domingo, 19 de junho de 2011

"O amor se diz de muitos modos, mas só há uma forma de senti-lo" (BAR)

                                                  Releitura
Relacionamentos – Arnaldo Jabor

Decidi reler o texto Relacionamentos de Arnaldo Jabor, que figura aqui neste espaço, a fim de fazer uma leitura mais cuidadosa. 
O título do texto – Relacionamentos – já nos permite situá-lo num domínio semântico. Vamos ao dicionário. Na Enciclopédia e Dicionário Koogan Houaiss, encontramos, no verbete relacionamento, o seguinte:

“ato e efeito de relacionar/ amizade/ intimidade: travar relacionamento com alguém”

Como não nos satisfaça essa definição, vamos buscar o significado de seu derivante, relacionar. Destaco o que nos interessa:

“travar conhecimento com pessoas, fazer amizades/ manter relações”

É claro que as definições do dicionário pouco nos ajudaram a compreender o sentido de relacionamento no texto de Jabor e basta que comecemos a leitura para nos certificar de que relacionamento envolve relação afetivo-sexual entre um homem e uma mulher.
Já no limiar do texto, o autor rejeita a construção ideológica de amor do discurso romântico, já que, ao contrário do que veicula e prescreve essa formação discursiva, relacionamentos não duram para sempre. Os ideias de unidade, eternidade e sublimação atribuídos à experiência amorosa são desconstruídos, como se vê em:

“Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa.
- Ah, terminei o namoro...
- Nossa quanto tempo?
- Cinco anos... Mas não deu certo... acabou
- É não deu...”

Note-se que se recupera aqui uma situação discursiva típica do cotidiano, em que os interlocutores compartilham uma representação da experiência amorosa. O fim do relacionamento é uma contrariedade em face das expectativas projetadas. É a realidade rejeitando nossos modelos ideológicos de felicidade.
O autor insistirá em que o parâmetro para avaliar a importância de um relacionamento não é a expectativa do ‘até que a morte nos separe’, mas quanto dele nos beneficiamos no tempo em que nos foi possível vivê-lo.
Se me permitem fazer uma observação que me parece pertinente, o autor instaura, em contraposição à visão romântica, uma visão que poderia chamar de realista. Essa visão realista admite a contingência, os versos e reversos e adversos da vida. Essa visão realista situa a experiência amorosa ou o relacionamento afetivo-sexual no domínio do real e não do imaginário, tipicamente romântico.
No entanto, convém notar que ele não deixa de aderir à visão predominante de nossa época: a do império do efêmero. Segundo ele, “o bom da vida, é que você pode ter vários amores”. Assim, os amores vão e vêm. E não nego a importância de experienciarmos muitos relacionamentos amorosos, já que disso depende nossa maturidade afetivo-emocional; mas discordo de que todas as experiências amorosas estão fadadas a ter um fim.
Outra forma de rejeitar o ideal romântico consiste em negar ao relacionamento a possibilidade de completude. O outro com que nos relacionamos não tem o papel de nos completar, porque ambos são inteiros, indivíduos que se bastam a si mesmos. Estou de acordo em parte. Um relacionamento deve enriquecer, e não preencher uma falta. Mas relacionamentos amorosos nos descentram; no amor, não há espaço para a centralidade do ego. Há, aqui, uma perspectiva influenciada pelo discurso da psicologia. Veja-se o que se segue:

“Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não lute, não ligue, não dê piti. Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não”

O autor nos mostrará que relacionamentos não seguem os scripts de nosso coração. Há perdas e ganhos, isso é inevitável. É preciso aprender a lidar com isso e nossa felicidade, com ou sem a pessoa amada, depende de como lidamos com as nossas frustrações, com as expectativas não realizadas, com o que deixamos de viver juntos. De certo modo, ele nos chama a atenção para a restituição do ‘eu’ que acaba, não raro, por se dissolver no relacionamento com o ‘outro’. É quando, apaixonados, nos perdemos no outro. Convém, no entanto, não assumirmos comportamento individualista que nos impede de nos relacionar. Por isso, insiste o autor “a pior coisa é gente que tem medo de se envolver”. Temer o envolvimento jamais! Relacionar-se afetivamente depende de uma abertura anímica, de uma entrega.
Em síntese, o que aprendemos é que o amor adulto não se refugia no imaginário, mas se desnuda nas inconstâncias, flutuações e contingências da vida. O amor é o quanto nos doamos, desejamos e nos desapegamos e nos preparamos para seus novos vôos; é o quanto priorizamos, o quanto nos reconhecemos imperfeitos e irracionais. Não há regras, não há parâmetros. Há apenas a vida do amor, que pode ser mais ou menos breve, mais ou menos intensa, mais ou menos extasiante. Enfim, no amor maduro “não há garantias”.
Que não há garantias, está bem; mas creio em que o amor é uma temática que tem implicações existenciais muito sérias. Quero, antes de pôr termo a este texto, refletir um pouco sobre a seguinte passagem:

“Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento. Tem gente que pula de um romance para outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?

Antes de me deter nessa passagem, vale dizer que amar é estar vulnerável. É não ter medo de envolver-se e de decepcionar-se. Há pessoas que preferem ficar à superfície, por medo de experimentarem dissabor, ilusão e decepção. Não ama quem tem medo de acumular algumas feridas na alma. A realidade do amor não compreende apenas campos floridos, para além destes haverá campos áridos e desérticos; não há só abundância, mas haverá escassez e períodos de seca.
É verdade que o nascimento e a morte são acontecimentos que experienciamos sozinhos. Mas usar isso como argumento para a necessidade do desapego é perigoso, porque não podemos nos esquecer de que existir é estar em relação com. Existir é movimento para o outro. Em outras palavras, nosso nascimento inaugurará uma série diversa de relacionamentos, que se iniciam em casa, com a nossa mãe e nosso pai. O ser humano é ser social, ser para a sociabilidade. E amor é relação. Mesmo quando amamos a nós mesmos, significa dizer que nos relacionamos com nós mesmos. E quantos de nós gostaríamos de morrer sozinhos?
Se, por um lado, nascemos “sozinhos”, não fomos preparados para viver sozinhos. A sociabilidade é algo inerente à nossa condição humana.
De uma perspectiva linguístico-discursiva, pensamentos são compartilhados, porque são formados nos discursos socializados. É claro que essa talvez não tenha sido a concepção do autor, pois que ele se refere a um pensamento auto-consciente, um pensamento subjetivo que se sabe de si mesmo. Sucede, contudo, que, ao nos relacionar, compartilhamos pensamentos, especialmente aqueles de que nos servimos para conduzir o relacionamento para um destino venturoso.
Acho que o amor, na fase adulta, nos põe diante do problema de manter a integridade do “eu”, sem centralizá-lo, sem conferir-lhe a primazia, ao mesmo tempo em que é preciso, descentralizá-lo, fazê-lo participante da vida do outro, sem privá-lo, sem cercear o domínio de sua atuação. Novamente, estamos diante do dilema: somos dois desejando um só. Não se conclua daí que somos “uno”, mas que o amor nos coloca num único sentido: o da reciprocidade.
Bem, o amor na fase adulta deixa de habitar nossos diários, para habitar a realidade mesma do cotidiano. O amor não é uma experiência conveniente nos momentos em que nos sentimos entediados, não é um passatempo, embora deva nos entreter; mas é uma experiência que deve constar da nossa agenda, que deve estar entre as experiências que escolhemos viver. Para uns, pode ser um momento, alguns dias, umas horas; para outros, pode ser um projeto, que é preciso iniciar e construir. Para uns, pode ser apenas um dos meios para se alcançar a felicidade; para outros, pode ser o fim último da felicidade, seu ápice.
Seja como for, na fase adulta, o que sabemos sobre o amor é que só aprendemos a amar amando. E isso não significa que nos tornaremos diplomados. Longe disso. O amor é uma singular experiência que a alma nunca alcança completamente e que o corpo deseja ardentemente, sem nunca conseguir abrangê-lo. O que sabemos talvez é que o amor exige a conjugação do corpo com a alma; exige, pois, a pessoa inteira (com seus desejos, sonhos, medos, raiva, frustrações...). Ele exige um retorno, uma doação de nós mesmos. Priorizá-lo ou não dependerá de nossa maturidade e do quanto já caminhamos na longa estrada que ele abre diante de nós.


sábado, 18 de junho de 2011

o nosso amor a gente inventa pra se distrair...







Criação

Ao amor
Bastam duas coisas:
Grandes doses de sensibilidade
Para viver
E uma embriaguez
De compreensão
Para não entender
Embebedada a razão
O resto
A gente inventa
Com o gênio do coração
Sem saber por quê

(BAR)

Poeminha noturno para nossos incansáveis corações...Para ler só à noite...



Infância


Para viver a profundidade do amor
Convém retirar dele o peso da alma
Porque no amor
O que sobra é nossa infância
E sua inocência

Que sabemos dele?
Tanto quanto sabem as crianças
O suficiente para nos alegrar
Assim são as crianças
Elas se alegram
E não se preocupam
Em explicar

Quanto mais queremos entender o amor
Tanto menos tempo nos sobra
Para amar

O amor
Se vive
No que ele tem de inexplicável
A poesia do amor
É seu silêncio
Indizível
Contido inteiro num olhar
No cheiro que excita
No sabor que delicia
Na vontade incontida
de se entregar

(BAR)

Arnaldo Jabor - o gênio do cotidiano...

Relacionamentos

Arnaldo Jabor


Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa:-

'Ah,terminei o namoro...'
- 'Nossa,quanto tempo?'
- 'Cinco anos...Mas não deu certo...acabou'
-É não deu...

Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam. Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro? E não temos esta coisa completa. Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama. Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel. Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador. Às vezes ela é malhada, mas não é sensível.Tudo nós não temos. Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele.Pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia. E as vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona...Acho que o beijo é importante...e se o beijo bate...se joga...se não bate...mais um Martini, por favor...e vá dar uma volta. Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não lute, não ligue, não dê pití. Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não. Existe gente que precisa da ausência para querer a presença. O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta. Nada de drama. Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro, recessão de família? O legal é alguém que está com você por você. E vice versa. Não fique com alguém por dó também. Ou por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar,seu pensamento. Tem gente que pula de um romance para o outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia? Gostar dói. Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração. Faz parte. Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo. E nem sempre as coisas saem como você quer...A pior coisa é gente que tem medo de se envolver. Se alguém vier com este papo, corra, afinal, você não é terapeuta. Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível. Na vida e no amor, não temos garantias. E nem todo sexo bom é para namorar. Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar. Nem todo beijo é para romancear. Nem todo sexo bom é para descartar.Ou se apaixonar. Ou se culpar.Enfim...quem disse que ser adulto é fácil?

Um leitura de Jabor

    Relacionamentos
          Um sobrevôo do espírito

Estive na PUC para dar uma palestra esta semana. Participei de um congresso de PLE (Português língua estrangeira). Convinha aproveitar a oportunidade para não só divulgar o tema de minha tese de doutoramento, mas também enriquecer um pouco mais o currículo. Lá encontrei alguns colegas com os quais compartilhei bons momentos no curso de especialização e nas aulas presenciais do doutorado. Bons tempos! Aproveitei para comprar dois livros, com preços promocionais. Essa é outra vantagem de ir a congressos. Senti-me contente e minha alma imbuiu-se de um espírito acadêmico que me agrada, se bem que eu dispense a vaidade peculiar aos indivíduos desse meio.
Bem, mas não é à minha satisfação acadêmica que reservo estas palavras. Quero escrever sobre o texto de Arnaldo Jabor, intitulado de relacionamentos – texto a mim oferecido pela dileta amiga Cláudia, a quem agradeço. Não se trata de uma análise, mas apenas de uma ligeira reflexão. Nada densa. Será um sobrevôo tênue e superficial de meu espírito.
Há tanta verdade nas palavras dele, que me assusto. Digo, fico perplexo, emudecido. Confesso que me custa escrever este texto. Que tenho eu a acrescentar em face de “Não fique com alguém (...) por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós”?
Acho que a significação das crônicas de Jabor é o seu poder de dizer o essencial. Esse essencial é, muita vez, expresso na sua forma nua e crua, sem mais colorido, sem contornos românticos. O prova a passagem “Na vida e no amor, não temos garantias”.
Agrada-me também a passagem:
“Tudo nós não temos. Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele”.

E o que dizer desta outra?
“E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.”

Não a completude, pois que somos pessoas inteiras, mas sim o acréscimo. Um relacionamento amoroso, para mim, hoje, deve acrescentar, e não subtrair, tampouco completar; pois que solidão não é falta, nem ausência; é presença plena de si mesmo.
Outra mais:

“Existe gente que precisa da ausência para querer a presença”

O que nos ensina Jabor? Muita coisa, é claro. Que o amor é prática, é convívio, é carne, é desejo, que o amor não é uma aritmética e que, assim como a vida, é imprevisível. Que o amor deve ser vivido no tempo e não projetado para além do tempo, para um vazio de um tempo que ainda não somos. Que não se preenche a ausência de uma experiência amorosa com outra experiência amorosa imediata. O amor acontece, não se procura. Namoro é envolvimento. Amor é sexo e pouco importa a posição. Amor é reciprocidade de duas individualidades que se acrescentam e não se completam.
Amor não deve preencher um vazio, deve inundar nossa alma de graça.
Em suma, que o amor, na fase adulta, deixa as regiões imaginárias do espírito juvenil encantado e sonhador, para habitar o concreto da realidade com suas flutuações, intempestividades, inconstâncias e desacordos. Eis o amor maduro, aquele que não nos vem empacotado, embrulhado e pronto para caber na simetria de nosso coração. Na fase adulta, o amor é um projeto, cujo valor, para alguns de nós, se medirá pelo quanto nos permitimos nos envolver, a despeito de suas deformidades.



homens que não conseguem amar...

Por que os homens não amam

Levei mais adiante a leitura do livro Homens que não conseguem amar e, portanto, gostaria de compartilhar com vocês o que os seus autores nos ensinam sobre como identificar homens que têm fobia a compromissos e sobre as razões dessa fobia. Eu pretendo me concentrar nas razões.
Como eu sugeri, no outro texto que tratava do mesmo assunto, os autores, como sejam provavelmente psicanalistas ou psicólogos, desenvolveram sua pesquisa de um ponto de vista comportamental e psicologizante. Isso fica claro quando levamos em conta a necessidade de os autores definir e explicar o comportamento fóbico, a saber, a fobia e de sugerir que os homens que fogem a compromisso, porque se sentem “presos”, ou temem sentir-se assim, comportam-se como as pessoas que têm claustrofobia. Trata-se, como se vê, de uma análise claramente psicológica ou comportamental.
Aprendi com a dialética, cujo princípio basilar se exprime na seguinte frase “a verdade é o todo”, que toda realidade é constitutivamente contraditória; e mais ainda, que a realidade é sempre mais complexa, mas diversificada do que o conhecimento que podemos ter dela. Há sempre alguma coisa que escapa às nossas sínteses. O pensamento dialético avança no sentido da totalização. É claro que há níveis de totalização, uns mais abrangentes que outros. Por exemplo, posso estar interessado em estudar a situação econômica no meu país. Então, a primeira totalidade que devo considerar é a sociedade brasileira, relativamente à economia, história, suas desigualdades sociais, etc. Todavia, se eu quisesse aprofundar a minha análise, por exemplo, procurando entender a situação do Brasil no cenário econômico mundial, então necessitaria de outro nível de totalização, um nível mais abrangente, que compreendesse as relações econômicas e de mercado em escala mundial; isso significa considerar o estágio do capitalismo atual (um capitalismo pós-industrial, etc.), sua gênese, suas contradições, etc.
Não vou discorrer sobre o pensamento dialético, é claro. Quero apenas insistir que a análise empreendida naquele livro busca explicar uma parcela da verdade, um nível da totalidade. Mas vale a lição de Émile Durkheim, ao estabelecer o objeto de estudo da sociologia, ou seja, o fato social. Escreve ele, em As Regras do método sociológico:

“Uma vez, porém, que hoje é incontestável que a maior parte das nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós, mas antes nos vêm do exterior, elas só podem penetrar em nós impondo-se; é isto apenas o que a nossa definição significa”
(p. 33)

Deve-se ficar claro que o autor não considera a determinação social como absoluta; portanto, o indivíduo gozará de certa autonomia, mas não poderá ser pensado, em termos de seus comportamentos, pensamentos e personalidade, sem considerar as influências do meio externo, isto é, social.
Agora, vamos buscar as contribuições de Zygmunt Bauman, aquele já conhecido sociólogo a cujo pensamento recorro para assegurar minhas teses. Em seu livro Amor Líquido, o autor faz-nos ver que relacionamentos são investimentos, nos quais se entra com tempo, dinheiro, empregam-se esforços, que poderiam ser orientados para outros fins. Citarei um trecho que me parece esclarecedor:

“É claro. Relacionamentos são investimentos como quaisquer outros, mas será que alguma vez lhe ocorreria fazer juras de lealdade às ações que acabou de adquirir? Jurar ser fiel para sempre, nos bons e maus momentos, na riqueza e na pobreza, “até que a morte nos separe”? Nunca olhar para os lados, onde (quem sabe?) prêmios maiores podem estar acenando?”
(p. 29)

Acho interessante a analogia que o autor faz entre o gerenciamento de um relacionamento e o gerenciamento de ações no mercado. Os acionistas detêm as ações e podem se livrar delas, de acordo com as condições do mercado de capitais. Ocorre que, num relacionamento, apenas os envolvidos podem ponderar as probabilidades e avaliar os benefícios. A menos que se contrate um especialista para aconselhamento e orientação, quem está num relacionamento deve tomar decisões, enfrentar as flutuações, as “dores de cabeça” típicas de um relacionamento.
Bauman nos ensina que, numa sociedade caracterizada pelo efêmero, pelo “presente eterno”, pela satisfação imediata, pela rejeição do “a longo prazo” e do “até que a morte nos separe”, não nos surpreenderá

“O desvanecimento das habilidades de sociabilidade [que é] reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objetos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu “valor monetário”. Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na atividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas alegrias do consumo, cujas presença e participação ativa podem intensificar os prazeres”
(p. 96)

O cenário social em que os homens que têm fobia a compromisso vivem e atuam é um cenário ideológico, cultural e econômico caracterizado por relações efêmeras, vividas sempre num presente eterno e que devem proporcionar prazer imediato. Donde se conclui que o “para sempre” ou “até que a morte nos separe” lhes sejam ideias assustadoras. Para esse tipo de homem , estar num relacionamento com uma mulher é estar aprisionado. Numa sociedade em que as promessas de prazer eterno e imediato, de liberdade sem responsabilidade, de lazer e divertimento, de imagens que criam, estimulam e reforçam os desejos; numa sociedade em que o outro é reificado (tornado objeto de usufruto e descarte), os homens que têm fobia a compromisso não seriam senão aqueles indivíduos em que as determinações de tais condições sociais foram mais agravantes.
Voltando ao livro referido, os autores observam que o significado de compromisso se define pela ideia "envolver-se para sempre". Na modernidade líquida, os relacionamentos têm prazo de duração. Homens que têm fobia a compromisso são homens para quem o para sempre é assustador. É interessante notar que não se questiona as razões sócio-culturais que provocam essa ‘fobia’ (se é que se pode chamar tal comportamento de ‘fobia’). Como não sejam sociólogos, nem filósofos, tampouco antropólogos, os autores não poderiam alargar sua análise de modo a apreender os fatores sócio-culturais, ideológicos e econômicos que determinam esse tipo de comportamento denominado de ‘fóbico’.
Eu vou arriscar uma explicação que me parece pertinente. Desde já, reconheço minhas limitações neste campo. Consideremos o que se segue, trecho colhido do livro Os tempos hipermodernos:

“Jean –François Lytoard foi um dos primeiros a notar o vínculo entre a condição pós-moderna e a temporalidade presentista. Perda de credibilidade dos sistemas progressistas; primazia das normas de eficiência; mercantilização do saber; multiplicação dos contratos temporários no cotidiano – o que significa tudo isso senão que o centro de gravidade temporal de nossas sociedades se deslocou do futuro para o presente? A época dita pós-moderna, definida pelo esgotamento das doutrinas emancipatórias e pela ascensão de um tipo de legitimação centrada na eficiência, faz-se acompanhar do predomínio do aqui-agora”.
(p. 59)

Convém reter o seguinte:
a) temporalidade presentista;
b) multiplicação dos contratos temporários no cotidiano;
c) primazia das normas centradas na eficiência;
d) predomínio do aqui-agora.

Agora, consideremos esta outra passagem, que se acha no livro Formas da Criseestudos de literatura, cultura e sociedade, de André Bueno.

“Como o leitor há de notar, posições que vão a contrapelo da cultura pós-moderna, que faz o elogio das superfícies, das imagens, dos simulacros, dos fragmentos soltos da vida social, da simples imersão nas aparências cotidianas da vida urbana. E o faz como um valor, algo a ser defendido e enfatizado, em termos de abertura, pluralidade, deriva, intensidade, instalando, com um passe de mágica, o reino da liberdade, em pleno reino da necessidade. Mais que isso, pondo de lado o reino da necessidade e as inúmeras resistências do real, tornando a própria necessidade uma virtude. Em resumo, a vida na caverna pós-moderna não como experiência empobrecida e mutilada, desumanização e violência, redução do campo do possível, o mundo máximo do fetiche de mercadorias, das coisas conversando com outras coisas, mas como o campo para as inúmeras escolhas, vários estilos de vida a serem consumidos”.
(p. 17)
(grifo meu)

Gostaria de lembrar que fetiche de mercadoria, uma expressão que remonta a Marx, se define em dois sentidos: por um lado, à semelhança do fetiche religioso, trata-se de uma coisa que existe em si e por si mesma. Por outro lado, ainda na concepção religiosa, trata-se de uma coisa que exerce domínio sobre seus adoradores. A mercadoria é uma força estranha que age sobre os homens e os domina.
O homem pós-moderno, seduzido pelas imagens, pelos simulacros, é aquele a quem são oferecidos serviços e produtos que se destinam à satisfação imediata do prazer e ao conforto. Esse homem é alguém que não se contenta com a monotonia e busca sempre o novo. Num universo econômico, em que “tudo é descartável”, esse homem deverá buscar cada vez mais novos bens e produtos que satisfaçam seu desejo e lhe causem prazer. Acontece que o novo provoca um estado de insaciabilidade nesse homem. Quanto mais experimenta a novidade mais insaciável fica. Mais ele deseja. Ele nunca está satisfeito. E vale lembrar que, a rigor, o desejo é criado nele; ele pensa desejar algo que lhe é indispensável, mas esse desejo é incutido nele por força dos agentes de marketing, publicidade, propaganda. Poderíamos dizer por força dos imperativos da Indústria Cultural.
Esse indivíduo moderno é alguém que aprende a imaginar e alguém para quem a imaginação é fonte de prazer. A imaginação transcende a experiência. A descartabilidade, a predominância do valor de troca sobre o valor de uso das mercadorias, a desvalorização do humano no âmbito das relações de produção (pela alienação e exploração) geram as condições para que, atingidos no domínio espiritual-emocional, pela penetração da ideologia materializada nos discursos que servem ao poder dominante, o indivíduo pós-moderno seja um indivíduo para quem qualquer forma de relacionamento, que tome formas divergentes das condições em que se dão as relações superficiais situadas no domínio dos simulacros e das imagens, que prometem prazer imediato sem custo emocional, deve ser evitado.
Minha análise pode carecer de maior fundamentação, mas creio que ela consegue dar conta do seguinte:

a) em primeiro lugar, dizer que existem homens com fobia a compromisso é dizer apenas um aspecto de uma realidade mais complexa, melhor ainda, é dizer de uma dada perspectiva (no caso a da psicanálise);

b) insiste em que existem fatores sócio-culturais, econômicos e ideológicos atuando na dimensão espiritual-emocional desse tipo de homem. Sócio-culturais, porque envolvem valores, crenças e práticas; econômicos, porque existe uma determinação, ainda que não direta, das formas de relações de produção e de consumo (alienação, exploração, produção em larga escala para consumo de massa, descarte, etc.). Ideológicos, porque responsáveis pela simbolização de tais práticas, de tal modo que as formas como elas se dão se “incorporam” discursivamente na consciência dos indivíduos, de modo a “moldá-los” segundo determinados padrões de comportamento. Aqui, deve-se levar em conta o poder ideológico da palavra. Palavras que inculcam valores, crenças...
No predomínio do efêmero, não há espaço para o compromisso, para relacionamentos que aspirem ao para sempre. Se se pode consumir e descartar, sempre que determinada coisa não satisfaz mais o desejo sempre insaciável, também se pode relacionar-se até o instante em que o prazer dure (aliás, muito pouco). Nesse mundo do consumo-descarte, não convém ficar vulnerável a “dores de cabeça”, “a aborrecimentos”. Trata-se de uma nova forma de hedonismo: um hedonismo que desumaniza em favor de um prazer sempre absoluto, se bem que humanamente empobrecido.




quarta-feira, 15 de junho de 2011

"...hoje a noite adormece em minha alma... e quem sonha é sua serenidade" (BAR).






Minha paixão

Minha alma tem muitas páginas
E todas  levarão
A um único lugar
Meu coração

Minha alma tem páginas vastas
De sonhos, infância
E anseios
De imensidão

Minha alma tem páginas
Que me desnudam
Que me mergulham
Numa canção

Na canção do amor
Que não se cala
Porque eterna
Minha paixão

(BAR)






terça-feira, 14 de junho de 2011

os homens que fogem a compromisso


             
                                             
                 A feminilidade de minha alma




 


Estava eu ontem me ocupando com alguns afazeres triviais – cortar o cabelo, comprar folhas para a impressora... quando topei com um livro, em cuja capa estampava-se o título Homens que não conseguem amar. Detive-me a olhar a capa e ler o texto da contracapa, hesitei por alguns minutos (porque sabia se tratar de um livro de auto-ajuda; portanto de um livro que não ofereceria um conteúdo intelectualmente edificante), mas minha paixão de leitor inveterado tilintou alto e, quando vi o preço (R$ 9,90), resolvi comprá-lo. Comecei a lê-lo ontem, não sem que antes tivesse pedido licença a Leibniz, Aristóteles, Marx e outros autores que contribuem sempre para o meu enriquecimento cultural. Interrompi a leitura e, hoje, a retomei. Confesso que ainda não terminei o primeiro capítulo, não porque seja extenso, mas porque traz alguns relatos pessoais não muito estimulantes. É que os autores, reconhecidos como especialistas em relacionamentos, a fim de produzir sua pesquisa, colheram diversos testemunhos de mulheres que já viveram ou vivem relacionamento com um homem que, segundo os próprios autores, tem fobia a compromisso. Alguns testemunhos são triviais, mas há outros interessantes.
Convém oferecer algumas informações relacionadas ao contexto da pesquisa empreendida. Contam-nos os autores que, embora desenvolvida num contexto social americano, o empreendimento da pesquisa contou com os testemunhos de leitoras brasileiras. Eles agradecem, inclusive, às diversas entrevistadas brasileiras, quando de sua visita  ao Brasil. Disso se segue o reconhecimento de que há semelhanças entre os casos de americanas e brasileiras. Tanto umas quanto outras já viveram histórias parecidas no tocante a relacionamentos com homens que fogem ao compromisso.
Como eu disse, ainda estou lendo o primeiro capítulo, e é dele que vou me ocupar aqui. Gostaria de partilhar com as seguidoras de meu blog (a maioria esmagadora são mulheres) um pouco da leitura deste livro e, assim, abrir um espaço para o diálogo e a reflexão. Lembro que uma de minhas preocupações intelectuais é a meditação sobre as formas de relacionamentos, chamados epidérmicos ou líquidos entre homens e mulheres da denominada modernidade líquida. Mas é bom lembrar que o recorte operado pela pesquisa de que o livro é um resultado é diferente, pois os autores não estão interessados nos relacionamentos entre homens e mulheres muito novos, mas mais maduros e profissionalmente estabelecidos. A faixa etária varia entre 25 e 40. Os casos mais frequentes, até onde pude constatar, são os de homens e mulheres na faixa dos 30-35.
No limiar do capítulo em pauta, os autores esclarecem o problema:

“muitos homens têm um medo exagerado de compromisso. Se você é uma mulher contemporânea, há grandes chances de que venha a se envolver com pelo menos um homem, possivelmente mais de um, que prefere fugir ao amor”.
(p. 16)
Bem, o livro vem confirmar uma realidade com que eu me defrontava nos testemunhos de amigos na minha faixa etária, ao dizerem que comprometer-se com alguma mulher é manter-se numa condição de aprisionamento.
Os autores nos explicam qual é o perfil desse tipo de homem: é aquele que não telefona após um primeiro encontro agradável; é o homem atraente e desejoso que, após uma noite de sexo, some; ou mesmo o namorado dedicado que, ao ver o relacionamento sendo encaminhando para um casamento, o abandona. E pode ser também o homem que, após o casamento, se torna infiel ou indiferente. Esclarecem os autores:

“Para ele, você é sinônimo de esposa, mãe, de ficar junto – para sempre – e isso o deixa aterrorizado. É por isso que ele a abandona. Você não consegue entender, mas, se isto servir de consolo, ele provavelmente também não compreende as próprias reações. Só sabe que um relacionamento mais sério lhe causa grande desconforto e ansiedade”.
(p. 16)

A principio, ficamos tentados em dizer: “Freud explica!”. Mas, antes de concluirmos assim, vamos avançar um pouco mais na compreensão do fenômeno. Os autores apresentam o primeiro caso, o de Jamie e Michael, que se conheceram numa festa. Ela tinha acabado de completar 28 anos e estava bem empregada e satisfeita. Eu não vou recontar a história, mas citarei uns trechos que me parecem bastante ilustrativos do comportamento desse tipo de homem. Atentemos para este trecho do relato de Jamie:

“A sensibilidade dele era tocante. Contou que sua última namorada estava mais interessada na carreira do que nele. Para ter um relacionamento sério, disse Michael, ele queria uma mulher como Jamie, que sabia estabelecer prioridades”
(p. 18)

O rapaz, então, estreitou o vínculo, e os dois tiveram noites maravilhosas de sexo e muito companheirismo. Inicialmente, tudo parecia perfeito. Estavam juntos há cinco meses e a moça feliz com a perspectiva de casamento. Mas não tardou para acontecerem algumas mudanças no comportamento de Michael. Conta a moça:

“Michael disse que (...) precisava se afastar um pouco da minha intensidade. Eu não tinha a menor ideia do que fosse essa ‘intensidade’, mas ele insistia em dizer que eu era intensa demais”
(p. 23)

Não posso deixar de notar que me vejo refletido nesse testemunho. Após o término, a moça culpava a si mesma, e confessou:

“Constatar que o amor não significava para ele o mesmo que para mim me causou muita dor, eu não sabia o que fazer”
(p. 24)

Convém dizer que os autores selecionavam para entrevista homens inteligentes, com boa formação acadêmica (alguns com um doutorado no currículo) e profissionalmente estabelecidos e bem-sucedidos. Portanto, não se trata dos fracassados ou vagabundos, nem de menininhos que não sabem o que querem da vida (muito embora o comportamento deles, no momento em que fogem ao compromisso, assemelhasse-se a de um homem adolescente, mas é cedo para avaliar o que provoca a fobia).
Veja-se o que nos diz os autores a respeito do público feminino entrevistado:

“O público ao qual me dirigia era composto principalmente de mulheres. Além de serem sempre mais interessadas em discutir a relação, elas tendem a fazer mais perguntas, a se abrir mais e a ter menos medo de fazer auto-avaliação. A maioria delas estava se recuperando de relacionamentos com homens que fugiam da possibilidade de um compromisso real (...)”.
(p. 25)

Segundo os autores, as mulheres entrevistadas são unânimes em dizer que o que as incomoda é que os homens dizem querer uma coisa, mas fazem outra. Ou seja, inicialmente, eles demonstram muito interesse, alguns até insistem convidando para jantares, etc., falam de amor, se entregam sexualmente, mas, à medida que o compromisso vai se tornando mais sério, mais afinado com o juntos para sempre, eles fogem. O juntos até que a morte nos separe é, definitivamente, um fantasma que eles querem exorcizar.
No tocante ao público masculino entrevistado, revelam-nos os autores:

“Em geral eram homens inteligentes, com uma boa formação. A maioria dizia ser sensível às necessidades femininas. A questão que se colocava era: por que esses homens bem-nascidos e inteligentes tratavam as mulheres tão mal?
(p. 27)

Os autores estavam interessados em saber: a) se esses homens tinham um plano definido, ao iniciar um relacionamento?; b) se, ao contrário, agiam deliberadamente de forma manipuladora?; c) se sabem que têm medo de compromisso?; d) se esse medo os leva a provocar o fim do relacionamento?. Havia interesse em respostas mais específicas. Por exemplo, queriam saber se algum desses homens deixou de procurar uma mulher após fazerem sexo? Por que alguns homens desistiam do relacionamento depois de pedir uma mulher em casamento? Se os homens se tornam infiéis quando o relacionamento começa a ficar bom e íntimo?, etc.
As entrevistas com os homens permitiram ao autores as seguintes conclusões, que elenco abaixo:
1ª) Quando um relacionamento ganha mais intimidade, homens que tem fobia a compromisso comportam-se de modo irracional;
2ª) Esses homens atribuem às mulheres os defeitos para tentar se sentirem melhores em relação ao modo como eles se comportam;
3ª) A maioria desses homens reconhece que, ao enfatizar os defeitos das mulheres, estão mascarando sua própria incapacidade de se comprometerem.

O que ficou claro, durante as entrevistas, é que os homens têm muita dificuldade para falar sobre seus sentimentos mais íntimos. Não sabiam lidar com o que fizeram e nem queriam refletir sobre isso. Insisto em que tais tipos de homens

“(...) empreendem [sic.] uma perseguição incansável até sentir que o amor e a reação da mulher o deixam encurralado no relacionamento – eternamente. No momento em que isso acontece, ele sente o relacionamento como uma prisão que lhe provoca ansiedade, quando não pânico total. Antes que a mulher saiba o que está acontecendo o homem já começou a fugir do relacionamento, dela e do amor”.
(p. 30)

Os autores ensinam que há homens que, depois de um ótimo primeiro encontro, não procuram mais a mulher, porque sentem medo da expectativa de que o relacionamento leve a um casamento. Casos há em que alguns acreditam que sexo é sinal de compromisso e, uma vez acontecendo, o relacionamento torna-se mais íntimo e, intimidade, para esse tipo de homem, é sinal de “aprisionamento”.
Ao ler este trecho, reafirmo minha distinção masculina e sinto-me, nesse tocante, muito mais situado no domínio emocional feminino do que no masculino. Porque, para mim, sexo é compromisso e intimidade e deve tornar possível o fortalecimento do vínculo. Novamente, ressoa aqui minha alma romântica e idealista. Mas, como se vê, a grande maioria de homens não pensam e agem dessa forma.
Ensinam ainda os autores:

“A fuga de um homem depende muito do que ele percebe como o ponto irreversível de compromisso em uma relação. Esse ponto varia em função de uma série de fatores, tais como comportamento-padrão do homem, a atitude da mulher e o nível de envolvimento entre os dois. É o momento em que ele olha para ela e sente que, se não sair imediatamente do relacionamento, ficará encurralado para sempre”
(p. 31)

No final do capítulo, os autores elencam o que seriam os pontos irreversíveis, ou seja, as situações em que os homens se sentem envolvidos pelo medo de que o relacionamento se torne mais sério:

1º ponto: apenas um encontro e nada mais. Segundo os autores, toda mulher já se decepcionou nesse momento. O homem desiste do relacionamento, depois do primeiro encontro, mesmo tendo sido ele muito agradável.

2º ponto: depois do sexo, ele não mais aparece. Muitos homens abandonam o relacionamento, depois da primeira relação sexual. Segundo os autores, esses homens entram em pânico.

3º ponto: Quando o estar em casa se aproxima. É quando os homens temem ficar presos, no momento em que percebem que o relacionamento torna-se mais estreito, mais íntimo, mais emocionalmente sólido.

4º ponto: O dia seguinte. Alguns homens já dão sinais de recusa a um relacionamento que começa a tomar as formas de um compromisso mais perene.

Os capítulos seguintes são destinados a orientar as mulheres a identificar tais tipos de homens e a aprender a lidar com eles.
Deixo aqui um espaço aberto para comentários e reflexões. É interessante notar que existem fatores sócio-culturais que, pelo menos até onde li, foram ignorados. A abordagem empreendida é, claramente, de caráter psicológico. Caberia avaliar a influência de fatores sociais, relacionados aos modos de comportamento  estabelecidos nas relações afetivas entre homens e mulheres por força das influências culturais e econômicas, incluindo-se aqui educação, valores e poder.
Eu preciso me aprofundar mais na leitura do trabalho, mas acho que posso já fazer uma crítica. Uma vez publicada num livro destinado ao grande público, particularmente feminino, a pesquisa não deixa de reforçar um estereótipo, a saber, a crença em que homem não quer compromisso. Assim mesmo, de modo genérico. Por outro lado, não deixa de testemunhar os fatos.
O que é interessante é que, a despeito de todo esforço empírico empreendido, a pesquisa, necessariamente, tem de recortar seu objeto de estudo, de modo que deixa escapar uma grande parcela da realidade. Hegel já ensinava que, de uma perspectiva dialética, a realidade é contraditória.
O problema dos livros de auto-ajuda é que eles se destinam a nos “ensinar a viver”. Ora, não há receita para a vida, nem para os relacionamentos afetivos. Nenhum livro que trate de relacionamentos, por melhor que seja a intenção do seu autor, servirá para livrar homens e mulheres de suas frustrações em relacionamentos. Nossa maturidade afetiva, emocional, moral depende das experiências vividas, da prática, da convivência. Só aprendemos a nos relacionar afetivamente, sem vacilar, sem temer a vulnerabilidade, nos relacionando.
Por outro lado, a pesquisa confirma uma tendência bastante atual: a dos vínculos líquidos, da fragilidade dos relacionamentos (pós)-modernos. O que se nota é que a maioria das mulheres ainda desejam estabelecer vínculos sólidos, duradouros, que lhes dêem segurança, afeto, muito embora elas sejam autônomas e profissionalmente bem realizadas (realizadas enquanto pessoa). Ao que parece, para os homens, bastam a realização profissional e o status econômico.
Parece-me que uma boa explicação possa ser desenvolvida pela observação das formas de educação tradicionalmente dada a homens e mulheres. Numa sociedade claramente patriarcal e machista como a nossa, homens e mulheres são educados de modo, que venham ocupar os lugares socialmente estabelecidos para cada um dos "gêneros". Em outras palavras, homens não são educados para lidar com assuntos do coração; as mulheres sim. Donde se segue a ideologia segundo a qual mulheres são mais sensíveis do que homens, ou homens não sabem lidar com suas emoções.  As mulheres podem ser bailarinas, mas homens bailarinos são mal vistos, tachados de homossexuais. Homens podem jogar futebol, mas uma mulher jogando futebol também será mal avaliada. Felizmente, o sucesso de nossas jogadoras de futebol têm contribuído muito para amenizar preconceitos.
Parece-me que, ao chegar próxima dos 30 anos, o amor, para a mulher, ganha uma concretude, uma densidade, mormente se ela já alcançou uma estabilidade profissional, que não tinha quando ainda contava seus 20 anos. Essa concretude atribuída à experiência amorosa, suas expectativas de que essa experiência se prolongue não estão afinadas com as expectativas de muitos homens, igualmente realizados em sua profissão. E não adianta buscar certas inclinações em comum. Veja-se o caso de Anne, que conta sua desditosa história com um pastor anglicano:

“A melhor parte da história é que o cara era um pastor anglicano. Ele morava na Filadélfia, e eu, em Nova York, mas tínhamos amigos e o gosto pela música em comum. Também éramos da mesma religião. Durante umas férias, nos encontramos em um festival de música e ficamos duas semanas em contato permanente. Ao fim da primeira semana, ele já falava em como eu era importante na vida dele. Na verdade, disse até que estava começando a se apaixonar por mim. Devo acrescentar que ele também passou um bocado de tempo falando sobre a importância dos valores e dos compromissos. Finalmente, voltamos para Nova York e, em vez de seguir para Filadélfia, ele foi embora dizendo que me ligaria no outro dia, mas só telefonou duas semanas depois. Parecia muito distante e estranho. Tentei ligar para ele infinitas vezes, enviei-lhe inúmeros cartões postais e, tenho vergonha de confessar, até um pequeno presente de aniversário, mas ele nunca mais me ligou. Fiquei arrasada. Escrevi-lhe incontáveis cartas longuíssimas, mas fui, felizmente, convencida por amigos a não enviá-las. Nelas eu assumia a responsabilidade por todos os pecados do mundo. Como pode um homem que passou tanto tempo falando sobre o bem e o mal comportar-se dessa maneira? Durante um ano, tive certeza de que havia feito alguma coisa errada. Às vezes ainda penso nele”.
(p. 33)

Uma leitura mais rica deste trabalho pode ser feita à luz das contribuições do capítulo 5 Feminização dos valores morais, constante do livro Feminismo e ética: como feminizar a moral  (2005). Lá se pode ler o seguinte:

“Constata-se e critica-se principalmente a existência de uma “masculinização” da ética cultural ocidental. Para algumas feministas, de Aristóteles a Rawls o conceito de justiça teve uma leitura predominantemente masculina. Kant é o autor no qual mais se concentram as críticas feministas (...)”
(p. 67)

Trata-se aqui de defender uma reorientação dos valores morais da sociedade atual, por meio de uma ética feminina. No tocante ao tema aqui visitado, a ética feminina atuaria no sentido de resistir ao efêmero nas práticas sociais pós-modernas. Em outras palavras, buscar maior densidade, perenidade, solidez nos vínculos afetivos deve ser uma forma de afirmar a ética feminina, numa sociedade em que os valores masculinos da competitividade, do utilitarismo, do descartável, do efêmero são muito presentes e determinantes.

Digressões finais

Não sei se consegui obter sucesso em minha exposição. Chego ao cabo dela, sem ter certeza de que tudo que pretendia escrever eu consegui escrever. De qualquer modo, não posso deixar de lembrar que sou um homem situado social e culturalmente, ou seja, um homem atento à realidade sócio-cultural em que vivo, um homem atento às formas de relacionamento estabelecidas numa sociedade utilitarista e caracterizada pelo efêmero.
Vale atentar para uma pergunta feita em um fórum de uma comunidade no Orkut, que se intitula Mulheres inteligentes:
Homens inteligentes: eles existem?
Oi moças... no mundo globalizado e competitivo de hoje, existe espaço para homens inteligentes e românticos?

As mulheres responderam. Seguem-se algumas das respostas:

Sempre tem espaço para homens inteligentes. Especialmente quando nao acham que sao os donos da razão. Alias, tanto homem como mulher fica insuportável quando tem esse mis-concepção.

Mas romanticos - bem. Tem sim. Mas só um para cada. Por exemplo, agora casei. Entao um homem inteligente ser romántico é ponto negativo. Nao poderei usufruir da sua compania e amizade. Mas se ele souber direcionar o seu romantismo - se eu ver que ele é romantico com sua parceira e simplesmente amigável e educado comigo - nossa, tudo de bom. Ai vou torcer para poder ser amiga dele e da parceira.

dificil
existe sim,mais e mmmmuito raro.

Claro que existem !!
ja conheci vários e é uma das coisas que mais admiro em um homem, antes mesmo da beleza exterior ...



nao achei ainda hahaha

Homem, heterossexual, inteligente, romântico, simpático ... está difícil....
detalhe que nem falei bonito e bem de vida... XD mas com calma agente acha ... se não vou acabar seguindo a dica e virar lésbica mesmo rss

Ora, é claro que a pergunta foi mal elaborada, pois que assenta no pressuposto de que homens inteligentes possam não existir, o que é um disparate. Que eles existem é fato. O problema é encontrá-los, reconhecê-los e valorizá-los.
Lembrou-me o texto Crônica do amor, de Arnaldo Jabor. Há duas passagens neste texto que me divertem ao mesmo em tempo que lança uma crítica muito sutil:

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.”

A segunda é esta:

“(...)você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?”
   


Há muitas mulheres à procura de homens que desejam realmente compromisso; assim também há homens que ainda querem compromisso. O problema é dar-se o encontro deles. Assim como as mulheres entrevistadas, eu também já vivi poucas, mas frustrantes, experiências com mulheres que não queriam compromisso. Mas, antes, eu queria ser escolhido. Á medida que nos aproximamos dos trinta anos – para mim, faltam alguns meses – nós é que devemos escolher. Sucede assim com a mulher que chega aos trinta anos. Ela é que deve escolher, só deve viver com quem a merece. É claro que a busca pode ser árdua, haja vista às condições pouco animadoras, mas eu acredito que o provérbio demasiadamente humano ainda vale: “ama a ti mesmo como nunca amarás o teu próximo, e assim serás amado”.
Já disse, várias vezes, que minhas melhores amizades são com mulheres. O mundo masculino, os seus valores não me atraem. Gosto das delicadezas do coração, do olhar que acolhe, mas também que devora. E incansavelmente declaro que o AMOR e o conhecimento são os valores que persigo. Mas que o AMOR, o compromisso amoroso, estará sempre como prioridade. É o destino dos poetas, de quem mantém uma relação íntima com a linguagem. O que faço em minhas horas vagas senão escrever e ler? E me sinto realizado, pois minha profissão me permitiu isso. Ora, eu respiro linguagem o tempo todo. Como professor de português, ensino sobre língua, discurso sobre linguagem. Mas, ao mesmo tempo, trabalho com a estética da linguagem, com a sua beleza.
Costuma-se dizer que as mulheres são mais comunicativas, que exibem maior destreza  no uso  da linguagem do que a grande maioria dos homens. Não sei até que ponto isso é verdade. Mas nisso também me identifico com o feminino. Aprecio o diálogo e gosto de ouvir o que as mulheres – porque homens, em geral, não falam de sentimentos, falam de suas crises fálicas  e só – têm a dizer sobre seus sentimentos.
Certa vez, uma amiga me contava sobre seu relacionamento com o namorado e eu a ouvia ao telefone. E ficávamos horas a conversar... É que eu entendo que relações afetivas são fundamentais à nossa vida. A vida não é só trabalho, estudo, incumbências. É verdade que, desde há muito, me preocupo com o meu futuro amoroso. Quero dizer, viver um relacionamento amoroso estável e próspero é uma prioridade hoje em minha vida.  

Contarei uma situação interessante que vivi.  Em sala de aula, lia com meus alunos o texto muito divertido de Arnaldo Jabor Crônica do amor (http://pensador.uol.com.br/frase/MzI5OTc/); a certa altura, disse às minhas alunas (as moças predominam num curso de pedagogia) que são indispensáveis a um relacionamento amoroso cinco qualidades: fidelidade, cumplicidade, companheirismo, confiança e reciprocidade. Acrescentei que o elenco poderia ser estendido e que essas cinco qualidades compunham o ideário amoroso. A prática, como ensina Jabor, é bem diferente. Definitivamente, o amor ignora nossos scripts.  Alguém me disse que, no amor, os envolvidos devem ter, em alguma medida, objetivos em comum.
             Sucede que senti as alunas realmente atentas à leitura que fazíamos em conjunto. Elas estavam atentas ao que eu dizia sobre o amor e me pareciam docemente estupefatas. Afinal, não é todos os dias que se ouve um homem manifestar tamanha sensibilidade romântica ao abordar o tema amor. Eu me alegrei com o resultado da aula. Em primeiro lugar, porque as fiz ver, durante a leitura, além do que viriam, caso lessem o texto sozinhas. Em segundo lugar, porque pude provocar-lhes a sensibilidade, isto é, não só o entendimento, mas a sabedoria que vem da alma; aliás, das profundezas da alma, dos seus recônditos, onde moram nossos sentimentos mais ternos e mais carentes de amor e desejo de felicidade. Lá mesmo onde residem nossos sonhos e desejos inconfessáveis; lá onde mora a criança em nós, carente de cuidado, de amparo, de proteção. Sensibilizar é também função do professor. Assim eu penso.