
Nossa
mortalidade
A mãe que
abraça a seu filho com o apego próprio de quem ama profundamente deve saber e
aceitar que a quem está abraçando deve, necessariamente, morrer. É no
amor e no cuidado que pressentimos a necessidade da perda. Lei inexorável: o
que nasce tem de perecer. “Erras se
pensas que apenas na navegação a vida se distancia pouco da morte: em todo
lugar essa distância é tênue. A morte não se mostra em todos os lugares, mas em
todos os lugares ela está próxima” (Sêneca).
Vivemos sempre na iminência da morte. Mas nosso estado habitual é o da
negação dessa iminência. Saber que compartilhamos com os outros um mesmo
destino determinado desde nosso nascimento não é ainda estar absorvido na angústia
dessa iminência. A angústia em face da irrupção inesperada do Nada, do Irremediável,
do Abismo intransponível permanece em sono profundo no homem do cotidiano. Mas
eis que a proximidade da morte de um ente querido irrompe na estrutura nebulosa
de nossas vivências ordinárias para sentirmos nossa constituição fisiológica
estremecer, nosso corpo latejar e se lembrar de sua inerente impermanência. E
com abissal clareza nosso espírito apreende-se como uma totalidade orgânica
também perecível. Sentimos o desamparo, o abandono; experienciamos na
profundidade sem fundo de nosso ser nossa impotência em face do Inevitável. E
que não haja um após, uma possibilidade de reencontro, de retorno, de
transfiguração no Eterno, que a vida seja nada mais do que um intervalo de um
espetáculo do Acaso, um hiato entre dois nadas, que sejamos apenas “defuntos
adiados”, é isto que parece à maioria dos homens intolerável. Que a vida seja
um empréstimo de um Credor inquebrantável e pontual, que a vida não passe de um
sintoma do Nunca Mais é isto que os apavora, enquanto permanecem ignorando que o morrer é seu modo de ser.
“É
preciso, enfim, que a morte triunfe, pois lhe pertencemos pelo próprio fato do
nosso nascimento, e ela não faz senão brincar com a presa antes de devorá-la”
(Schopenhauer)
“Deve-se
aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a
vida se deve aprender a morrer” (Sêneca).
"O tempo
da vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Suas sensações: trevas.
Todo o seu corpo: corrupção. Sua alma: um remoinho. Sua sorte: um enigma. Seu
renome: uma cega opinião. Resumindo, tudo, em sua matéria: precariedade. Em seu
espírito: sonho e fumaça. Sua existência: uma guerra, a etapa de uma viagem.
Sua glória póstuma: esquecimento. Que nos pode então servir de guia? A
filosofia, apenas isso".
(Marco Aurélio - Meditações, p. 25)
(Marco Aurélio - Meditações, p. 25)
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