
Explorando a sintaxe do
português
A predicação e a transposição em foco
Este texto se destina a um estudo da sintaxe da
língua portuguesa, cujo desenvolvimento se orienta pela compreensão dos
fenômenos de predicação e transposição. Esses fenômenos constituirão, portanto,
os temas condutores deste estudo. Convido o leitor a comigo fazer incursão no
universo da estruturação e funcionamento do sistema sintático da língua
portuguesa.
1. O que devemos
entender por gramática?
O termo gramática designa aqui o sistema de unidades e de regras que
permitem que aquelas se combinem para a construção de unidades de nível e
extensão variáveis. A gramática inclui, pois, tanto as unidades dotadas de
significado quanto os recursos necessários à combinação delas nos diferentes
níveis estruturais da língua. A gramática é, necessariamente, um sistema de
combinatórias. Tomemos, para efeito de ilustração do conceito de gramática, os
pares abaixo:
(1) ama - mos
ama - m
(2) re – fazer
des
– fazer
(3) os meninos
o# menino#
(4) amor a Bianca
amor de
Bianca
A definição de
gramática, acima apresentada, recobre as ideias de sistema de unidades e
sistema de regras. A gramática compreende não só as unidades dotadas de
significado (essa concepção exclui do domínio da gramática a fonologia), mas
também as regras que permitem estruturá-las para a construção de unidades de
nível superior. De passagem, noto que a fonologia pode pertencer à gramática,
se por esta entendermos o sistema de unidades e de regras que governam a
construção dos arranjos linguísticos. Nesse caso, a gramática abriga todas as
unidades de uma língua, quer sejam providas de significado, quer não.
Considerando-se os casos acima referidos,
note-se que, em (1), as unidades mínimas “-mos” e “-m” se articulam à forma “ama”
para a construção das unidades “amamos”
e “amam”, respectivamente. Da articulação de “-mos” e “-m” a “ama-” resulta uma distinção funcional, de
tal modo que “amamos” é a forma correspondente à primeira pessoa do plural, e
“amam” é a forma correspondente à terceira pessoa do plural do verbo “amar” (no
presente do indicativo). Em (2), as unidades mínimas “re-“ e “des-“ se combinam
com a base “fazer” para formar as palavras “refazer” e “desfazer”,
respectivamente. A combinação dessas partículas com a base “fazer” produz
diferença de significado. Em (3), a gramática permite distinguir os conteúdos
de número singular e plural nas construções “o menino/ os meninos”. Nas
variedades de prestígio do português, a gramática prevê a redundância na
marcação do número no SN (sintagma nominal), com o acréscimo simultâneo da
desinência de número /s/ ao determinante e ao substantivo núcleo, para indicar
o plural. O singular é expresso justamente pela ausência do /s/, ou seja, por
um morfema-zero (0). Finalmente, em (4), a gramática prevê dois padrões de
estruturação do SN cujo núcleo é o substantivo “amor”. O substantivo “amor”
pode-se prender ao seu complemento selecionando “a” (por vezes, “por”) ou
“de”. Cada uma das formas de articulação
do substantivo “amor” com o seu complemento, ilustrada em (4), expressa um
significado distinto. Em “amor a Bianca”, entendemos que “Bianca” é o objeto ou
alvo do amor; em “amor de Bianca”, entendemos “Bianca” como o experienciador,
como a pessoa que nutre amor.
O linguista
dinamarquês Louis Hjemslev, em sua clássica obra Prolegômenos a uma teoria linguística (1943), contribuiu
significativamente para a compreensão do mecanismo do sistema gramatical da
língua. Seu modelo de teoria linguística foi inspirado no formalismo cujas
raízes remontam a Ferdinand Saussure. Embora eu não esteja interessado aqui em
pormenorizar o modelo de Hjemslev, sua visão do funcionamento do mecanismo
gramatical ajuda-nos a iluminar o entendimento do conceito de gramática como sistema
que opera combinações por meio de regras.
Seguindo Saussure,
Hjemslev assume que o sistema da língua opera com base na interseção entre os
eixos paradigmático e sintagmático. Ao eixo paradigmático, Hjemslev chama sistema; ao sintagmático, processo ou texto. O sistema identifica-se com a langue de Saussure; e o processo, com a parole (fala). Hjelmslev sustenta que os elementos linguísticos
contraem uma função uns com os outros, uns em relação com os outros. Esses
elementos se dizem, por isso, functivos. Em Hjelmslev, função envolve a ideia
de relação de pressuposição entre termos. Oportunamente, destinarei um texto à
exposição e à discussão do modelo de funcionamento do mecanismo gramatical proposto
por Hjemslev; neste texto, cinjo-me a notar que os functivos se relacionam
segundo os três seguintes padrões, definidos com base na noção de
pressuposição. Em Hjemslev, o quadro de relações estruturais é, decerto, mais
complexo.
a) A e B pressupõem-se mutuamente:
Toda sílaba
pressupõe uma vogal e toda vogal pressupõe uma sílaba, visto que não há sílaba
sem vogal em português. Analogamente, sujeito e predicado se pressupõem
mutuamente. Mesmo as orações tradicionalmente vistas como desprovidas de sujeito
apresentam um sujeito na estrutura profunda (cf. [a chuva] choveu ontem).
b) A pressupõe B, mas B não pressupõem A.
Assim, o verbo
“confiar”, na acepção de ‘ter confiança em’, pressupõe a preposição “em”, mas o
inverso não é verdadeiro (cf. Eu confio em você/ Nós estamos em casa/ Nós
comemos no restaurante hoje). A ideia de pressuposição significa aí que o uso
do verbo “confiar” pressupõe o uso da preposição “em” quando da relação desse
verbo com o seu complemento, relação que formalizo do seguinte modo:
X
CONFIAR em Y
Já em “Embora
esteja chovendo, vou ao cinema”, a oração “embora esteja chovendo” pressupõe a
oração “vou ao cinema”, mas esta não pressupõe aquela. Essa relação pode ser
assim formalizada:
Embora esteja
chovendo, __________________________
Oração-base.
A ocorrência de
uma oração introduzida por “embora” pressupõe outra oração, a que a oração de
“embora” se subordina; mas a oração subordinante (oração-base) não pressupõe a
oração subordinada. Por conseguinte, “vou ao cinema” pode figurar de modo
autônomo no discurso, mas “embora____”, não.
c) não há relação
de pressuposição entre A e B.
Em “Lúcia e eu
saímos à noite”, o verbo “sair” não pressupõe o uso do constituinte “à noite”.
É a gramática, como
sistema de combinatórias, que regula a combinação dos auxiliares com as formas
nominais dos verbos. Por exemplo, os verbos modalizadores como “poder” e
“dever” combinam-se com o infinitivo, mas não com o particípio ou o gerúndio:
(5) Os meninos
podem cantar agora.
Os meninos devem cantar agora.
(?) Os meninos podem cantando agora.
* Os meninos podem cantado agora.
Se o asterisco
marca agramaticalidade, o sinal (?) exprime dúvida sobre a possibilidade de uso
de “poder” com gerúndio. Minha intuição linguística enquanto falante nativo de
português faz parecer-me aceitável a combinação de “poder” com gerúndio em atos
de fala cuja força ilocucionária é a de ‘comando’ ou ‘ordem’, como em “Meninos,
podem descendo daí já!” (em usos menos monitorados). Como não se pode fazer
ciência com base em intuição, necessário é investigar se enunciados análogos
ocorrem de fato, a fim de determinar os fatores que tornam possível a
combinação de “poder” com gerúndio. Não pretendo me debruçar sobre esta questão
aqui. Por ora, convém reconhecer que, para usar “poder” com gerúndio, é ao
infinitivo “ir” intercalado que os falantes nativos de português recorrem de
modo sistemático (cf. Os meninos podem ir se vestindo?).
O verbo auxiliar
“ir” combina-se tanto com o infinitivo quanto com o gerúndio, mas não com o
particípio:
(6) Os torcedores
vão comparecer em grande número.
Os torcedores vão deixando o estádio
tranquilamente.
* Os torcedores vão comparecidos em grande
número.
Os auxiliares aqui
exemplificados devem inserir-se no caso b), em que ‘A pressupõe B, mas B não
pressupõe A”. Assim, o verbo “poder” pressupõe o infinitivo, mas este não
pressupõe o verbo “poder” (cf. Sair à noite é bom/ Eles se arrumaram
para sair).
A gramática do
português organiza-se hierarquicamente em estratos ou níveis. Cada nível
corresponde a uma unidade linguística. O nível mais baixo da escala hierárquica
é o do morfema. O nível mais alto é o
do período. Os níveis intermediários
são, numa ordem ascendente: vocábulo,
sintagma e oração.
Esquematicamente, os estratos gramaticais se organizam como se seguem:
Período
Oração
Sintagma
Vocábulo
Morfema
(leia-se de baixo
para cima)
Para
compreendermos como uma unidade linguística passa de um nível a outro, tomemos
a palavra “psicológico”. “Psicológico” forma-se pelo acréscimo de “-ico” à base
presa e composta “psicolog-”. Dizer que “psicolog-” é uma base presa significa
dizer que seu uso como forma autônoma, como palavra não é possível. É somente
pelo acréscimo de “-ico” que “psicolog-” passa a ter status de forma livre e
autônoma no discurso, ou seja, passa a ser uma palavra ou vocábulo. Pertencente
ao estrato do vocábulo, “psicológico” pode combinar-se com outro vocábulo de
modo a compor uma unidade de nível imediatamente superior. Assim, podemos ter,
por exemplo, “um problema psicológico”. O conjunto formado de “um”, “problema”
e “psicológico” constitui o nível do sintagma. Oportunamente, definirei esse
termo. Esse sintagma pode articular-se a outro sintagma complexo cujo núcleo é
necessariamente um verbo, como em “um problema psicológico a afetou
profundamente”. A articulação de “um problema psicológico” com “a afetou
profundamente” compõe uma unidade de nível hierarquicamente superior, qual
seja, o da oração. Essa unidade imediatamente superior, cujo núcleo é o verbo,
pode combinar-se com uma unidade do mesmo nível, compondo uma totalidade ainda
maior, correspondente ao período. Assim, por exemplo, podemos articular “um
problema psicológico a afetou profundamente” a “ela procurou um psiquiatra”,
mediante o conectivo “e” (cf. um problema psicológico a afetou profundamente e ela procurou um psiquiatra).
Segue-se, então, a estruturação em níveis:
Um problema psicológico a afetou
profundamente e ela procurou um psiquiatra
período
Um problema psicológico a afetou profundamente oração
Um problema psicológico sintagma
Psicológico palavra
Psicolog- morfema
-ico
morfema
Em certo sentido,
a análise gramatical consiste na atividade de identificação dessas unidades e
das regras que as combinam entre si em cada nível.
Antes de passar
para a próxima seção deste texto, cabe salientar que o conceito de gramática
que adotei aqui não é o único corrente na literatura especializada. A definição
de gramática que eu esposei supõe que a gramática é o mecanismo organizacional da língua, visto de uma perspectiva
externa à consciência dos usuários da língua, muito embora saibamos que a
gramática pode ser também definida como um tipo de competência e/ou
conhecimento internalizado que se supõe estar inscrito na mente/cérebro do
falante nativo de uma dada língua, graças ao qual ele é capaz de fazer uso
normal, eficiente e adequado dessa língua. Nesse caso, os linguistas falam em gramática internalizada. A gramática
também pode ser entendida como uma disciplina ou modelo teórico, designando o
produto do trabalho de gramáticos e linguistas. Por exemplo, os linguistas
investigam certos fenômenos linguísticos, segundo certos pressupostos teóricos
e uma metodologia adequada, a fim de produzir modelos de gramática, que
constituem uma hipótese da gramática
internalizada que todo falante nativo tem em sua mente/cérebro. É nesse sentido
que dizemos que eles produzem “gramáticas”, ou seja, um conjunto de fatos
linguísticos que foram submetidos a uma análise criteriosa e rigorosa, com base
num corpus representativo, que se
pretende um modelo do conhecimento linguístico implícito e inscrito na
mente/cérebro dos falantes nativos de uma dada língua.
2. Conceitos
básicos
O que se seguirá
aqui é a definição de certos conceitos de cuja compreensão depende o bom
andamento da leitura.
1) Construção: é a unidade resultante da
combinação de unidades de níveis imediatamente inferiores. O conceito de
construção supõe que as unidades de níveis superiores se constituem de unidades
de níveis inferiores.
Assim, por
exemplo, a palavra “deslizamento” é uma construção, na medida em que é
constituída da combinação de “des-“, “liso” e “-mento”. Ressalte-se, contudo,
que “deslizamento” forma-se a partir da forma já derivada “deslizar”, de tal
modo que a sequência de derivação é a seguinte: liso > des-liz-ar > desliza-mento. A construção tem nível e
extensão variáveis. A unidade “a casa amarela” é uma construção pertencente ao
nível do sintagma.
2) Valência: a valência é uma propriedade
tipicamente verbal, muito embora a exibam também certos substantivos, adjetivos
e advérbios. Neste texto, empregarei o termo valência para fazer referência a
uma propriedade que os verbos plenos têm de prever configurações frásicas em
seu significado. A valência instaura, assim, uma dada rede de relações
sintático-semânticas em torno do verbo. Para ser mais preciso, a valência
designa a propriedade que tem o verbo de estabelecer certo número de lugares vazios, os quais são preenchidos
por determinados argumentos também previstos pela semântica do verbo. A
valência é um fenômeno léxico-semântico que se manifesta sintaticamente e supõe
ser o verbo o elemento central da oração do qual “irradia” a estrutura relacional
que a configura. É o verbo que determina sintático e semanticamente a estrutura
da oração. Considere-se, pois, o exemplo, abaixo:
(7) Os policiais
prenderam o ladrão em flagrante.
Entre as
informações que constituem parte da competência linguística do falante nativo
de português, ao usar o verbo “prender”, está a de que esse verbo estabelece ao
seu redor dois lugares que devem ser preenchidos por dois termos. Esses termos
funcionam como participantes envolvidos na ação/evento descrito pelo verbo. Podemos
formalizar a estrutura relacional determinada pelo verbo “prender” da seguinte
forma:
(7a) X prender Y
O elemento “X”
corresponde ao sujeito, que desempenha, no nível semântico, o papel de agente;
e o elemento “Y”, ao objeto direto, que desempenha o papel de paciente. Assim,
“X” pratica a ação; e “Y” a sofre. Dizer que “prender” determina dois lugares
vazios, correspondentes a X e Y é dizer que X e Y são variáveis previstas pelo
próprio significado do verbo “prender”. Ou seja, “prender” codifica uma
situação (um estado-de-coisas), em que uma entidade-agente realiza a ação
descrita pelo referido verbo, a qual exerce um efeito sobre uma
entidade-paciente. O falante nativo de português sabe que todas as vezes que
seleciona o verbo “prender” construirá enunciados cuja estrutura relacional
resulta da articulação de dois argumentos, quais sejam, X e Y. Os argumentos são, portanto, os
participantes da relação predicativa estabelecida pelo verbo, são os
constituintes que preenchem os lugares vazios previstos pela valência do verbo.
Como se vê, a
valência de um verbo decorre de seu significado. É uma propriedade que
caracteriza o verbo como unidade lexical; ela estabelece o número de argumentos
que estão logicamente previstos no núcleo (verbo) da oração.
3) Estado-de-coisas: esse termo diz
respeito à função que têm as línguas de simbolizar, de estruturar nossas
experiências de mundo. O estado-de-coisas é a representação na frase de uma
dada experiência de mundo. Trata-se da codificação linguístico-cognitiva de uma
situação, que se apresenta como uma ‘cena’ do mundo em que se distinguem uma
ação e participantes direta ou indiretamente envolvidos nela. O
estado-de-coisas manifesta o significado proposicional, entendido como o
significado referencial inferível com base na estrutura do próprio enunciado.
4) Proposição: é o resultado semântico da
relação de um predicador com os seus participantes. Recobre a organização do
significado da frase. Trata-se do significado denotativo da frase (significado
proposicional). Proposições podem ser avaliadas em termos de “valor de
verdade”. Por exemplo, se digo “Está chovendo”, tenho neste enunciado a
realização de uma proposição que não é senão o significado que compreendo com
base na sua forma. O significado proposicional é o que ele comunica. A
proposição denota um fato possível, um acontecimento cujo valor de verdade se
determina com base na correspondência entre o significado e o estado-de-coisas
do mundo real. Assim, “está chovendo” constituirá uma proposição verdadeira se
e somente se dadas condições do mundo se verificarem.
Não pretendo me
ocupar das complicações da análise proposicional, mas preciso esclarecer que
proposições se apresentam na forma de sentenças declarativas afirmativas. O
termo proposicional tem origem na filosofia e é usado em linguística para o
tratamento de aspectos de análise semântica. É particularmente interessante nos
estudos pragmáticos (por exemplo, na teoria dos atos de fala) e na gramática de
casos. Na teoria dos atos de fala, o significado proposicional contrasta com o
significado que resulta do acréscimo de uma força ilocucionária (que podemos
chamar de significado pragmático,
porque originado do uso da língua em contexto), de modo que, num enunciado como
“a janela está aberta”, considerando-se o efeito de uso, não é o significado
descritivo ou proposicional que têm relevância para a interação, mas o
significado que se constrói com base num conjunto de informações pragmáticas
compartilhado pelos enunciadores. O significado do enunciado, justamente o que
deve ser construído, a fim de satisfazer o propósito sociocomunicativo de quem
o produziu, resulta de um cálculo operado pelo enunciatário tendo em conta
variáveis contextuais, tais como a intenção do enunciador, a constatação de que
a janela está aberta, o fato de estar frio e o enunciador não estar
adequadamente agasalhado, etc. Esse conjunto de saberes está na base da
interpretação do significado daquele enunciado como a realização de um ato de
sugestão ou pedido para que se feche a janela.
5) Núcleo: é o elemento central de um
sintagma, que equivale distribucionalmente ao sintagma como um todo. Todo
sintagma é necessariamente constituído de um núcleo. O núcleo determina as
relações de concordância e regência em partes de um sintagma ou da sentença.
No interior de um
sintagma, o núcleo é o elemento central, em torno do qual se organizam as
demais unidades. O núcleo é o elemento de valor referencial, no sentido de que
é representado por uma unidade linguística que designa um ‘dado’ do mundo. No
sintagma “as canetas coloridas”, “canetas” é o núcleo, visto que: a) é
distribucionalmente equivalente ao sintagma como um todo, isso significa dizer
que “caneta” pode figurar em outros ambientes sintáticos sozinho. (cf. As
canetas coloridas não escrevem/ compre caneta por ciquenta centavos/
eu não gosto de escrever com caneta.); b) “caneta” controla a relação de
concordância, determinando a forma dos demais elementos adjacentes.
O verbo é o núcleo
da oração, já que ele determina a estrutura sintático-semântica da oração. Por
exemplo, o verbo determina o tipo de sujeito e complemento que deve
acompanhá-lo. Assim, em “A camisa rasgou”, o verbo “rasgar” exige que o
participante afetado pela ação de rasgar comporte o traço sêmico [-animado], [+
maleável], [+divisível], [-sólido], etc. Trata-se de restrições semânticas
feitas pelo verbo “rasgar” relativamente ao conjunto de argumentos passíveis de
preencher a posição de complemento na estrutura argumental. Um enunciado como
“A pedra rasgou”, embora gramaticalmente bem-formado, é semanticamente
inaceitável.
6) Sintagma: Em Saussure, sintagma
designava toda combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior.
Essa definição, por ser geral, permite que se diferenciem o sintagma
suboracional, sintagma lexical, sintagma locucional, sintagma oracional e
sintagma superoracional. Assim, o fato de uma palavra como “pedreiro” ser
constituída pela combinação de “pedr-” e “-eiro” dá-lhe o status de sintagma
lexical.
O sintagma,
contudo, é um conceito operacional corrente em teorias sintáticas. Entende-se por sintagma uma construção sintática
constituída por uma ou mais de uma unidade; essa construção funciona como um
“bloco” significativo. Todo sintagma é constituído de um núcleo obrigatório. O
sintagma pode constituir-se apenas do núcleo, ou a este pode haver elementos
adjacentes. Cada uma das unidades, cujos elementos se dispõem numa relação de
interdependência, em que se estrutura a oração, é um sintagma. Os sintagmas são
os constituintes imediatos da oração.
Na
seção em que trato do processo sintático da transposição, discorrerei com mais
vagar sobre o sintagma. Por ora, basta observar que nas ocorrências abaixo
aparecem, entre colchetes, os sintagmas:
(9)
[Aqueles três grandes homens] [leem
muito]
Núcleo – homens núcleo - leem
[A
casa [de [praia] ] ] [fica [em Saquarema]]
núcleo – casa núcleo - fica
[de praia] – núcleo –de [em Saquarema] – núcleo -
em
[praia]
– núcleo – praia
[Saquarema] – núcleo – Saquarema
Em Fundamentos de Gramática do Português
(2002), Azeredo observa o seguinte no tangente à predicação:
“Pelo ato de predicar, o homem exercita e
expressa seu raciocínio, não apenas isola uma parcela de sua experiência do
mundo e lhe dá um nome (pela função de designação), mas também “pronuncia-se
sobre essa parcela”, formulando um pensamento sobre ela”.
(p. 75)
Em seguida,
acrescenta:
“(...) o ato de predicar constitui ordinariamente
uma declaração sobre um conceito, e só é possível graças ao verbo”.
(ib.id.)
O verbo, portanto,
é o elemento indispensável para o estabelecimento de uma estrutura de
predicação, muito embora a função de predicar possa ser desempenhada por
predicadores não-verbais.
“(...) os verbos simbolizam nossa experiência do
mundo como representações dos modos de existência dos seres expressos como
predicação”.
(ib.id.)
Toda oração se
estrutura em torno de um predicador e graças a ele. O predicador designa
propriedades ou relações e estabelece uma relação entre termos, os quais
designam entidades. A totalidade dessa relação constitui uma predicação. A
predicação é o fato sintático-semântico de estabelecimento de relações entre
termos por meio do predicador. A predicação representa um estado-de-coisas.
Nele, representa-se uma cena, um quadro, uma estrutura experiencial do mundo da
qual participam determinadas entidades implicadas na situação designada pelo
predicador.
A predicação é o
resultado da relação de um certo número de termos com o predicador.
A Apolônio
Díscolo, um gramático alexandrino do século I d.C, devemos a compreensão de que
as relações sintáticas podem-se manifestar na forma de predicação, que se caracteriza por ser uma relação assentada na
concordância, e na de complementação,
que é uma relação da qual está ausente a concordância. Ambas as formas envolvem
uma atribuição de casos: nominativo, à esquerda do verbo, na predicação;
acusativo, dativo e ablativo, à sua direita, na complementação.
Com Apolônio,
portanto, a predicação recobria tão-só a relação entre um predicador e seu
sujeito; a relação do predicador com seus argumentos internos é recoberta, ao
contrário, pela complementação. Escusa dizer que as gramáticas tradicionais
modernas rejeitam essa separação, incluindo a complementação na predicação.
No exemplo abaixo,
o verbo “querer” é um predicador de dois lugares:
(9) Ela quer
um novo celular.
O verbo “querer”
estabelece uma estrutura predicativa. Nessa relação, se verifica um
constituinte “ela”, que representa o participante que deseja, e um constituinte
“um novo celular”, que representa o participante ‘objeto’ que é desejado. O
verbo “querer” estabelece, portanto, uma relação entre esses dois
participantes.
3.1. Predicação e semântica
O estudo da
predicação me levou a propor a necessidade de distinguir nesse fenômeno dois
planos: o semântico e o sintático. Tratarei nesta seção do plano semântico.
Na lógica
aristotélica, a designação recobre o
processo de predicação, de tal modo que todo item lexical pleno de significado
é um predicador. Predicar é, para Aristóteles, designar. Assim, os
substantivos, que designam entes e coisas; os adjetivos que designam estados ou
modos dos seres e coisas; os verbos, que designam ações e eventos; as
preposições, que designam relações, e assim por diante, são predicadores.
A predicação por designação é responsável pela
produção do sentido, o qual resulta da relação entre a palavra e seu referente.
Essa relação corresponde ao sistema semântico referencial, que é responsável
por relacionar o símbolo à coisa que ele representa (referente).
Pode-se, ainda,
ver a predicação como um processo de produção de significados não-contidos nos
itens lexicais tomados isoladamente. Nesse caso, a predicação depende da
relação entre um item-predicador e um item-sujeito.
Constitui papel do
predicador, de acordo com essa perspectiva:
1) transferir a seu sujeito uma propriedade sua
que pode ser:
a) a emissão de juízos sobre o valor de verdade
da classe sujeito;
b) a alteração da extensão dos indivíduos
designados pela classe-sujeito;
c) a alteração de propriedades intensionais do
sujeito.
Não pretendendo me
estender sobre essa visão tradicional e alargada de predicação – tema a que
seria necessário destinar outro texto -, noto que atualmente, entendendo o
predicador como a função desempenhada pela unidade linguística (por excelência,
o verbo) responsável por determinar a estrutura sintático-semântica da oração, a
ele compete:
a) a determinação
da constituição morfossintática do sujeito (função morfossintática):
Ex.: Custa-me acreditar
nisso.
O predicador
“custar”, na acepção de ‘ser difícil’, nas variedades de prestígio do
português, seleciona um sujeito na forma de uma oração de infinitivo.
b) a determinação
dos semas (componentes mínimos em que se pode dividir o significado de uma
palavra) que deve comportar o sujeito (função semântico-denotativa):
Ex.: ______Rasgar
sujeito
[+ maleável], [- animado], [- sólido},
etc.
papel
tecido
roupa
*pedra
*copo
*espelho
c) a determinação dos papéis temáticos ou
semânticos dos seus argumentos (função semântico-funcional):
O menino
caiu.
paciente
A chave
abre a porta.
instrumento objeto
João
abriu a porta com a chave.
agente
objeto instrumento
d) a determinação
da estrutura relacional, o que envolve a determinação da forma do seu
complemento e o modo como se dá a relação deste com o predicador:
Ex.: Eu permito a
sua saída.
Eu
permito que você saia.
Eu permito o casamento.
*Eu permito os noivos.
Eu permito aos noivos dormir aqui hoje.
Os exemplos ilustram que o verbo “permitir” seleciona:
a) um complemento direto na forma de um SN
simples ou oracional (cf. a sua saída/ que você saia) e um
complemento introduzido da preposição “a” (aos noivos);
A complementação
oracional é uma propriedade do verbo “permitir”, propriedade que compartilha
com outras classes de verbos, mas não é comum a todos os verbos da língua,
evidentemente. O verbo “dispensar”, embora admita um SN simples como
complemento, como em “Eu dispensei o empregado”, não admite um complemento
oracional (cf. *Eu dispensei que o empregado...).
b) um complemento
direto na forma de uma oração de infinitivo (cf. dormir aqui)
Ademais, do ponto
de vista semântico, parece que “permitir” rejeita a ocorrência, na posição de
complemento direto, de um substantivo [+ concreto] e [+ animado], e autoriza a
ocorrência, nessa posição, de um substantivo abstrato que designa ação ou
evento (cf. saída/casamento).
A dimensão
semântica da predicação abriga, portanto, a) a determinação dos papéis
semânticos dos argumentos e b) a restrição de seleção quanto aos tipos de
argumentos que devem preencher os lugares vazios previstos pela valência do
verbo. Escusa dizer que é o predicador que desempenha essas duas funções.
A dimensão formal
ou sintática da predicação envolve: a) a determinação pelo predicador da forma
dos argumentos e b) a determinação do número de argumentos que configuram a
estrutura relacional. Destarte, tomando-se o predicador DIZER, percebemos que
sua ocorrência determina a seguinte estrutura relacional, formalizada como:
X DIZER Y a Z
Nela, distinguimos
um X sujeito, um Y objeto direto e um Z objeto indireto. O constituinte
correspondente a Z é encetado pela preposição “a” e é passível de comutação com
“lhe”. Complementos verbais representados por substantivos [+anim/hum]
introduzidos pela preposição “a” (ou “para”) são, sistematicamente, passíveis
de serem substituídos por “lhe”. Na verdade, “lhe” pode substituir estruturas
‘aSN’, mesmo que elas não sejam formadas de substantivos [+anim], conforme
mostrei em minha dissertação de mestrado. Desse grupo devem-se excluir, no
entanto, os substantivos que comportam o traço [+ locativo], os quais não
admitem a comutação com “lhe” (cf. Eu fui ao cinema/ *Eu lhe fui). A
possibilidade de comutar a estrutura ‘a__SN’ com lhe é um aspecto formal da
predicação do verbo “dizer”. Essa observação importa, já que verbos como
“acreditar”, cuja estrutura relacional prevê um constituinte ‘emY’, não
autoriza a ocorrência de “lhe” (cf. Eu acredito em você/ *Eu lhe acredito). É
notável o fato de que a dimensão semântica da predicação determina o plano
sintático. Por exemplo, o verbo “confiar”, em seus usos mais frequentes, prevê
duas estruturas relacionais, formalizáveis como:
(1) X CONFIAR em Y
(2) X CONFIAR a Y
Z
No entanto, (1)
corresponde ao significado ‘ter confiança’; (2), ao significado ‘entregar aos
cuidados de’ (cf. Eu confio em você/ Eu confio o meu filho a você). Em (2), o
pronome “lhe” pode comutar com ‘a_Y’.
Lembro que a palavra forma (ou estrutura), desde Saussure, pela pena de Aristóteles,
designa uma rede de relações. A forma
é o resultado da articulação sistemática dos elementos linguísticos para compor
um todo coeso. Assim, na frase (10), abaixo
(10) Nós fomos à
praia ontem.
A disposição
sistemática das unidades na frase constitui a forma. A forma resulta da união de uma “coerência sintática” (espécie
de sintaxe mental) e a “coerência semântica” (o universo conceptual organizado
na/pela língua). Fala-se também de
análise formal para se referir à análise que prescinde dos aspectos
significativos das entidades linguísticas. Ou seja, usa-se o termo forma/formal para referir-se à análise
que não leva em conta as relações significativas entre as unidades
linguísticas. Por exemplo, se quiséssemos determinar a função sintática do
constituinte “à praia” do ponto de vista formal, bastaria observar, entre
outras coisas, que ele é passível de ser substituído por um advérbio locativo
como “lá”, o que confirmaria sua natureza adverbial. Nesse caso, não se faz
menção a noções como ‘lugar’, ‘lugar para onde’ se destina o agente, etc. Se
quiséssemos também determinar a função de “nós”, bastaria notar que esse
constituinte se dispõe à esquerda do verbo, em português. Também poderíamos
fazer ver que “nós” é o termo com o qual o verbo concorda e serve para comutar
um constituinte como “eu e os meus amigos”, por exemplo. Com base nessas
propriedades do termo “nós”, determinamos sua função, que é a de sujeito. O
sujeito é o termo com o qual o verbo concorda e que é passível de comutação com
um pronome reto (cf. Eu e meu amigo vamos à praia / Nós vamos à
praia).
O rigor, contudo,
impõe-me a necessidade de esclarecer que a forma ou estrutura de uma construção
resulta de uma abstração teórica. A estrutura não é imediatamente acessível a
quem não dispõe de algum conhecimento sobre notações de formalização. A forma
deve prever padrões, deve ser expressão de modelos de estruturação, a despeito
das diversas maneiras de organizar as substâncias. Assim, por exemplo, dadas as
frases (11), (12), (13) e (14),
(11) Nós fomos à
praia ontem.
(12) Meu irmão e
eu chegamos bem ao aeroporto.
(13) Eu levei o
cachorro ao veterinário
(14) Eu levei o
carro à oficina
suas diferenças
evidentes não podem mascarar o fato de que a forma delas revela padrões
estruturais previstos em português. Modelos arbóreos dão-nos a conhecer suas
estruturas. Vou-me limitar a apresentar os modelos de (11) e (12).
(11) O
SN SV
SAdv
SAdv
(12) O
SN SV
SAdv SAdv
Deve-se lê-los
assim: O (oração) se constitui da articulação de um SN e um SV. SAdv, num plano
mais baixo, é parte do domínio do SV. A estruturação da oração não é linear,
mas hierárquica: a oração é a unidade mais alta, que domina o SN e o SV, e o SV
domina os SAdv.
Evidentemente, eu
simplifiquei a apresentação dos modelos arbóreos, já que uma descrição
detalhada interessa pouco, para efeito de definição do conceito de forma.
Importante é ver que a estrutura ou a forma de uma construção linguística, como
a oração, por exemplo, só nos é acessível quando apreendemos o modo como as
categorias sintáticas (os sintagmas) se articulam para formar o esqueleto da
construção. O esqueleto é a forma da
construção. A metáfora do esqueleto ajuda-nos, finalmente, a compreender bem o
que significa forma, em teoria
linguística. Assim como os ossos se articulam para compor o esqueleto, assim
também as unidades linguísticas se articulam para compor a forma. A forma, tal como o esqueleto, é o resultado
da articulação das unidades linguísticas na cadeia sintagmática.
Do modo como vimos
definindo forma aqui se conclui que as palavras também são dotadas de forma.
Uma palavra como centralizar tem uma
forma, que é resultado da articulação de um ‘rad. (central) e um sufix.
(-izar)’. Podemos apresentar a seguinte formalização:
CENTRALIZAR = Rad.
+ Sufix.
A estrutura
‘Rad__Sufix.’ é comum a uma série de construções, como se pode ver abaixo:
Casamento
Atualizar
Felicidade
Lealdade
Honestidade
Amável
Gostoso
Saboroso
(...)
4. Transposição
4.1. O sintagma
Azeredo
(2002: 151. seção 305) refere dois expedientes analíticos para identificar os
sintagmas: o deslocamento e a substituição. A esses expedientes acrescento mais
dois: a coordenação por “e” e a interrogação com “que”, “quem”, “quando”,
“onde”, etc.
Tomemos
para exemplo a seguinte frase:
(13)
Aqueles pássaros fazem seu ninho em galhos de árvore.
Valendo-nos
do teste de deslocamento, devemos admitir que as seqüências aqueles pássaros, seu ninho, em galhos de
árvore são sintagmas. Vejam-se as possibilidades de deslocamento abaixo:
(13a)
Fazem aqueles pássaros seu ninho em
galhos de árvore.
Aqueles pássaros fazem em galhos de árvore seu ninho.
Em
galhos de árvore, aqueles pássaros fazem seu ninho.
A
substituição por uma pró-forma também
nos permite considerar aquelas seqüências como sintagmas.
(13b)
Eles (= aqueles pássaros) fazem seu
ninho em galhos de árvore.
Aqueles pássaros fazem-no (= seu ninho) em galhos de árvore.
Aqueles pássaros fazem seu ninho ali (ou lá, aqui...) (= em galhos de árvore).
Pelo
expediente de deslocamento, patenteia-se que as seqüências aqueles pássaros, seu ninho,
em galhos de árvore são unidades coesas, já que não se pode romper com a
ligação entre os elementos. Assim, não é possível deslocar tão-só “aqueles” ou
“pássaros”. Também não é possível interpor “aqueles pássaros” entre “em” e
“galhos”, já que se romperia a coesão desses elementos (cf. *em aqueles pássaros galhos...).
Outrossim,
porque se pode substituir todo o conjunto em
galhos de árvore, por exemplo, por uma forma como ali, sabemos se tratar de um conjunto coeso, ou seja, de um
sintagma.
Entende-se
por pró-forma toda unidade
lingüística capaz de substituir outra na cadeia sintagmática por uma
equivalência funcional e, eventualmente, semântica. Uma forma lingüística
equivale funcionalmente a outra
quando pode figurar no mesmo lugar da unidade substituída. A pró-forma pode substituir seqüências
lingüísticas de extensão vária. Por exemplo, o verbo fazer antecedido do pronome o
(o faz) substitui a oração anterior
(ou melhor, como veremos, o SV anterior) em “Os deputados cobravam seus
direitos, e o faziam (= cobravam seus
direitos) com cinismo”. Ressalte-se
que a possibilidade de substituir cobravam
seus direitos por o fazer
atesta-nos a natureza sintagmática de cobravam
seus direitos.
Cabe
dizer que as unidades aqueles pássaros,
seu ninho, em galhos de árvore e seus correlatos funcionais Eles, -no, ali, respectivamente, são
sintagmas porque podem ocupar certos lugares
na estrutura frasal. Os sintagmas que ocupam o mesmo lugar na cadeia
sintagmática são classificados da mesma maneira. Assim é que Eles e aqueles pássaros são ambos sintagmas nominais; -no e seus ninhos também
são ambos sintagmas nominais; ali e em galhos de árvore são, pois, sintagmas
adverbiais.
O
teste da coordenação serve melhor para identificar sintagmas que pertencem à
mesma classe funcional. Por exemplo, se introduzirmos na frase-exemplo (13) uma
forma como “falcões”, do que resulta “aqueles pássaros e (aqueles) falcões fazem seu ninho em galhos de árvore”,
percebemos que a conjunção “e” relaciona duas unidades da mesma natureza, ou
seja, funcionalmente semelhantes: “aqueles pássaros” e “(aqueles) falcões” são
ambos sintagmas nominais. Numa frase como “O chocolate lhe manchou a manga da
camisa e a saia”, a conjunção “e” liga dois sintagmas nominais – a manga da camisa e a saia – que cumprem a função de complemento verbal.
O
último expediente que importa considerar é o da interrogação mediante as formas
(o) que, quem, quando, onde, quanto, etc. Trata-se de um tipo
particular de substituição, que patenteia a correlação funcional entre as
unidades envolvidas. Assim, tendo em vista a frase (13), pode-se formular as
seguintes perguntas com aquelas formas:
(13c)
Quem fez seu ninho em galhos de
árvore?
Onde
os pássaros fizeram seus ninhos?
O
que os pássaros fizeram em galhos de árvores?
Veja-se
que as formas quem, onde, o que
correspondem respectivamente às unidades aqueles
pássaros, em galhos de árvore e seu
ninho. Pelo teste de interrogação, procura-se mostrar que essas unidades
são sintagmas, ou seja, são unidades coesas, no interior das quais (e entre as
quais) se estabelecem determinadas relações sintático-semânticas.
É
claro que as formas onde e o que encetam a oração, já que se trata
de frases interrogativas; poderiam, contudo, dispor-se no fim da frase
interrogativa – o que corrobora a idéia de que essas unidades ocupam o mesmo
lugar das unidades que substituem.
Onde os pássaros fizeram seus ninhos?
Os
pássaros fizeram seus ninhos onde?
Em galhos de árvore, os pássaros
fizeram seus ninhos.
Os
pássaros fizeram seus ninhos em galhos de
árvore.
O que os pássaros fizeram em galhos de
árvore?
Os
pássaros fizeram em galhos de árvore o
quê?
Seu ninho os pássaros
fizeram em galhos de árvore.
Os
pássaros fizeram em galhos de árvore seu
ninho.
Os
pássaros fizeram seu ninho em galhos
de árvore.
Cabe
perguntar, porém, se, no sintagma em
galhos de árvore, a unidade de árvore
é também um sintagma. Deveras, o é. Como ensina Azeredo (2002: 151 ss 304),
“pode haver sintagmas dentro de sintagmas mais amplos”. Está claro que não
podemos deslocar de árvore, porque é
um sintagma encaixado no sintagma mais amplo em galhos de árvore; mas podemos substituí-lo por uma forma como ela: em
(nos) galhos dela.
Antes
de referir os tipos de sintagmas e suas características sintático-semânticas e
morfológicas, dou a saber os seguintes passos de Inez Sautchuk (2004: 40):
“O que acontece com qualquer
falante da língua, ao processar enunciados escritos, é que ele o faz
“dividindo” esses enunciados em blocos significativos que podem, inclusive,
mudar de posição no eixo sintagmático. São esses blocos (ou “as combinações de
unidades lingüísticas de nível inferior”) que constituem o que chamamos de sintagma”.
Azeredo
também destaca as três seguintes características do sintagma:
a) “os vocábulos não formam a
oração senão indiretamente, eles se associam em unidades complexas – os
sintagmas – que são os verdadeiros constituintes da oração”;
b) “um sintagma pode ser
constituído por um grupo de vocábulos ou por um vocábulo simples”;
c) os sintagmas, assim como os
morfemas e as palavras, pertencem a diferentes classes.
Vejam-se,
a seguir, as cinco classes de sintagma apresentadas por Azeredo:
a) SINTAGMA NOMINAL (SN): tem como núcleo um substantivo ou palavra de
valor substantivo (tais como pronomes retos, oblíquos, indefinidos, possessivos
(quando antecedidos de artigo), demonstrativos, indefinidos-interrogativos,
numerais substantivos, etc.).
b) SINTAGMA VERBAL (SV): tem como núcleo
um verbo e pode incluir os complementos e adjuntos desse núcleo, ou
constituir-se apenas do núcleo. Assim a extensão do SV varia conforme haja
apenas o verbo ou este e os elementos a ele adjacentes.
c) SINTAGMA ADJETIVAL (SAdj.): tem como núcleo um adjetivo, mas pode constituir-se também
de advérbios (de intensidade, de modo) que modificam o núcleo ou por sintagmas
preposicionados.
d) SINTAGMA PREPOSICINAL (SP): o sintagma
preposicional é sempre um sintagma derivado, já que se forma mediante a
combinação de uma preposição com um outro sintagma. O índice formal do sintagma
preposicional, pelo qual podemos reconhecê-lo, é a preposição.
e) SINTAGMA ADVERBIAL (SAdv.): tem como
núcleo um advérbio, o qual, eventualmente, pode ser modificado por outro
advérbio.
Citem-se
os seguintes exemplos:
a) As asas do pica-pau quebraram. (SN)
Os
seis alunos estão em recuperação. (SN)
Os
cinco podem descer agora! (SN)
Aqueles
garotos xingaram a pobre mulher.
(SN)
Alguns
alunos não foram aprovados. (SN)
Alguns
dos eleitos não assumiram o cargo.
(SN)
Júnior
escrevia cartas aos seus. (SN)
b)
As asas do pica-pau quebraram. (SV)
Os seis alunos estão em recuperação. (SV)
Aqueles garotos xingaram a pobre mulher. (SV)
Alguns alunos não foram aprovados neste ano. (SV)
Alguns dos eleitos não assumiram o cargo. (SV)
Júnior escrevia
cartas aos seus habitualmente. (SV)
c)
Aqueles garotos xingaram a pobre mulher.
(SAdj.)
Os trabalhadores da empresa de gás cobram melhores condições de trabalho. (SAdj.)
Os deputados cassados tiveram seu sigilo bancário
quebrado. (SAdj.)
Os leões fugitivos foram muito bem alimentados
pelos funcionários do zoológico. (SAdj.)
d)
As asas do pica-pau quebraram. (SP)
Os seis alunos estão em recuperação. (SP)
Alguns alunos não foram aprovados neste ano. (SP)
Júnior escrevia cartas aos seus. (SP)
e)
Os leões fugitivos foram muito bem alimentados. (SAdv.)
Júnior escrevia cartas aos seus habitualmente. (SAdv.)
Clarice não gostava de acordar muito cedo. (SAdv.)
Urge
ter em conta que a análise do sintagma preposicional varia. Autores há que o
consideram um sintagma derivado, isto é, formado pela preposição e por outro
tipo de sintagma (na maioria dos casos, por um sintagma nominal, mas pode
constituir-se de um sintagma adverbial, como em “Fulano passou por aqui”, ou
por unidades complexas, como em “A barata passou por cima de meu braço”, em que, não obstante a lição da tradição,
que vê aí uma locução prepositiva (“por cima de”), pode-se dizer que o sintagma
preposicional em itálico resulta da união de um sintagma preposicional derivado
de um sintagma adverbial por cima e
um sintagma preposicional de meu braço,
que é também derivado, porquanto resulta da combinação da preposição “de” com
uma forma nominal (braço)). O sintagma se diz básico quando é formado por uma classe de palavra que por si só
pode constituir o sintagma, tal é o caso do substantivo ou pronomes
substantivos, o adjetivo, que pode constituir sozinho o sintagma adjetivo, o
verbo, que pode constituir sozinho o sintagma verbal, e o advérbio, que pode
por si só constituir o sintagma adverbial.
Os
sintagmas derivados, como o sintagma preposicional, são criados por meio de transposição. O conceito de
“transposição” proposto por Azeredo será estudado mais adiante.
Como
não seja uma unidade que apresenta significado lexical; portanto, não
apresentando “carga semântica”, a preposição não é o núcleo do sintagma
preposicional, mas a unidade característica, mediante a qual se derivam
unidades de outras unidades pertencentes a classes diferentes. Alguns autores,
ignorando esse processo, que está relacionado ao conceito de recursividade e criatividade da linguagem humana, consideram o substantivo como
núcleo do sintagma preposicional. Todavia, é corrente a análise em que se que
entende o sintagma preposicional como resultado da combinação de uma preposição
com um sintagma nominal. Assim, uma seqüência como neste ano é analisada como:
Neste ano
SP
N
em SN
DET N
este ano
Note-se,
agora, a análise de em galhos de árvore:
SP
SP SP
N SN
N SN
Em
N
de N
galhos árvore
Ainda
no tocante à análise do sintagma preposicional, há que notar que esse sintagma
se define do ponto de vista formal (mórfico, propriamente). Assim é que,
normalmente, se classifica o sintagma preposicional pela função que exerce na
frase. Tome-se para exemplo as frases abaixo:
(14)
Os livros de literatura sumiram.
Os livros são de literatura
Elias viu com um binóculo a moça que tanto amava.
A moça com um binóculo foi vista por Elias.
Note-se que “de literatura” cumpre as
funções de “adjunto adnonimal” e “predicativo do sujeito”, respectivamente; e
“com um binóculo” exerce as funções de “adjunto adverbial” e “adjunto
adnominal”, também respectivamente. Todos os dois sintagmas, entretanto, são
sintagmas preposicionais, que cumprem funções sintáticas diferentes.
Para
efeito de reconhecimento do sintagma preposicional, não importa a posição que
ocupa na frase, ou, em termos tradicionais, a função sintática que exerce,
senão sua estrutura mórfica, que resulta da combinação de uma preposição com um
sintagma de um tipo específico.
Azeredo
(2002:205 ss. 396), todavia, ignorando o aspecto mórfico a que me referi,
inclui entre os sintagmas adverbiais certos sintagmas preposicionais, de acordo
com a posição (“função”) que ocupem na frase. Assim, na frase “O garoto nunca
tinha visto o amor de perto”, o sintagma “de perto”, não obstante apresentar a
estrutura de um sintagma preposicional, é considerado por Azeredo como um
“sintagma adverbial”, porquanto cumpre a função adverbial (‘lugar, posição’):
“de perto” é, na gramática tradicional, um tipo de “adjunto adverbial de
lugar”, de valor ‘situacional’, já que, por ele, situa-se a entidade que cumpre
a função de sujeito num “ponto” espacial próximo ao “mar”, que é o objeto a que
se aplica a visão.
Portanto,
para Azeredo, o sintagma adverbial é estruturalmente formado ou por um advérbio
apenas, ou por um advérbio antecedido de outro advérbio, ou por um SP.
Considerando
o ponto de vista de Azeredo, pode-se dizer que, para a classificação dos
sintagmas, concorrem os aspectos mórfico (classe de palavra que preenche a
posição nuclear do sintagma) e funcional, no sentido de Bloomfield, a saber, a
posição do sintagma na estrutura da frase.
Vamos
adotar o ponto de vista segundo o qual o sintagma preposicional é identificado
pela sua estrutura interna, e não pela posição que ocupe na estrutura frasal.
Cabe enfatizar que, do ponto de vista estruturalista, quando se diz que um
sintagma cumpre ou preenche uma função, quer-se dizer que ele ocupa determinada
posição na estrutura da frase; a “função” de uma unidade lingüística (de um
sintagma, portanto) é determinada pela posição que ocupa na cadeia sintagmática
(em relação a outras unidades). Muito diferente é o ponto de vista da gramática
tradicional que entende por “função” o comportamento sintático-semântico das unidades
lingüísticas na frase, ou seja, de perto,
por exemplo, é um adjunto adverbial
não só porque ocupa posição própria de um adjunto adverbial (normalmente, após
os complementos do verbo, quando estes estão atualizados) ou porque pode ser
substituído por uma forma como daqui
ou dali (cf. ver o mar daqui ou dali), mas, sobretudo, porque indica uma circunstância do fato
verbal (a circunstância de ‘lugar’). Destarte, na gramática tradicional, a
função de um sintagma é determinada por seu comportamento sintático-semântico,
e não tão-só por seu aspecto formal ou funcional (isto é, posição na cadeia
sintagmática, combinações ou correspondências com outras unidades, etc.).
O
ponto de vista por mim esposado é também o ponto de vista adotado por Inez
Sautchuk. É, muito provavelmente, o ponto de vista mais comum nos estudos
sintáticos. Em que pese à minha posição teórico-pedagógica, importa ao futuro
professor saber que existem os dois pontos de vista referidos, no que toca à
análise do sintagma preposicional.
Em
suma, podemos referir as seguintes características formais das classes de
sintagmas:
a)
SINTAGMA NOMINAL:
Núcleo
– substantivo ou expressão equivalente;
O
núcleo pode vir circundado de elementos adjacentes;
Os
elementos adjacentes são: artigo, pronome possessivo, pronome demonstrativo,
pronome indefinido, numeral, adjetivo ou palavra de igual valor.
b)
SINTAGMA ADJETIVAL:
Núcleo
– adjetivo
O
núcleo pode vir acompanhado de advérbios de intensidade, de modo ou de
sintagmas preposicionais.
c)
SINTAGMA PREPOSICIONAL (ou Preposicionado):
Núcleo
– preposição
É
formado por preposição + sintagma nominal
(SN) ou por preposição + advérbio.
Pode articular-se a um substantivo, a um adjetivo ou a um verbo.
d)
SINTAGMA ADVERBIAL:
Núcleo
– advérbio
Pode
compor-se ainda de advérbios de intensidade, de modo.
e)
SINTAGMA VERBAL:
Núcleo
– verbo.
Pode
ser complexo, ou seja, formado pelo núcleo e por elementos a ele relacionados,
como complementos (objeto direto, objeto indireto, complemento relativo, etc.),
e adjuntos (adjuntos adverbiais). O SV compreende, pois, todo o domínio cujo
elemento base é o verbo, ao qual se articulam outros elementos. Esses elementos
podem articular-se uns aos outros. Assim é que um objeto direto pode ser
modificado por uma estrutura preposicional, ou essa estrutura pode servir de
complemento a ele. Por exemplo, em “Os políticos mais conservadores admitem a aliança entre partidos contrários”, ao constituinte ou sintagma “a
aliança”, objeto direto de “admitir”, articula-se o constituinte “entre partidos
contrários”, que lhe serve de complemento.
Não
é unânime o reconhecimento do sintagma adverbial. Mário Perini (2004: 118), por
exemplo, observa o seguinte:
“Dos chamados “sintagmas
adverbiais”, há pouco o que dizer no momento. Eles constituiriam a classe dos
constituintes que ocupam funções “adverbiais” na oração, como, por exemplo, em
(102) Terminamos a pintura em poucas horas.”
Do
exemplo citado pelo autor, deduz-se que ele considera, tal qual Azeredo, o
sintagma adverbial um constituinte formado por “preposição + SN”, que funciona
como adjunto adverbial. Á página 119, Perini corrobora nossa dedução, quando
escreve:
“Pode-se dizer um pouco mais:
esses sintagmas [os adverbiais] podem ser formados de preposição + SN (...)”.
Perini
informa que não se fez ainda um estudo sistemático da natureza dos sintagmas
adverbiais; disso se segue que o autor abandona a questão ao abrigo de estudos
que venham lançar luz sobre ela.
“No entanto, a falta de uma
definição (ou melhor, um conjunto de definições) que delimite com alguma
clareza as entidades de que estamos falando impede qualquer tentativa séria de
sistematização. Prefiro, por isso, limitar-me às observações gerais dadas
acima, aguardando que se elabore uma taxonomia rigorosa desses sintagmas”.
Do
exposto, há que admitir duas análises para o sintagma em poucas horas: a que o entende como sintagma preposicional; outra
que o entende como sintagma adverbial, em virtude de levar em conta a sua
função ou posição na cadeia sintagmática. De acordo com essa última análise, o
sintagma adverbial pode constituir-se de preposição e SN, à semelhança do
sintagma preposicional. Formalmente, portanto, muita vez, não é possível
distinguir entre sintagma preposicional e sintagma adverbial; para tanto, é
necessário observar a posição ou a função que o sintagma exerce na frase:
cumprindo a função de “adjunto do nome” ou “complemento de verbo (inclusive, o
complemento predicativo) ou de nome” será um sintagma preposicional; cumprindo,
contudo, uma função “adverbial”, será um sintagma adverbial. Vejamos os dois
modelos de análise:
Modelo
1 – todo sintagma que apresente a estrutura ‘prep.__SN’ é um sintagma
preposicional:
Terminamos
o trabalho em poucas horas. (= cedo)
Em poucas horas
SP
N
SN
Det. N
Em poucas
horas
Ou:
Modelo 2 – o sintagma preposicional que cumpra função adverbial é um tipo de
sintagma adverbial.
SAdv.
SP
N SN
Em Det.
N
poucas horas
No
entanto, em “O livro de Literatura sumiu”, de
literatura é um sintagma preposicional, já que não cumpre a função de
“advérbio”, senão de um “adjetivo”. A análise desse caso é, pois, a seguinte:
de Literatura
SP
N SN
de
literatura
Passemos, agora, a
considerar a noção de transposição. A
transposição é um processo sintagmático que permite a formação de sintagmas que
têm distribuição distinta das unidades que constituem o seu núcleo. É preciso
frisar que SN, SV, SP , SAdj. e SAdv. são categorias.
A transposição é
um dos mecanismos gramaticais por que se expressam a flexibilidade e a dinamicidade do sistema linguístico. Ela
compensa a rigidez da estruturação sintagmática, permitindo expandir
infinitamente os enunciados de uma língua. A transposição ilustra a capacidade
que têm os usuários da língua de estabelecer entre as suas unidades diversas
relações associativas. Os recursos responsáveis por realizar a transposição
chamam-se transpositores.
A fim de que
compreendamos adequadamente o processo de transposição, necessário se faz
reconhecer que é a subordinação que constitui a forma com que se estabelecem as
relações sintáticas. Pela subordinação, as unidades que compõem as orações
passam a preencher funções. Na subordinação, uma categoria X posiciona-se sob o
domínio de uma unidade da categoria Y. A distinção entre subordinação e
coordenação, portanto, tem base formal e funcional, visto que a primeira supõe
que as unidades associadas ocupam uma posição na hierarquia da estrutura
sintática e os instrumentos dessa associação pertencem à unidade subordinada.
Fala-se em subordinação quando um termo prende-se a um outro que pertence a um
nível superior, do qual o primeiro é um constituinte. Por exemplo, sujeito e
predicado são subordinados à oração; são dela constituintes.
Os transpositores
são as unidades linguísticas (vocábulos e afixos) que realizam a transposição.
São unidades instrumentais com as quais a transposição se realiza formalmente.
Abaixo, elenco os transpositores:
a) os subordinantes (preposições, conjunções
e nominalizadores);
b) os pronomes relativos;
c) advérbios e pronomes interrogativos que
introduzem SNs oracionais;
d) o verbo SER introdutor de predicado (verbo
de ligação);
e) os verbos TER e HAVER seguido de
particípio;
f) os afixos ‘-ndo’ e ‘-do’;
g) certos determinantes que servem para
substantivar expressões não-nominais.
A noção de
transposição ajuda-nos a compreender, por exemplo, como é possível que uma
oração se subordine à outra. Na gramática tradicional, o exemplo (15) é um
período cujas orações se relacionam por subordinação. A oração subordinada
aparece grifada.
(15) Todos os
alunos estavam sentados, quando o professor entrou em sala.
Diz-se que a
oração “quando o professor entrou em sala” é do tipo adverbial, porque
corresponde a um sintagma não-oracional de valor adverbial, como, por exemplo,
“no momento da entrada do professor em sala”
(15a) Todos os
alunos estavam sentados no momento da entrada do professor em sala.
Estou ciente de
que, tradicionalmente, no ensino escolar, a identificação da oração adverbial
se baseia em noções semânticas, como a de tempo. O expediente de substituição
que acabei de mostrar apela apenas para o aspecto formal. Com ele, mostro que
“quando o professor entrou em sala” e “no momento da entrada do professor em
sala” têm a mesma distribuição (ou seja, podem preencher a mesma posição na frase).
Em (15a), “no momento da entrada do professor em sala” é um constituinte da
oração “Todos os alunos estavam sentados”. De passagem, note-se que as orações
adverbiais, bem como os sintagmas suboracionais adverbais podem-se movimentar
livremente no interior da frase:
(15b) Quando o professor entrou em sala,
todos os alunos estavam sentados.
No momento da entrada do professor em sala, os alunos estavam sentados.
Os alunos, quando o professor entrou em sala,
estavam sentados.
Os alunos, no momento da entrada do professor em
sala, estavam sentados.
Acima, escrevi “a
transposição é um processo sintagmático que permite a formação de sintagmas que
têm distribuição distinta das unidades
que constituem o seu núcleo”; isso significa que o sintagma “quando o professor
entrou em sala”, de função adverbial, não tem por núcleo um advérbio. O núcleo
desse sintagma é o verbo “entrou”. Sabemos, por outro lado, que outros
sintagmas têm a mesma distribuição dos seus núcleos. O SAdj. tem como núcleo um
adjetivo; o SN tem como núcleo o substantivo. Mas o SP, porque seja um sintagma
formado por transposição, não tem a mesma distribuição de seu núcleo, que é,
seguindo Azeredo (2000, p. 31), o substantivo a que se articula a preposição, e
não a preposição.
Ora, para ser de natureza
subordinada, a oração deve comportar-se à semelhança do constituinte de base não-oracional,
ou seja, deve integrar a estrutura da frase. Pelo processo de transposição, a
oração subordinada transpõe-se para o nível do sintagma (nível imediatamente inferior)
para, assim, poder funcionar como uma unidade dependente da estrutura sintática
da oração como um todo. Nesse caso, fala-se em sintagma adverbial formado por transposição, o que significa dizer
que essa oração transpõe-se para o nível do sintagma, tornando-se, pois, um
sintagma adverbial que toma parte na estrutura do sintagma oracional. É o
conectivo “quando” – transpositor – o
recurso que torna possível a transposição da oração para o nível do sintagma.
(15c)
Todos os alunos estavam sentados,
quando
o professor entrou em sala
sintagma adverbial formado por transposição
(= no
momento da entrada do professor em sala)
Na transposição, o
transpositor é parte da unidade que ele transpõe; donde se segue que, no
conjunto das ditas orações subordinadas substantivas, apenas as que são
introduzidas por pronomes indefinidos ou advérbios interrogativos, devem ser
consideradas como tais, já que seus transpositores ocupam a posição de um SN no
interior da oração de que fazem parte Vejam-se os exemplos abaixo:
(16) Eu não
conheço quem poderá desempenhar melhor essa função.
(17)
Perguntaram-me quantos anos ele tinha.
As formas “quem” e
“quantos” são transpositores. Como tais, eles integram as orações que
introduzem. Sucede que eles também cumprem uma função no interior dessas
orações. Em (16), “quem” é o sujeito (cf. quem poderá...); em (17), “quantos”
exerce a mesma função de um constituinte
nominal (denotativo de ‘quantidade’), que funciona como complemento do
verbo “ter” (cf. ele tinha trinta anos (quantos)). As conjunções
integrantes “que” e “se” não cumprem uma função no interior da oração que introduzem,
como se vê em (18):
(18) Eu sei que
ele não gostava muito da minha irmã.
Em (18), o
transpositor “que” não cumpre uma função sintática na oração transposta “ele
não gostava muito de minha irmã”. A forma “que” opera tão-só a transposição, de
modo a permitir que a oração “ele não gostava muito da minha irmã”, passando ao
nível do sintagma (SN), possa preencher a posição de complemento do verbo
“saber”. Trata-se de um sintagma nominal
por transposição.
Não cabe aqui
desenvolver, plenamente, o tema da transposição. Se, ao explaná-lo, contribuí
para alargar a compreensão do leitor sobre o processo sintático de
subordinação, creio ter alcançado de modo satisfatório meu objetivo
fundamental.
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