terça-feira, 19 de abril de 2011

O amor em debate

          A substância do AMOR
                                             Breves meditações


O tema se me afigura claro ao espírito: o AMOR. Pensá-lo distintamente demanda certo capricho e entusiasmo, que, uma vez combinados, constituem o que se pode chamar de talento. Pensar sobre o AMOR é entregar-se à expressão de um talento. Trata-se, evidentemente, de um talento espiritual, que se ancora na sensibilidade do humano em mim à fragilidade da vida. Ora, o AMOR inspira fragilidade, a reivindica; tendo força, não se dá à força.
Os dias de ócio não são desperdiçados na vadiagem, a menos que possamos dizer ser possível a vadiagem do espírito. Pois bem, talvez seja meu espírito errante, vadio porque não se detém num tema exclusivo, não vive obsedado em certo elenco de questões; ao contrário, transita pela diversidade temática.
Vale notar as palavras de Marcel Conche, em A análise do Amor (1998), que nos ensina:

“O que sucede quando o homem é feliz? Ele fica totalmente absorvido pelo que faz. Fica num estado de concentração sobre o que o ocupa, acompanhado de um estado de ausência de todo o resto”.
(p. 61)

Tanto ler quanto escrever exige-nos a nossa ausência: para ler e escrever, precisamos ausentar-nos do mundo. Decerto, se eu não dispusesse de tempo ocioso, se todo o meu cotidiano estivesse imerso em encargos sociais, minha alma não gozaria da fertilidade verbal de que goza. Assim pensavam os antigos : o ócio é necessário ao filósofo. Pois o ócio é a oficina para o pensamento. Em tempos pós-modernos, em que a técnica e o desempenho eficiente destinados a fins previamente definidos comandam as ações humanas, manter-se em repouso e pôr em ato o pensamento, como atividade espiritual, é, decerto, uma forma de viver singular e destoante.
A questão sobre a qual me debruçarei é: qual é a substância do AMOR? Para empreender minha investigação, começarei por definir, previamente, certos conceitos, sem os quais toda a discussão patinaria em terrenos lacunares.
É em Aristóteles que buscarei a definição do conceito de substância.  Em Compreender Aristóteles (2008), se acha, à página 29, a definição de substância, segundo o filósofo de Estagira.  Substância é atributo essencial, definidor de um sujeito. Aristóteles, contudo, distinguirá entre substância primeira, que é sujeito sem nunca ser atributo; e substância segunda, que constitui o atributo essencial que torna possível a definição. A definição exprime a essência (definição real). A definição nominal explicita o significado de um nome. Por essência, vale insistir, entende-se o que faz de um ser o que ele é. A essência é o que o define. A essência é a identidade do ser consigo mesmo.
Aristóteles pensava a essência em oposição à existência. Esta é acessível na experiência. Dito de outro modo, é na experiência que se verifica a existência. Em Aristóteles, existir é ter uma existência substancial, é ser realmente como fato.
Em que sentido, então, emprego a palavra substância no sintagma a substância do AMOR. O que se busca discutir sobre a substância do amor? Entendida como sujeito do qual se diz alguma coisa (cf. O menino é estudioso), a substância do AMOR  é o AMOR tomado como algo a que se atribui um predicado.  A substância do AMOR pode, por outro lado, ser pensada como uma abstração para designar uma classe. Aqui, seria necessário assumir a existência de muitos amores ou formas de amor. Como conceito abstrato, o AMOR só pode ser tomado independentemente no espírito, já que, o AMOR em si não existe, exceto como objeto do pensamento; na realidade, o que há são experiências amorosas; homens que amam, que manifestam amor.
Em suma, pensarei o AMOR (com maiúsculas) como uma realidade passível de receber atributos. E meu intento é defini-lo enquanto substância primeira. Que substância é essa o AMOR, que não tendo independência ontológica, é capaz de abranger todo o domínio do ser?
Atentemos para o que se segue. Trata-se de uma citação de Pavese – Cesare Pavese, escritor italiano do século XX, citado por Sponville, em O Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (2007: 296):

“Você será amado no dia em que puder mostrar sua fraqueza sem que o outro se sirva dela para afirmar a sua força”.

De imediato, devemos reconhecer, com Sponville, que esse AMOR é mais raro e mais precioso (p. 297).  O mesmo autor escreve:

“Apaixonar-se está ao alcance de qualquer um. Amar não.”

O AMOR, nestas duas passagens, é representado relativamente a duas condições que lhe são, penso, essenciais: a negação da força e do monopólio e a sua singuralidade. Enquanto negação da força, o AMOR depende de que estejamos dispostos a estar vulneráveis. Estar vulnerável é despir a alma, é manter-se espiritualmente nu. Só amamos com a nudez de nossa alma.
Parece-me que a dificuldade de experienciar o AMOR com a fidelidade que ele reivindica decorre da negação da condição de vulnerabilidade. Muitas pessoas temem ficar vulneráveis e, por isso, evitam as profundezas da experiência amorosa. Acontece que não é possível amar na condição de autossuficiência: o AMOR exige um esvaziamento de nosso ego e integração de nosso ser ao ser do outro.
Os antigos pensaram o AMOR como falta, carência. Mas ao AMOR nada falta. O AMOR é experiência de alegria inesgotável, abundante, que nos esvazia de nosso ego, ao passo que nos descentraliza. Coube a Spinoza definir o AMOR como “uma alegria que a ideia de uma causa externa acompanha”. O AMOR é um regozijo de almas corporificadas.
A substância do AMOR consiste na sua disposição a despossuir, desapegar-se, dar mais espaço, ao passo que exige a presença. O EU TE AMO é estou inundado em você sem te possuir completamente. O monopólio é incompatível com o AMOR, muito embora o AMOR não conheça senão a exclusividade. O ser que AMAMOS é um ser eleito, não por decisão, mas por disposição a doar-nos. O AMOR é cuidado, é zelo. O AMOR não cabe num momento; aspira à eternidade; excede a extensão do tempo, abre caminhos longos entre o instante em que o sentimos num beijo e o infinito sempre inalcançável. O AMOR reside entre o instante e o infinito.  Está desperto quando a eternidade adormece; e dorme sonhando com a eternidade.
A experiência amorosa repercute no corpo, evidentemente. Os sintomas fisiológicos do AMOR são bem conhecidos (aumento da energia, falta de apetite e sono, consciência aguçada, aumento dos batimentos cardíacos, da temperatura corporal, etc.). Donde se segue que o AMOR toma uma concretude inegável. Quando o sentimos, o nosso corpo reage.
O AMOR é uma emoção e como tal nos move para uma abertura ao outro. Essa abertura anímica e humana para o outro se exprime na forma de carinhos, mimos e cuidados. Quando AMAMOS, embalamos o outro em nossos pensamentos; fazemos de nossos pensamentos um berço acolhedor que torna presente para nós a ausência do ser amado. O AMOR é presença no pensamento quando a ausência do outro é real. Como diz a canção, “quando a gente ama é claro que a gente cuida”. A substância do AMOR é o cuidado: o cuidado na alegria, o cuidado na tristeza, o cuidado na harmonia, o cuidado na desavença.
Como bem maior das alturas, o AMOR é verticalidade da alma, seu estado mais elevado: no AMOR, os amantes são elevados, porque reciprocamente adorados.

Amar é fazer do ser de um participante do ser de outro (BAR).

Um comentário:

  1. “O AMOR é cuidado, é zelo. O AMOR não cabe num momento; aspira à eternidade; excede a extensão do tempo, abre caminhos longos entre o instante em que o sentimos num beijo e o infinito sempre inalcançável. O AMOR reside entre o instante e o infinito. Está desperto quando a eternidade adormece; e dorme sonhando com a eternidade.”(BAR)

    Você consegue partilhar as suas emoções com grande beleza e grandeza... É nisso que consistem as relações inteiras onde corpo e alma se lançam, sem medo. Quem dera todos entendessem o amor em sua verdadeira essência... Só s sábios e poetas conseguem transpor para o papel o que vem na ama com tamanha leveza.

    Bjusss

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