a alma sensitiva,
embora seja irracional, participa, de certo modo, da razão. Mas é por essa participação
relativa que a alma sensitiva é suscetível ao domínio da razão. A alma
sensitiva é, por natureza, apetitiva e concupiscível; suas tendências e
impulsos, por serem desmedidos, devem ser dominados pela virtude ética – a
virtude específica dessa parte da alma humana.
Uma vez esteja
esclarecido o tipo de orientação da teoria aristotélica da virtude, vamo-nos
concentrar na determinação do que é a virtude em geral, na sua classificação em
virtudes éticas e virtudes intelectuais, bem como na
diferença entre elas.
A primeira lição que
devemos reter sobre a virtude é que ela é produto do hábito. Aristóteles é bem
claro a esse respeito, ao escrever: “As virtudes (...) nós as adquirimos por
tê-las inicialmente e realmente praticado, tal como praticamos as artes”.[25]
Assim, segundo Aristóteles, um homem não se torna justo pelo simples fato de
saber o que é a justiça; só o se torna praticando atos justos[26].
É necessário enfatizar a ideia de que a virtude é adquirida na prática; só nos
tornamos virtuosos através da ação conjunta com outros homens. Aristóteles é
bastante claro nesse tocante:
É através da participação em transações com nossos
semelhantes que alguns de nós se tornam justos a outros, injustos; através da
ação em situações arriscadas e ao formar o hábito [o sentimento] do medo ou da
autoconfiança que nos tornamos corajosos ou covardes.[27]
São as ações que estão na
base da constituição ou da destruição das virtudes. Destarte, o ser corajoso ou
o ser covarde depende das ações que realizamos conjuntamente com outros no
viver em sociedade. Da ideia de que a virtude é produto das ações não se segue
que não estejamos pré-dispostos à aquisição dela. É oportuno lembrar aqui que
Aristóteles pensa a prática da virtude com base na oposição entre potência e
ato. Temos a capacidade para praticar a virtude; nesse caso, o ser virtuoso
está em potência em nós; todavia, só somos virtuosos, de fato, quando
atualizamos a capacidade para a virtude, quando praticamos atos virtuosos. Por
isso, Aristóteles ensinará que não nascemos virtuosos; para ser virtuosos,
precisamos da prática que produz o hábito; mas a natureza capacitou-nos para adquirir a virtude, consoante se pode ler no
trecho abaixo:
As virtudes, portanto, não são geradas em nós nem
através da natureza nem contra ela (a natureza). A natureza nos confere a
capacidade de recebê-las, e essa capacidade é aprimorada e amadurecida pelo
hábito. Ademais, as faculdades que nos são transmitidas pela natureza nos são
concedidas primeiramente como potência, e nós exibimos sua atividade
posteriormente.[28]
No livro VI de sua Ética, na página 198, Aristóteles opõe
virtude natural a virtude que qualifica de “verdadeira”. A virtude verdadeira é
a virtude em seu sentido estrito e não pode existir sem a prudência (ib.id.).
Mas Aristóteles rejeita qualquer possibilidade de que possamos ser naturalmente
virtuosos. Ele nos lembra, na mesma página, que há consenso em supor que “as
várias qualidades morais são, de alguma forma, conferidas pela natureza”, de
modo que “somos justos e moderados, corajosos e detentores das demais virtudes
[morais] desde o momento do nosso nascimento”; mas observa que “não obstante
isso, esperamos descobrir que a autêntica
qualidade de bom seja algo diferente e que as virtudes em seu sentido
estrito venham a nos pertencer de outra forma”. Aristóteles admite que crianças
e animais selvagens podem deter disposições naturais, mas elas podem-se revelar
danosas, porque lhes falta o entendimento. Para ser considerada virtude, essa
disposição deve realizar-se segundo a capacidade do entendimento, cujo
desenvolvimento depende da maturidade do indivíduo. Em suma, Aristóteles parece
sustentar que podemos ter disposições naturais que não são elas mesmas virtudes
ainda, pois estas só se adquirem pela prática, que produz o hábito. A virtude
não é produto de herança natural, muito embora a capacidade para o exercício da
virtude nos seja transmitida naturalmente.
Sejam suficientes as
considerações que precedem para nos advertir de que não podemos perder de vista
o fato de que a virtude, para Aristóteles, concerne às ações e, portanto,
resulta da realização regular das ações justas e moderadas[29].
Doravante, vamo-nos deter no esclarecimento do que é a virtude. Impõe-se-nos a
tarefa de dar a saber o que Aristóteles entende por virtude.
O que é virtude? Para
Aristóteles, a virtude é medida entre dois extremos contrários; é moderação
entre dois extremos, é o justo meio,
nem excesso nem falta. No homem, a virtude se define pela razão em conformidade com a conduta
de um indivíduo que age refletidamente. O exame da virtude se faz em correlação
com a consideração da influência que sobre nós exercem as paixões, as
capacidades, pelas quais nos tornamos suscetíveis de uma ou outra paixão, e as
disposições, que são “estados de caráter devido aos quais nos encontramos bem
ou mal dispostos em relação às paixões; por exemplo, estamos mal dispostos para
a ira, se estivermos predispostos a nos enraivecer com demasiada violência ou
sem violência suficiente (...)”[30].
A razão para que o exame da virtude englobe a consideração das paixões, das
capacidades que possuímos e das disposições em que nos encontramos é que a
virtude está em estreita relação com elas. Dito de outro modo, o âmbito da
virtude as compreende. Por um lado, Aristóteles chega a definir a virtude como
“uma espécie de disposição”.[31]
Por outro lado, as capacidades são faculdades que nos tornam suscetíveis às
paixões; nós possuímos certas capacidades por natureza, por exemplo, somos
capazes de ser bons ou maus, mas não somos bons ou maus por natureza.
Finalmente, as paixões, assim como as ações, são objeto de escolha, que, por
sua vez, é determinada pela virtude.
Paixões e ações são objetos com que se relaciona a virtude, por isso,
escreve Aristóteles, “a virtude é, então, uma disposição estabelecida que leva
à escolha de ações e paixões e que consiste essencialmente na observância da mediana relativa a nós, sendo isso determinado
pela razão, isto é, como o homem prudente o determinaria.”[32]
A virtude visa à mediana.
Consoante ensina Aristóteles, “a virtude, portanto, é um estado mediano, no
sentido de que é ela apta a visar à mediana”.[33] A
virtude “é o estado mediano entre dois
vícios”[34].
Um dos vícios se caracteriza pelo excesso; o outro, pela deficiência. A observância da mediana é a marca da virtude,
ao passo que o excesso e a deficiência caracterizam o vício. Segue-se, abaixo,
a definição de mediana dada por
Aristóteles:
Por mediana
da coisa quero dizer um ponto eqüidistante dos dois extremos, o que é
exatamente o mesmo para todos os seres humanos; pela mediana relativa a nós entendo aquela quantidade que não é nem
excessivamente grande, nem excessivamente pequena, o que não é exatamente o
mesmo para todos os seres humanos.[35]
(grifos nossos)
Reconhecendo que
constitui tarefa árdua ser bom, porque igualmente difícil é encontrar o ponto
mediano em qualquer coisa, Aristóteles propõe três regras para nos auxiliar na
tentativa de atingir a mediana. A primeira regra consiste em evitar o extremo
que mais se opõe à mediana; a segunda regra exige-nos que observemos os erros a
que estamos mais propensos, atentando para o prazer e a dor que experimentamos,
para, em seguida, movermo-nos na direção contrária a eles; finalmente, a
terceira regra consiste em estarmos conscienciosos de nos prevenir contra o que
é prazeroso e contra o prazer, “porque, quando este está em julgamento, não
somos juízes imparciais”[36]
Desde os pré-socráticos,
“medida” não encerra apenas um sentido quantitativo, mas, mormente,
qualitativo, e significa moderação.
Moderar é pesar, ponderar, equilibrar, deliberar;
é ação que institui a medida, o métron. Na ética aristotélica, a medida
moderadora é o médio, o justo meio. É
por isso que a ética é a ciência prática da moderação ou da phrónesis (prudência); e a virtude é
virtude de caráter ou força de caráter educado pela moderação para visar o
justo meio ou a justa medida.
A virtude não é uma
inclinação (o desejo sim é uma inclinação natural), mas uma disposição (héxis). Tampouco é a virtude uma
aptidão, como pretendia Platão, quando considerou a areté (excelência ou virtude) uma dýnamis que se atualiza pela tékhne
baseada na epistéme. Aristóteles, ao
contrário de Platão, considerou a virtude um hábito adquirido ou uma disposição
constante e permanente para agir racionalmente em conformidade com uma medida
humana determinada pelo homem prudente. À ética se atribui, assim, a tarefa de
orientar-nos para a aquisição desse hábito (a virtude), tornando-nos virtuosos
e, se possível, prudentes.
O hábito a que a ética
deve conduzir o homem é o exercício da vontade sob a orientação da razão, que
nos permite deliberar sobre os meios e escolher os fins nas ações que se
destinam a satisfazer o desejo sem incorrer nos extremos. Só podemos nos tornar
bons, praticando atos bons.
1.2.1. A relação da virtude com os desejos (paixões)
As paixões tocam às
virtudes e aos vícios, e dizemos que,
quando somos afetados por uma paixão, somos movidos por ela. Paixões são, para
Aristóteles, estados de alma que são acompanhados de prazer ou de dor. Há algumas
paixões que são más em si mesmas, de modo que nem todas as paixões (e ações) se
prestam à observância da mediana. Destarte, segundo Aristóteles, o adultério, o
roubo, o homicídio são ações condenáveis em si mesmas; também a inveja, a
malevolência e a imprudência são paixões condenáveis em si mesmas. Nessas ações
e paixões não há observância da mediana[37].
Já nos referimos ao
desejo como uma inclinação natural, em cuja origem se discriminam duas causas:
o objeto externo e o caráter. Cumpre acrescentar que o desejo é paixão, isto é, páthos, passividade, submissão aos objetos exteriores que nos
afetam e aos impulsos e inclinações interiores, que são determinados por nosso
temperamento ou caráter.
Por outro lado, a virtude
é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe sob a orientação da razão.
Notemos que Aristóteles parece estabelecer uma hierarquia dos domínios que são
responsáveis por determinar a orientação da ação: a virtude é ação, que depende
da deliberação, que por sua vez implica escolha (há uma dependência recíproca
entre deliberar e escolher), estando a orientação da ação, a deliberação e a
escolha sob o comando da razão. É a razão ou o intelecto que determina os fins
racionais de uma escolha. Essa determinação se faz com vistas ao bem do agente,
a saber, à sua felicidade.
A razão é, portanto, a medida não só para os fins e a escolha,
mas também da qualidade boa ou má dos desejos e das coisas desejadas.[38]
Ao postular a razão como medida da qualidade boa ou má dos desejos, Aristóteles
conserva a coerência de sua doutrina da não congenitude da bondade e da
maldade. Não nascemos bons nem maus, mas nos tornamos bons mediante a prática
de boas ações, porque essas ações atualizam o que, estando em nós em potência,
é possibilidade para o exercício do viver racional que conduz à felicidade.
Contrariamente a Sócrates
e a Platão, para quem os apetites e desejos são involuntários, porquanto
irracionais, passionais e decorrentes da ignorância do sujeito, Aristóteles os
considera voluntários, porque entende a vontade como espontaneidade natural. A
vontade é aquilo que a natureza de um ser o leva a querer e a realizar
naturalmente. No caso particular do homem, além de espontânea, a vontade é
consciente (por exemplo, sabemos que sentimos cólera; sabemos que sentimos
prazer ou dor, etc.). O que distingue, pois, um ato voluntário de um
involuntário? Para que um ato seja voluntário, é necessário que sejam
preenchidas as seguintes condições: 1) ele deve ser realizado por escolha e não
por uma necessidade natural; 2) deve ser realizado sem constrangimento algum,
portanto, deve ser um ato livre; 3) não pode envolver ignorância sobre as
circunstâncias e consequências da ação. Na condição 1), a ação poderia ser
diferente do que é, porque o agente poderia ter agido de modo diferente. Na condição
2), por depender da liberdade do agente, o ato voluntário pressupõe que o
princípio da ação é o próprio sujeito e não algo exterior a ele.
Por outro lado, atos
involuntários são aqueles realizados sob duas condições: 1) há constrangimento
ou coação envolvidos na circunstância da ação; 2) ou há ignorância do agente a
respeito das circunstâncias nas quais ele age. Da distinção entre ato
voluntário e ato involuntário Aristóteles é levado a concluir que os
acontecimentos naturais são involuntários e necessários; as ações humanas, ao
contrário, quando não realizadas sob constrangimento nem sob ignorância, são
escolhas voluntárias. Resta, contudo, a questão que consiste em saber quais são
as condições para que um ato voluntário seja considerado ético.
Aristóteles, na tentativa
de dar conta dessa questão, começa pelo reconhecimento de que a ética se funda
numa pergunta que lhe diz respeito por excelência: o que está e o que não está em nosso poder quando agimos?
Aristóteles está interessado em dar conta da seguinte questão: o que depende de
nós e o que não depende de nós no momento de uma ação?[39]
Ora, o ato voluntário é aquele que depende de nós inteiramente no momento em
que agimos. As circunstâncias, por outro lado, independem de nós, já que são
contingentes. O problema é que a condição para agirmos eticamente é que
tenhamos pleno poder sobre nossa ação, mesmo que não possamos estender esse
poder sobre as circunstâncias que a acompanham. Aristóteles busca resolver esse
problema sustentando que devemos adquirir uma disposição interior (héxis) constante que nos possibilita a
agir racionalmente e com prudência nas situações que não foram escolhidas
tampouco determinadas por nós. Assim, agir eticamente é realizar um ato
voluntário com ou por virtude. Esse ato envolve escolha deliberada, moderação e
reflexão sobre os meios e os fins, tendo em vista a excelência ou o melhor.
É justamente porque
nossos desejos e apetites são voluntários, porque, de algum modo, tomam parte
da alma racional, que eles são suscetíveis de moderação, que eles podem ser
controlados mediante um agir determinado pela razão. Para Aristóteles, nós
estamos de posse do conhecimento dos desejos e apetites que nos afetam e
podemos, por isso, exercer sobre eles influência e controle mediante atos que envolvam
deliberação, moderação e, sobretudo, reflexão. Retornaremos a esse tema, quando
nos ocuparmos da descrição do papel desempenhado pela deliberação no agir
ético. Na próxima seção, debruçar-nos-emos sobre a distinção entre virtudes éticas e virtudes intelectuais.
1.2.2. Virtudes éticas e virtudes intelectuais (ou
dianoéticas)
Anteriormente, aludimos
ao fato de Aristóteles considerar a virtude em geral uma espécie de disposição.
Agora, é imprescindível acrescentar que, para ele, a virtude é uma disposição
específica. No homem, essa disposição específica, que é a virtude, não só o
torna um bom homem, como também o faz desempenhar bem a sua função.
O exame da alma, por sua
vez, levou Aristóteles a distinguir nela três partes: duas irracionais e uma
racional. É em consonância com a divisão da alma que Aristóteles distinguiu
entre dois tipos de virtudes: as virtudes
éticas e as virtudes intelectuais
(ou dianoéticas). As virtudes intelectuais recobrem a sabedoria, o entendimento
e a prudência[40];
entre as virtudes éticas, estão a temperança, a generosidade, a coragem, entre
outras. Doravante, vamo-nos deter a elucidar as características que concorrem
para distinguir essas duas espécies de virtude.
As virtudes éticas dizem
respeito às funções sensitiva e apetitiva da alma na sua relação com o corpo.
Por outro lado, as virtudes intelectuais ou dianoéticas se prendem à função
racional ou intelectiva.
A virtude ética é uma
disposição interior constante que se inclui no gênero das ações voluntárias, as quais se realizam mediante escolha deliberada dos meios possíveis
que servem ao atingimento de um fim sobre o qual se estende o poder do agente e
que é um bem para ele. A causa material dessa espécie de virtude é o éthos do agente; a causa formal é a
natureza racional do agente; a causa final, o bem do agente; e a causa
eficiente, a educação do desejo do agente. É pela virtude ética que se pode
escolher o justo meio. Ela diz respeito à estrutura composta do homem, isto é,
à alma e ao corpo e, por isso, só pode conduzir a uma felicidade humana.
As virtudes intelectuais,
por sua vez, são a areté ou a
excelência e perfeição da alma racional. Tais virtudes se chamam dianoéticas
porque concernem mais ao pensamento em geral do que simplesmente ao caráter.
Vale notar que, conquanto Aristóteles admita uma cisão entre teoria e prática,
ou entre sabedoria (sophia) e
prudência (sabedoria prática) no interior da razão, não pretende esposar a
opinião de que a sabedoria não é uma maneira de agir e de que a prudência não é
uma maneira de saber.
É suficiente esclarecer,
para os propósitos fixados neste trabalho, que as virtudes dianoéticas são
disposições intelectuais que se encontram entre dois extremos: a prudência e a
sabedoria teorética (sophia). Porque
são virtudes, as dianoéticas são adquiridas na prática.
Uma vez que tenha
definido a filosofia primeira como aquela que se ocupa das coisas divinas, das
causas primeiras, Aristóteles cuida ser o filósofo o mais virtuoso e mais feliz
dos homens. Aristóteles também sustentou a superioridade das virtudes
intelectuais sobre as virtudes éticas, por duas razões que se articulam entre
si: por um lado, as virtudes intelectuais são as virtudes da parte mais elevada
da alma, que é a alma racional e são
elas que tornam possível ao homem realizar a sua obra, conduzindo-o à perfeita
felicidade (felicidade da vida contemplativa que, de certo modo, tangencia a
vida dos deuses); por outro lado, as virtudes intelectuais mantêm uma relação
especial com o prazer. No entanto, todas as virtudes, quer éticas, quer
intelectuais, estão situadas sob o princípio do prazer. Ainda que, para o
tratamento do prazer na ética aristotélica, tenhamos reservado uma seção
particular, mais adiante, cumpre aqui dizer que o prazer é a coroação da vida
virtuosa; é a consequência da qual a virtude é o antecedente. Aristóteles nos
garante que, se agirmos em conformidade com a virtude, alcançaremos a
felicidade maximizada pelo prazer.
1.2.3. Prudência, (boa) deliberação e escolha
Como tais noções estão
intimamente articuladas entre si, escusa ocuparmo-nos delas em seções
distintas. A prudência é uma das virtudes intelectuais, conforme já apontamos.
Ela se diferencia, marcadamente, do que Aristóteles chama de entendimento e de
sabedoria (sophia).[41] A
sabedoria é o conhecimento dos primeiros princípios, dos quais se deduzem as
verdades científicas; a prudência (sabedoria prática), por sua vez, recobre as
coisas mutáveis; ela está relacionada à ação e ocupa-se com as coisas
particulares. A prudência, observa Aristóteles, é útil porquanto nos auxilia a
nos tornarmos virtuosos; por isso, ela será inútil àqueles que já são
virtuosos. A prudência é inferior à sabedoria, mas tanto uma quanto a outra
produzem um efeito. A sabedoria produz a felicidade; a sabedoria “é uma parte
da virtude como um todo e, portanto, através de sua posse, ou melhor, através
de seu exercício, torna o ser humano feliz”[42].
A prudência, por sua vez, “determina o desempenho completo da função própria do
homem”[43].
Se, por um lado, a virtude ética “assegura a retidão do fim a que visamos”, a
prudência “garante a retidão dos meios a serem utilizados para atingir esse
fim”[44].
Veja-se, no excerto
abaixo, o que nos ensina Aristóteles acerca da interdependência entre a
prudência e a boa deliberação:
Quanto à prudência (sabedoria prática), é possível
chegarmos à sua definição pela consideração das pessoas com as quais a
creditamos. Ora, tem-se como
característica do homem prudente ser ele capaz de bem deliberar sobre o que é
bom e proveitoso para si mesmo, não num ramo em particular (...) – mas o
que é vantajoso ou útil como recurso para o bem-estar em geral.[45]
Atentando para o passo
supracitado, compreendemos que a prudência é uma forma de sabedoria que
capacita o homem para o bem deliberar em geral. O homem prudente é aquele capaz
de deliberar sobre aquilo que, sendo útil e vantajoso, serve de recurso para o
bem-estar em geral. A deliberação, diz Aristóteles, envolve cálculo e
investigação, mas não é o mesmo que investigação, pois a deliberação “envolve
apenas a investigação de uma matéria em particular”[46].
Mas a deliberação está sujeita a erros, donde a necessidade de determinar no
que consiste a boa deliberação. É Aristóteles quem nos esclarece: “A boa
deliberação é uma certa forma de acerto ou exatidão, ainda que não seja exatidão
de conhecimento e nem de opinião”.[47] A
boa deliberação, segundo Aristóteles, é acerto e exatidão no pensar. O bem
deliberar é uma característica essencial do homem prudente. Consoante escreve
Aristóteles, “a boa deliberação [ou excelência no deliberar] deve ser acerto
deliberativo no tocante ao que é expediente como meio para o fim, uma autêntica
compreensão do que constitui a prudência”.[48]
Convém insistir que só deliberamos sobre aquilo que podemos escolher e
escolhemos aquilo que a deliberação nos mostrou ser preferível. Só podemos
deliberar sobre os possíveis, sobre as coisas contingentes, e nunca sobre as
que são necessárias. Somente os contingentes dependem inteiramente de nossa
ação.
Toda ação ética está sob
nosso poder. Ela envolve escolha preferencial resultante de uma deliberação
racional. Não podemos, no entanto – lembra Aristóteles -, deliberar sobre todas
as coisas. Deliberamos apenas sobre as coisas que dependem de nós e que podemos
realizar. Escapa à nossa capacidade deliberar sobre a natureza, a eternidade do
mundo, etc; somente podemos deliberar sobre o que depende da nossa razão e de
nossa ação. Ajunte-se que jamais deliberamos sobre os fins, mas tão-só sobre os
meios. O fim é o objeto do desejo que o toma como bem; e nós deliberamos em vista
desse fim.
Volvendo nossa atenção
para a prudência (phrónesis), não se
deve perder de vista o fato de que ela é uma virtude intelectual cuja
finalidade é determinar o que devemos e o que não devemos fazer. Ela é uma
sabedoria prática que toca ao contingente e ao tempo, àquilo que pode ser de
outra maneira. A prudência orienta a deliberação racional (proaíresis), dado que torna possível o discernimento do bem e do
mal nas coisas e das relações convenientes entre meios e fins.
A grande relevância da
prudência se deve ao fato de nela as três condições – já referidas –, que
tornam uma ação virtuosa, serem satisfeitas. Por conseguinte, mediante a
prudência, avulta a finalidade da ética, qual seja, tornar o homem agente; e o
agente, autossuficiente.
Sublinhe-se também que é
a prudência que garante a um agente a autárkeia
(independência, liberdade ou autossuficiência). A autárkeia opõe-se à passividade ou à paixão. Ora, na paixão, não
somos capazes de dirigir as coisas; ao contrário, somos por elas dirigidos. A autárkeia, por seu turno, provém da
autonomia, que é justamente o que torna alguém senhor de si mesmo, porquanto
não obedece senão à regra de vida que fixou a si mesmo. Na autonomia, a
obediência existe não por alguma forma de coação, mas por uma vontade livre que
se autodetermina, que fixa uma regra de conduta e decide a ela obedecer.
Passemos à consideração
da escolha, que é um desejo deliberado que incide sobre
aquilo que está em nosso poder. A escolha não é, pois, um desejo passional que
busca o impossível ou se move por uma necessidade natural. A escolha é sempre o
desejo de realizar uma ação determinada que torne possível alcançar o fim
desejado.
O desejo deliberado, isto
é, a escolha, está intrinsecamente articulado ao intelecto ou à razão; é uma
forma de desejo sempre acompanhada da reflexão. Disso resulta que a virtude é o
acordo entre o desejo e a razão.
Tendo em conta as
considerações precedentes sobre a natureza da virtude e do vício, pode-se
concluir que virtude e vício são atos voluntários, cuja realização é dependente
da natureza da deliberação e da escolha preferencial. A virtude se define,
assim, como uma preferência racional voluntária que visa a um bem verdadeiro,
em conformidade com o caráter do agente e em conformidade com a medida racional
determinada pelo homem prudente.
O ato virtuoso deve,
portanto, pautar-se por três regras, que o caracterizam como tal:
1a) o agente sabe o que faz;
2a) o agente
escolhe a ação; ele é o princípio da ação que ele mesmo executa;
3a) o agente
realiza a ação em virtude de uma disposição interior e permanente, ou seja, por
possuir virtude; por isso, a excelência do agente é o fim da ação.
1.2.4. Felicidade (eudaimonia)
e prazer (hedoné)
1.2.4.1 Felicidade
Encetemos nossas
reflexões sobre o tema da felicidade na ética aristotélica, enfatizando, desde
já, que a atividade contemplativa, ainda que seja, segundo Aristóteles, a
melhor e mais perfeita, não demanda exclusividade. Na verdade, ela integra as
demais atividades sob o seu domínio. Por conseguinte, desejar a eudaimonia como fim último não significa
preferir certo fim a outros, “mas sim desejar uma harmonia entre nossos fins”
(Zingano, 2007, p. 74).
A ética, na medida em que
é uma ciência prática, deve objetivar a determinação da essência do fim a ser
alcançado, da essência do agente e das ações e meios que servem para
realizá-las. Essas três etapas previstas em seu objetivo se expressam também na
forma de definição da felicidade (fim), da natureza humana como éthos e da natureza das virtudes. No
entanto, uma filosofia prática não se satisfaz com o conhecimento do que é o
bem, mas precisa saber como nos tornamos bons.
Um bem, segundo
Aristóteles, é mais perfeito do que outros quando o buscamos por si mesmo e não
em vista de outra coisa. A felicidade é, pois, um bem desse gênero; ao
contrário, bens como “honra”, “riqueza”, “prazer” e “poder” são buscados tendo
em vista outros bens. Essa é uma das razões[49]
por que Aristóteles não identifica a felicidade com a busca de qualquer um
desses bens, sobretudo com a busca do prazer – tema sobre o qual estendemos
nosso interesse neste trabalho.
Destarte, um bem é mais
perfeito do que outros pelo seu grau de autossuficiência (autárkeia). A felicidade é um bem desse gênero: o homem feliz é
aquele que se realiza plenamente, de nada mais necessita. Para Aristóteles, um
bem é sempre uma virtude, ou seja, uma excelência. Se o bem ético se inclui no
gênero da vida excelente, a felicidade “é a vida plenamente realizada em sua
excelência máxima” (Chauí, 2002, p. 442). A felicidade é a totalidade dos bens
que a compõem (Zingano, 2007, p. 88).
Vamo-nos deter,
doravante, na descrição da concepção aristotélica de eudaimonia. Importa-nos reter, desde já, que a felicidade, para
Aristóteles, não é um estado psicológico, não tem um caráter temporário ou
episódico; ela é “alguma forma de atividade”[50].
Essa forma de atividade é a atividade do intelecto. O intelecto, já vimos, é a
parte mais nobre da alma humana; e a felicidade é a atividade que se realiza em
conformidade com essa parte mais nobre. Para Aristóteles, a felicidade consiste
na especulação,
(...) pois a especulação é ao mesmo tempo a forma mais
elevada de atividade (uma vez que o intelecto é o que há de mais superior em
nós e os objetos com os quais o intelecto se ocupa são as coisas mais elevadas
e cognoscíveis), e também a mais contínua, pois somos capazes de pensar com
mais continuidade do que somos capazes de executar qualquer ação.[51]
É preciso insistir em que
Aristóteles identifica a felicidade com a atividade do intelecto: “(...) a
atividade do intelecto (...) será a felicidade completa do homem”[52].
A felicidade se acha nos bens espirituais; ela se identifica com o bem supremo
do homem, justamente aquilo em virtude do qual tudo o mais é feito. Esse bem
supremo é algo completo.
A felicidade, acima de tudo o mais, parece ser
absolutamente completa, nesse sentido, uma vez que sempre optamos por ela por
ela mesma e jamais como um meio para algo mais, enquanto a honra, o prazer, a
inteligência e a virtude sob suas várias formas (...) também optamos por elas
pela felicidade na crença de que constituirão um meio de assegurarmos a
felicidade.[53]
De passagem, notemos,
contudo, que, segundo Zingano (Idem.), o bem supremo e a felicidade não se
definem do mesmo modo. A eudaimonia é
definida como uma certa atividade em oposição a um estado psicológico ou a uma
simples disposição do sujeito. Por seu turno, o bem supremo é definido como o
fim último dessa atividade. O fim último é aquele em vista do qual todos os
outros são perseguidos, ele mesmo, contudo, não estando em vista de nenhum
outro. Não obstante, a identificação da felicidade com o bem supremo é mantida,
pois, afinal, a felicidade é esse bem último em vista do qual os demais bens
são perseguidos. É oportuno lembrar que Aristóteles discriminou entre três espécies de bens: 1) os bens da alma
(as virtudes); 2) os bens do corpo; 3) os bens exteriores. No que toca a estes
últimos, eles auxiliam no alcance da felicidade, de modo que, sem eles, a
felicidade não é possível; mas eles não são as causas próprias da felicidade;
estas Aristóteles considera serem as virtudes.
A felicidade é também
algo autossuficiente, porque, por um lado, ela, por si mesma, torna a vida
desejável; por outro lado, ela não carece de nada. Convém atender nas palavras de
Aristóteles:
(...)
consideramos ser a felicidade a mais desejável de todas as boas coisas sem que
seja ela mesma estimada como uma entre as demais, pois se assim fosse ela
estimada, está claro que deveríamos considerá-la mais desejável quando mesmo a
mais ínfima das outras boas coisas a ela estivesse combinada, uma vez que essa
adição resultaria num total mais amplo de bem, e de dois bens o maior é sempre
o mais desejável.[54]
A felicidade é, portanto,
algo completo (final) e autossuficiente; por isso, dirá Aristóteles “é a
finalidade visada por todas as ações”[55].
Até aqui, esperamos esteja claro que Aristóteles está interessado em determinar
o que é a felicidade. Cabe acrescentar que essa tarefa só pode ser levada a bom
termo com a condição de que se possa determinar a função específica do ser
humano. Aristóteles se lança a essa empresa, e não poderia ser mais claro ao
sustentar que a função do ser humano é “o exercício ativo das faculdades da
alma em conformidade com o princípio racional(...)”[56].
Um pouco adiante, acrescenta Aristóteles: “(...) a função do ser humano é uma certa forma de vida e definimos
essa forma de vida como exercício das
faculdades e atividades da alma em associação com o princípio racional
(...)”[57].
Devemos atentar aqui para a ressonância do postulado com base no qual se
estrutura esse trabalho e que consiste na posição segundo a qual a filosofia
antiga é exercício espiritual. Está
claro que, para Aristóteles, a filosofia consiste em um modo de vida teorético.
Sua escolha de vida é por uma vida devotada à atividade especulativa, que é
vivida, que é praticada e que conduz à felicidade. Em suma, viver uma vida
segundo o espírito, viver uma vida dedicando-se à sabedoria é o modo de vida de
que a filosofia aristotélica pretende ser a realização.
A função de um ser humano
bom consiste em executar bem e corretamente as atividades da alma; e a função é
bem executada quando está de acordo com a sua própria excelência (virtude).
Disso resulta que o bem humano é o exercício ativo das faculdades da alma em
conformidade com a melhor e mais perfeita delas, a saber, o intelecto.
A concepção aristotélica
de felicidade, ou melhor, a própria experiência de felicidade cuja fruição
Aristóteles crer ser possível ao homem é a antípoda da visão e da experiência
de felicidade que caracteriza especialmente nossa modernidade. A supervalorização da beleza, da
exterioridade físico-corpórea consubstancia a valorização do efêmero, do
descartável. Nessas condições, tudo que dura é cansativo; a permanência não
passa de delírio de uma idade primaveril e romântica da existência humana;
delírio que deve ser substituído por possibilidades, aparentemente, mais
substanciais de integração. Há uma necessidade insaciável e incessante de busca
por experimentar prazeres cada vez mais intensos, tão intensos quanto fugazes.
Fugacidade parece definir bem o nosso tempo: tempo prometedor de felicidade
imediata, de caminhos sempre abertos a novas experiências sem substância, mas
sempre passíveis de renovação. A escolha de vida aristotélica, ao contrário,
encaminha o homem para a busca de uma felicidade duradoura. É preciso, então,
frisar que a eudaimonia é uma
atividade que deve perdurar por toda a vida de um homem. Novamente, é
Aristóteles que nos ensina sobre o caráter duradouro da felicidade:
(...) essa atividade
deve ocupar uma existência completa,
pois uma andorinha não faz verão, nem produz um belo dia; e, analogamente, um
dia ou um efêmero período de felicidade não torna alguém excelsamente abençoado
e feliz.[58]
Endossando a premissa segundo a qual o exercício ativo de nossas
faculdades em conformidade com a virtude é que produz a felicidade, Aristóteles
insistirá em que são as atividades em conformidade com a virtude – e nenhumas
outras – que encerram a qualidade de permanência plenamente. A durabilidade da
felicidade se deve à realização das coisas em conformidade com a virtude.
Ajunte-se que, sendo a vida de um ser humano determinada por suas atividades,
segue-se daí que sua bem-aventurança é garantida por suas ações em conformidade
com a virtude. Um homem bem-aventurado, por conseguinte, nunca poderá tornar-se
infeliz, pois nunca praticará ações vis. O homem verdadeiramente bom e sábio
suportará tudo que a sorte lhe reservar “e agirá sempre da maneira mais nobre
que as circunstâncias permitirem”.[59]
Gostaríamos de pontuar as seguintes características da felicidade, que
manifestas ou entrevistas foram contempladas no que precede :
1) A felicidade é excelência da alma, e não do corpo;
2) A felicidade é o primeiro princípio em vista do qual todas as demais
coisas são feitas;
3) A felicidade é um bem em ato, não em potência;
4) A temporalidade da felicidade se estende ao longo de toda a vida;
A característica 3) não só reforça a ideia de que a felicidade é alguma
forma de atividade – uma atividade que é a própria vida dedicada à
contemplação, ao exercício da parte mais nobre da alma, que é o intelecto -,
como também explica por que a felicidade não pode reduzir-se à virtude, “uma
vez que parece possível possuí-la durante o sono, ou durante a vida inteira,
sem pô-la em prática”[60].
Para Aristóteles, a felicidade não se encontra no estado de repouso ou
inatividade. Se fosse um bem em potência, a felicidade se encontraria em estado
de devir, de potencialidade, de possibilidade de ser, de realizar-se e, nesse
caso, deixaria de depender da escolha de um
modo de vida específico ou próprio. O homem feliz – repetimos – é aquele
que realiza a atividade contemplativa através do exercício da razão teorética.
Ao exercitá-la, esse homem se realiza plenamente, pois que vive segundo aquilo
(o intelecto, a alma racional) que, em ato, é possibilidade para a (realização
da) felicidade.
Concluamos respondendo à questão: por
que o sábio é o homem mais feliz? Vimos insistindo que a felicidade
perfeita consiste no exercício da razão teorética. O homem que age com
prudência (phrónesis), embora detenha
a sabedoria moral e goze certa felicidade, dado que é capaz de escolher
convenientemente entre os meios possíveis que lhe advém na vida prática, não é
ainda perfeitamente feliz. Não o é, por um lado, porque necessita de bens
externos para agir em conformidade com a virtude. Se ele é bondoso e pretende
ajudar alguém, necessitará de recursos materiais para tanto (p. ex., possuir
dinheiro). Por outro lado, ainda não é perfeitamente feliz, porque os que se
dedicam à vida contemplativa não carecem de recursos externos. Por isso, a
atividade contemplativa nos aproxima do divino. A felicidade – dirá Aristóteles
– inere à contemplação. Na atividade contemplativa, o sábio depende mais de si
mesmo; por isso se aproxima da vida dos deuses (tem ele autossuficiência). Por
isso também ele goza a felicidade perfeita. A felicidade depende, assim, da
“excelência intelectual”. Coube a Aristóteles estabelecer, pela primeira vez,
uma ligação entre autonomia e felicidade.
1.2.4.2 Prazer
As meditações precedentes foram indispensáveis para pavimentar o caminho
que nos conduzisse, com segurança, ao tratamento da questão do prazer no
tratado ético de Aristóteles. Tendo-o percorrido com o rigor exigido pela
lucubração, que nos impediu de tomar atalhos que facilitassem a tarefa, e
crendo que atingimos seu termo com algum êxito, não renunciaremos ao mesmo
rigor no exame da relação entre prazer e eudaimonia
no pensamento de Aristóteles.
Iniciemos nossa perquirição, destacando três que nos parecem ser as
teses basilares sustentadas por Aristóteles no tratamento dispensado por ele à
questão do prazer:
1a tese: O prazer é
indissociável da vida;
2a tese: O prazer das atividades que os homens desempenham aperfeiçoa essas
atividades;
3a tese:
“(...) os prazeres do intelecto superam em pureza os prazeres dos sentidos”.[61]
A vida, para Aristóteles, é uma forma de atividade. Como o prazer
aperfeiçoa as atividades desempenhadas pelos homens, ele também aperfeiçoa a
vida. Segundo Aristóteles, “não há prazer sem atividade, e também, nenhuma atividade perfeita sem o
seu prazer”.[62]
Portanto, a vida se acompanha de um prazer. A terceira tese é consonante com a
tese fundamental em torno da qual se estrutura todo o tratado ético
aristotélico, qual seja, a que consiste em afirmar o primado do intelecto. A
vida teorética é o horizonte de realização da felicidade; é aí que se deve
compreender o prazer especificamente humano, qual seja,
“(...) aquele prazer ou aqueles prazeres pelo(s)
qual(is) a atividade (ou as atividades) do homem perfeito e bem-aventurado é
(são) aperfeiçoada(s) que deverá(ão) ser declarado(s) humano(s) no sentido
estrito e mais pleno”.[63]
Quando agimos ou conhecemos, quer de forma sensível, quer de forma
inteligível, atualizamos certas potencialidades; e as atividades que daí se
seguem têm como escopo o objeto que lhes é próprio. Essas atividades, porquanto
realizam objetivamente aquelas potencialidades, se acompanham do prazer que as
aperfeiçoam.
Aristóteles admite ser natural, no homem, a aspiração ao prazer; no
entanto, também reconhece que, assim como há atividades convenientes e boas, e
atividades inconvenientes e más, assim também há prazeres convenientes e bons
tanto quanto prazeres inconvenientes e maus. Para ele, uma atividade moralmente
boa carreia um prazer bom, ao passo que uma atividade moralmente má carreia um
prazer moralmente mau. Segue-se daí a necessidade de estabelecer um padrão para
a determinação dos prazeres que, deveras, contribuem para aperfeiçoar a
atividade que acompanham (estes é que são verdadeiros prazeres). Esse padrão
Aristóteles buscará no homem virtuoso:
(...) sustentamos que (...) a coisa realmente é o que
parece ao homem bom. E se essa regra for correta, como geralmente se afirma que
é, e se o padrão de tudo é a qualidade do bom, ou o indivíduo bom na qualidade
de bom, então as coisas que se afiguram a ele como sendo prazerosas são
prazeres e as coisas de que desfruta são prazerosas.[64]
Tomando-se o excerto referido, é notável a relação estabelecida por
Aristóteles entre prazer e virtude. Tal relação é tanto mais necessária quanto
indispensável é saber que nem todos os prazeres devem ser desejados, dado
acarretar mais malefício do que benefício. Como os prazeres são variáveis em
gênero tanto quanto as atividades que acompanham, faz-se mister encontrar uma
medida segura para determinar quais os prazeres são bons. Esse padrão se
encontra no homem bom, ou seja, naquele homem que vive segundo a excelência (areté).
Não perdemos de vista o fato de que há também um critério ontológico
para determinar quais prazeres são superiores e quais são inferiores. Os que
pertencem ao primeiro caso se prendem às atividades teoréticas ou
contemplativas do homem; os que pertencem ao segundo caso ligam-se à sua vida
vegetativo-sensitiva. Essa discriminação entre os prazeres segundo um critério
ontológico não deixa de ter sua importância; mas, para efeito de nossa
discussão, importa considerar a relação que Aristóteles estabelece entre o prazer
e atividade contemplativa. A superioridade dos prazeres se deve à ligação
íntima deles com essa atividade. Em outras palavras, são superiores os prazeres
que se experimentam na atividade da alma em conformidade com o intelecto. Por
conseguinte, a vida consagrada à atividade do intelecto é a melhor e a mais
prazerosa, conforme enfatiza Aristóteles:
“(...) aquilo que é o
melhor e o mais prazeroso a cada criatura é o que é próprio à natureza
de cada um; em conformidade com isso, a vida do intelecto representa a vida
melhor e mais prazerosa para o ser humano porquanto o intelecto, mais do
qualquer coisa, é o ser humano. Consequentemente, essa vida será feliz” [grifo nosso]. [65]
Não constitui nosso intento recobrir toda a problemática suposta pelo
tema do prazer e à qual Aristóteles devotou acurada atenção; se o fizéssemos,
deveríamos levar em conta o exame feito por Aristóteles das teorias sobre o
prazer, comuns em seu tempo, particularmente sua consideração da opinião de
Eudoxo (um discípulo de Platão), ou mesmo o estatuto da dor na tentativa de
definir, por contraste, o prazer. Essas lacunas, no entanto, não nos devem
escusar de dizer que o prazer não é nem movimento (já que lhe faltam as
propriedades de rapidez e lentidão), nem uma restauração de um estado natural
(porque nem todos os prazeres são precedidos de uma dor). Para Aristóteles, os
prazeres do conhecimento não supõem uma carência prévia, “(...) não apresentam
uma dor que os antecede (...)”.[66]
Esperamos esteja suficientemente claro, até o presente momento, que
Aristóteles rejeita ser a busca do prazer o princípio da vida feliz, de sorte
que, para ele, o prazer não é o soberano bem, no que ele está em inegável
divergência com os epicuristas. Mas sobre os pontos convergentes e divergentes
entre as duas doutrinas contempladas neste estudo não vamos nos alongar neste
momento, visto que será o tema de nosso próximo capítulo.
Recapitulando a tese da coextensividade da felicidade com a especulação,
“A extensão da felicidade é, portanto, a mesma da
especulação: quanto mais uma classe de
seres detém a faculdade especulativa, mais frui ela da felicidade, não como um
concomitante acidental da especulação, mas como algo inerente a ela, uma vez
que a especulação é valiosa em si mesma” [grifo nosso].[67]
pode-se concluir que o
homem que realiza a vida feliz, porque consagra sua vida ao cultivo do
intelecto, é também o homem que, ao consagrá-la a essa atividade valiosa em si
mesma, experiencia um prazer insigne. Assim, mantém-se como bem supremo da vida
humana a felicidade, que é a atividade da alma em conformidade com a razão
teorética ou o intelecto. Uma vida em harmonia com a sabedoria garante ao homem
o prazer mais elevado, porque “(...) supomos que a felicidade deva encerrar um
elemento de prazer; ora, a atividade que se harmoniza com a sabedoria é,
reconhecidamente, a mais prazerosa das atividades que se harmonizam com a
virtude”.[68]
Essa passagem se acompanha de outra que a reforça:
“Em quaisquer circunstâncias sustenta-se que a filosofia ou a sabedoria encerra prazeres
maravilhosos devido à sua pureza e permanência, e é plausível supor que o
gozo do conhecimento é uma ocupação ainda mais prazerosa do que sua busca”
(grifo nosso) [69].
Não devemos perder de
vista, com base no passo acima, duas ideias que se articulam e cuja
consistência parece cara a Aristóteles: a primeira diz respeito à subordinação
do prazer ao exercício da filosofia, que deve ser uma ocupação do homem ao
longo de toda a sua vida; a segunda toca à sua convicção de que quem está
ocupado do conhecimento goza de um prazer excelso.
Ainda segundo
Aristóteles, “(...) uma atividade é, portanto, aumentada pelo prazer que lhe é
próprio e aquilo que aumenta uma coisa lhe é, necessariamente, afim”.[70] –
passagem esta que nos leva a entender o prazer como um elemento quantificador
de intensidade, na medida em que aumenta a qualidade da atividade que
acompanha.
Aristóteles não deixa de
reconhecer o caráter fugaz do prazer, muito embora seja ele pleno e completo. O
prazer é enérgeia, isto é, ato em si
mesmo e por si mesmo. Não tem começo nem tem fim. Para cada um dos nossos
sentidos, há um prazer que lhe é próprio; e mais importante: há um prazer
próprio a cada atividade desempenhada por nós (falar, fabricar, pensar, etc.).
A plenitude e a perfeição
do prazer são alcançadas quando o órgão que o experimenta se acha em perfeita
saúde e dispõe das perfeitas condições para realizar a sua função. Ademais, a
perfeição do prazer depende de que o objeto experimentado se ache em estado de
maior perfeição.
O prazer tem caráter
quantitativo, visto que aumenta a qualidade da atividade. Sem atividade não há
prazer; sem prazer, a atividade decresce, podendo, inclusive, ser suspensa. É
justamente porque Aristóteles estabelece uma relação entre o prazer e a vida,
entre o prazer e a atividade, entre o prazer e a perfeição tanto do órgão
quanto do objeto de satisfação que ele afirma ser o prazer inseparável da
virtude. É também por essas relações que ele pode afirmar que a virtude é uma
forma de prazer superior, uma vez que a virtude é capaz de prolongá-lo,
convertendo-o num ato menos fugaz. Mas é nas virtudes intelectuais que o prazer
é mais intenso, mais vivo, mais longo e duradouro.
[21] “Teorético” não se confunde com
“teórico”. O termo “teorético” foi empregado pelo próprio Aristóteles com o
propósito de qualificar, por um lado, o modo de conhecimento que visa ao saber
pelo saber, ou seja, que não visa a um fim exterior a si mesmo; por outro, o
modo de vida que se consagra a essa forma de conhecimento. O termo “teórico”,
por sua vez, se define em oposição ao “prático”, de sorte que o primeiro termo
qualifica o saber abstrato, especulativo; e o segundo, o saber fazer, o saber
concreto que depende da prática, da ação (Hadot, 2010).
[22] Na verdade, o termo não foi cunhado por
Aristóteles, mas nasceu por ocasião da edição das obras aristotélicas feita por
Andrônico de Rodes, no século I a.C. (Reale, 2007).
[23] Todas as citações de
Aristóteles serão colhidas de ARISTÓTELES. Ética
a Nicômaco. Trad. Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2013. A referência
aparecerá em notas de rodapé, com as iniciais da obra, seguidas do número do
livro e a página (p. ex. EN, L I, p. 60).
[24] EN, L VI, p. 179.
[25] EN, L II, p. 68.
[26] Essa visão de Aristóteles está em claro
contraste com a posição socrático-platônica, que vê no conhecimento (e só há
conhecimento do que existe em si, do que é eterno e imutável, para Platão) da
Ideia da justiça, por exemplo, a condição primeira para o agir justo. Por isso,
para Platão, a cidade justa será aquela governada pelo rei-filósofo, porque,
tendo ele contemplado a Verdade, o Belo e o Bem, está excepcionalmente apto
para fazer valer a justiça nas decisões importantes da cidade.
[27]
Idem.
[28] Ibidem, p. 67.
[29] Não só às ações, as virtudes concernem
também às paixões. Mas essa relação com as paixões não precisa nos ocupar aqui,
pois ela ficará mais clara ao considerarmos o tratamento dado por Aristóteles
às chamadas virtudes éticas.
[30] Ibidem, p. 74
[31]
Ibidem, p. 75
[32] Ibidem, p. 77
[33] Idem.
[34]
Idem.
[35]
Ibidem, p.76
[36]
Ibidem, p. 84
[37]
Cf. EN, L II, p. 78.
[38] Segundo Chauí (2002, p. 447), “em si
mesmos, os desejos não são nem bons nem maus; em si mesmas, as coisas desejadas
não são nem boas nem más. O desejo torna-se mau e o objeto torna-se mau quando
não se submetem à medida racional; tornam-se bons quando se submetem a essa
medida”.
[39] Preocupados em ensinar o caminho para a
vida feliz, a questão sobre quais as coisas que dependem de nós e quais as que
não dependem de nós ocupava um lugar de destaque na agenda dos estóicos.
Epiteto, por exemplo, nos lembra que não podemos mudar nada na ordem das
coisas, mas apenas nossas opiniões sobre elas. Para mudá-las, não nos servimos
da compreensão racional, mas de exercícios
espirituais. Tais exercícios atuam sobre as paixões e nos levam a perguntar
a nós mesmos, em cada situação, se podemos exercer ou não alguma influência
sobre as coisas nela envolvidas.
[40] Também a arte e a ciência.
[41] Aristóteles não faz uma distinção
essencial entre entendimento e sabedoria (sophia),
muito embora a sophia seja um saber
profundo e geral, mais elevado do que as demais virtudes intelectuais.
[42] EN, L X,
p. 196
[43]
Idem.
[44]
Idem.
[45] Ibidem, p. 182.
[46]
Ibidem, p.190.
[47]
Ibidem, p. 191
[48]
Ibidem, p. 192
[49] No Livro I de sua Ética, Aristóteles se detém na apresentação das razões por que a
felicidade não pode ser identificada com a “riqueza”, a “honra”, o “prazer” e a
“virtude”. No tocante à riqueza, sequer deve ser incluída entre os bens que
comumente se buscam. Para ser um bem, é necessário que algo tenha utilidade, e
Aristóteles parece sugerir que a riqueza carece dessa qualidade. No tocante à
honra, ela não é o bem supremo, porque não é próprio de quem a possui e, por
ser atribuída a alguém por outro(s), ela pode ser, em algum momento, suprimida
daquele que a recebeu. Ademais, os homens que buscam a honra o fazem por
vaidade ou para “o assegurar a si mesmos de seu próprio mérito” (p. 43). De uma
maneira geral, parece-nos lícito supor que Aristóteles nos autoriza a dizer que
todos os demais bens que as pessoas consideram capazes de realizar a vida feliz
carecem da permanência que caracteriza o bem supremo, que é a eudaimonia. O bem supremo não é sujeito
à mudança, como o são as demais coisas que se consideram como bens.
[50] Ibidem, p. 304
[51]
Ibidem, p. 306
[52]
Ibidem, p. 308
[53]
EN, L I, p. 48
[54] Ibidem, p. 49.
[55]
Idem.
[56] Ibidem, p. 50.
[57] Idem.
[58]
Idem.
[59]
Ibidem, p. 58.
[60]
Ibidem, p. 43.
[61]
EN, L X, p. 302.
[62]
Ibidem, p. 300.
[63]
Ibidem, p. 304.
[64]
Ibidem, p. 3003.
[65] Ibidem, p.309.
[66]
Idem.
[67]
Ibidem, p. 311.
[68]
Ibidem, p. 307.
[69]
Idem.
[70]
Ibidem, p. 301.
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