segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Quero inundar-me de madrugada a alma e ver a vida com os olhos do meio-dia" (BAR)

                                                

                                                   Pessoa em mim


Dentre tantas passagens surpreendentes que se acham no trabalho de Comte-Sponville, denominado de A vida humana, a que dou a saber abaixo merece nossa atenção:

“Ninguém escolheu viver, nem ser si mesmo.”
(p. 25)

Seguirá  o filósofo contestando a posição de Sartre, para quem “cada pessoa é uma escolha absoluta de si mesma”. Para Sponville, no que estou de acordo, um recém-nascido é  exemplo suficiente para invalidar essa crença. Como poderia ter ele escolhido nascer? O nascimento nos arremessa à existência. Nascer é entrar em relação com o acaso. Nascer é sorte, escreverá Sponville.
Também a personagem Astanavis, professora do curso de suicídio, no qual se matriculou Antoine, no romance Como me tornei um estúpido, de Marin Page, põe-nos diante da nossa insensatez, sempre que supomos ser-nos possível a liberdade absoluta. Suas palavras nos convidam a pensar sobre o que é ser realmente livre. Leiamo-las com esmero:

“- Há uma censura do suicídio. Política, religiosa, social, natural até, pois a senhora Natureza não gosta de que tomemos liberdades com respeito a ela, quer manter-nos sob as rédeas até o fim, quer decidir por nós. Quem decide em relação à morte dos homens? Nós delegamos esta suprema liberdade à doença, aos acidentes, ao crime. Chamamos a isso acaso. Mas é falso. Esse acaso é a sutil vontade da sociedade que pouco a pouco nos envenena com a poluição, que nos massacra com guerras e acidentes... A sociedade decide, assim, a data de nossa morte pela qualidade de nossa alimentação, pela periculosidade de nosso ambiente cotidiano, pelas condições de trabalho e de vida. Nós não escolhemos viver, não escolhemos a nossa língua, o nosso país, a nossa época, os nossos gostos, nós não escolhemos a nossa vida. A única liberdade é a morte; ser livre é morrer.”

(p. 46)

Esses dois trechos me levariam a compor um outro texto. Mas meu objetivo aqui é outro, conforme se verá.

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Debruçar-me-ei sobre um poema atribuído a Alberto Caeiro, um dos pseudônimos do poeta Fernando Pessoa, com vistas a apresentar uma interpretação que, sem embargo da recorrência às contribuições da Crítica literária, se pretende interessante e desbravadora. Interessante, porquanto creio ter um valor sócio-cultural (ainda que permaneça inacessível ao público em geral ou aos especialistas). Desbravadora, porque pretende revelar sentimentos que me estão escusos, confusos ou dispersos. A indefinição é o que me define hoje; e eu não me atrevo a delinear os contornos de meu estado de alma agora, pois isso me consumiria muito tempo; ademais, se o fizesse, me lançaria a tal empresa sem a esperança de que, ao cabo de tão árduo trabalho espiritual, eu lograsse sucesso.
Não me agrada a teorização da literatura. Confesso resistir à leitura da crítica especializada. O olhar teórico é uma forma de visão que reifica, que engessa, “fragmenta” a realidade observada. Portanto, o olhar teórico sobre a literatura acaba por tratá-la como uma coisa que permanece, que é estável, embora se reconheça sua fugacidade, sua fluidez, sua dinamicidade. O olhar teórico cria uma ilusão de permanência. Por exemplo, a poesia escapa a qualquer tentativa de reificação pelo olhar teórico. Os sentidos poéticos estão sempre dispersos (aliás, como em qualquer outro gênero discursivo); mas, na poesia, além da dispersão dos sentidos, há que admitir a transmutação contínua deles. Para captar tal transmutação, é necessário sentir a poesia, e não lançar sobre ela olhares teóricos. A transmutação deve ser experimentada por cada leitor, que produzirá uma leitura em consonância com os seus propósitos, seu conhecimento de mundo, seu grau de conhecimento intertextual, e com o acúmulo de suas experiências de leitura.
Observe-se agora o poema de Fernando Pessoa, que transcrevo abaixo:

Se Eu PUDESSE trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar.
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade como a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


O mundo está em mim. Referir as impressões do exterior é necessário, porque, assim, mostro que a exterioridade biossocial não  está apartada de nós, como um mero cenário onde encenamos o drama da vida; essa exterioridade afeta-nos; exerce sobre nós uma influência intensa. Essa exterioridade é interioridade constitutiva; ela desarruma-me a alma.
Para principiar a reflexão sobre o poema de Fernando Pessoa, lanço mão de certos princípios de análise tomados à teoria gerativa de Análise do Discurso. No entanto, não me ocuparei com a exposição do modelo teórico e com a definição de seus conceitos; tais princípios me servirão apenas como instrumentos de interpretação, que me permitirão apresentar uma leitura o mais límpida possível. Quando me refiro à “leitura”, subentenda o leitor o adjetivo “analítico”, pois a leitura que se assenta em níveis implícitos do texto é, por definição, uma leitura analítica, a saber, uma leitura que desconstrói ou disseca o texto, de modo que possa construir-lhe um sentido. No entanto, a leitura que proponho não se realizará para além do poema, de modo a captar os intertextos, conquanto fique claro que toda leitura está em aberto, não é vedada, já que produz silêncios. Embora não me preocupe aqui em fazer uma análise intertextual, o poema, como todo texto, está grávido de intertexto.
Não me delongando na definição de leitura, convém dizer que o poema em tela se estabelece sobre as categorias subjacentes /humanidade/ versus /naturalidade/. Tais categorias constituem a oposição semântica de base do poema. O eu-lírico propõe que se aceite a naturalidade do homem. E para tanto, é necessário reconhecer o dualismo que tece o universo natural, do qual nós, seres humanos, somos elementos integrantes. O eu-lírico propõe, pois, uma (re)conciliação do homem com a natureza.
Como seja importante buscar a sistematicidade da análise que se propõe e como se admita que aquela oposição seja a base sobre a qual se construiu o poema, vou-me deter a meditar sobre o conceito de ‘natureza’ no poema de Fernando Pessoa. De imediato, pode-se afirmar que ‘natureza’ recobre um feixe de oposições; a natureza é um universo de oposições. Tais oposições se revestem de concretude em seqüências como “nem tudo é dias de sol”, “que haja montanhas e planícies”, “rochedos e erva”. Cabe fazer aqui uma ressalva: a oposição entre “rochedos” e “erva” se dá no nível conotativo. Assim, ‘rochedo’ se opõe a ‘erva’, tendo em conta a oposição entre ‘aspereza’ e ‘suavidade’, ou entre ‘o que é tosco ou rude à vida’ e ‘o que é favorável à vida’ (se pensarmos, por exemplo, nas ervas que são utilizadas para fins medicinais). Em “nem tudo é dias de sol”, depreende-se que há dias de chuva; portanto, estabelece-se, por inferência, uma oposição entre ‘sol’ e ‘chuva’. “Sol” é um elemento ‘fórico’ (ou seja, avaliado positivamente em determinada formação discursiva), e “chuva” é um elemento ‘disfórico’ (ou seja, avaliado negativamente).
Por outro lado, o conceito de humanidade se assenta numa suposta estabilidade; é a negação do contraste natural. Os homens, assim, parecem lidar mal com a flutuação entre felicidade e infelicidade; querem experimentar o prazer estável, perene (Freud nos ensinou por que tal condição não nos é possível). A oposição entre /físico/ e /psíquico/, que o eu-lírico se propõe desfazer, está clara no pararelismo entre “Sentir como quem olha” e “Pensar como quem anda”. Convém lembrar que /físico/ se associa a /natural/, e /psíquico/ a /humano/. “Pensar” e “Sentir” são faculdades do espírito; mas o Sentir também participa do físico; situa-se na intersecção; /andar/ e /olhar/ são faculdades físicas, a saber, do corpo. O corpo é um objeto natural; e é o corpo que vincula o homem, enquanto ser racional, ao ambiente natural (primitivo). “Ter um corpo” é admitir que somos um elemento dentre os elementos da natureza; o corpo nos insere no mundo. O homem “civilizado”, “educado” segundo os valores de sua comunidade e/ou sociedade, torna-se insensível às manifestações da natureza, torna-se indiferente à existência de uma natureza viva, da qual ele é um filho que se rebelou.
O conceito de humanidade evoca o conceito de homogeneidade. O homem busca a homogeneidade como aquilo que permite a estabilidade, porque desfaz os contrastes, transformando-os numa massa homogênea. O eu-lírico nos dá testemunho disso no limiar do poema: “Se eu pudesse trincar a terra toda/ E sentir-lhe um paladar/ Seria mais feliz um momento”. Note-se o desejo humano pela absorção do mundo através dos sentidos. O homem tem necessidade de domesticar a natureza. Ocorre que o “eu-lírico”, admitindo que aquela absorção acarreta estado de felicidade (felicidade que é instantânea), confessa-nos que nem sempre quer ser feliz, e acrescenta: “É preciso ser de vez em quando infeliz”. Logo, reconhecer a necessidade de ser infeliz, ou seja, aceitar o contraste entre /felicidade/ e /infelicidade/, torna o homem um ser natural; reintegra-o ao universo natural pela filiação à heterogeneidade, ao que está em eterna relação de contraste. É preciso reeducar para o sofrimento.
Na medida em que aceita as oposições entre os elementos naturais, o homem imerge na natureza, (re)integrando-se  a ela. A reintegração do homem à natureza depende da consciência de que o natural não é estranho ao humano, ao contrário do que se supõe geralmente (antes do social, há o natural): o homem necessita dos fenômenos naturais, por isso, como bem lembra o poeta, “e a chuva, quando falta muito, pede-se / por isso tomo a infelicidade como a felicidade/ Naturalmente, como quem não estranha/ que haja montanhas e planícies (...)”. Lembrou-me um pensamento que registrei certa vez, pelo qual confessei amar as tempestades.
Vale fazer uma pequena digressão, para fundamentar a interpretação que vê a natureza como um elemento reintegrador do homem. O homem é um ser que pode ser estudado sob várias perspectivas. Reconhece-se, consensualmente, que o homem é atravessado por uma dimensão natural e uma dimensão social. A dimensão natural o aproxima a várias espécies animais do planeta, a saber, dispõem-no entre os seres vivos que têm necessidades vitais, cuja existência se desdobra em estágios tais como ‘nascer’, ‘crescer’, ‘desenvolver-se’ e ‘morrer’. Podemos ir mais longe e dizer que somos partes integrantes do universo, visto que formados pelos mesmos elementos que deram origem às estrelas e aos demais corpos celestes. Os elementos químicos característicos da constituição dos seres vivos – carbono, oxigênio e nitrogênio – foram sintetizados nas fornalhas nucleares no interior das estrelas. Somos, pois, seres indissociáveis da estrutura do universo. Por que não filhos do Universo!
A dimensão social, por seu turno, na medida em que pressupõe a capacidade de o homem produzir cultura, traça uma linha divisória entre o homem e as demais espécies animais. É claro que há espécies animais que vivem em comunidades ou espécies de sociedade, como as formigas; mas a vida social humana apresenta características singulares: a) planejamento em função de objetivos específicos; b) divisão e organização de ações e operações; c) socialização dos instrumentos e dos produtos da atividade, ou seja, a acumulação das experiências de produção e a possibilidade de acesso das pessoas aos bens produzidos. Escusa dizer que a técnica fundamental que possibilita a dinamicidade e a recriação (representação) das relações sociais é a linguagem. Esta constitui a base das sociedades  humanas. Ela permite a conversão do instrumento técnico – que nos permite agir sobre a natureza – num signo, o qual permite evocar na mente do outro a ação e a finalidade para as quais o instrumento foi fabricado. O signo permite a socialização do fazer técnico, transformando-o em objeto de conhecimento, a saber, em saber técnico. Não desço a pormenores, embora me sejam interessantes as relações entre linguagem, cognição e cultura.
Em suma, quando se considera o homem em sua dimensão sócio-cultural, é preciso assumir como pressuposto o distanciamento entre ele e o meio bio-físico. O eu-lírico propõe um retorno ao berço natural, mas não como um estado de exílio do ser social – o que seria uma ilusão, pois seres humanos necessitam viver em sociedade; esta é uma superestrutura  que os educa, que os modela, que os condiciona, (embora não sejam completamente subjugados ou determinados). -, e sim como aceitação da dimensão natural como um das dimensões que os constitui.
Deve-se contemplar o belo no polo natural a que se atribui uma qualidade negativa. Nesse tocante, o homem é um ser “polarizado”, ou seja, tendemos a concentrar nosso anseio, afeto, interesse em certas extensões de coisas, rejeitando outras, que se lhes opõem. Por exemplo, amamos os dias de sol e nos demonstramos, muita vez, desfavoráveis aos dias de chuva. No Brasil, especialmente – país edificado sobre o mito da sensualidade, dos corpos dourados e sedutores – o “sol”, como símbolo que justifica/ sustenta a exposição dos corpos, como o elemento (simbólico) que incita a busca pelo padrão tropical de beleza (corpos dourados, bem torneados, etc.) – é supervalorizado. Quem nunca ouviu dizeres do tipo “todo carioca é apaixonado por praia”; “dia nublado não é a cara do carioca”. Não faço incursão aqui em discussão de ordem sócio-cultural, porquanto isso consumiria muito tempo.
O eu-lírico toma, portanto, a natureza como um elemento /eufórico/, ou seja, como um elemento positivo. Argumenta em favor da busca pela serenidade; mas só se pode ser sereno, quando se aceita ser natural. O homem alcança o estado de tranqüilidade, quando aceita saborear a felicidade e degustar a infelicidade. A reintegração do homem ao universo natural o coloca numa mesma cadeia de transformações; o dispõe entre os elementos regidos pelas leis naturais, dentre as quais destaca o eu-lírico a “morte”. A morte se estende a muitos aspectos do mundo bio-físico: os seres morrem, mas também as feições da natureza morrem. A morte é a condição natural que irmana o homem e as feições naturais do mundo: “E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre”.
Reconhecendo-se que o homem necessita contemplar o belo, como fonte de prazer, o eu-lírico nos ensina que é possível experimentar o belo no pólo negativo da natureza: “(...) o poente é belo e é bela a noite que fica...”. A beleza que se experimenta na contemplação do poente é extensiva ao nascimento da noite (pólo negativo).
Ao cabo de seu discurso, estando o homem reintegrado na natureza e convencido de que, em meio ao contraste das feições naturais, a coexistência entre a aspereza e a suavidade, entre a suntuosidade e a simplicidade , enfim, entre o positivo e o negativo, é possível extrair da terra o prazer, o eu-lírico submete sua expressão à síntese da essência do natural – natural que não se deixa domesticar-se completamente, pois esconde em suas entranhas uma vontade própria de vida, uma vontade infinita de potência, cujas forças são grávidas de uma intensidade tal, que escapa ao desejo humano por submetê-las ao seu talante. Destarte, encerra o poeta: “Assim é e assim seja...”.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dança-me uma lágrima, tombada dos olhos...





A Dança

Deleito-me com a dança...
Embora não dance
Prefiro ficar estacado, num mórbido contemplar
Em minha densa timidez, no silêncio ressoante
A dança que desconcerta, desintegra
Desconjunta a carne lasciva que serpenteia
A alma de sabores invadida
O seio insuflado de emoções floridas
No espírito dançam idéias suicidas
E minhas células tornam-se salões
De sons, desejos e doces sinfonias

Não danço... a tristeza me embala
Ouço o silêncio da orquestra de mágoas
Que faz estremecer-me todo o peito
E admiro-te, Imagem que dança e baila
Sinuosa, revoluteia... as ancas como as notas
De uma ópera escarlate que em mim torna pulsante
A tristura empedernida que me vive a dançar
Faz do coração salões de despedida
De uma dança que minha alma engravida
Do avesso põe-me o corpo retorcido

Num olhar delirante em retumbantes sons
Sinto uma canção que um girassol entoa
É a canção visceral de um Céu enterrado
Silenciosa, ignota aos que em agitação
Não vertem d’alma danças celestiais
E meu seio costurado com dores plangentes
Convida os mortos a tragadas matinais
É a dança que faz o corpo subverter os limites do espaço
Do espaço que nos oprime e encarcera
Dança-me uma lágrima, tombada dos olhos
Quando te vejo a dançar... e dançam mais intensamente
A solitude, a desesperança e o desejo de amar.


(BAR)

sábado, 5 de maio de 2012

"De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz." ( Martha Medeiros)



Verberrando

Preciso retomar minhas leituras matinais. Mas tive de interrompê-las por causa de um forte sentimento que me coagia a escrever. É a vontade costumeira, decerto; mas ela se manifestou assaz enérgica. É certo que filósofos e poetas (escritores, para ser mais exato) escrevem sobre suas próprias vidas. Muitos produziram suas Memórias. E eu, que não suponho equiparar-me aos grandes doutos do saber, também me agrado de escrever sobre minha vida, sobre minha contribuição singela e discreta a uma ínfima parcela do Humano.
Quero ainda cursar filosofia, especializar-me nessa área a que meu espírito e coração se inclinam apaixonados. Não traio meu amor à Linguística. A linguagem me abraça, envolve-me por completo. De que mais é feita a filosofia senão da palavra? A linguagem é tudo. Somos na linguagem e graças a ela.
A leitura estimula a imaginação. E quando leio, sinto-me tão livre, que esqueço tudo que, ao derredor, me cinge a criatividade. Não raro, sinto ser ela castrada. Qual não é a frustração experimentada pelo professor em face de um público apático e desinteressado, ou incapaz de perceber que, para além do imperativo do imediato, do pragmatismo cego, há holofotes de conhecimentos a iluminar nossa prática! É preciso apropriar-se deles, para saber quando e como empregá-los.
Os fragmentos abaixo foram colhidos do livro A vida humana, do renomado filósofo francês André Comte-Sponville, que já conhecemos pelas referências que já fiz a alguns de seus trabalhos. Escusa explicá-los. Leia-os, leitor, para dar-se conta da afinidade intelectual que sinto ter entre algumas de minhas produções e as dele. Sponville - assim o penso – ousa dizer aquilo que, em algum momento, se me afigurou claro e inegável. Ás vezes, ele reitera, não sem o lúcido olhar de um filósofo, pensamentos que, em algum momento, externei. A questão do Mistério, a que, muitas vezes, me referi, em meus textos, está aí estampada. Contemplem-na!




"(...) não se sabe o que havia antes do universo, [...] não é possível sabê-lo e [...] e os religiosos o ignoram tanto quanto os ateus. A verdade não pertence a ninguém. O mistério tampouco."

(p. 14)


"Antes do homem há o mundo, e o mistério do mundo. Estamos dentro; no âmago do mistério - no âmago de tudo. Não, por certo, no centro do universo, pois nada indica que haja um centro (se ele é infinito, a ideia de centro seria contraditória), mas, nele, envolvidos por todos os lados pelo que ele é ou contém (bilhões de galáxias, cada uma composta por bilhões de estrelas ou de sistemas solares), porém incapazes de sair dele vivos, ou simplesmente sair dele".

(p. 15)


Apressei-me para trazê-los à consciência de todos que compartilham comigo da vida virtual no facebook, com o único intento de partilhá-los, sem mais. É possível que poucos venham a se interessar pelo livro ou pelas questões que ele nos suscita. Que nos vale demorar-nos a pensar em algo tão inapreensível como a Existência e o seu sentido (que somente aos seres humanos interessa), a Origem do Universo, o propósito ou despropósito de nossa existência; em suma, para que pensar sobre o Mistério de cuja incomensurável extensão todos tomamos parte. Temos mais o que fazer! Ler sobre a vida íntima dos artistas globais, assistir a programas como Pânico na TV e Big Brother, saber dos fuxicos entre as celebridades, ler as revistas femininas, que nos oferece uma série de “dicas” para “conquistar o homem dos seus sonhos”, ou ainda, não sem o respaldo dos especialistas, um conjunto de dez razões por que os homens traem mais do que as mulheres, etc.
Lembro-me de que uma das poucas verdades que ouvi dizer um padre, um dia, estava na afirmação, dirigida a mim, de que a escolha pela vida intelectual, pela convivência com os livros implica certo isolamento. Em outras palavras, quanto mais intelectualizados nos tornamos tanto mais desinteressados (para não dizer intransigentes) da sociabilidade indiscriminada ficamos. Note-se bem: da sociabilidade indiscriminada! Disso não se conclui, portanto, que os que descobrem o valor dos livros, da leitura e da dedicação ao cultivo dos hectares intelectuais, cuja opulência tratam de explorar, não sejam dados à sociabilidade. A solidão é uma consequência, não que a desejem (muito embora, como nos ensina Rubem Alves, em seu texto A solidão amiga, lhes pareça agradável e útil). Os estudos requerem um silêncio imperturbável, um distanciamento de tudo quanto possa frustrá-los. O agito, o estrépito e as vozes dissonantes que nos envolvem na lida cotidiana devem ser silenciados, na reclusão do espírito que não se atém senão às páginas do saber.
Receio que eu tenha participado da formação de professores que ainda não descobriram o benefício dos livros. Não me culpo, pois que creio ter feito o melhor que me permitiram as condições pedagógico-mercadológicas da instituição. Em muitas instituições da rede de ensino privado, o espírito pedagógico-filosófico docente precisa enfrentar o imperativo econômico que rege as relações interpessoais no interior dela e que se nos aparece sob o slogan do sucesso – de um sucesso a qualquer custo (alto ou baixo, importa a promessa de qualidade).
Qual não é meu espanto ao deparar-me com redações de professores de português repletas de rasura (e nem preciso levantar observações sobre a má formação dos textos!)! E continuaremos a discutir sobre as razões pelas quais os jovens escrevem tão mal e lêem pouco e, quando o fazem, compreendem pouco do que lêem. Felizmente, muitos especialistas atentaram para o fato de que muitos professores de português não lêem ou lêem muito pouco. Como poderiam formar leitores competentes, se eles mesmos não são leitores assíduos à tarefa e são pouco competentes? A “crise” parece ocultar-nos um aspecto decisivo, que nos remete a um círculo vicioso: o professor deixa as cadeiras universitárias com uma formação empobrecida de leitura, ensina seus alunos a ler com base nessa formação empobrecida e estes entram na faculdade sem a devida competência de leitura, e sairão dela para continuar a estender esse empobrecimento, engrossando a quantidade de não-leitores (ou, na melhor das hipóteses, de leitores ineficientes). Tal é a situação nos cursos de Letras na rede privada.
Não deve surpreender ao leitor que eu me emprenhe em suscitar a reflexão, o desejo pelo saber e insista na importância da leitura. Na chamada era do conhecimento ou da informação (que não se confunde com conhecimento; afinal podemos estar mal informados; podemos estar enganados quanto à informação corresponder à verdade), o acesso ao saber é uma etapa fundamental ao exercício pleno da cidadania. Pense-se na imensa quantidade de pessoas que é privada do acesso ao saber livresco, em nosso país? Pense-se na imensa quantidade de pessoas para quem o único acesso à informação e a alguma forma de saber é a televisão? Ora, o saber, produzido pelas artes (pintura, escultura, literaturas, etc.), pelas ciências e filosofia é não só instrumento de poderes, mas algo que nos torna participantes do legado intelectual de nosso gênero; ele conta-nos sobre nossa História - a história do humano e do mundo. Produzir as condições indispensáveis a sua universalização deveria estar entre os deveres de nossos governantes.
Válidas, nesse tocante, são as palavras de Jean François Lyotard, em A condição pós-moderna (2009). Reflitamos sobre elas:

“Sabe-se que o saber tornou-se nos últimos decênios a principal força de produção, que já modificou sensivelmente a composição das populações ativas nos países mais desenvolvidos e constitui o principal ponto de estrangulamento para os países em vias de desenvolvimento”.
(p. 5)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

"No ventre da vida dorme um silêncio perturbador" (BAR)




O prelado


A vida não são fragmentos de ruídos
É um silêncio que sentimos
E alguns ousam auscultar
Há beleza na dor
Quando a entoa a poesia
A vida em nada se assemelha a ela
Divórcio perene

Escuta o som da vida
Como quem ouve ressoando
O mar numa concha
Chega mais perto e ouve
O silêncio que do ventre da vida
Ecoa
Se incapaz de escutá-lo
Porque és surdo
Néscio!

Ouve a vida contemplando a morte
Vê a dor que se esconde em tua ilusão
Em face da cruz, baluarte do sofrimento
Nega a vida e o adora
A vida e seu silêncio inquisidor
Fluindo as murchas horas
De tua apatia
Repousado sobre a paz
De tua ignorância
A vida transita entre as sepulturas
E os corpos que ali jazem putrefatos
A ignoram como tu o fazes
A eles não resta senão a podridão
E tu que ousas da vida tudo saber
A eles farás companhia
Quando de tua boca silenciarem os estrépitos
Que te tornam cego para o silêncio
Que irradia da vida

(BAR)


"Há tanta vida lá fora, aqui dentro sempre como uma onda no mar" (Lulu Santos




                                          

                                             As ondas da vida


Intento oferecer à leitura uma reflexão sobre dois textos: um dos quais é a canção Como uma onda, cantada por Lulu Santos – canção ouvida por muitas pessoas, mas, talvez, não muito bem compreendida. O outro texto sobre o qual me debruçarei é um poema-pílula de Paulo Leminski. 

Como uma onda

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará

A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar

Antes de me ocupar na interpretação dessa canção, convém considerar, em linhas gerais, a contribuição filosófica de Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, a quem se atribuiu a alcunha de “Obscuro”, em virtude de ter escrito um livro de estilo difuso. Negou-se a participar da política, desprezava a plebe, poetas, filósofos e religião. Viveu entre 540 a.C. e 470 a.C. Era um homem muito orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros.
Tornou-se um misantropo, passando a viver nas montanhas, onde se alimentava de plantas e ervas. Hipócrita, ridicularizava o conhecimento dos médicos e dos físicos. No tocante às circunstâncias de sua morte, Diógenes Laércio nos conta que Heráclito, depois que médicos lhe disseram, em resposta a uma questão que ele lhes fizera, que era impossível esvaziar-lhe o ventre e extrair a água, deitou-se ao sol e pediu aos seus criados que lhe revestissem todo o corpo com esterco; no dia seguinte, faleceu e, não podendo ser retirado de sob o esterco, já em putrefação, foi devorado pelos cães.
Consideremos, doravante, sua filosofia, que, decerto, é mais interessante. Heráclito sustentava a idéia de que tudo é movimento e que nada permanece estático. Dizia que tudo flui, tudo se move. Ilustrava esse princípio com o seguinte exemplo: não podemos entrar duas vezes num mesmo rio, porque, na segunda vez em que entramos, já não será mais o mesmo rio, tampouco seremos a mesma pessoa que entrou na primeira vez.
O princípio defendido por Heráclito se articula a uma doutrina que considera o devir a base da realidade (o mobilismo). O que sucede com todas as coisas é sempre uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam; coisas frias esquentam; coisas secas umedecem, etc. A realidade é a mudança; é a guerra dos opostos. A guerra, a que se referia o filósofo, não se confunde com uma prática de violência; é a condição mesma para a harmonia e a paz. Como pensasse a realidade de modo dialético, afirmava que a doença é que faz da saúde algo bom e agradável; se não existisse a doença, dizia, não haveria por que valorizar a saúde. Fique claro, portanto, a relação recíproca entre os contrários, de modo que a existência de um deles justifica a existência do outro.
O filósofo entendia que os opostos coincidiam como o meio e o fim, em um círculo. Assim é que, por exemplo, a descida e a subida coincidem num caminho, já que o mesmo caminho é para descida e para subida. O frio, assim, é o mesmo que o quente, pois o frio é o quente quando muda; e o quente, o frio depois de mudar. Logo, frio e quente são dois aspectos de uma mesma coisa.
Heráclito buscou estabelecer um princípio que gerava todas as coisas; considerou-o o fogo. Para ele, todas as coisas transformam-se em fogo, e o fogo transforma-se em todas as coisas. O cosmos é um só e se origina do fogo, e pelo fogo é consumido, em determinados períodos, que se repetem pela eternidade.
Em seu livro Do céu, Aristóteles escreve:

“Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas, uma vez gerado, alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível, como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros, ainda, que, destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como Empédocles e Heráclito de Éfeso. (...) Também Heráclito assevera que o universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo determinados períodos de tempo, na passagem em que diz – Acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas.”

Segundo Heráclito, uma vez condensado, o fogo se umidifica, transformando-se em água. Esta, por sua vez, solidificando-se, transforma-se em terra, e disso resultam todas as coisas do mundo. A água torna-se vapor, e este, rarefeito, transforma-se em fogo. Claro está, pois, o movimento ininterrupto que tece a realidade.
A filosofia de Heráclito não se resolve nestas rasas palavras, é claro. Para fins de reflexão sobre a canção supra-apresentada, bastam as considerações feitas. Gostaria, antes, de fazer ver ao leitor que a concepção de real de Heráclito como conflito entre os opostos pode ser contemplada também numa canção de Lulu Santos, chamada Certas coisas. Eis a primeira estrofe:

Não existiria som se não
Houvesse o silêncio
Não haveria luz se não
fosse a escuridão
A vida é mesmo assim
Dia e noite
Não e sim


A análise será feita de acordo com o princípio da transformação postulado pelo filósofo grego. Tendo-se em conta o conceito de movimento que rege todos os elementos do mundo, consideremos, de imediato, a reiteração da estrutura comparativa como uma onda no mar, que sugere o “ir e voltar” das ondas, o constante movimento de avanço e retração. Essa reiteração sugere a constância do movimento; de certo modo, o monótono, já que o eu-lírico compara seus estados de alma ao ir e tornar das ondas do mar.
As ondas são, num primeiro plano, símbolo do movimento. Dispensarei pormenores, sempre que o texto se nos apresentar auto-explicativo . Note-se que as idéias de Heráclito, especialmente a idéia fulcral, segundo a qual a realidade é transformação, mudança, encontram eco nos seguintes trechos da canção:

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo

Não há possibilidade, consoante o eu-lírico, de fugir ao movimento constante e ininterrupto da realidade. A estabilidade da alma contrasta com o eterno fluir do mundo, com o devir de todas as coisas. Cabe meditar um pouco sobre a oposição ‘interior e exterior’. O “lá fora” é o espaço de movimento, espaço onde a vida é encenada, onde flui como um rio, cuja água está sempre a encontrar a de outro rio, desembocando no mar, cujas ondas parecem representar o elemento estável, regulador do movimento. Assim, as ondas, ao retroceder, “devolvem” as águas, de modo a renovar o movimento.
No “aqui dentro”, que remete ao interior psíquico-emocional do eu-lírico, há uma constância, uma atonia, um movimento regular. Não há mudança, não há transformação nos estados emocionais do eu-lírico. A vida, a seu turno, é um eterno “vir a ser” regular: aos movimentos da vida subjaz um elemento estável que os engendra. E vale lembrar que Heráclito, embora enfatizasse o movimento, não negava a possibilidade de existir, uma realidade estável por detrás da mudança das coisas.

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo

Atentando para o excerto acima, valeria questionar se a diferença entre o que se viu num primeiro instante e o que se viu num instante posterior não é uma diferença de perspectiva. Então, se poderia dizer que as perspectivas também mudam, se movimentam. Ora, um mesmo objeto pode ser “visto”, percebido de modo diferente, segundo o “lugar” de onde o contemplamos, ou seja, segundo a perspectiva que adotamos. Duas ou mais pessoas não vão apresentar a mesma descrição de um objeto; suas descrições vão diferir num ou noutro aspecto, porquanto cada qual possui seu próprio acervo de conhecimentos e experiências de mundo. Portanto, vemos aquilo que nossa herança sócio-cultural, armazenada na memória em forma de conhecimento, nos permite enxergar. Não se conclua disso que as mudanças seriam “ilusões de ótica” ou variações impostas pela percepção. Claro é que existem movimentos verificáveis a olho nu, tais como o desenvolvimento de um ser humano, por exemplo. O crescimento é um tipo de movimento.  O que deve ficar claro, contudo, é que a percepção é uma função cerebral pela qual atribuímos significado a estímulos sensoriais e, desse modo, um indivíduo organiza e interpreta as impressões sensoriais, mediante a percepção. Ao observarmos um ônibus em movimento, podemos questionar se o que está em movimento é  somente o ônibus ou o ônibus e os passageiros, segundo a perspectiva adotada (veja-se o princípio de inércia).
Volvendo ao fragmento supramencionado, certo é que a tese segundo a qual a realidade é constitutiva da transformação de elementos contraditórios constitui a base sobre a qual se erige a arquitetura verbal de toda a canção. Pode-se dizer que a “voz” de Heráclito ressoa no texto (polifonia).
Não suponho que minha reflexão tenha dado conta da significação da canção; há sempre sentidos que escapam à leitura, porque há muitas leituras e cada qual delas deve contentar-se com a idéia de que o sentido pode ser outro. Agora, lanço olhares sobre o poema de Leminski, transcrito abaixo.

Esta vida é uma viagem
Pena eu estar
 Só de passaporte.
(Melhores Poemas, 1996:201)

As palavras “viagem” e “passaporte” remetem ambas à transitoriedade, à efemeridade, ao movimento da vida. Se a vida é uma viagem, conforme afirma o poeta, então valeria perguntar acerca do destino dessa viagem. A que lugar nos leva a vida? Qual é o seu destino? Em outras palavras, qual é o lugar final do movimento? Creio que o leitor se apressará em dizer que é a morte, que se define por ausência de movimento. De fato, a vida é um fluir em direção à morte. Ou não será a morte o ponto inicial e a vida uma viagem de retorno a uma essência que nos é encoberta?
O passaporte, a que se refere o poeta, é a própria condição do existir: uma vez que se nasce, ganha-se um passaporte. No entanto, quando se faz uma viagem, é necessário muito mais do que um passaporte, para que nossa viagem não seja uma experiência desagradável: precisamos de malas, onde colocamos roupas variadas, recursos de higiene (pastas de dente, sabonete, hidratante, etc.), entre outras coisas.
O que significa, pois, viver apenas com o passaporte? É não dispor de recursos que garantam nosso prazer, nossa tranqüilidade, nossa estabilidade, enfim, nossa própria sobrevivência. Não há receitas que nos prescrevam como é viver; não há subsídios para que saibamos experenciar os mais diversos movimentos da vida. Há movimentos incessantes entre duas pessoas que formam um casal; não obstante, desejam quase sempre buscar uma síntese, uma unidade na relação. Não há, contudo, regras que nos orientem nessa eterna busca, que nos ensinem a fruir o prazer das relações. O passaporte também evoca a ideia de 'passagem', 'transitoriedade'. Todos, nesta vida, estamos de passagem; nossa existência é transitória, tem começo e fim; vivemos o tempo que a vida nos permite viver. E ela joga dados com o acaso.
A Vida (com maiúscula, para referir-se à condição de existir que nos transcende, porque não escolhemos) é uma nau sem capitão, apenas tripulantes. Ao nascermos, embarcamos nessa nau, que se lança desnorteada ao mar da existência, balanceando segundo os movimentos de suas águas. Como não haja comandante no plano físico, apelamos a forças sobrenaturais, às quais delegamos a responsabilidade pelo rumo da nau. A nau, então, não mais singra ao acaso; impõe-se-lhe um fado, sobre o qual não temos domínio. Mas, note-se: isso é uma das formas de entender os movimentos da vida e de experienciá-los.
Na medida em que o poeta afirma só ter passaporte, diz-nos também, implicitamente, não ser o senhor de sua existência, não ter domínio sobre os seus movimentos. E, novamente, aqui, vale perguntar se a Vida é um movimento de retorno a uma condição elementar, original, a uma essência que nos é inatingível, senão pela suspensão dos movimentos, a saber, pela morte? Há que se entender, segundo a interpretação que proponho, duas formas de vida: a Vida, com maiúscula, que nos habita, que pulsa em nossas veias, derrama movimento a todos os órgãos do nosso corpo; a Vida que anima o mundo e todos os seres que dela participam; mas há também a vida, com minúscula, que constitui o microuniverso em que cada um de nós transita, no interior do qual gozamos de relativa liberdade; daí falarmos em "minha vida", "a vida dele", "a nossa vida". A vida de cada um de nós é um micromundo. Antes de viver a realidade do mundo, dela participarmos em maior ou menor medida, vivemos em nosso micromundo.
Uma filosofia que procura atrair adeptos, que se pretende séria deve suscitar questões, promover a reflexão, abrir perspectivas, incitar o debate, e não tão-só buscar explicações, respostas, verdades. Nesse sentido, a filosofia é a ginástica do pensamento.

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Pois pensar e ser é o mesmo" (Parmênides)

                     


                                              Os pré-socráticos
                                           A busca pela origem

Não escrevo esperando que meus textos angariem o interesse de muitos leitores; deles pouco sei, já que entre os que me leem são poucos os que deixam suas impressões verbais. E tendo reconhecido isso, preciso lidar com a inquietante questão sobre o porquê, afinal, de dedicar-me tanto a escrever e de propalar meus escritos em um blog. De que me serve divulgá-los, se ainda corro o risco de que eles sejam aproveitados por indivíduos fraudulentos? Que me vale escrever sobre temas que cuido serem intelectualmente fecundos, e preciosos se deles conheço poucos interessados?
Bem sei que há, entre meus seletos leitores, os que me confessam apreciar meus jardins de reflexões, meus tecidos verbais; por isso, talvez, o interesse deles me seja suficiente para animar-me a mente e o coração para que eu continue a escrever. Talvez, devesse eu contentar-me com isso. No entanto, logo reconheço que não escrevo para ser lido. Lembro-me de que, durante muitos anos, escrevia para desanuviar o espírito ou para expurgar sentimentos envelhecidos e daninhos que estavam entulhados ali. Minha escrita sempre foi catártica e não visava a um público. Não havia leitor, senão eu mesmo. Escrevia como quem tem necessidade de se expressar quando sabe que alguma coisa está errada. Escrevia como quem tem necessidade de quebrar um silêncio que, de outro modo, o tornaria cúmplice de um dado ponto de vista. Escrevia para incoformar-me em face do que via, sentia, ressentia, do que experienciava. Era a única forma que encontrei para viver apesar do mundo. Não custa reiterar que minha escrita era uma escrita de resistência.
E sigo resistindo. Agora, ao desinteresse generalizado, ao gosto pela mesmice, à inércia intelectual em face das questões mais urgentes e profundas que a sociedade nos coloca, sobre as quais a vida, a todo momento, nos convoca a pensar ; sigo resistindo à dificuldade que muitas pessoas têm de elevar seu espírito acima dos temas triviais que a mídia repisa (especialmente a televisão). E resisto, especialmente, à crença comum, alimentada nos meios educacionais e que convive bem com outras tantas crenças equivocadas, produto de uma era repleta de incertezas, marcada pelo efêmero, pela obsessão pela novidade e consumo desenfreado de bens descartáveis, segundo a qual o conhecimento só vale quando pode ser aplicado ou quando serve para alguma satisfação imediata. Essa crença é alimentada por professores também, que esperam que se lhes dê a receita pedagógica e que vivem a levantar suspeitas sobre a validade de aprender sobre tantas perspectivas teóricas. De que serve tamanha empresa intelectual, se, no final das contas, não precisaremos de nada disso, quando temos de ensinar a jovens desinteressados pelo estudo, pensam.
Este texto, que se vai desnudando, à medida que o escrevo, não carece de justificativa. Deve ele ser encarado como mais um testemunho do quanto me apraz estudar para saber. Ele é a expressão desse saber compartilhado neste espaço virtual. Enquanto o componho, exercito a capacidade de sistematização do pensamento. Escrever é uma forma de exercitar o pensamento, de discipliná-lo, de dar-lhe ordem, unidade, coerência. Também o conhecimento, quando representado na escrita, quando textualizado, é reinterpretado, reconstituído, reestruturado. Escrever permite sistematizar as reflexões prévias, a análise; mas também permite operar a segunda etapa da análise.
Este texto, então, pretende convidar o leitor a uma aventura: a aventura do saber. Pretende guiá-lo no universo da filosofia nascente, para revisitar o pensamento dos filósofos pré-socráticos. Mas também pretende suscitar questões fundamentais sobre o Absoluto, diante do qual o pensamento silencia e a alma se pasma. Deixemos, por alguns instantes, nossas preocupações cotidianas para meditar sobre o princípio que produziu todas as coisas. Vejamos como aqueles filósofos gregos tentaram dar conta das seguintes questões:

a) Qual a origem do cosmos?
b) Como um único princípio pode dar origem a multiplicidade das coisas no mundo?
c) Como o imutável e idêntico a si mesmo pode gerar o mutável e diverso, o múltiplo?
d) Como o uno dá origem ao múltiplo?
e) Como o múltiplo pode retornar ao uno?


PARTE 1 – OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Pré-socráticos é a designação que, tradicionalmente, recobre os primeiros filósofos que viveram antes de Sócrates (470-399 a. C). Alguns chegaram a ser contemporâneos do grande filósofo. Sócrates é um marco da divisão cronológica da filosofia grega devido muito ao fato de ele ter proposto uma nova problemática para as discussões filosóficas, qual seja, a humana e social. Com Sócrates, a filosofia passou a se ocupar com questões ético-políticas que até então não apareciam na agenda dos filósofos predecessores. Embora essa compreensão do papel de Sócrates tenha sido a compreensão consagrada pela historiografia da filosofia, ela mascara o fato de que, na verdade, foram os sofistas, anteriores a Sócrates, quem inaugurou uma filosofia que se ocupou com o nomos, ou seja, a ordem humana. 
Sabemos constituir tarefa difícil o conhecimento das produções desses filósofos, visto que sua obra praticamente se perdeu, sobrando dela apenas algumas citações ou comentários, encontrados, por exemplo, em Aristóteles (384-323 a.C.), na Metafísica. Não obstante a escassez desse legado, esses filósofos anteciparam muitas questões das quais se ocuparia a ciência moderna. Veja-se, a propósito, a contribuição da escola atomista, da qual faziam parte Leucipo (fundador da escola) e Demócrito (seu discípulo e responsável por desenvolver a doutrina conhecida como atomismo. O atomismo era uma doutrina que sustentava que a realidade é constituída de átomos e que eles se atraem e se repelem no vazio, produzindo, assim, os fenômenos naturais e o movimento. O atomismo antecipou a física atômica contemporânea, cuja noção de átomo deriva dessa tradição, a despeito das grandes diferenças existentes entre um e outro ramo do conhecimento.
A pluralidade parece ter sido a característica determinante desse período do pensamento grego, a despeito de ser possível distinguir nele duas escolas: a Escola jônica e a Escola italiana. A primeira compunha-se dos filósofos Tales de Mileto, Anaxímenes, Xenófanes de Colofon e Heráclito de Éfeso. A segunda compreendia os filósofos Pitágoras de Samos, Filoau de Crotona e Parmênides de Eléia.
A Escola Jônica interessava-se, sobretudo, pela physis (a natureza). (mais adiante, definirei physis). A Escola italiana propunha uma reflexão mais abstrata sobre o mundo e a ela devemos o surgimento da lógica e da metafísica.
Os pré-socráticos procuraram desenvolver uma cosmologia, a saber, uma doutrina que oferecia uma explicação racional sobre a origem e a ordem da natureza, bem como sobre as causas de suas transformações, da geração e perecimento dos seres. Interessaram-se pelo estudo da physis, que pode apresentar, pelo menos, três significados: 1) a ação que produz, que faz nascer; 2) a natureza intima de uma coisa ou ser, ou a disposição espontânea e natural de um ser; 3) uma força que produz ou cria todos os seres. Disso se segue que “nada vem do nada e nada retorna ao nada”. A physis é o princípio de tudo que existe. Há physis e sempre houve, pois que ela é eterna. Todavia, para que haja physis é necessário que haja nela ou antes dela um princípio fundador que a revela. Enquanto a physis pode ser percebida, porque compreende tudo que é (o céu, a terra, a água, o fogo, as estações do ano, os animais, os homens, a moral humana, a política, as ações, os pensamentos dos homens, os deuses, etc.), a arkhé é a origem, o princípio absoluto de tudo que existe. A arkhé está antes de tudo, no começo e no fim de tudo. É o fundamento que dá ordem a todas as coisas, que as governa. É eterna e imutável. Portanto, enquanto a physis é o que se revela, a arkhé é o oculto.
Ao refletir sobre a physis, os filósofos espantavam-se com a perpétua instabilidade das coisas. Admiravam-se do movimento, o qual compreende todas as formas de mudança (qualitativa, quantitativa e de lugar). Assim, para os gregos, a noção de movimento não se limitava a deslocamento de um corpo no espaço, mas abrangia ainda as noções de nascimento/ crescimento/ morte, geração e corrupção dos seres. A kinesis, ou o devir, caracterizava fundamentalmente a natureza e, com pasmo, eles se voltavam para ela a fim de explicá-la.

PARTE 2 – Monismo x Mobilismo

Heráclito de Éfeso, filósofo da Escola jônica, era chamado “o Obscuro”, em virtude da dificuldade de interpretação de seu pensamento. Ele foi um representante do mobilismo, doutrina segundo a qual a realidade da natureza se caracteriza por um movimento contínuo. Tudo flui, ensinará o filósofo. Particularmente importante é o conceito de logos, em seu pensamento, já que por meio dele pode-se explicar a unidade da realidade. O logos é, assim, o princípio que unifica a realidade, é o princípio de racionalidade do cosmos. O cosmos, inicialmente, designava a ordem no mundo humano, visto que dizia respeito às ações humanas que se conformavam ao estabelecido; posteriormente, passou a designar a ação humana que produz a ordem no mundo; finalmente, com a filosofia, passou a designar a ordem do mundo.
Segundo Heráclito, tudo é movimento, tudo está em fluxo ininterrupto, mas atrás da mudança, da diversidade das coisas havia um princípio básico de unidade. Havia uma unidade na pluralidade. Essa concepção pode ser entendida como a expressão do conflito entre os opostos. Esse conflito produz o equilíbrio, porque os opostos se equivalem e se reúnem (dia e noite, calor e frio, vida e morte são opostos que se complementam). Em Heráclito, a pluralidade do real é acessível à experiência sensível. Sua filosofia centra-se nessa experiência. O fogo é, para ele, o elemento primordial, já que o fogo a tudo consome e se autoconsome, enquanto energia. Ele simboliza o dinamismo próprio da realidade.
Parmênides de Eléia, expoente da doutrina monista, segundo a qual existe uma única realidade base por trás do movimento percebido introduziu e desenvolveu a distinção entre realidade e aparência. Destarte, ele situa o movimento no domínio da aparência; é o movimento um aspecto superficial das coisas. A verdadeira realidade é o Ser e só pode ser conhecida pelo pensamento que ultrapassa a experiência sensível. O Ser é imutável, não tem começo, nem fim; é contínuo, indivisível. O Ser identifica-se com o pensamento. Assim, para pensar o ser, o homem deve trilhar o caminho da verdade, da razão e afastar-se da opinião, que é mutável, porque formada de hábitos, percepções, impressões sensíveis, imprecisas e ilusórias. O Ser é o real numa acepção mais abstrata e básica.
Para Parmênides, ao contrário de Heráclito, o movimento não define o real. O filósofo do Ser defendia o pressuposto de que sem o permanente, o imutável não se pode compreender o mutável. A noção de movimento pressupõe, portanto, a de permanência.
Melisso de Samos, discípulo de Parmênides, viria a defender o monismo contra os filósofos do mobilismo, afirmando que o Ser é eterno, imutável, atemporal e incriado (Marcondes, 2008).

ÙLTIMAS NOTAS

Os filósofos pré-socráticos, por se preocuparem em estudar a physis, ficaram conhecidos como physiologoi, ou físicos. Todos estavam interessados em determinar um princípio primordial que deu origem à ordem do mundo. Tales de Mileto, por exemplo, o primeiro filósofo, o fundador da filosofia grega, sem fazer apelo ao sobrenatural, explicava a natureza adotando como princípio gerador a água. Anaximandro, a seu turno, discípulo de Tales, propunha o apeíron (o indeterminado, o ilimitado), que é um princípio abstrato. Coube a ele falar também em arkhé com o sentido já referido. Anaxímenes propôs o ar como princípio primordial, ou seja, como o arkhé. Sendo um elemento incorpóreo e invisível, o ar permitia ao filósofo dar uma explicação de caráter mais abstrato para o real. Xenófanes, a seu turno, concebia a terra como o princípio primordial.
Finalmente, elenco abaixo, com base em Chauí (2010), as principais características do pensamento grego na sua fase pré-socrática:

1) a filosofia nascente era uma cosmologia e, como tal, estava interessada em explicar racionalmente a ordem do mundo, o que implica determinar suas causas, sua forma, compreender suas transformações;

2) Era uma filosofia que não admitia que tudo que existe viesse do nada, por isso assentava no pressuposto de que “nada vem do nada e nada retorna ao nada”. Não há, portanto, criação a partir do nada (como sucede na narrativa do Gênesis em que o Deus judaico-cristão cria o mundo a partir do nada). Assim, o real sempre existiu, pois que é eterno, imortal. Há uma força imperceptível, mas imperecível que conserva a estabilidade e a permanência, malgrado a mutabilidade da superfície das coisas;

3) Era uma filosofia que se ocupa do estudo da physis, que é a base de tudo que existe. Ela é perene e dela tudo brota, tudo deriva;

4) Era uma filosofia que tinha de lidar com o problema do devir (a existência inegável da mudança das coisas, do movimento, do fluir incessante) relativamente à possibilidade de o real poder ser pensado. O pensamento só pode pensar o imutável, o permanente, o Ser. Como o uno, o idêntico a si mesmo se torna múltiplo, diverso? Pressupondo o uno (physis), como pode ele produzir o diverso, o diferente de si e mutável? Pressupondo o múltiplo (kósmos), como, então o uno é possível?

5) Finalmente, era uma filosofia que fundou a distinção, posteriormente explorada por Platão, entre a aparência do mundo e a essência ou verdade do mundo. O domínio da aparência é acessível à experiência sensorial; o da essência, à experiência do pensamento, intelectiva, portanto. Pelo pensamento, busca-se atingir (entenda-se compreender) o ser. Assim, a physis, que é manifestação da arkhé, torna-se, manifesta ao pensamento, e não mais só para os olhos do corpo. Com o decorrer da filosofia pré-socrática, a physis passará a ser visível apenas para o pensamento e oculta para a experiência sensível.

Também encontraremos no Hinduísmo e no Taoísmo uma explicação para a origem de tudo que há. Na primeira, o princípio primordial (portanto, único e unificador) é chamado de Brahman, que é a força primordial que sustenta o mundo. Na segunda, encontramos o Tao, que também encerra o espírito da indivisibilidade, é uno, portanto. O Tao é o absoluto, ou

“(...) caminho, representa o elo que liga todos os tempos. É um caminho de infinidade. É o caminho que rompe a barreira do tempo e do espaço. É tão grande que nos permite apreender todas as coisas. É tão minúsculo que pode caber dentro de um grão de poeira”.

(Iniciação ao Taoísmo, p. 12)


Houve um tempo em que precisei contar com a literatura filosófico-religiosa, como o Taoísmo, o Budismo, o Bhagavad Gita, e ela devo muito minha compreensão mais apurada da vida e do sofrimento. O Budismo reza que nascer é sofrer, viver é sofrer e morrer é sofrer. Uma religião sem deus que me pareceu muito mais inspiradora e consistente com o real, com a aridez da vida. Elas me permitiram tocar de leve o Mistério que nos abraça. Não me refiro ao mistério da origem do universo, que a teoria até então aceita – Big Bang, parece explicar de modo satisfatório. Há vestígios da Grande Explosão no espaço, segundo os cientistas. Nós, leigos, no entanto, não nos satisfazemos com essa verdade. Podemos compreendê-la e aceitá-la, mas, ainda assim, sobra-nos pesadamente um sentimento inexplicável. Esse sentimento é o sentimento de Existir. Os textos hindus reunidos sob a designação Upanixades, a despeito de reconhecerem um “eu” efêmero, que há de fenecer, que se identifica ao “ego”, rezam existir um eu essencial, definido como atman. Este eu é infinito, transcendente. Um eu interconectado a todos os outros seres. Assim, o nosso eu transitório é apenas uma máscara (o que está de acordo com  algumas teorias sociológicas e da Análise do Discurso). Há verdade nessa afirmação. O nosso eu é uma imagem, um simulacro, ensina um psicanalista francês. Mas o atman (eu transcendente) é  indefinível, inapreensível.
Esse sentimento de unidade do eu, que torna cada um de nós único, esse sentimento que me informa de quem eu sou para além de minha natureza físico-corpórea, mesmo sendo produzido por um cérebro, mesmo sendo uma ilusão deste órgão, como nos ensinam os neurocientistas, esse sentimento é inextinguível.
Os filósofos pré-socráticos estudados aqui, bem como as religiões referidas acima, nos suscitam a grande questão: é possível a existência de uma realidade supra-sensível? É possível que haja existência para além da ordem material de que nos fala a ciência? Há, por detrás de tudo que experienciamos, alguma força invisível que fez brotar a vida? Os cientistas nos falam da expansão cada vez maior do Universo. Falam-nos da extinção do sol, das galáxias. Existirá um Fim? Ou será o universo eterno? Não será, como imaginou Nietzsche, o tempo cíclico? Poderemos falar de fim absoluto ou de términos e recomeços de ciclos cósmicos? Será a vida inesgotável? Creio que, no estado de finitude, que é intrínseco à natureza humana, o sentimento de inesgotabilidade da vida só temos na experiência amorosa. Claro que nos enganamos; no mais, estamos certos de que passaremos, de que vivemos para um dia morrer. O movimento é inevitável, é a ordem natural das coisas, tudo flui, tudo muda. E vivemos cientes de que o nascimento é o início de nossa inescapabilidade ao movimento.