Mostrando postagens com marcador Amor. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Amor. Mostrar todas as postagens

domingo, 17 de março de 2013

As páginas amareladas de amor de minha alma


                    


                        Rasuras e rascunhos de amores
                    
                               A minha breve ingênua história


Aquele copo de cerveja. A embriaguez fingida. A encenação cativante. E lá estava Ana Paula desejosa de se apossar de mim. Ana Paula tinha um corpo voluptuoso, mas meu coração não se inclinava a ela. Curiosamente, ele se enfeitiçara por outra Ana Paula. Por quem chorou. Era a época de minha adolescência.
Depois, já no segundo grau, conheci Marcelle, que me roubara um mês de serenidade, quando se despediu de mim para tomar aquele avião rumo a Portugal. Mal havia requestado sua afeição, precisou partir. Nos correspondíamos por cartas. Tendo voltado Marcelle, o fantasma do Dinho, do grupo Mamonas Assassinas, resolveu importunar-me as promessas de amor eterno que eu fizera a ela. Nos encontramos alguns dias depois de seu retorno. Dois encontros, e ela decidiu pôr um ponto final em nossa breve história de um amor promitente. Voltei para casa em pranto. Era 1999, e eu contava 17 anos.
No ano seguinte, já decidido entregar toda minha alma ao amor, tentei requestar a afeição de uma jovem professora. Eu, com meus 18 anos, e ela, talvez com os seus 25. Lhe ofereci margaridas e me ficaram justificativas. No entanto, para a minha felicidade, naquele mesmo ano, conheci Monique. A ela dediquei os três anos e sete meses mais liricamente intensos e inflamados de paixão de minha vida. A ela compus a maioria de meus versos. Fora um período de entrega e perturbações do coração. Foi quando se me aflorou o ultra-romântico que determinaria até então minha peregrinação amorosa.
Embora tenha resistido à ideia de que Monique não seria a mulher ao lado de quem gozaria uma tórrida noite de núpcias, tendo permanecido ao seu lado reprimindo minha pulsão sexual por amor (um amor castrador),  decidi deixá-la. E doeu, como doeu! Era 2004. E naquele mesmo ano, conheci Carolina, a quem não pude corresponder os mesmos favores e frescores líricos que me destinava. E a quem dediquei este poema, passado algum tempo de nosso rompimento - um poema de cuja existência ela sequer sabe.

Carolina

Hospeda lancinante n’alma,
Sobeja saudade soterrada,
De ti, Carolina, borboleta
Reminiscência pousada!

Devorados livros, um mogno de projetos,
As letras na mente adejando, tristeza...
Lamúria familiar, Carol se esqueça
Deste remido inquisidor dos mistérios

Ah! Bênção renegada! os lêmures visitantes
Já se riem do engano nímio daquele tempo,
Versos fartos, forjados à meia-luz no aposento
Versos vácuos: sombrios olhares ludibriantes!

Os projetos, Andorinha Cordial! são o inverso
Dos sonhos, que a este insulado homem confiou
Plasmam a corja de olhares que não me assaltou
São todos deveras reais como lápides de cemitério

Apenas de ti, já envolta aos braços outros, de fato
Sei, porque vi, Feição Inolvidável! sorrias junto aos
                                                                        [braços
Entregando-lhe, Gratuidade!, cada estrela que no quarto
Lembro: adeus!, vejo, acenando, Astro-lábio de meus
                                                                        [rastros

(BAR)


Estava terminando o curso de Letras e Carolina também compunha seus versos. Também era estudante de Letras. Mas não pude amá-la. O fantasma de Monique ainda jazia em minha memória. Os anos que se sucederam trouxeram-me à alma a depressão, mas também a prosperidade acadêmica. E durante todo esse tempo, a poesia ultra-romântica não cessava de romper-me da alma. E os versos pululavam no papel. Uma enxurrada de poemas compostos na verve do romântico maldito em que me transformei. Foi possuído de um estro lírico que me assaltava o descanso das noites, que me tomava as horas da tarde, e que tornava mais densa, mais pungente, embora também mais lúcida para a consciência, a depressão. Na depressão da alma, erigia meus versos de amoroso talante. E as mulheres que eu desejava amar, que não pude amar eram sombras a visitar-me à noite. Eram espectros a ocupar-me o espírito, conturbado e impregnado de um lirismo endoidecido e fatal. Fatal, porque me fazia morrer cada vez mais para o mundo.
Em 2007, após a ruína da alma, conheci Valquíria, a quem ofereci alguns versos e um buquê de rosas. Não preciso dizer que a Monique também oferecia muitos buquês de rosas. Mas Valquíria não me compreendia, não me atendia os apelos do coração. A ela ofereci estas linhas:









Dileta moça, a quem dedico estes poemas, aceite-os com o coração terno, pois que resultou da expressão de um coração inflamado, que anseia por acolher-te no seu recanto. Estes poemas são teu, só teu. Somente a ti ofereço, porque me foste amável, acolhedora.
Estes poemas são só teu. Lê-los desobrigada de testemunhar tua impressão sobre eles. Lê-los quando estiveres sozinha, ou quando uma tristeza te pousar no espírito. Lê-los a fim de lembrar-te de mim. Lê-los quando não te restar algum passatempo melhor. Lê-los para afagar teu espírito. Lê-los para acalentar teus sonhos. Lê-los para que nunca se esqueça de que existe um poeta que teu sono divinal deseja velar.
Querida Val, graças a ti, tenho estampado no semblante uma alegria que me foi furtada da alma, quando sobre mim recaiu o vento negro da solidão. Gostaria de que estes singelos poemas e tantos outros que escrevi perdurassem em sua vida... Gostaria de que tu os lesses no refúgio de teu quarto, à meia-luz... E meditasse por longas horas sobre minhas palavras... E com o coração acalentado por elas, detivesses-te a pensar em mim... Pousada em tua cama, com o espírito pululando de sonhos, se te afigurasse que por ti nutro um carinho inefável... Ah! Pudera contigo nestas horas estar!... Não obstante minha ausência, saberás que, no silêncio de meu quarto, ouvirei tua voz ecoando-me no coração... E em ti pensarei detidamente... Inundarei minha alma de fantasias de amor! Ah!, dileta moça, devotarei a ti meu desmedido lirismo!
Há muito, à meia-luz, em meu quarto, venho dispensando incomensurável esforço intelectual à idealização de um amor, que me escapa ao abrigo do coração, ainda que subsista em minha mente como um navio naufragado no oceano. Há muito, querida Val, venho-me esforçando por contentar a alma feminina, à semelhança de um príncipe, porém renegado, dos contos de fada. Ah! Ver na vida tudo quanto não se conta nas histórias da princesa e do plebeu faz-me debruçar sobre a cama em pranto convulso. Dói-me sentir o desamparo... Porém, estou bem... Estou mais otimista... Mais desejoso de experimentar a afeição feminina... De uma mulher bela, carinhosa, em cuja alma habite um mar de fantasias amorosas... Ah! Ter em meus braços a mulher cujas feições compuseram meu imaginário por longo tempo! E crer em que essa mulher és tu revigora-me o espírito e acalenta minha esperança.


Á Valquíria, com muito carinho!



Em 2008, foi outra moça, chamada Renata, que fez minha alma embebedar-se no lirismo novamente. Ela foi a motivação para estes versos.


Aromas de um Anjo

Virgem este teu cheiro o céu me torna próximo
Morrer em rubros lábios que incendeiam este viver!
Cemitério de sons cadavéricos que brinda o anoitecer
       Neste sonhar largo recôndito inóspito!

Meu coração emurchecido é desditosa nau
Que se lança às vagas de amoroso pranto
Dos goles de um amor que encarnou um mal
Faça embalar teu venturoso Canto!

Teus angélicos olhos quando fitando
Senti n’alma irromper clarões
De coxos sentimentos de prisões!

Paixões que me tornam tão pequeno
Como um grão de escuro esquecimento
Que teu cheiro devora impregnando!

(BAR)


Mas o texto que mais alento e tempo me tomou foi este, tecido em prosa e delírio, e também a ela dedicado.

A estrada de amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino. E a casa do amor – em cuja porta não se chama e não se espera – fica um pouco adiante.

(Guimarães Rosa)

Meu coração está umbilicadamente unido ao seu

De um lado, o mar de esperanças que deita as escumas como cassas bordadas por Érato, acarinhando-me as bordas dos dedos dos pés; acima, a abóbada celeste, banhada em azul-ferrete, estampando seus pequenos diamantes cintilantes, envolve-me qual o manto da Virgem Senhora, concedendo paz e alento a este pegureiro dos versos. Do outro lado, o descampado que se estende a perder de vista sobre o qual repousa a treva; ermo, sombrio, pela sua superfície cálida e infértil, vagam almas atormentadas que a terra expulsou do túmulo... Espectros vadios a que a vida deu vertigens de amores sublimes, inalienáveis e intangíveis.
Após muito errar, detenho-me, nestas horas em que invoco as Musas, como o faziam os antigos amantes da pena, na extensão limítrofe com aqueles dois espaços; de um lado, o ressonar do mar plácido com suas vagas afagando rochedos, para o qual declina o lume da lua alva. Berço recôndito e sacro da lassidão é, pois, esse cenário – uma dimensão psíquica que me enreda o coração a imensos sonhos, com seus largos braços em que descansa a ternura divina; do outro lado, o uivo do vento que estremece a terra, o escarcéu dos espectros em divagação, o ranger do céu anuviado, metido, agora, numa densa atmosfera escarlate, que em desespero e loucura banha toda vida errante que ousa lançar a terra suas virtudes.
Estas palavras que arremesso à vida prematuramente são filamentos algodoados por que teço o vestido de amor que há de revestir sua alma. Dorme sua alma num mistério que me enternece e me extasia. Uma emoção indistinta me inunda o seio, detenho-me novamente em seu olhar – sacrário da ternura -, hesitante entre sua permanência angélica e seu ir-se sempiterno... Olhar que me escapa aos anseios da pena, que pena a esperar por uma gota de amor que o recrie nos versos.
Seu olhar tem a permanência das vagas que se derramam grávidas de candura e alento e se retraem levando consigo os suspiros servis de minha alma de amor endoidecida. Quando a fito, imersos seus olhos em eflúvios de Afrodite Urânia, noto-lhe a presença ausente em que meus olhares furtivos de amor se perdem.
Não sei que haja um sorriso que acarinha o Céu tão docemente, por vezes, pego-me a namorá-lo com este meu olhar lânguido que embala o mundo todo na pequenez do delírio humano. E neste sorriso que me influi um alento imaculado, que fecunda cada verso lavrado nos campos floridos e férteis do âmago, vejo estilhaçados outros olhares que a assaltaram, por ventura, sem que você lhes divisasse a embriaguez poética, sem que lhes sentisse a viração em que navegam as almas sonhadoras, insanas, que Deus à vida lança para se tornarem escravas da Lira dos Byrons, dos Azevedos, de toda sorte de gente desgraçada que negaram o mundo, cantaram um amor que as Alturas faz render.
Ah! E os cabelos num azul que exala a vida, deitadas as madeixas nas espáduas, quando recolhidos, deixando-lhe nu o toutiço! É neste átimo que o tempo oculta aos que ignoram os lírios-do-vale que sinto invadir-me a alma a mansidão a que se abandonam os benditos. Benditos, sim, os que, por generosidade de sua alma ou por um pestanejar descuidado dos olhos de Deus, tiverem entrelaçados aos dedos os dedos de sua mão que me visita os sonhos de ternura amorosa para acarinhar-me o seio. Benditos aqueles que, encerrados no peito, tiverem os segredos e as margaridas de seu coração. Benditos, sim, aqueles que lhe inspirarem o amor que a fez carne num dia santo, em que o Céu abriu os salões divinais para cantar, celebrar e anunciar, ao som de cítaras, flautins e clarins, o nascimento de um pedacinho do céu na Terra. Benditos, sim, os que se deleitam em amor tão santo, pois que, em outros corpos plasmados nesse amor, haverá de residir, ao menos, uma feição sua, uma parte que recobre tudo e que forja dimensões infindas que outros Arqueiros de Eros, quiçá, ousem visitar para desvendar as delícias de sua progênie, nos caprichos divinos sobre os quais essas dimensões repousam. Benditos, enfim, aqueles que se consumirem em densas meditações, na solitude, para, laboriosamente, edificar versos e frases, que à vida vêm, para beijar-lhe as orlas dos pilares que sustêm toda a pureza de que seu corpo está impregnado.
Não, agora cessarei de escrever. Estanco em qualquer caminho... Esta carta que me nasce das mãos, outrora, estivera a suplicar a existência em meu coração; provavelmente não pouse em suas mãos; não é digna de você. Fora-me extraída das entranhas da alma; inçaram-na sonhos fátuos, delgados e límpidos; mas não posso pretender que ela lhe caia nas mãos, após ter alçado vôos tão altos. Adarvada de ameias altas está sua alma e seu olhar, e minha alma, esmorecida, esgueirando-se como uma sombra mete-se por corredores obscuros da existência, que a levarão a lugares inóspitos, onde uma dor arquejante será seu solar.
Mas isso que lhe importa, se não nutrir por mim amor? A menos que seja o amor que mantém viva toda criatura; uma compaixão pelos mendigos, pelos enfermos; esse amor, então, de que eu não desdenharia, porque todo mendigo agraciado divide com pombos as migalhas do pão da misericórdia (crendo, assim, reconciliar-se com os Céus), tão-só me tornaria ainda mais pulsantes as palavras; e sua permanência indistinta, que justifica as linhas, que incita o balé da pena, que faz brotar-me da alma estas prematuras flores verbais, me legará a tristura maciça que, como pedra, arrastarei na alma.
Como, contudo, em Clarice se acha consolo, “por enquanto é tempo de colher morangos”.
Se o leitor chegou ao final deste texto, se não se sentiu nauseado pela sua doçura lírico-romântica veemente, deve ter sido capaz de inferir daí por que a moça a quem o destinei silenciou e foi indiferente aos apelos de meu coração. Que me cuidem excêntrico, mas não me neguem ser este texto um testemunho de vida de um autêntico ultra-romântico. Isso, sim, é a mais fidedigna expressão do que é ser romântico. Todo romantismo de que se ouve falar nestes tempos de amor líquido é balela. Tolices que ludibriam os corações que só conheceram o romantismo pelos textos da literatura clássica.
Alguns anos de análise me ajudaram a compreender por que estas expressões líricas me condenavam ao infortúnio, ao invés de conduzir-me pelas longas e floridas estradas do amor.
Este poema a seguir também fora escrito para essa moça:



Olhar de despedida

Longo olhar cuja delicadeza encerra
O mar de deleite em que me navega o seio
Ouso com uma lágrima cingir-te ao peito
Mas teu olhar inclemente depõe reza

Enlaçar-te um beijo, então, de chofre pudera
Com a loucura de Werther e o denodo de Fausto
Sem que este olhar que é de minh’alma o claustro
Deite caminhos que me consumirão a Primavera

Como anjinhos traquinas à sacada do Templo
Olores de mirra ao Cristo tomados
Lança-me a convidar a ceia dos abençoados

Mas quando a alma da esperança entra na balsa destemida
Faze rugir de teu olhar a tempestade e um sonho imenso
- Presságio sempiterno de um olhar de despedida.

(BAR)

E não poderia esquecer-me de Dani (chamava-se Daniele), para quem meu coração se inclinou naquele mesmo ano. Por um breve momento. A ela também enderecei alguns escritos, um dos quais foi esta carta desqualificada.
                                            
                                        

                                                Mais uma carta apenas

É só mais uma carta. Uma carta tecida por sentimentos venosos que se interpenetram, plasmando as dores que na alma arrasto. É só mais uma carta. Uma carta cujas palavras me foram lapidadas laboriosamente no espírito e embebidas no sangue vivaz de meu coração. É só uma carta a mais. Uma carta à qual se podem reunir tantas outras eventuais, escritas, quiçá, por pretensos amantes, homens estúpidos, que ostentam uma catadura insinuante e aos quais, porém, rendem lágrimas alguns corações. É uma carta apenas, nada mais. Uma folha de papel estéril, suscetível ao abandono, a estar confinada numa cesta de lixo, junto a resíduos orgânicos intoleráveis a nossa fisiologia humana. É só mais uma carta. Uma carta que, reunida àqueles resquícios orgânicos apodrecidos, também se putrefará; as palavras de que se compunha se tornarão pútridas e se esfacelarão, na força inexorável do tempo.
O tempo cuidará de consumar a dorida transfusão a que estará submetido aquele pedaço de papel... Pois é apenas um pedaço de papel... Um tumor verbal excretado pelo meu coração; é apenas uma excrescência que faz ficar combalida a harmonia sacra da pureza dos sentimentos benévolos que habitam seu coração. É só mais uma carta. Dentre as muitas escritas a custo de lágrimas, numa inquietude sobremaneira incomum, mais uma carta retalhada na indiferença e no silêncio. É só mais uma carta. Uma carta que não poderá relutar contra o fim a que será destinada, quando, talvez, outro atrevido, conquanto estúpido, pousar os olhos sobre seu templo imaculado, estampando, perfilados, os quartzos translúcidos e assaz polidos, que lhe ornam o limiar do céu da boca.
É uma carta apenas. Uma carta que Deus destina, impiedoso, à vacuidade fossilizada no coração humano. É apenas mais uma carta, uma folha de papel. Uma carta de emoções rasgadas e lançadas como areia à imensidão do céu; cada qual delas, dispersa ao vento, que as arrasta para os confins da treva, onde haverão de dormitar, relutando em obedecer à vontade dos fados, tentará, debalde, enlaçar-se a uma gota de misericórdia divina, que resvalará no anseio, diluindo-se em milhares de gotículas de esperança, que caem suavemente no sertão de meus sonhos.
As palavras que naquele pedaço de papel dormiam rangerão como range a carne sob uma vestimenta de espinhos... Os sons plangentes prantearão sua alma... Irromperão no seu silêncio, enquanto ouve Sozinho...
É apenas uma carta.


Também a Dani, dediquei este outro texto e este poema que destaco dentre os dois que lhe escrevi, tendo toda a alma empregado para cortejá-la:



Desarmonias verbais – Do outro lado do texto

Ante o computador... Entre os dedos, uma caneta esferográfica azul... Debruçado sobre um caderno comum, ponho-me a escrever, rejeitando lugares-comuns, aquietando as idéias que me pululam na mente, acarinhando os sentimentos que me incitam a continuar a escrever essas linhas sem destino e desamparadas... É, estão desamparadas, porquanto não defini, ainda, meu plano de produção textual. Todo aquele que escreve, ou melhor, produz um texto, oral ou escrito, o faz valendo-se de estratégias e procedimentos, com vistas a auferir êxito. Primeiramente, o produtor precisa ter a intenção de comunicar, ou melhor, de praticar uma “ação verbal”... Que pretendo eu com esse “universo semântico” lapidado na minha alma? Não se trata de um produto de introspecção... Escrevo porque viso a algum objetivo... Qual será?... Pretendo escrever sobre o cosmo feérico que a expressão poética me permite construir nos vastos dias que se transcorrem... No entanto, “cosmo feérico” tem alta carga conotativa e nada esclarece sobre o que vou, deveras, escrever... Tudo bem!... Vou escrever sobre... Sobre a paixão que cultivo pela linguagem... Escrevo porque admiro a forma das palavras, sua sinuosidade, seu “mistério semântico ou simbólico”... É... Por exemplo, a palavra “inefável”, enquanto unidade sonora (/i/, /n/, /e/, /f/, /a`/, /e/, /l/), é opaca, surda e muda. É “opaca” porque não nos permite “penetrar” na sua natureza semântica, para desvendar-lhe o significado; é surda, porque não é sensível à natureza (re)criadora do poeta, que está sempre ávido por acrescentar-lhe mais um “sentido”; é muda, enfim, porque não me representa nada... não me diz nada do mundo, das coisas do mundo, dos seres que nele habitam, do estado-de-alma dos seres... em suma, não me fala ao espírito.... No entanto, conhecendo seu significado convencional, posso valer-me dela para “expressar o inexprimível”. “Inefável” significa “indizível”. A linguagem é fascinante mesmo!... Até o que não significa comunica, significa, representa alguma coisa, mesmo que essa “coisa” seja o “nada”. Concluo que esse texto se reveste de idéias “inefáveis”. Na verdade, o texto está aqui... em minha mente, como uma estrutura significativa subjacente que vai tomando forma à medida que eu escrevo... À construção de um texto subjazem várias capacidades, uma das quais é a cognitiva... O texto é uma estrutura semântica mergulhada na mente, que se materializa por meio dos sinais lingüísticos... Há um texto boiando-me na mente... Não posso, entretanto, regurgitá-lo à fina força... Devo esculpi-lo no estado bruto do pensamento... Descreio, contudo, da existência de um pensamento pré-lingüístico; só há pensamento nos quadros da linguagem; não há pensamento sem linguagem... Controvérsia teórica...
Vou procurar determinar o destinatário desse texto. A quem escrevo?... O texto só pode “existir” para um leitor, que lhe conferirá a devida coerência... Que leitor é esse? Quais os meus pressupostos em relação a ele? O leitor é, deveras, uma leitora... Isso... Escrevo a uma moça... É uma mulher da qual sei pouco... No entanto, deduzo ser ela muito afeiçoada, ou melhor, dedicada ao estudo, ao desenvolvimento de sua capacidade cognitiva... Suponho, logo, que ela tenha inclinação para a leitura... Suponho ser ela uma leitora assídua... Creio em que ela é, pelo menos, sensível à expressão lírica... Talvez, idéie ela um mundo “romântico” também, onde o homem exalta a natureza verdejante e o amor se manifeste na unidade de duas almas pré-destinadas a viver a comunhão de seus templos... Talvez, a leitora ria-se deste mundo nosso que, à força da modernidade caótica, esvazia conceitos, tornando-os vácuos. Talvez, lamente a vacuidade das relações humanas... Talvez se ria dos falsos românticos, que, sequer, como diria o poeta Cazuza, são “exagerados”... Uma rosa não é um sentimento, ou melhor, um estado-de-alma... É um símbolo, esvaziado, esmagado por todo aquele que se diz romântico, sem o ser... O romântico é, em última instância, um estado-de-alma, e não uma atitude. Perdoe-me a leitora, porque insisto em reafirmar o que é ser romântico. É que todo romântico é, decerto, uma voz sufocada num tropel; é um grito ofegante no mundo que lhe é tão estranho quanto medonho. As páginas preenchem as lacunas amorosas que se fincam no âmago do poeta romântico... As páginas são a companhia na soledade... E muitos românticos erram pelos caminhos líricos que o levarão ao infortúnio ou à incerteza da ventura amorosa... Os românticos estão por aí... calados, taciturnos, preferindo negar a si mesmos, preferindo ser o que não são... Os românticos não vão à televisão... Não estão numa pista de dança... Estão, sim, envolto às palavras, num quarto, à meia-luz, meditando, profundamente, sobre Deus, sobre a existência humana, sobre a realidade sócio-cultural e econômica em que está mergulhada a sua classe social; chorando pelas vezes em que foi abandonado por amores esmeradamente nutridos... Expressando verbalmente suas angústias e frustrações... Dedicando-se ao bem-estar de sua família, estudando ou trabalhando como qualquer cidadão... A leitora, entretanto, não deve estar interessada na definição da natureza do romântico típico...
Eis o abismo de minha expressão lírica: não há leitores. Meus textos, poemas ou prosas, estão pré-destinados a um lugar vazio, escuro e oco, onde não há vozes, corações cândidos, joviais; onde só se ouve o gemido das palavras, ávidas por sentir a voz veluda que as acaricie... Sim, a voz de um leitor arguto, enamorado do simbolismo lingüístico, desejoso de explorar a ductilidade da sua língua materna...  As palavras murmuram, lacrimejantes, à espera de uma leitora que as acolha em sua alma, que as embale no berço do coração... Não há, entretanto, voz doutro lado... Nossa relação com a linguagem verbal é tão íntima, intrínseca, que esses adjetivos não qualificam adequadamente essa relação; tal relação – entre homem e linguagem – é tão “una”, que não é comparável à relação entre mãe e filho, que é naturalmente sólida, quando se observa o longo período que se estende da gestação aos primeiros estágios da vida escolar da criança... Todavia, eventualmente, essa relação pode ser rompida... Só mesmo a morte pode separar o falante de sua língua. Ora, uma determinada língua perece, enquanto realidade oral, só se todos os falantes nativos morrerem...
Não, não quero uma leitora experimentada em Lingüística... Tampouco, escrevo a uma leitora versada em Literatura... Escrevo a uma moça que idéio, mas que não é perfeita... Pois a perfeição é uma qualidade de Deus apenas...
Há urros de sentimentos passionais naquele labirinto a que são destinadas as minhas composições escritas...
Com efeito, escrevo a uma leitora a quem talvez nunca tomará conhecimento desse texto... Não ousarei transpor os limites da aparência do leitor idealizado. Por ora, esse texto progride, porque idéio um leitor cujos olhos perpassarão por essas páginas e cujo coração se embeberá em emoção, quer seja alegria, quer seja júbilo, quer seja simpatia, quer seja repugnância, ou experimentará uma sensação de incômodo, semelhante à que sentimos, quando alguém que não nos é afim, fita-nos à porta de nosso quarto. 
Chegam-me ao espírito estas idéias. O leitor a quem destino este texto – e o faço com o peito embebido de satisfação – deve ser uma pessoa que tenha por hábito sentar à frente de um computador a esmo, ou que esteja habituada a elucubrações. São 21h35 min. É domingo. Relutei em compor este texto... Mas as idéias e os sentimentos se inflamavam... Rugiam como leões aprisionados... Os sentimentos, deitados nesta folha de papel, agora adormecem, embalados pela esperança de todo escritor, ou melhor, aspirante a escritor: divisar, do outro lado do muro, uma voz que o chame: “Pule, pule! Venha!”. No entanto, o escritor, já mortificado pela indiferença do mundo, vacila nos seus juízos... Terá a leitora predisposição para acolher sua composição em prosa e, enfadonhamente, subjetiva e especulativa? Que pensará a leitora, ao final da leitura? Quiçá suponha ter sido o “eu” deste texto acometido de uma “loucura verbal”, que o coage a escrever sofregamente. É... talvez tivesse razão a leitora...
Por que escrevo? Não sei... A quem escrevo? Não sei... O texto é uma atividade de interação... O leitor é sempre uma construção do produtor do texto... Os sentimentos e as idéias desvendados sob o véu sonoro das palavras sintetizam minha natureza lírica, que jamais será plenamente conhecida, pois o material lingüístico não nos permite expressar o inexprimível, embora forje certos signos opacos, mudos e surdos. Felizmente, pode-se sempre rogar a Deus um átimo de reciprocidade na consciência e no coração de um leitor “curioso”.



Nossos destinos


Tão logo da madre brotaras – Pequenina!
Aos braços de outro destino foste levada
Pelo Vento! Em seu soprar, ó embalada!
No teu berço de ouro, sob a Luz Divina!

Teu destino – Um pai querido que te nutre!
Meu destino – Padrasto amigo que me pune!
Tu trazes em teus olhos de Deus a morada
      Eu sou como a figueira amaldiçoada!

Oh! Tu vives livre como as pombas do Éden!
Eu, na gaiola de paixões que não me esquecem
Tu és a Helena de Deus. Te inveja Nêmesis!
Eu sou como Prometeu: Sou dor que geme!

Oh! a que jardins, a que terras dás lume?
A que almas inebrias com teu perfume?
Oh! Teu destino suave brisa que me roça a face!
Ó destino: um sopro frio de amor que me arde!

(BAR)



No longo tempo que transcorria entre uma frustração e outra, eu dormia com a solidão mortuária (não a solidão que me é amistosa hoje, que hospedo com o alto custo que lhe arranco; hoje, ela me paga o aluguel mensalmente), e a tristeza ficava a arranhar-me a alma. Talvez não seja o poema mais emblemático deste período, que se estendeu de 2006 a 2008; mas é, decerto, o poema que mais claramente expressa a minha intimidade com a tristeza.


Senhora Tristeza

O pingo da noite cai-me morosamente
No tempo do coração
Os segundos são vastos
De ausência
Que inebria as estrelas
Sob um véu de fina esperança

A esperança de que é vinda
De regiões longínquas e ignotas
O destino que carregas no olhar
É vagaroso, alvo e escuro...
Inunda-me a alma de sonhos repisados
Vou amando-te entre versos fraturados
Mas acordo, sempre acordo...

Vens vindo aproximas-te indistinta
Disforme, os lábios constritos
Como se quisesses beijar o infinito
Infinito que minha alma aprisiona
Os dias são acres e ásperos...
E sua ausência reflui como as vagas
De um mar sombrio...
Que ressona solitário

Vens avançando sobre as emoções fugazes
Devorando-me o último alento...
És a imagem sem forma
Que tomba no último verso
Que morre na última letra
Que se enterra na loucura
De apaixonar-se por ti, Senhora Tristeza.

(BAR)

E Dani passou, e mais recentemente veio-me Jéssica, e com ela a oportunidade de experimentar a ingenuidade adolescente outra vez. Novamente, deixei exposta minha alma. Mas silencio, para não alongar ainda mais este texto, muito do que vivi neste período de fins de 2010 e inicio de 2011.
Eis resumida aqui a breve e avassaladora história de minha alma itinerante das experiências de paixão e amor, por vezes não correspondido, e por isso mais declaradamente romântico. Insisto nisto: o amor romântico é amor da impossibilidade. E este último poema, escrito em algum momento nos anos em que meu coração diligente aspirava à ventura amorosa e se entulhava de decepções, faz eco à literatura trovadoresca que exprimia a vassalagem amorosa – uma fonte de inspiração em que os românticos de antanho não deixaram de beber:



O Vassalo

Se prostrado a teus pés de anjo me deixo estar
E minha alma em refolhos te exalta assim
Se sou por isso mendigo de amor. Tem pena de mim!
Que não conheço outro jeito de amar!

Se ris da devoção deste amor promitente
E se profanas a santidade destes pálidos versos
Não sabes quanto Amor há em meus amplexos
Nem quanta ternura guardo n’alma fremente

Não conheces um querer que é bendito
Nem pousaste os lábios em boca tão cálida
Onde a ternura desabrocha como a crisálida

Nas noites quando de paixão consumido
O pensamento vai-te ao encalço em ardor
Não conheces as feições santas do Amor!

(BAR)

domingo, 1 de julho de 2012

"O amor não cabe na palavra amor" (BAR)


Ao meu amor,







Assim se expressou Sponville, em seu Bom dia, angústia! (1997):





“As cartas de amor durarão mais tempo, muito amiúde, do que o amor. Elas sobreviverão a ele. Estarão ainda aqui, se se quiser, quando o amor estiver morto: atestarão o que tiver acontecido, o que eternamente continuará verdadeiro, mas que talvez, sem a escrita, teríamos esquecido ou perdido”.

(p. 39)



Perdi a conta das cartas que já compus, das que duraram mais que o amor. Cartas em que derramei minha alma, desnudei a emoção terna e fecunda do amor. Do amor primaveril, que se doa sem grandes consequências. Crescemos e desistimos de escrever cartas de amor. Elas testemunham uma ingenuidade que devemos superar, porque é parte de nosso crescimento. O amor da maturidade não se insufla de sonhos, mas ancora-se na solidez dos projetos. Todo amor aspira à eternidade, escrevi eu, certa vez; mas é necessário morrer. E nosso esforço é fazer com que a eternidade do amor caiba na finitude de nossa existência. Todo EU TE AMO, produzido na verdade de nosso coração, é um sopro de eternidade. Dizer EU TE AMO é a forma que encontramos para silenciar a angústia. Porque nada é eterno, nem mesmo o amor. Que se amem intensamente na brevidade da vida é o que desejam os amantes. Não nos cansamos de ouvir e dizer EU TE AMO; os apaixonados sabem disso. Querem ouvir todos os dias essa frase; querem pronunciá-la. Ao pronunciá-la, todos os dias, lembramos ao outro o compromisso; selamos nosso acordo. Por vezes, me esforcei por formular metáforas que captassem bem a densidade do amor que dediquei. Não careço mais delas, quando descubro que posso dizer alegremente EU TE AMO. Amor e reciprocidade são sinônimos; isso deveria ser evidente. Amor recíproco é redundância. Redundância do coração, que se doa, que se entrega, que se derrama. EU TE AMO, é o silêncio do amor que se impõe aos nossos corações. Isso é bastante, porque o amor é bastante.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"O amor e a gratidão andam juntos" (Sponville)

 
O amor é frágil

“Hoje estou feliz ao lado de uma pessoa que me quer bem. Estou feliz mesmo ciente de que a felicidade é episódica e tão frágil, tão instável. Um dia, talvez, essa pessoa me abandone. Mas é assim: as pessoas chegam e vão, e vão e vêm. Algumas deixam um pouco de si e nós nos agarramos nesse resquício; outras se vão sem deixar rastros em nosso coração; algumas lembranças que desejamos afugentar de nossa alma (porque nos pesam e nos impedem de prosseguir); sentimentos quebradiços que se esfarelam e que insistimos em varrer para os cantinhos da alma. Mas não desistimos dessa felicidade, nascida dos encontros furtivos, do instante em que nos olhamos um no outro, e nossos corações, repletos, parecem mergulhados um no outro; e nos beijamos até não ter mais fôlego; e nos sentimos como se quiséssemos penetrar um o corpo do outro; e o desejo ocupando todo o espaço que nossos corpos não preenchem. Mas até mesmo a volúpia, o êxtase do encontro passa, aliás como a vida, também o amor é frágil.”

(BAR)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Como falar da felicidade sem falar do amor?" (André Comte-Sponville)

                             

                                      Quem inventou o amor?

Eu gostaria de compartilhar com vocês, estimados leitores, um pouco da leitura, a que me dediquei nesta tarde, do livro O Amor (2011), do filósofo francês André Comte-Sponville.
Ao revisitar as três formas de amor que o pensamento grego conhecia, a saber, Éros, philia, ágape, Sponville, no capítulo Éros ou amor paixão, nos ensinará a respeito desse amor:

“(...) o amor-paixão (...) é o amor que sentimos quando estamos apaixonados, mas no sentido mais forte e verdadeiro do termo, quando “caímos fulminados de amor”, como se diz. Em suma, é o amor que vocês, senhoras, sentiam pelos seus maridos, antes de eles se tornarem seus maridos. Ou o amor que vocês, senhores, sentiam por suas esposas antes de elas se tornarem suas esposas. Lembrem-se de como era diferente...”
(pp. 29-30)
 
É considerando, portanto, o amor-paixão (Éros) que o autor passará em revista a posição de Sócrates, em O Banquete. Dentre aqueles que discorreram sobre o amor e renderam elogios a ele, na ocasião, Sócrates foi o único a dizer a verdade sobre o amor. No discurso socrático, o amor é o desejo pelo que falta.
Não é meu intento, contudo, pormenorizar o conteúdo do discurso de Sócrates, mas referir a opinião do autor sobre o valor do feminino na experiência amorosa. Devemos ter em conta que o que Sócrates nos ensinou sobre o amor é atribuído a Diotima, uma sacerdotisa. Portanto, a verdade vem de uma mulher, e não da boca de um homem (que era a norma naquela época).
Nesse tocante, se expressará o autor:

“É muito raro, em toda a filosofia grega, especialmente na obra de Platão, a verdade vir de uma mulher. E, sem dúvida, não é por acaso que isso ocorra justamente com relação ao amor. Cheguei a dizer, por provocação, que o amor é uma invenção das mulheres”.
(p. 42)
(grifo meu)

Eis a tese: “o amor é uma invenção das mulheres”. Seguirá o autor apresentando justificativas para tal afirmação. Insistirá que ele não quer dizer, com ela, que os homens são incapazes de amar ou que o amor não existe. Na verdade, segundo o autor, o amor existe, já que foi inventado; e ele existe, inclusive, para os homens também. No entanto, declara:

“(...) mas não existiria se as mulheres não tivessem tomado a iniciativa do amor”.
(id.ibid.)


Para o autor, o amor seria uma experiência primordialmente feminina, ou seja, uma experiência criada e ensinada pelas mulheres, e não pelos homens. Sua argumentação segue nestes termos:

“O que quero sugerir, dizendo isso, é que uma humanidade exclusivamente masculina (poderia ter ocorrido, a natureza apresenta outros modos de geração que não a reprodução sexuada) nunca teria inventado o amor. O sexo e a guerra sempre teriam sido suficientes – digamos, para sermos menos incompletos: o sexo, a guerra, os negócios e o futebol sempre teriam sido suficientes! Acontece que, para as mulheres, felizmente, o sexo, a guerra, os negócios e o futebol não são suficientes. Assim, elas inventaram outra coisa, que concerne à cultura pelo menos tanto quanto à natureza (mas a cultura faz parte do real, como a humanidade), algo que elas viveram como mães, sem dúvida, muito mais e muito antes do que como amantes ou esposas, algo que chamamos de amor, que elas trataram de ensinar também aos homens (ao filho, ao companheiro), os quais pouco a pouco conseguiram aprender, ao longo dos milênios, a tal ponto que para os mais talentosos quase poderíamos esquecer que se trata de um personagem que foi composto... (...)”
(pp. 42-43)

Ao cabo deste parágrafo, o autor agradece “do fundo do coração” a todas as mulheres por tão grandioso feito.
Importa ver que, ao situar o amor no domínio do feminino, ao qual atribui o autor o poder criador, ele nos chama a atenção para a relação intrínseca entre amor e cuidado, entre amor e amparo. Afinal, é essa a experiência que a mulher, então, mãe, vive junto ao filho que está a amamentar e a criar. O amor nasce então do ato de cuidado. Trata-se, novamente, da ideia, aqui por mim, exaustivamente, defendida do amor como experiência de cuidados.
Também aí vemos que, no universo feminino, sexo não se identifica com amor, muito embora a experiência sexual deva ser uma das formas de expressão do amor. Donde se segue a crença generalizada de que mulheres fazem amor e homens fazem sexo. O divórcio entre sexo e amor, comum no universo masculino, é superado, pelo menos ideologicamente, no universo feminino. Neste, sexo e amor não se identificam, mas aquele mantém com este relação simbólica, tal como significante (sexo) e significado (amor).
Sabemos, contudo, como me dissera um taxista, que há muitas mulheres sexualmente disponíveis por aí (embora muitas ainda esperem encontrar homens para os quais a experiência sexual seja também uma das formas de expressão da experiência amorosa). Se,  dos anos 60 a 70, assistimos a uma “Revolução Sexual”, quem sabe daqui a alguns anos não possamos assistir a uma “Revolução amorosa”? Sim, uma “Revolução do Amor”, que tem de ser deflagrada pelas mulheres, suas criadoras. Essa revolução consistirá num movimento político-ideológico que reivindicará mais respeito, mais fidelidade, mais cumplicidade, mais excesso de alma e de ser nas experiências interpessoais.
Já é tempo de fazer ver uma ética feminina, fundada no cuidado. A mesma mulher que hoje conseguiu ocupar o cargo de maior poder deve ser a mulher que reivindicará e conquistará o domínio sobre algo, que lhe é seu naturalmente, e que é tão importante à vida da humanidade: O AMOR.
É com as palavras de Sponville, que compõem a seção Introdução, que ponho termo a este texto. O autor lembra-nos o seguinte a respeito do amor:

“(...) Não são necessárias longas preliminares para justificar a escolha desse tema: o amor é o tema mais interessante. Quase sempre. Para quase todo o mundo. Por exemplo, numa noite, num jantar com alguns amigos. A conversa pode girar em torno da situação política, do último filme que vocês viram, da sua profissão, das férias, e tudo isso pode ser interessantíssimo. Mas, se um dos convivas se põe a falar de amor, o interesse dos outros quase sempre aumenta sensivelmente. Sim, o amor, tomado em si mesmo, é o tema mais interessante, quase sempre, para quase todo o mundo. Acrescentarei que qualquer tema só tem interesse à medida do amor que temos por ele. Imaginem que um de vocês me diga: “Não, não, para mim nem um pouco! O que mais me interessa não é o amor, é o dinheiro!” Eu responderia, claro: “Isso prova que você ama o dinheiro!” É sempre um amor...
(...) Não só o amor é o tema mais interessante, para a maioria de nós, mas qualquer outro tema só tem interesse à medida do amor que temos por ele”.
(p. 11)




segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Drummond soube conjugar sabedoria e poesia numa única estrofe


                                 

               Foi mera coincidência que Drummond também tenha assinado Andrade.

 

                               Não deixe o Amor passar



Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento,houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.
(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Há alguns anos atrás...



                                                  Reaprendendo a amar


 Há alguns anos atrás, eu a surpreenderia com um buquê de rosas ou com uma bela caixa ornada de rosas e poesias. Sem, ao menos, ter conversado com você, eu já revelaria as delícias de minha alma.
Há alguns anos atrás, eu suporia estar lhe agradando com essas gentilezas, sem sequer conhecê-la verdadeiramente. Há alguns anos atrás, bastar-me-iam as sugestões de minha idealização, de minha imaginação, de meus suspiros cordiais. E, sem que você imaginasse, eu elucubraria alguns sonetos, nos silêncios de minhas noites, inspirados na sua imagem.
Há alguns anos atrás, eu estaria atacado de minha febre lírica irremediável. E o gênio ultra-romântico estaria apossado de mim e conduziria minha pena imaginária a compor meus versos de amor endoidecidos.
Mas tudo isso teria de mim há alguns anos atrás. Algumas sessões de terapia foram necessárias para exorcizar esse espírito liricamente impetuoso e  incomum. Meu lirismo se antecipava a mim, há alguns anos atrás.
Há alguns anos atrás, eu sofria mais, eu chorava mais, eu morria mais por tudo isso. Mas há alguns anos atrás eu não era a mesma pessoa que eu sou hoje.
Há alguns anos atrás, eu não acreditava que sempre podemos mudar e reaprender a amar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Amor através dos discursos

                                                
                  

                       Discursos e Amor

C hamou-me a atenção a seguinte passagem, em O amor em palavras: o discurso amoroso em questão:

“(...) o discurso amoroso, de origem incerta, esteve presente em todos os momentos da história do homem e assim deverá continuar, em movimento constante, até o fim dos tempos. Impreciso, vago, escorregadio. Assim é o discurso. E sobre o amor o que temos? Discursos. E só”
(pp. 34-35)


A autora, Isabel Osório T. D. Coutto, lembra-nos que a relação entre amor e palavra (ou discurso) estava presente em O Banquete, de Platão. Nessa obra, Eros era manifestado de diversas formas através do logos (palavra, linguagem, discurso). Em uma das redações escolares citadas pela autora, um aluno da 8ª série escreve que o amor “é dizer que a gente gosta de uma pessoa e ela gosta de você” (p. 34). Mais adiante, acrescenta: “O amor é dizer que eu te amo e tu me ama”.
A construção ideológica do amor nos chega por meio de vozes, ou discursos, cultural e historicamente determinados. O imaginário do amor é tecido, em grande parte, pelos discursos legados à posteridade em O Banquete. Além disso, o ideário do amor romântico, caracterizado pela necessidade de consumação no laço matrimonial ainda encontra raízes no imaginário do homem pós-moderno. Os valores do amor romântico ainda estão presentes na literatura, no cinema, nas revistas, na televisão.
É preciso, antes de prosseguirmos, considerar, em linhas gerais, a função do discurso relativamente à sociedade que o produz. Discurso deve ser entendido como prática social, que é moldada pela estrutura social e, ao mesmo tempo, é constitutivo dessa estrutura. Através do discurso, a estrutura social é constituída, reproduzida e modificada. Discursos são, pois, formas de ação sobre o mundo e sobre a sociedade. Trata-se de um fenômeno da vida social inter-relacionado a outros elementos dessa vida.
Toda prática discursiva envolve processos sociocognitivos de produção, distribuição e consumo de textos. Tais processos estão relacionados a âmbitos políticos, econômicos e institucionais (ideológicos) específicos.
Portanto, a forma de dizer o amor está intimamente relacionada à forma como desejamos experienciá-lo. Como seja um tema universal, há muitos discursos sobre o amor. A obra referida O Banquete dá-nos testemunho disso. Uma das vertentes discursivas dizem do amor que é um sentimento sublime, o mais elevado, o mais nobre dentre os bons sentimentos. Naquela obra, encontraremos a ideia de amor como força ordenadora do cosmos, ou força responsável pela harmonia do universo.
Uma interessante amostra discursiva dos “retratos” do amor através dos séculos é o poema de Carlos Drummond de Andrade, referido abaixo. Leiamos com atenção:

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando eu ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois, (tempos mais amenos)
fui cortesão em Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina;

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

(Carlos Drummond de Andrade)

Note-se que o poema, de estilo narrativo, expressa a experiência amorosa através das épocas. Na primeira estrofe, faz-se referência ao amor na Grécia Antiga, mais precisamente no tempo mítico da Guerra de Tróia. Na segunda estrofe, o amor é experienciado no período cristão, em Roma. Ele era um soldado romano que se apaixona por uma cristã lançada aos leões. A cada período os amantes se encontram, como se reencarnassem, mas nunca conseguem viver juntos. A morte é seu destino. Na última estrofe, finalmente, chega-se à época moderna, em que vive o homem prático, individualista, independente, que vai ao cinema, e não precisa enfrentar leões; um típico consumidor das sociedades modernas que tem dinheiro no bolso, que não tem de duelar para viver junto à pessoa amada, muito embora ainda conserve o sonho de felicidade amorosa oferecida pelos filmes hollywoodianos.
Embora pareça simplista a visão do estudante sobre o amor, ele não deixa de revelar a relação entre Eros e Logos, discutida em O Banquete. Claro é que o aluno não tem consciência disso, o que nos mostra que o imaginário do amor é devedor da construção ideológica através do discurso da Antiguidade Clássica. Ora, ele dá testemunho do resultado dos saberes acumulados pelas gerações durante séculos.
O imaginário do amor é construído discursivamente pelas vozes (autores, personagens, pessoas comuns...) que o dizem através das épocas. Atualmente, fala-se em amor líquido, contrariamente à concepção tradicional do amor como sentimento de permanência, de fidelidade à própria união que o engendrou. O amor líquido é descartável, fugaz, porque escorre, se dissipa, dada a sua fragilidade, e urgência. O amor líquido é resultado de práticas sociais em que os envolvidos são estimulados ao consumo desenfreado de coisas e pessoas.
É interessante notar que há duas grandes vertentes de estudo sobre o amor: uma realista, de que se encarrega a ciência, preocupada com a descrição dos processos fisiológicos ocorridos no organismo de um indivíduo “acometido” de amor e/ou paixão; e uma idealista, mais abstrata e especulativa.
O amor, como abstração, como matéria de pensamento, se dissolve em face da carência de modelos de experiência amorosa que a sustentem. Em outras palavras, é comum que se diga que não sabemos o que é o amor, que há um grande hiato entre o que se diz do amor e a forma como o experienciamos. Sucede que, em geral, não somos incentivados, ou ensinados a pensar sobre o amor, a refletir sobre a experiência amorosa. Disso não se segue que pensar sobre o amor seja garantia de prosperidade; mas pensá-lo permite-nos situá-lo na dimensão da vida real e reconhecê-lo nas  suas diversas manifestações. Nossa dificuldade de entendê-lo se deve, em parte, à dificuldade de dizê-lo, de pensá-lo.
O amor é corpo, é intimidade da alma; é sua nudez revelada no convívio com a pessoa amada. Discurso nenhum apreenderá toda a dimensão anímica que torna o amor um sentir que nos alegra, que nos anima, que, para muitos, justifica a existência – um absurdo destinado a sucumbir.