quarta-feira, 29 de abril de 2015

"O "mundo verdadeiro" - uma ideia que para nada mais serve, não obriga a nada -, ideia tornada inútil, logo refutada: vamos eliminá-la!" (Nietzsche)

                                  
                                                             



                                     A visão pessimista e a visão trágica
                                               Schopenhauer e Nietzsche






Em Assim Falou Zaratustra (2011), escreve Nietzsche:

“A obra de um deus sofredor e atormentado me parecia então o mundo. Sonho me parecia então o mundo, e ficção de um deus; colorida fumaça ante os olhos de um divino insatisfeito. Bem e mal e prazer e dor e tu e eu eram, para mim, colorida fumaça ante olhos criadores. O criador quis desviar o olhar de si mesmo – então criou o mundo” (p. 31-32).

Há pouco, detive-me a revisitar as linhas cartesianas. E o que aí reencontro é, deveras, interessante, intelectualmente edificante, mas organicamente superficial e inócuo. Sou um apreciador das filosofias existencialistas, mormente as que combinam o pessimismo com a verve do desespero. Para compensar o declínio a que elas podem levar, encontro na visão trágica de Nietzsche uma espécie de âncora que me impede de abandonar-me inteiramente no vácuo do absurdo que elas não cessam de denunciar.
Se o homem fosse simplesmente um animal como os outros, ele viveria num mundo não-problemático. Ora, o mundo dos animais não-humanos é um mundo sem assombro. É o assombro que faz o homem ser um “animal metafísico”.
Donde provém – esta pergunta tão logo se impõe – o assombro humano? Schopenhauer é quem responde: PROVÉM DO CARÁTER ACIDENTAL DO MUNDO. É a questão da dor contra a qual se debate o homem que torna o mundo motivo de assombro.
O espetáculo da dor e do mal moral é que faz Schopenhauer desaprovar a existência. Seu pessimismo não tem outra razão de ser senão em face do horror provocado pela realidade da dor. A dor é um escândalo, uma perturbação que precisa ser eliminada. Para Schopenhauer, a pregnância da dor e do sofrimento no mundo é prova de que este mundo não merece ser aprovado.
No entanto, Schopenhauer não abandona a ideia de felicidade, da fruição de uma felicidade negativa, quase inumana. A felicidade negativa consiste em evitar a dor, o desprazer. Contra Schopenhauer, comentadores houve que notaram não ser evidente que a ausência de dor, a eliminação da dor seja ela mesma um estado de felicidade. Em todo caso, certamente não é isso o que buscamos quando o que queremos é fruir a felicidade.  
A filosofia de Schopenhauer é uma filosofia amarga, angustiante que, erigindo-se sobre a evidência da dor e do sofrimento no mundo, se nos apresenta como uma empresa racional que se orienta para negá-lo.
Na perspectiva trágica de Nietzsche, por outro lado, a dor, que não deixa de ser uma evidência, é considerada uma parte essencial da tessitura da existência. A dor não deve nos desencorajar de viver, ela não deve ser razão suficiente para desaprovarmos o mundo. Nietzsche encontra no espírito dionisíaco sua fórmula afirmadora da vida. Toda a filosofia nietzschiana é uma filosofia afirmadora da existência, em que pese o reconhecimento do sofrimento como parte estrutural. O homem dionisíaco é um sábio trágico: ele diz SIM À VIDA. Ele tem “a volúpia de viver segundo a lógica da vida, a da vontade de potência”.

De tudo que  precede, depreende-se que tanto em Schopenhauer quanto em Nietzsche o sofrimento é um a priori. Na verdade, o sofrimento é um a priori a toda filosofia existencialista, como a de Schopenhauer e a de Nietzsche. Schopenhauer, no entanto, endossa uma visão pessimista em face da existência – visão à luz da qual não hesita em afirmar que a essência da vida é dor, e a dor é razão suficiente para que desaprovemos o mundo, que é simplesmente uma objetivação da Vontade, uma Vontade que é cega e absolutamente livre. Decerto, o mundo, para Schopenhauer, se apresenta sob a forma da representação (este é o mundo empírico, fenomênico) e da vontade (coisa-em-si). Os pormenores, nesse tocante, não me interessa explicitar. Importa-me frisar que a proposta da filosofia schopenhaueriana é a negação da vontade de viver como único caminho para extinguir o sofrimento. A visão trágica de Nietzsche se expressa num esforço afirmativo da vida, representado na figura do sábio dionisíaco. Dionisio surge como um signo da afirmação da vida, do devir, do múltiplo.

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