segunda-feira, 18 de julho de 2011

maturidade é vida refletida (BAR)


             



                Sobre tempo e maturidade
                             Lições de experiência

Há alguns dias, o programa Profissão Repórter, da Rede Globo, exibiu reportagens sobre o abuso dos jovens no consumo de álcool. A equipe de repórteres visou a investigar as razões que levam jovens homens e mulheres ao consumo excessivo de álcool.


Este texto propõe uma discussão sobre a maturidade. Aproveito a ocasião em que noto a constância de textos que versam sobre tempo (sempre fugaz, na modernidade) e envelhecimento, que se acham nos blogs de duas queridas amigas, para oferecer aos meus leitores a minha contribuição a esse assunto intrigante. É necessário, entretanto, que eu possa contar com a paciência e boa disposição de meus leitores para acompanhar o desenvolvimento destas novas reflexões que não se darão sem o devido aparato conceitual e teórico da filosofia. Assim, pretendo fugir aos lugares-comuns e evitar, a todo custo, um tratamento superficial do assunto. Aprendi com a filosofia, que, para Deleuze, é trabalho espiritual sobre conceitos, ou seja, filosofia é criação contínua de conceitos, uma lição basilar: toda e qualquer discussão não pode acontecer sem que antes os interlocutores estejam de acordo a respeito da definição dos termos sobre os quais se situará o discurso. Assim, o rigor para a demarcação dos limites conceituais é imprescindível. Por exemplo, devemos definir o que é maturidade, ou seja, devemos estar de acordo a respeito dos limites de sua significação no discurso que dele se ocupará.
Quando pensamos em maturidade, somos levados a pensar, por associação, em conceitos como tempo, movimento, experiência e ser. Evidentemente, poderíamos pensar em idade, desenvolvimento, jovialidade, velhice, etc. Mas eu escolhi, para os meus propósitos, aqueles quatro primeiros conceitos, na base dos quais desenvolverei minhas reflexões sobre a maturidade. Peço que o leitor acompanhe com atenção o percurso de meus pensamentos, sem desviá-la.
Comecemos, pois, por definir maturidade. O dicionário é nosso recurso imediato. Na Enciclopédia e Dicionário Koogan Houassis, em seu formato digital, lemos, no verbete maturidade, o que se segue:

1. Estado das coisas ou pessoas que atingiram completo desenvolvimento; 2. período de vida compreendido entre juventude e velhice.

Como se pode ver, o dicionário serve-nos bem como um expediente norteador, mas não como fonte de definição cabal. É preciso, então, podar um pouco o sentido. Em primeiro lugar, “desenvolvimento”, como atributo de maturidade, não será pensado como ‘crescimento orgânico’. Em segundo lugar, os conceitos de ‘juventude’ e ‘velhice’, embora estejam intrinsecamente relacionados ao de maturidade, segundo o senso-comum, não serão tratados como peremptórios. Em outras palavras, juventude e velhice não servem de parâmetros para determinar a maturidade. A experiência nos dá testemunho de que há entre os mais velhos aqueles que se comportam de modo ‘imaturo’ e entre os mais jovens, não raro, pode-se perceber comportamentos que não hesitaríamos em considerar ‘maduros’. Para evitar polarizações do tipo ‘juventude’ e ‘velhice’, penso ser mais adequado associar maturidade à experiência. A maturidade se define pela quantidade e qualidade das experiências nas quais um indivíduo se envolve ao longo de sua vida. A idade aqui é apenas um fato representativo de seu desenvolvimento orgânico. Convém distinguir idade biológica de idade psicológica. A idade biológica representa o número de anos vividos e se manifesta pelas marcas que lega ao nosso corpo. A idade psicológica representa, a seu turno, as diversas formas como experimentamos espiritualmente o mundo e como reagimos a ele, o interpretamos, e com ele nos relacionamos em termos de valores morais, crenças, atitudes e conhecimentos. Nesse sentido, quanto mais maduros mais propensos a pensar sobre o mundo ficamos. É claro que não o pensamos sem que entre na conta de nossas meditações uma grande dose de preconceitos, que acumulamos ao longo de nossa vida. Por conseguinte, maturidade não significa maior possibilidade de alcançar alguma verdade sobre o mundo, de dizer, sem o risco de nos equivocar, como, realmente, funciona esse mundo.
Antes de me deter na breve elucidação dos conceitos de tempo, movimento, experiência e ser, para cuja tarefa destinarei seções neste texto, a fim de facilitar o já dispendioso trabalho interpretativo do leitor, gostaria de trazer à cena o conceito de mundo, tal como pensado em Filosofia em Comum (2008), da filósofa Márcia Tiburi. À página 82, no capítulo Fora de mim, a autora inicia seu texto perguntando-se se “pensa no mundo” e “pensa na vida”, ao que acrescentará:

“É muito comum pensar – assim, quase como ao se pensar em nada – no mundo, na vida. O mundo é um nome muito pequeno para o muito grande, o estranho que me aninha, está fora de mim. Depende, entretanto, de mim, que o penso para ser pensado, mas não para ser. É dele que me assusto. Com o conceito de mundo se define que os limites do meu pensamento fechado em si foram superados”
(grifo meu)

Atente para o reconhecimento da autora de que a extensão significativa do conceito de mundo é inapreensível, embora esse mundo tenha de ser pensado. Embora ele esteja fora de nós, ao pensá-lo, o interiorizamos. O pensamento nos ancora no mundo, pelo pensamento nos relacionamos com o mundo. Nossa experiência com o mundo se dá, fundamentalmente, pelo pensamento. Assim, escreve a autora mais adiante:

“O mundo é o que apenas posso pensar, não posso tê-lo, posso vê-lo, mas apenas em parte. Chamo mundo muitas vezes o que não sei. Mundo é o nome de uma eterna novidade da qual falava Drummond.”

Ao pensar o mundo como algo estranho e exterior ao ‘eu’, a autora crer ser o mundo uma “ideia metafísica” que o nega. À página 83, escreve:

“O mundo é o conjunto do desconhecido e do conhecido. Melhor chamá-lo “meu mundo”. (...) Podemos traduzi-lo por ordem. Meu mundo pode ser a ordem que eu consigo atribuir às coisas”.

Há que considerar dois aspectos importantes nesta reflexão sobre o conceito de mundo: a) nossa relação com o mundo se dá fundamentalmente pela interpretação, ou pelo pensamento interpretante (este pensamento é responsável por conferir-lhe certa ordem, sem a qual ele seria um agregado amorfo de coisas); b) dada a impossibilidade de pensá-lo em sua totalidade, sempre escapável, cabe-nos construir nossos pequenos mundos. Disso se segue que a possibilidade mesma de nos situarmos no mundo depende de nossa capacidade de forjar nossos pequenos mundos. O “eu” é  que permite alcançar o mundo enquanto objeto pensado.
À mesma página, escreve a autora:

“Eu poderia fazer uma lista de tudo o que compõem o meu mundo, mas a lista só teria sentido pelo conceito de lista, pela possibilidade de forjá-la como um agregado de coisas que fazem sentido entre si”.

Por que o conceito de mundo nos interessa aqui? Porque o mundo não deve confundir-se com a totalidade dos espaços geográficos em que habitamos, ou com o planeta. O mundo deve constituir os espaços que configuram nossas experiências, nas dimensões social, cultural, política (que envolve, entre outras coisas,  as formas de poder e as relações entre os cidadãos e a sociedade), familiar, afetiva e pessoal. Nossa maturidade é alcançada nas inúmeras experiências desenvolvidas em nossos pequenos “mundos” (um todo ordenado dotado, portanto, de sentido) em confronto com o grandioso e ilimitável mundo que, embora nos seja estranho (porque fora de nós) nos abriga (ou nos rejeita). Lembro que as experiências dos homens no mundo se dão através tanto do corpo quanto da alma. O homem é um ser corporal e espiritualmente engajado no mundo.
Caminhemos um pouco mais.

1.     Breves considerações
a) Tempo

Não intento me delongar nessa matéria. Todavia, convém dar a saber o que alguns filósofos disseram sobre o tempo. Escolherei três dos mais famosos filósofos gregos, a saber, Platão,  Aristóteles e Plotino. Os pensamentos desses filósofos nos bastarão, para que as teses abaixo anunciadas sejam sustentáveis. Vejamo-las:

1ª tese: O tempo não é uma força exterior que tem o poder de atuar sobre nós;
2ª tese: O tempo é movimento que se apreende na alma;

3ª tese: O tempo se relaciona às experiências em que nós nos envolvemos ao longo da vida.

Comecemos, pois, observando que os gregos tinham dois termos para designar o tempo. Um significava “época da vida”, “tempo de vida”, “duração da vida” ou, simplesmente, “vida” ou “destino”. O significado originário, todavia, era o de “força de vida”. Em muitos autores gregos, tempo designava “duração de uma vida individual”. Posteriormente, essa palavra foi usada para designar “eternidade”. É o que fez Platão ao designar o tempo como a “imagem móvel da eternidade”. Platão, aliás, embora tendesse a reduzir a ideia de tempo a algo atemporal, tratou-lhe de fazer corresponder uma realidade imediata, a saber, o movimento circular das esferas celestes.
É, todavia, em Aristóteles, que encontraremos uma contribuição mais significativa a respeito do que é o tempo. Aqui avulta o conceito de movimento. Por movimento, os gregos entendiam: a) toda mudança qualitativa de uma coisa ou corpo (por exemplo, a transformação de uma semente em árvore); b) toda mudança de lugar de um objeto ou pessoa (por exemplo, o deslocamento de uma pessoa de uma calçada a outra); c) toda mudança quantitativa de uma coisa ou corpo (por exemplo, um corpo que se divide em pedaços) d) e finalmente, toda a mudança que se verifica na geração ou depravação das coisas e das pessoas (por exemplo, o nascimento e o perecimento dos homens).
Em suma, segundo Marilena Chauí, em O que é ideologia (2006),

“Movimento, portanto, significa para um grego toda e qualquer alteração de uma realidade, seja ela qual for”.
(p. 9)

Coube a Aristóteles observar que tempo e movimento eram dados juntamente à percepção. Eram indissociáveis. Portanto, tempo é algo relacionado a movimento. Claro é que tempo implica os conceitos de agora, antes e depois. Assim, em Aristóteles, o tempo será “a medida do movimento segundo o antes e o depois”. O tempo não se confunde com o número pelo qual o medimos, mas é uma espécie de número. O tempo é a medida do movimento, já que este serve para medir o tempo, mas também pelo tempo medimos o movimento.
Aristóteles tende a considerar o tempo de um ponto de vista relativista, de sorte que assumirá ser a alma a “realidade numerante” do tempo. Ou seja, para ele, a alma é a consciência interna do tempo. É Plotino que desenvolverá a ideia segundo a qual o tempo é uma realidade da alma e esta é responsável por medir o tempo.
É interessante notar que, não raro, quando aplicamos o espírito numa atividade que nos exige maior poder de concentração, dizemos, ao cabo dela, que perdemos a noção do tempo. É que o tempo da alma surge da inteligência, ou seja, de seu fundo. Para Plotino, o tempo repousa no ser, pois que ele é “o prolongamento sucessivo da vida da alma”.
Não estou interessado em pensar o tempo como uma realidade da física, como estudado na teoria da relatividade, por exemplo, não só porque não disponho de conhecimento suficiente para tanto, mas também porque o tempo, nesse recorte teórico, é representado como algo mais distante da realidade humana. O meu intento é pensar o tempo como realidade intrinsecamente relacionada à vida humana. Disso se segue a ideia de que a experiência de tempo é já prevista na estrutura da alma humana. E, como devemos estar a par dos limites conceituais, estou falando de alma no sentido aristotélico. Assim, alma é o princípio do pensamento. É a forma de um corpo  natural organizado, cuja vida está em potência. A alma anima o corpo.
O que é a experiência de tempo? Primeiramente, precisamos entender o que é experiência. Em sentido lato, experiência é uma forma de conhecimento espontâneo e vivido, adquirido ao longo da vida. Relacionada à vida corrente, a experiência compreende as diversas formas de se relacionar com os outros e com o mundo pela cognição. Nossas experiências são experiências sóciocognitivas que são marcadas temporalmente.
Nas experiências, o mundo é interiorizado por nós. Nelas atuamos com a alma e com o corpo, interagimos. A linguagem é o fundamento de nossas experiências, já que ela fornece-nos as categorias que nos permitem organizá-las. A alma, assim, é responsável por dois movimentos: um interior, em que se volta sobre si mesma e em que age sobre si mesma; e um exterior, em que se expande e atua sobre o outro e o mundo.
A experiência imediata de tempo que temos é a passagem do dia para a noite. Experienciamos o tempo quando conscientes de que a claridade de um dia dá lugar a escuridão de uma noite, após a qual se seguirá uma nova claridade. Claridade e escuridão se alternam. É claro que esse movimento, da claridade à escuridão pode nos escapar à consciência, quando, por exemplo, estamos numa sala de cinema. Assistindo a um filme, não nos damos conta de que o tempo nos foge, e, não raro, experimentamos um assombro em face da consciência da rapidez com que o tempo passou, quando deixamos a sala de cinema. Por isso, não se pode pensar o tempo, sem relacioná-lo à alma.
Outra experiência de tempo é a que nos é dada pelo movimento de nosso corpo, na acepção de desenvolvimento. É quando nos olhamos através do espelho e notamos que crescemos, envelhecemos. Ou quando, pela memória, reconhecemos que o ‘eu’ de hoje não é o ‘mesmo eu’ de há cinco ou dez anos. Aqui também, muita vez, o tempo nos escapa, caso em que, por exemplo, depois de muitos anos sem ver um amigo, o reencontramos e nos surpreendemos como ele está mudado. E exclamamos: Como o tempo passa!
Assim como há um tempo interno à alma, assim também há um tempo interno ao corpo, ou ao organismo. Nosso corpo se desenvolve num espaço de tempo através do qual se modificará.  Passado esse tempo, nosso corpo começará a apresentar deficiências, deformidades, enfim, sinais de seu perecimento.
Se, por um lado, não podemos, conforme tenho argumentado, pensar o tempo como algo exterior que exerce um poder/ uma influência sobre nós; por outro lado, é ele sim uma realidade à qual estamos intimamente enredados. Não é o tempo que atua em lugar de nós, somos nós que atuamos, nas experiências que se dão ao longo do tempo.
É nas experiências que se desenvolve o processo de maturação de um indivíduo. Quanto mais ricas humanamente forem essas experiências tanto mais fecunda será sua maturidade. Durante esse processo, um indivíduo põe em prática sua capacidade de discriminar o que lhe parece certo e o que lhe parece errado; assim, os valores são escolhidos e fixados. É nas experiências que ele desenvolverá também maior autonomia e liberdade de escolhas. Autonomia e maior liberdade de escolhas são consequências da maturidade.
A maturidade decorre do confronto, na experiência, entre os nossos valores morais e os dos outros. Experiências são formas de relação. Experiências são formas de nos relacionar com o mundo, de percebê-lo, compreendê-lo, questioná-lo, negá-lo, modificá-lo. Experiências são espaços temporalmente demarcados em que delimitamos nossa subjetividade, marcamos nossa distinção em face dos outros. Aliás, o eu e o outro se constroem reciprocamente pela palavra, nas diversas experiências de que participam.
Tenho experiência ao tocar um estojo, ao abri-lo e fechá-lo. A experiência de escrita é a própria relação de que sou agente, ao lançar mão de uma caneta, de um papel para nele grafar frases sintática e semanticamente organizadas para atender minhas necessidades de comunicação. Nessa experiencia, estão envolvidos o ‘eu’, a lapiseira e o papel, bem como todas as manifestações verbais que nele estampo. Essa experiência, no seu aspecto mais imediato, inclui um agente (escritor), um instrumento (caneta) e um ‘lugar’ (papel) onde a atividade acontece.

b) Ser

Heidegger considerava a questão sobre o ser uma questão fundamental, portanto, extremamente importante. Filósofos houve que a consideravam um pseudoproblema. Por vezes, identificou-se o ser com o nada, de modo que o nada era senão o fundamento do ser.
Gosto da passagem em que o filósofo Caio Prado Jr., em O que é filosofia (2008), escreve a respeito dessa questão, que encontra em Parmênides um terreno fecundo:
“[ o tema central da filosofia] (...) [era o] SER de Parmênides, que é afinal, e sem embargo da tempestade verborrágica que a Metafísica desencadearia em torno do assunto, não é senão a expressão geral  e formal da operação mental com que se qualificam e identificam as feições da Natureza, e com isso se caracterizam, determinam e fixam”
(p. 36)

Como se vê, o problema do ser situasse no plano conceitual, mais precisamente, na teoria do conhecimento. Não se trata de ser como substância individual, percebida pelos sentidos. Mas remontemos, antes de prosseguirmos, à sua origem linguística.
O que é o ser senão o verbo de cópula? Ou seja, é o verbo que liga um sujeito a um atributo (predicativo), como na frase “Pedro é feliz”. Acontece, contudo, que, originariamente, o verbo “ser” podia ser usado no sentido de “existir”, de modo que poderíamos dizer simplesmente “Pedro é” (Pedro existe). É este sentido existencial que permitirá falar do SER como o que existe ou o “ente”. Por questões de vocabulário, que não vou pormenorizar aqui, introduziu-se a distinção entre “ser” e “ente”. O ser passou a ser entendido como algo mais perfeito e geral que faz com que o ente seja. Ser combinou, assim, dois sentidos: um relacionado à essência e outro relacionado à existência. A confusão fez com que alguns pensassem o ser como algo mais geral e abstrato, que nada tinha que ver com uma substância determinada.
Logo o conceito de ser passou a designar um transcendental, que está absorvido em todas as manifestações do ser e também acima deste.
Na Grécia, os pré-socráticos se perguntaram sobre “o ser das coisas”, ou seja, sobre a realidade última, que constituem as coisas, bem como as qualidades destas que nos são acessíveis aos sentidos. Dá-se, pela operação do pensamento, o ocultamento do ser. Como se disse comumente, o “ser” acha-se escondido na aparência. A aparência se comparava ao devir, ao movimento. O ser, a seu turno, ao uno, ao real. O ser, assim, só se determina pela razão, não pela experiência. A experiência nos dá a mudança.
Vou-me limitar, embora eu tivesse fonte suficiente para levar adiante essa discussão, a dizer que o ser foi estudado em contraste com outros conceitos, tais como o nada, a aparência, o pensar, o devir, o valor, o dever ser, o ter, e o sentido.
Quero insistir em que a pergunta pelo ser, tal como colocada pelos pré-socráticos, dizia respeito ao “o que verdadeiramente existe?” ou “o que verdadeiramente há”. Para se chegar ao ser, é preciso superar a aparência.
Vou me cingir a comentar a relação contrastante entre ser e nada; ser e aparência, ser e pensar; e ser e sentido.
Ser e nada foram confrontados de modo a fazer ver a diferença entre o ser e o não-ser. Dialeticamente, a diferença se exprime na fórmula “um é a negação do outro”. O ser é o não-nada; o nada é o não-ser. Todavia, por vezes, o nada foi considerado o fundamento do ser. Cai por terra assim a diferenciação primeira, baseada na operação de negação.
Ora, seu eu sou no instante em que me sinto presente, já que o ser é consciência e esta é sempre presente, o futuro é o não-ser, ou o nada. Quero dizer que não há algo como o futuro, uma espécie de compartimento de experiências que ainda não são.
Ser e aparência se definem pela relação recíproca. Um é em relação ao outro. É possível, entretanto, entender que o ser não está oculto por trás da aparência e que ela abrange a totalidade do ser. Nesse sentido, o ser está presente e é imediatamente acessível pelos sentidos. O ser é aparente, evidente, um dado imediato.
Rechaço essa concepção que reduz o ser à aparência e considero o ser como uma realidade escapável, oculta, abstrata, que se insinua na linguagem (não em todas as suas formas) e, especialmente, na poesia e suas formas líricas. Também o ser pode ser investigado, perscrutado pela psicanálise. Por que não identificá-lo com o inconsciente freudiano?
Ser e pensar, embora distintos, podem ser isomórficos (ou seja, podem apresentar a mesma forma). Por poderem apresentar a mesma forma, podem ser considerados correspondentes. Parmênides entendia que o ser é o mesmo que pensar. O pensar é apreensão direta do que é.
Ser e sentido suscita as seguintes questões: a) o ser tem sentido ou não?; b) o sentido é parte da dimensão do ser?; c) o ser pode ser reduzido ao sentido? Só há, a rigor, contraste entre ambos se o ser for uma potencialidade do sentido.
Para um espírito lírico, a questão do ser é bastante fecunda, especialmente se a consideramos sob a perspectiva existencialista, tal como desenvolvida por Sartre, que considerará as diferentes formas de ser, tais como o ser-em-si e o ser para-si. Há também o ser fora de si, ou seja, ser que se dirige para a alteridade. A alteridade é, por um lado, o ser-outro, ou seja, a transformação de uma realidade em outra. Assim, trata-se do ser que é infiel a si mesmo. Mas pode ser também entendida como a ampliação do ser por meio de novas experiências. Aqui, o âmbito de atuação do ser se expande, através das inúmeras experiências. A constituição do ser depende da expansão do âmbito de suas experiências.
O ser para-si, oposto ao ser em-si (pura imanência), é ser de transcendência. O para-si não deve ser entendido como ser que se volta reflexivamente sobre si mesmo, desligando-se completamente do mundo. Isso o identificaria ao ser em-si. O para-si exprime a intimidade e a possibilidade mesma de fazer-se presente a si mesmo e de transcender a si mesmo. O ser para-si, para alguns filósofos, ganha concretude existencial. O homem combina o ser fora de si (que existe pela relação com a alteridade) e o ser para si, que transcende a si mesmo. O homem é um ser de autotranscendência.


Conclusão

Por vezes, ingenuamente, somos levados a acreditar que o tempo, em si, é agente que atua sobre nossa vida, que tem o poder de produzir nossa maturidade. No entanto, podemos envelhecer e não alcançar a maturidade que nos permite debruçarmo-nos reflexivamente sobre a vida, a fim de ponderar nossos erros e acertos, nossas escolhas, nossas omissões. Porque maturidade depende não só da quantidade, mas, mormente, da qualidade das experiências em que nós nos envolvemos. Quanto maior for nossa abertura anímica para a existência, quanto maior for nossa profundidade nas experiências de mundo, maior será a dimensão de nossa maturidade.
Isso explica o fato de que podemos não amadurecer, mesmo já contando muitos anos de vida no rosto. Por quê? Porque persistimos em experienciar a vida superficialmente, em nos envolver com pessoas esvaziadas, superficiais. Porque nos prendemos a experiências empobrecidas. Nossa maturidade depende de experiências nas quais as interações com o outro contribuam para o nossa elevação intelectual, emocional, espiritual, etc.
Lembro-me de quando decidi pela ruptura com relacionamentos que, na adolescência eram favoráveis, mas que, com o desenvolvimento da maturidade, deixaram de sê-lo. Foi nessa ruptura que abri terrenos para o florescimento e enobrecimento de minha maturidade. Mas, é bom que se entenda: o homem é um ser inacabado, a maturidade é um processo, um vir a ser, e como tal, não terá fim, enquanto houver tempo e vida.





















sábado, 16 de julho de 2011

Como refletir menos...

                                  
                                        Para que refletir tanto?


Tédio: fastio, aborrecimento, desgosto.  Está lá no dicionário. Este sábado está entalado em minha alma. Ontem, insinuava-me uma intenção verbalmente entusiasmada em meu espírito. Hesitei em escrever sobre alguns temas que, agora, estão suspensos na lembrança. É possível que eu venha a esquecê-los. Talvez, seja melhor registrá-los aqui. Passearam-me algumas ideias sobre a origem das religiões, sobre a crença em deuses e demônios, sobre a relação visceral entre os humanos e os deuses. Também me pareceram atraentes os pensamentos sobre otimismo e pessimismo, que encontrariam alicerce numa pesquisa feita por uma psicóloga sobre o otimismo generalizante entre os homens e mulheres pós-modernos. A reportagem on-line foi viabilizada por uma amiga. Talvez, fosse interessante refletir sobre o que é ser otimista, pessimista e realista e que consequências acarretam essas atitudes nas relações interpessoais.
Aconteceu, contudo, que a intenção não fecundou. E, após visitar algumas comunidades de Orkut, em que passeiam livremente e sem suspeita os clichês de toda sorte, fiquei, sinceramente, desanimado. Às vezes, busco um retorno intelectual, um sinal mais ou menos interessante do espírito humano, nesses espaços (e já o encontrei certa vez); mas, hoje, o que li foi uma série de torneios verbais cansativos e agastados.
Então, uma amiga fez um comentário em uma de minhas últimas postagens, neste blog: “ultimamente, tenho refletido sobre como não refletir tanto”. Houve um tempo em que eu me incomodava com o excesso de reflexões que jorrava de minha alma; especialmente, quando elas não encontravam repercussão em outros espíritos.
Acho que devemos nos acautelar quando nos damos conta do fastio em face dessa capacidade tão desigualmente distribuída entre os homens. É que, muita vez, nós incorremos no equívoco de pensar que reflexões precisam ter finalidade prática. Algumas pessoas carecem de exercitar o pensamento reflexivo, como quem carece de beber água, de se alimentar, de dormir. Para muitos de nós, refletir é uma necessidade tão vital quanto essas necessidades biológicas. Pode parecer uma comparação equivocada – porque é claro que nossa vida depende mais destas do que daquela; no entanto, para muitos, refletir é fazer-se existir. A reflexão toca primeiro e intimamente a existência. Viver e existir são coisas diferentes.
No entanto, é claro que reflexões em demasia podem acarretar-nos aquela sensação de profundo desencanto, desgosto, aborrecimento, desilusão, simplesmente porque os espíritos que pensam e problematizam são mais lúcidos, esclarecidos. Quem reflete sofre mais, sente mais, porque se depara com a verdade, com a crueza do real.
É sempre melhor pensar em conjunto, compartilhar reflexões. Mas elas, em geral, são fecundadas na intimidade de nossos espíritos, resultam de um trabalho espiritual individual, se bem que nunca original. As minhas reflexões se esteiam nos terrenos das reflexões dos outros.
Quem não se inquieta não reflete. Quem não se incomoda e, portanto, vive comodamente no mundo e com o mundo não precisa dar-se ao trabalho de produzir reflexões.
Queria poder refletir mais sobre isso, amiga, mas a melhor forma de refletir sobre o como não refletir tanto é deixar que o silêncio preencha o espaço que seria destinado às reflexões. Deixemos que ele reflita por nós. O silêncio diz mais quando damos voz a ele.
Que ele povoe nosso espírito para que novas reflexões floresçam!

Poemas das horas invernais



Chamada


Ei! Psiu!
Vê se me enxerga!
Sou poeta!

(BAR)



Sem volta

No amor,
Não há volta
Que percorra
O mesmo caminho

(BAR)




Adversos

Um dia eu sonhava
Que amar só bastava
E foi então que a vida me ensinou
Que só amor não basta
E entre os versos
Da alma
Interpõem-se
Os adversos
Da vida

(BAR)


Cambaleante

Excesso no amor
Leva à embriaguez
E o coração cambaleia
Bêbado
Torto
Titubeando
Continua trombando

(BAR)



Casamento moderno

Dê-me a sua receita de amor
Que eu lhe dou meus ingredientes
Fidelidade
Dedicação
Confiança
Cumplicidade
Companheirismo
E
Desejo
Misture isso no coração
E qual será o resultado?
Dez anos de terapia

(BAR)


Carência

O amor não é necessário
Quando se tem
A vida inteira pela frente
Ele é necessário
Quando a vida
Nos escapa
A cada dia

(BAR)


Náufrago

A bóia do amor é o coração
Que nos mantém a salvo
Exceto quando se vai
Em direções contrárias
Deixando-nos amparados no acaso

(BAR)



Direções

O amor tem muitas vias
Caminhos que nos levam
A uma mesma direção
A
do coração
Só não se pode
Entrar na de mão-dupla
Que nos leva
Ao contrário
De sua razão

(BAR)



Vocabulário

Ao poeta
A falta do amor
É abundância
De palavras


(BAR)


Maturidade

Amarei talvez as de trinta
Talvez
Talvez as de vinte e cinco
Amarei as independentes
Sensatas
Decididas
As mais experientes
Amarei a todas alegremente
Sem delas nada esperar
Amarei por um instante
A brevidade de todo amar

(BAR)


Asas

Quero um amor
Que me tenha em casa
E que me dê asas
Ao coração

(BAR)


Somos dois

A única diferença
Entre sexo e amor
É que no sexo
São necessários dois

(BAR)


Suicida

O suicídio do coração
É amar à distância
A lembrança
Do ser amado

(BAR)



O início

O cuidado com o amor
Começa
No berço da alma
Quando os sonhos
Ainda engatinham

(BAR)



Acordo

No amor
Há o acordo
Dos corações
Há coincidência
Dos desejos


Na vida
No entanto
Muitas avenidas
Muitas idas
Muitas voltas
E revoltas
Pelas vezes
Que erramos as entradas
E entramos
Nas estradas sem saídas

(BAR)


Ausente

No amor
Só há uma única lição
A felicidade existe

Na vida
São muitas as lições
E descobrimos que a tristeza
Bebe no cálice da alegria
E toda manhã
Trará um dia
Que o céu acende
E
Assim
De repente
A noite chega
O céu apaga
E logo
Faz-se novo dia
E vão-se arrastando
As horas
E martelam as incumbências
As urgências gritam

No amor
Só há uma única lição
O mundo deve estar ausente
E nada para o amor
É mais urgente
Do que o bem-estar
Do Coração.

(BAR)

Exagerado jogado aos teus pés eu sou mesmo exagerado...






O Vassalo

Se prostrado a teus pés de anjo me deixo estar
E minha alma em refolhos te exalta assim
Se sou por isso mendigo de amor. Tem pena de mim!
Que não conheço outro jeito de amar!

Se ris da devoção deste amor promitente
E se profanas a santidade destes pálidos versos
Não sabes quanto Amor há em meus amplexos
Nem quanta ternura guardo n’alma fremente

Não conheces um querer que é bendito
Nem pousaste os lábios em boca tão cálida
Onde a ternura desabrocha como a crisálida

Nas noites quando de paixão consumido
O pensamento vai-te ao encalço em ardor
Não conheces as feições santas do Amor!

(BAR)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Hoje escrevo para não ser esquecido

                                                    
                      


                          Verberotismo


- O que há contigo? Por que te inquietas?
- Quero viver mais!
- E o que te impede?
- Não sei dizer.
- Oh! Homem de tantas palavras! Agora, admites não tê-las?
- O que sinto é inefável!
- Inefável, escolheste bem! O que desejas?
- O gozo do amor sem interdito.
- É o que te falta?
- é.
- E do que careces para consegui-lo?
- ousadia ou sorte.
- Ora, ousadia depende de nosso abandono de certos hábitos. Sorte? Tu não és daqueles que acreditam em sorte.

As férias, definitivamente, não me favorecem; que discordem de mim, mas a alguém acostumado à leitura, a elucubrações, que vive, cotidianamente, rodeado por livros, enchendo a cabeça de pensamentos, de palavras, discursos, teses, argumentações, e que busca em Sartre, Sócrates, Heidegger, Marx, Nietzsche, Schopenhauer matéria para elevadas e fecundas reflexões, as férias não favorecem, porque propiciam uma grande extensão de tempo para a ociosidade. No entanto, acho que incorri num equívoco. O trabalho espiritual é também uma forma de atividade. Escorrego no terreno da ideologia, que faz a distinção entre os que trabalham (operam com o corpo) e os que pensam (operam com o intelecto).
Marx ensinava que o lazer dado usufruir ao trabalhador alienado, numa sociedade capitalista, é uma forma de lazer alienado, de sorte que o lazer torna-se uma extensão da alienação existente nos modos de produção capitalista. Nesse sentido, a atividade de pensamento ou de reflexão está excluída dessa forma de lazer.
Parece que eu fui, graças à minha própria formação acadêmica, privilegiado, porque posso usufruir a atividade de pensamento, durante o tempo em que não leciono. De qualquer modo, eu não escapo às inquietações intelectuais, às questões do conhecimento; eu não escapo às tramas da linguagem, porquanto respiro as palavras continuamente. Em suma, estou envolto às palavras e delas me sirvo não para apenas comunicar,  mas, principalmente, para sentir-me.
Cuido que, ao me socorrer da companhia das palavras, busco uma compensação; uma compensação para um vazio existencial, cuja extensão é imensurável, que me atravessa. Nesse vazio, situa-se meu coração. Outrora, escrevia para ser notado, para bradar – Eu existo! Hoje, escrevo para que não seja esquecido.
Sublimação e repressão são duas palavras cuja significação toca-me intimamente. Em primeiro lugar, com Marcuse, a sublimação não deve implicar diminuição da energia erótica ou seu empobrecimento, mas uma forma de concentrá-la numa outra esfera de atividade, que não a genital. Vou elucidar mais esse ponto, citando um trecho em que Guido Mantega, em Sexo e poder nas sociedades autoritárias: a face erótica da dominação, artigo que compõe o livro Sexo e poder, ensina-nos sobre a contribuição de Marcuse na reflexão sobre os mecanismos repressivos das sociedades autoritárias:

“(...) Marcuse também concebe um tipo de sublimação que não implica o empobrecimento da energia libidinal, mas somente sua canalização para uma nova esfera de prazer. Isso é possível em função da erotização maior do corpo e das várias atividades humanas, de modo a criar zonas erógenas ou atividades eróticas fora da esfera genital, que possam extravasar os limites do próprio corpo. Trata-se das manifestações erógenas “espirituais”, derivadas do poder criador de Eros (o princípio de prazer), tais como o “amor das belas ocupações”  e “o amor dos belos conhecimentos”, que vêm juntar-se ao amor corporal, para formar a nova constelação de prazer de uma sociedade não repressora. Nessas atividades, a sexualidade não é desviada e nem impedida de atingir seu objetivo (o prazer sexual); pelo contrário, ao atingi-lo, transcende-o em favor de outros, buscando uma gratificação plena”.
(p. 26)
(grifo meu)

Nem sempre a vida de um escritor (no sentido lato do termo) reflete-se na sua obra. Em outras palavras, nem sempre buscaremos na obra o testemunho da vida de um escritor. No entanto, tudo que escrevo sou eu mesmo verbalizado. Disso se segue que meus escritos carregam uma forte carga erótica e libidinal, embora, consoante Marcuse, sublimada. Lembro, certa vez, ter escrito que, ao escrever, tenho ejaculações de pensamentos. Aqui, está a libido verbalizada, harmonizada com o erotismo da linguagem, que produz o prazer do conhecimento e da estética.
O erotismo de meus textos é produzido pelo coração; é o coração que goza, que ejacula, que alcança o prazer em sua forma espiritual. Esse prazer, decorrente da expressão espiritual erógena não exclui o desejo sexual pelo corpo, mas o transmuda numa liricamente mais densa, forte e contemplativa atividade humana.
Também é em Marcuse que buscaremos a compreensão da importância do reino da fantasia. É aí que os desejos e impulsos do prazer (libidinal) se mantêm a salvo dos aparatos repressores da sociedade. O reino da fantasia é, para o autor, o próprio inconsciente. É ele que impede que o princípio de prazer sucumba ao princípio de realidade. Nele está o potencial transgressor. A fantasia não é senão uma forma de negar a repressão e, nesse sentido, torna-se uma forma mais elevada (superior) de vida.
E o que acontece com esse reino “protetor” dos desejos de prazer e inibidor da repressão. Novamente, é na obra já referida, que buscaremos um esclarecimento:

“Com o tempo, os aparatos ideológicos da sociedade capitalista conseguem invadir essa fortaleza outrora inexpugnável, e substituir a velha fantasia impulsiva por uma nova imaginação pré-fabricada pela sociedade repressiva, com sonhos que podem ser concretizados pela máquina de consumo. Dessa forma, o princípio do desempenho aprisiona esse último reduto de rebeldia, desfazendo a dualidade realidade/ fantasia correspondente ao princípio de realidade e do prazer – submetendo tudo ao princípio de desempenho econômico, e reduzindo o homem a uma única dimensão. O “homem unidimensional” é aquele onde até a consciência foi aprisionada pelo controle social
(p. 27)

Do fragmento acima, pode-se depreender a minha busca por uma atividade espiritual sempre emancipada e libertadora. Donde se segue minha disposição fervorosa para criticar e rejeitar certos padrões sociais, entre os quais os que reduzem a atividade sexual ao mero desempenho, à mera performance e praticidade.
No capitalismo, a aparência de liberdade implica o acionamento de mecanismos de controle por meio de artifícios ideológicos e psíquicos ‘ocultos’ (que operam à sombra de nossa consciência). A submissão existe, se bem que está invisível. A famigerada liberdade sexual deu ensejo a novas formas de controle da vida sexual dos indivíduos. Veja-se a grande quantidade de especialistas que detêm a competência para falar de sexo e de ministrá-lo (em livros de medicina, psiquiatria, psicologia, sexologia, etc.) e de produtos destinados ao aperfeiçoamento do desempenho sexual dos casais.

“[a liberdade sexual] aumentou consideravelmente. Porém essa liberdade deve ser entendida entre aspas, pois ela não representa a livre manifestação do princípio de prazer, mas sim uma sexualidade contaminada, pelo princípio do desempenho econômico. Trata-se da “dessublimação repressiva”, onde, aparentemente, existe uma liberação de Eros, mas, na verdade, permitem-se as ações, mas não o sentimento. O indivíduo desoritizado, incapacitado de manifestar os seus sentimentos mais profundos, passa a intensificar seus “exercícios” sexuais. Para usar uma imagem pretensamente lírica, é um corpo amando sem alma”
(p. 20)


Se me impus uma repressão sexual por rejeitar o imperativo de corpos que amam sem alma, não me imponho uma repressão verbal, em que erotizo os pensamentos, com vistas à harmonia entre o lirismo da alma e o corpo das palavras. 
Certamente, há muitos homens interessantes, que ousarão invadir o coração, ou entrar gentilmente. Mas, igualmente certo, é haver poucos os especiais, que se expandem pela alma, pela linguagem, pelo caráter, pelo coração, que têm sede de AMOR que cuida e se sacia na simples presença.