A visão pessimista e a visão trágica
Schopenhauer
e Nietzsche
Em Assim Falou Zaratustra (2011), escreve
Nietzsche:
“A obra
de um deus sofredor e atormentado me parecia então o mundo. Sonho me parecia
então o mundo, e ficção de um deus; colorida fumaça ante os olhos de um divino
insatisfeito. Bem e mal e prazer e dor e tu e eu eram, para mim, colorida
fumaça ante olhos criadores. O criador quis desviar o olhar de si mesmo – então
criou o mundo” (p. 31-32).
Há
pouco, detive-me a revisitar as linhas cartesianas. E o que aí reencontro é,
deveras, interessante, intelectualmente edificante, mas organicamente superficial
e inócuo. Sou um apreciador das filosofias existencialistas, mormente as que
combinam o pessimismo com a verve do desespero. Para compensar o declínio a que
elas podem levar, encontro na visão trágica de Nietzsche uma espécie de âncora
que me impede de abandonar-me inteiramente no vácuo do absurdo que elas não
cessam de denunciar.
Se o homem fosse simplesmente um animal como os outros,
ele viveria num mundo não-problemático. Ora, o mundo dos animais não-humanos é
um mundo sem assombro. É o assombro que faz o homem ser um “animal metafísico”.
Donde provém – esta pergunta tão logo se impõe – o assombro
humano? Schopenhauer é quem responde: PROVÉM DO CARÁTER ACIDENTAL DO MUNDO. É a
questão da dor contra a qual se debate o homem que torna o mundo motivo de
assombro.
O espetáculo da dor e do mal moral é que faz Schopenhauer
desaprovar a existência. Seu pessimismo não tem outra razão de ser senão em
face do horror provocado pela realidade da dor. A dor é um escândalo, uma
perturbação que precisa ser eliminada. Para Schopenhauer, a pregnância da dor e
do sofrimento no mundo é prova de que este mundo não merece ser aprovado.
No entanto, Schopenhauer não abandona a ideia de
felicidade, da fruição de uma felicidade negativa, quase inumana. A felicidade
negativa consiste em evitar a dor, o desprazer. Contra Schopenhauer,
comentadores houve que notaram não ser evidente que a ausência de dor, a eliminação
da dor seja ela mesma um estado de felicidade. Em todo caso, certamente não é
isso o que buscamos quando o que queremos é fruir a felicidade.
A filosofia de Schopenhauer é uma filosofia amarga,
angustiante que, erigindo-se sobre a evidência da dor e do sofrimento no mundo,
se nos apresenta como uma empresa racional que se orienta para negá-lo.
Na perspectiva trágica de Nietzsche, por outro lado, a
dor, que não deixa de ser uma evidência, é considerada uma parte essencial da
tessitura da existência. A dor não deve nos desencorajar de viver, ela não deve
ser razão suficiente para desaprovarmos o mundo. Nietzsche encontra no espírito
dionisíaco sua fórmula afirmadora da vida. Toda a filosofia nietzschiana é uma
filosofia afirmadora da existência, em que pese o reconhecimento do sofrimento
como parte estrutural. O homem dionisíaco é um sábio trágico: ele diz SIM À
VIDA. Ele tem “a volúpia de viver segundo a lógica da vida, a da vontade de
potência”.
De tudo que precede, depreende-se que tanto em
Schopenhauer quanto em Nietzsche o sofrimento é um a priori. Na verdade, o sofrimento é um a priori a toda filosofia existencialista, como a de Schopenhauer e
a de Nietzsche. Schopenhauer, no entanto, endossa uma visão pessimista em face
da existência – visão à luz da qual não hesita em afirmar que a essência da
vida é dor, e a dor é razão suficiente para que desaprovemos o mundo, que é
simplesmente uma objetivação da Vontade, uma Vontade que é cega e absolutamente
livre. Decerto, o mundo, para Schopenhauer, se apresenta sob a forma da
representação (este é o mundo empírico, fenomênico) e da vontade (coisa-em-si).
Os pormenores, nesse tocante, não me interessa explicitar. Importa-me frisar
que a proposta da filosofia schopenhaueriana é a negação da vontade de viver
como único caminho para extinguir o sofrimento. A visão trágica de Nietzsche se
expressa num esforço afirmativo da vida, representado na figura do sábio
dionisíaco. Dionisio surge como um signo da afirmação da vida, do devir, do
múltiplo.
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