sexta-feira, 2 de outubro de 2020

"Mafalda - Oi, como você é pequenininha. Qual é o seu nome? - Liberdade." (Mafalda)

 

                                                                       


             


                                                                   As caricaturas da política

 

... Uma pausa na leitura para concatenar breves reflexões... Ontem, assisti ao debate entre os candidatos ao cargo de prefeito do Rio de Janeiro. E confesso que foi uma ocasião para a diversão. Mas não foi uma diversão típica daqueles que a buscam para desanuviar-se de suas preocupações e aborrecimentos diários ( aliás, não sei como um debate eleitoral poderia servir a um tão nobre fim!)... Foi uma diversão oportunamente perquiridora do ridículo político, das caricaturas da cena política, onde a seriedade da ocasião se disfarça com a veste bufônica do artifício e do ofício, perquiridora também do burlesco da encenação política e de seu discurso estereotipado e ritualístico. A cena política, reencenada inúmeras vezes segundo um padrão que se superficializa em cada repetição, é bem conhecida do eleitor médio: políticos fazendo promessas, ressaltando seus feitos políticos pretéritos, e adversários políticos (dispostos sempre a acordos segundo as conveniências do momento) fazendo acusações maneiradas com um decoro do qual não temos mais notícias quando o então candidato é eleito. Confesso também que a diversão, a certa altura, se fez acompanhar de um enfado, e este foi imediatamente sufocado por certa inquietação: terei eu de votar em um destes que aspiram ao cargo de prefeito, que não fazem senão diante das câmeras uma encenação de um tipo político bem conhecido – o tipo eleitoreiro?

 

Eu gostaria de que a todo político e, mormente, a cada um dos candidatos que lá estavam diante das câmeras a pleitear o cargo de prefeito do Rio de Janeiro, fosse dirigida uma questão (im)pertinente: QUAL É O SIGNIFICADO DA POLÍTICA? Uma questão filosófica, decerto, e que sei não é da alçada da política, ou, não é oportuna, conveniente a um político “profissional”. Mas, como toda questão filosófica, tão urgente quanto fundamental! É que me parece que os políticos - a maioria esmagadora deles- não sabem bem qual é o significado da política (tampouco o eleitor médio o sabe, é claro.). E é porque ignoram o significado da política que a experiência política que se realiza diariamente na sociedade brasileira é a redução da política a uma relação alienada entre administradores da coisa pública (quase sempre péssimos administradores) e pagadores de impostos que detestam os administradores mas amam subservientemente o Estado. É jocoso e intrigante o modo como se dá essa relação quase edípica entre governados e governantes na sociedade brasileira, uma relação que foi descrita com uma imagem fabular por Garschagen nos seguintes termos “[os brasileiros] desconfiam das raposas – mas, ao mesmo tempo, querem mais raposas tomando conta do galinheiro”. E, nas próximas eleições municipais, milhões de eleitores escolherão novamente as suas novas e velhas raposas que, por mais quatro anos, ficarão a tomar conta de seu galinheiro, enquanto contam uma fábula política para eles (pagadores de impostos) dormirem letargicamente.

 

Não é possível a experiência de liberdade fora da política, como já sabiam os antigos gregos; e uma sociedade política livre só pode sê-lo verdadeiramente se governada por leis, e não submetida aos caprichos momentâneos e aos interesses espúrios dos homens. Por fim, a questão “qual é o significado da política?” importa mais como questão do que como pergunta que solicita uma resposta acabada (resposta que, aliás, definitivamente, não há). Como questão, sua validade consiste em ser provocadora, perturbadora do sono habitual da consciência coletiva. Mas, se querem saber como podemos pensá-la, eis o que se nos descortina como caminho: a política, na medida em que diz respeito à convivência humana, aos modos de organização da vida em sociedade, possibilita (ou, deveria possibilitar) aos indivíduos perseguir seus próprios fins sem serem importunados pela própria política – e aqui pouco importa se os fins são, como pensavam os gregos, tornar possível a uns poucos o exercício da filosofia, uma vida dedicada à filosofia, ou, se são, como pensamos nós na modernidade, garantir a subsistência e um mínimo de felicidade.

 

Deixo a quem teve paciência para ler estas improvisadas ponderações até o fim o dever de tirar suas próprias conclusões.

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