As caricaturas da política
... Uma pausa na leitura para concatenar breves
reflexões... Ontem, assisti ao debate entre os candidatos ao cargo de prefeito
do Rio de Janeiro. E confesso que foi uma ocasião para a diversão. Mas não foi
uma diversão típica daqueles que a buscam para desanuviar-se de suas
preocupações e aborrecimentos diários ( aliás, não sei como um debate eleitoral
poderia servir a um tão nobre fim!)... Foi uma diversão oportunamente
perquiridora do ridículo político, das caricaturas da cena política, onde a
seriedade da ocasião se disfarça com a veste bufônica do artifício e do ofício,
perquiridora também do burlesco da encenação política e de seu discurso
estereotipado e ritualístico. A cena política, reencenada inúmeras vezes
segundo um padrão que se superficializa em cada repetição, é bem conhecida do
eleitor médio: políticos fazendo promessas, ressaltando seus feitos políticos
pretéritos, e adversários políticos (dispostos sempre a acordos segundo as
conveniências do momento) fazendo acusações maneiradas com um decoro do qual
não temos mais notícias quando o então candidato é eleito. Confesso também que
a diversão, a certa altura, se fez acompanhar de um enfado, e este foi
imediatamente sufocado por certa inquietação: terei eu de votar em um destes
que aspiram ao cargo de prefeito, que não fazem senão diante das câmeras uma
encenação de um tipo político bem conhecido – o tipo eleitoreiro?
Eu gostaria de que a todo político e, mormente, a
cada um dos candidatos que lá estavam diante das câmeras a pleitear o cargo de
prefeito do Rio de Janeiro, fosse dirigida uma questão (im)pertinente: QUAL É O
SIGNIFICADO DA POLÍTICA? Uma questão filosófica, decerto, e que sei não é da
alçada da política, ou, não é oportuna, conveniente a um político “profissional”.
Mas, como toda questão filosófica, tão urgente quanto fundamental! É que me parece
que os políticos - a maioria esmagadora deles- não sabem bem qual é o
significado da política (tampouco o eleitor médio o sabe, é claro.). E é porque
ignoram o significado da política que a experiência política que se realiza
diariamente na sociedade brasileira é a redução da política a uma relação
alienada entre administradores da coisa pública (quase sempre péssimos
administradores) e pagadores de impostos que detestam os administradores mas
amam subservientemente o Estado. É jocoso e intrigante o modo como se dá essa
relação quase edípica entre governados e governantes na sociedade brasileira,
uma relação que foi descrita com uma imagem fabular por Garschagen nos
seguintes termos “[os brasileiros] desconfiam das raposas – mas, ao mesmo
tempo, querem mais raposas tomando conta do galinheiro”. E, nas próximas
eleições municipais, milhões de eleitores escolherão novamente as suas novas e
velhas raposas que, por mais quatro anos, ficarão a tomar conta de seu galinheiro,
enquanto contam uma fábula política para eles (pagadores de impostos) dormirem
letargicamente.
Não é possível a experiência de liberdade fora da
política, como já sabiam os antigos gregos; e uma sociedade política livre só
pode sê-lo verdadeiramente se governada por leis, e não submetida aos caprichos
momentâneos e aos interesses espúrios dos homens. Por fim, a questão “qual é o
significado da política?” importa mais como questão do que como pergunta que
solicita uma resposta acabada (resposta que, aliás, definitivamente, não há).
Como questão, sua validade consiste em ser provocadora, perturbadora do sono
habitual da consciência coletiva. Mas, se querem saber como podemos pensá-la,
eis o que se nos descortina como caminho: a política, na medida em que diz
respeito à convivência humana, aos modos de organização da vida em sociedade,
possibilita (ou, deveria possibilitar) aos indivíduos perseguir seus próprios
fins sem serem importunados pela própria política – e aqui pouco importa se os
fins são, como pensavam os gregos, tornar possível a uns poucos o exercício da
filosofia, uma vida dedicada à filosofia, ou, se são, como pensamos nós na
modernidade, garantir a subsistência e um mínimo de felicidade.
Deixo a quem teve paciência para ler estas
improvisadas ponderações até o fim o dever de tirar suas próprias conclusões.
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