
Uma proposta de leitura de dois textos de Cioran
O percurso gerativo de sentido
1.
A
questão da leitura
Qualquer tentativa de
responder à questão o que é leitura?
deve sua possibilidade mesma à assunção de um compromisso teórico. É que não há
uma definição unívoca de leitura, tampouco há um método único através do qual
se possa ler, de modo eficiente, um texto. A concepção que se possa ter de
leitura é sensível a uma determinada abordagem teórica do texto, da língua/linguagem
e do discurso. Desse modo, ler significará coisas distintas dependendo do
modelo teórico-metodológico que subsidie o estudo do texto/discurso. Receio
desencorajar aqueles que esperam encontrar um único método eficaz ou infalível
para se tornar um leitor suficientemente competente na lida com o texto.
Decerto, não existe tal método. Isso não significa que não seja possível
ensinar a ler. Sucede que o ensino de leitura deve orientar-se por um modelo
teórico-metodológico que se demonstre mais adequado aos objetivos perseguidos
na prática de leitura a ser realizada. As formas de ler um texto variam segundo
os objetivos do leitor e segundo os gêneros textuais. Assim, não lemos um poema
do mesmo modo como lemos um ensaio filosófico ou científico. Assim também os
objetivos perseguidos na leitura de um poema não são os mesmos objetivos para
os quais se orienta a leitura de um jornal. O leitor de um jornal busca, de um
modo geral, informar-se sobre os acontecimentos do mundo; o leitor de poemas
pode pretender apenas fruir uma experiência estética, ou pode visar a
resultados mais técnicos (como, por exemplo, apreender o estilo do autor, as
características e/ou tendências de uma escola literária, etc.). Leitores
diferentes podem ter objetivos distintos na leitura de um mesmo texto. Assim, a
leitura que uma banca de doutoramento fará da tese do doutorando tem objetivos
diferentes da leitura que alunos de um curso de pós-graduação possa fazer da
mesma tese para fins de apresentação de um seminário sobre o conteúdo desse
trabalho acadêmico.
Não obstante a
inexistência de uma concepção unívoca de leitura, é necessário rechaçar a
concepção de leitura como mero processo de decodificação de mensagem, muito
embora a decodificação do significado das partes componentes da tessitura
textual seja uma etapa prevista no processo complexo de leitura. Mas a leitura
– deve-se frisar – não se reduz a uma
atividade de decodificação de sinais linguísticos. O sentido de um texto
não é resultado da soma das suas frases. Ler envolve muito mais do que saber o
que um autor diz; deve o leitor, no processo de leitura, compreender como o autor o diz, para que o diz e o que não diz.
Na história do
desenvolvimento da Linguística Textual, é possível discriminar quatro fases dos
estudos do texto: 1) a das gramáticas do
texto; 2) a pragmática ; 3) a cognitivista; 4) a sociocognitivo-interacionista. Essas quatro fases do
desenvolvimento da Linguística Textual correspondem a quatro diferentes
abordagens do texto e dos fatores implicados em seu processamento. Em cada uma
dessas abordagens, a concepção de leitura será diferente, e essa diferença
será, pelo menos em parte, determinada pela diferente maneira de definir o
texto em cada uma delas. Farei um breve resumo dessas quatro abordagens,
pontuando, em cada uma delas, o modo como a leitura é compreendida.
1.1) Gramáticas do texto
Na fase inicial da
Linguística Textual, que se estende da segunda metade da década de 60 até
meados da década de 70, os estudiosos preocuparam-se, basicamente, em analisar
os mecanismos interfrásicos que, pertencendo ao sistema gramatical da língua,
seriam responsáveis por dotar duas ou mais sequências linguísticas da qualidade
de texto.O interesse pelos quais se orientavam os estudos, nessa fase, recaia
sobre a descrição e explicação das relações diversas entre enunciados, as quais
desempenhariam um papel fundamental na construção da textura do texto. Embora
os estudiosos, porquanto definissem o texto em conformidade com o conjunto de
fenômenos de que se ocupavam, pudessem divergir quanto à compreensão do que é
um texto, pode-se dizer, de modo geral, que o texto era visto como uma unidade
transfrásica, como uma unidade linguística hierarquicamente superior.
No tocante à concepção de
leitura, era comum a suposição da existência de um sujeito predeterminado pelo
sistema, a crença de que a língua é um código e instrumento de comunicação.
Destarte, o leitor não seria mais do que um decodificador de informações a
partir de um arranjo estrutural de unidades linguísticas. O leitor precisaria
apenas apreender o sentido já dado nas palavras e construções sintagmáticas
presentes no texto.
Igualmente compatível com
essa abordagem estruturalista do texto é a concepção de leitura que, enfocando
o autor, assenta na crença de que caberia ao leitor captar as ideias do autor.
Ler seria, pois, um processo de captação das ideias do autor, sem que, nesse
processo, sejam consideradas as experiências e conhecimentos de que dispõe o
leitor previamente à leitura. O autor é visto como um sujeito psicológico,
individual, senhor de seu dizer, centro de sua vontade e de suas ações. Ao
produzir um texto, o autor construiria uma representação mental do mundo, da
qual o texto é uma expressão transparente.
1.2) A virada pragmática
A virada pragmática dos
estudos do texto foi consequência da percepção dos estudiosos da necessidade de
ir além da abordagem sintático-semântica, se quisessem explicar
satisfatoriamente a funcionalidade do texto enquanto unidade básica da
interação humana.
À luz da abordagem
pragmática, o texto passou a ser estudado não mais como produto acabado, como
uma totalidade sintático-semântica complexa, mas como uma peça da interação
social. Os textos são, então, definidos como instrumentos que servem à
realização de intenções comunicativas e sociais dos interactantes.
Assim, as relações
internas entre os componentes da tessitura textual são efeito da intenção do
falante/autor. Ao produzir um texto, o falante realiza determinadas funções
comunicativas, as quais, por sua vez, vão determinar a forma do texto, ou seja,
o modo como os componentes linguísticos se estruturam para compor o texto.
O papel do
interlocutor/leitor é, pois, compreendido no interior de um percurso pragmático
que põe em relação falante/autor-texto-ouvinte/leitor. Esse percurso pragmático
pode ser descrito como se segue: o autor
tem um plano textual prévio, que se manifestará por meio de instruções ao
leitor para que este realize as operações cognitivas necessárias à compreensão
do texto. A compreensão do texto, por seu turno, depende de que o leitor
apreenda não apenas o conteúdo semântico do texto, mas também o seu plano
global.
Ler é, então, uma
atividade linguístico-cognitiva de reconstrução dos propósitos
sociocomunicativos que tinha o autor por ocasião da produção de seu texto. Ao
ler, o leitor precisa descobrir o “para quê” do texto, ou seja, as funções
sociocomunicativas das quais o texto constitui uma realização. O modo como o
texto se estrutura, as escolhas lexicais, sintático-semânticas operadas pelo
autor são determinados pelas funções sociocomunicativas cujo cumprimento o
texto pretende atender. Em outras palavras, são meus propósitos comunicativos
que vão determinar o modo como vou estruturar o meu texto. A forma (estrutura)
do texto é determinada pelas funções sociocomunicativas a cuja realização visa
o produtor do texto. Em suma, na visão pragmática, a produção de textos é
presidida pelas funções comunicativas às quais o texto deve atender.
Comunicamo-nos através de textos e os produzimos para que nossos propósitos
sociocomunicativos sejam realizados. A forma como organizarei a estrutura
sintático-semântica do meu texto será determinada pelos propósitos
comunicativos que eu tenho em vista.
1.3) A visão cognitivista
Na década de 80, vem à
cena dos estudos do texto uma nova orientação teórico-metodológica: a cognitivista. Essa abordagem se
desenvolveu a partir do momento em que os estudiosos se aperceberam de que toda
ação humana se acompanha de processos de ordem cognitiva. Ao agir, o indivíduo
dispõe de modelos mentais das operações e dos tipos de operações. O texto
passa, assim, a ser visto como resultado de processos cognitivos que acontecem
na mente do falante.
Os textos se produzem em
função de uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas. Por ocasião
tanto da produção quanto da recepção de textos, autor e leitor dispõem de uma
série de saberes representados em sua memória. Esses saberes são mobilizados
pelo autor no momento da produção do texto e pelo leitor no momento de sua
interpretação/compreensão.
A leitura é vista como
uma atividade linguístico-cognitiva extremamente complexa que se desenvolve num
movimento contínuo de construção e reconstrução de sentido, o qual, conquanto
ativado pelos elementos componentes da superfície textual, é dependente da
conexão entre esses elementos e os saberes representados na memória do leitor,
e que são supostos como partilhados com o autor. A leitura é vista como uma
atividade estratégica. Ao ler um texto, o leitor acessa on-line os diversos sistemas de conhecimento representado em sua
memória e faz uso deles segundo estratégias que se dividem em cognitivas, sociocognitivas e textualizadoras.
A leitura é, portanto, um processo complexo ao longo do qual o leitor atua
estrategicamente, mobilizando um conjunto de saberes que lhe estão previamente
disponíveis com vistas a (re)construir a coerência do texto. Mas a coerência
não é uma propriedade do texto em si, mas algo que se constrói para o texto. A
construção da coerência é dependente da capacidade de o leitor estabelecer uma
continuidade de sentido entre os elementos presentes na superfície textual e os
saberes indispensáveis à compreensão do texto. Assim, um texto pode ser
incoerente para um leitor que não disponha de alguns saberes cuja mobilização é
prevista pelo próprio texto.
A inferenciação constitui
uma estratégia cognitiva que desempenha um papel fundamental na construção da
coerência para o texto, pois ela permite ao leitor estabelecer uma relação
entre os segmentos textuais, ou entre informações explícitas e informações
implícitas no texto.
1.4) A visão
sociocognitivo-interacionista
A perspectiva sociocognitiva-interacionista rejeita a separação nas ciências cognitivas clássicas entre fenômenos mentais e sociais. A partir de então, a cognição é compreendida como um fenômeno situado, o que significa dizer que ela não é simplesmente um processo que se dá na mente das pessoas, mas compreende processos que acontecem entre os indivíduos em sociedade. Nossa cognição é resultado das nossas ações e das nossas capacidades sensório-motoras.
Os conceitos emergem e se
desenvolvem como parte das atividades nas quais as pessoas se engajam. Em suma,
à luz da perspectiva sociocognitivo-interacionista, a cognição é resultado da
interação de diversas ações conjuntas praticadas pelas pessoas, nas mais diversas
situações de interação social.
A compreensão da língua/linguagem
também se modifica. Trata-se de ver a língua/linguagem como uma forma de ação social, lugar de interação, e as ações verbais
são ações que se realizam conjuntamente com os outros. Portanto, não cabe mais
ver as ações verbais como simples realizações de sujeitos livres e iguais.
Essas ações se realizam em contextos sociais, com finalidades sociais, e os
sujeitos que as realizam assumem papéis socialmente fixados.
A perspectiva
sociocognitivo-interacionista não deve ser vista como um modelo em ruptura com
a abordagem cognitivista. Ao contrário, é um desdobramento ainda mais complexo
e descritivamente mais preciso desta, já que busca pensar os processos
cognitivos como processos emergentes da dinâmica da interação social. A
diferença fundamental entre os dois modelos teóricos é que o sentido, na
perspectiva sociocognitivo-interacionista, é produto de uma construção
interacional que relaciona dinamicamente texto e sujeitos. Os sujeitos e, em particular,
o autor e leitor, são vistos como sujeitos ativos que dialogicamente se
constroem e são construídos no texto.
A leitura é, portanto,
uma atividade interativa extremamente complexa de produção de sentidos, que se
realiza com base nos elementos componentes da superfície textual e na forma
como eles se estruturam, mas que exige também a mobilização de um vasto
conjunto de saberes num dado evento sociocomunicativo. A perspectiva
sociocognitivo-interacional enfoca os sujeitos e seus saberes em processos de
interação social. O sentido não está no texto em si, mas é construído na
interação entre texto e sujeitos, ou entre autor, texto e leitor.
Vale ainda tecer algumas
considerações sobre o que é leitura na perspectiva da Análise do Discurso. Há,
na verdade, muitas análises do discurso; por isso, é necessário dizer que o que
se seguirá diz respeito à tradição francesa da Análise do Discurso, à qual se
filiam, entre nós, as pesquisas da linguista Eni P. Orlandi.
A Análise do Discurso
toma o texto como unidade constitutiva da materialidade do discurso. O texto é
enfocado em sua discursividade, isto é, enfocado tendo em vista o modo como
ele, em seu funcionamento, produz sentido. A análise do discurso preocupa-se em
compreender como o texto se constitui em discurso e como o discurso se produz
em função das formações discursivas, as quais, por seu turno, se constituem em
função da formação ideológica que as determina.
Quando os analistas do
discurso se debruçam sobre o texto em funcionamento, eles buscam pensá-lo
relativamente às suas condições de produção. Assim, a análise do discurso
trabalha o texto em relação com sua exterioridade. Mas essa exterioridade se
inscreve na historicidade da textualidade, de modo que essa exterioridade se
deixa apreender como discursividade. A exterioridade não é o “fora” empírico da
linguagem, mas se deve apreender na forma de interdiscurso. Como interdiscurso
(memória discursiva), a exterioridade constitutiva revela que algo fala sempre
antes em outro lugar e independentemente. A exterioridade constitutiva
patenteia o fato de que o processo de constituição do discurso faz intervir a
memória (memória discursiva), o domínio do saber, os outros dizeres já ditos ou
possíveis que garantem a formulação do dizer e sua sustentação. Exterioridade
constitutiva é memória discursiva.
Mas o que é leitura à luz
da Análise do Discurso? Resumidamente, podemos dizer que ela é um trabalho
sócio-histórico que tem de levar em conta a incompletude da linguagem. Da noção
de incompletude deduz-se duas outras: o implícito
e a intertextualidade. Destarte,
ler não é apenas levar em conta o que é dito, mas também, principalmente, o que
está implícito, o que não está dito, mas está significando.
O leitor, assim, precisa
compreender que o que não está dito pode estar sustentando o que está sendo
dito; ele precisa ser capaz de apreender o suposto para entender o que está
dito; ele precisa reconhecer aquilo a que o dito se opõe. Destarte, há relações
de sentidos que se estabelecem entre o que um texto diz e o que ele não diz,
mas poderia dizer, e entre o que ele diz e o que outros textos dizem. Essas
relações de sentido evidenciam a intertextualidade.
Saber ler envolve a
capacidade de perceber que os sentidos em um texto não estão necessariamente
nele, mas resultam da relação desse texto com outros textos. Segundo Orlandi
(2012, p. 13), “saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o
constitui significativamente”. A leitura deve evidenciar o modo como um objeto
simbólico produz sentidos. Isso implica a compreensão de que o sentido sempre
pode ser outro. Portanto, ler não é atribuir sentido, muito embora o sujeito,
em face de um objeto simbólico, seja sempre instado a interpretar, a “dar”
sentido. Sucede, contudo, que, ao falar ou escrever, o sujeito atribui sentido
às suas próprias palavras em condições sócio-históricas específicas. Um dos
efeitos da ideologia é assegurar a crença de que o sentido já está dado nas
palavras – e não na inscrição das palavras em formações discursivas. É a
própria historicidade dos sentidos e as condições de sua produção que se
apagam, fazendo desaparecer a exterioridade que os constitui.
O sentido é produzido na
relação do histórico (memória discursiva) com o simbólico, e a leitura deve
evidenciar a materialidade linguística e histórica do sentido. Os sentidos são
partes de um processo; realizam-se num contexto, embora não sejam limitados a
ele. Eles têm uma historicidade, têm um passado e se projetam num futuro. Os
sentidos são muitos – é verdade -, mas há sempre um sentido enunciável,
legível, a partir do qual se produz um gesto de interpretação.
Em Análise do Discurso, o
sujeito-leitor se constitui a partir da conjunção de duas historicidades: 1) a história de suas leituras e 2) a história das leituras do texto. Estas
é que vão atuar dinamicamente na constituição da leitura específica de um
leitor em um dado momento. Consoante ensina Orlandi (2008, p. 43), “o conjunto
de leituras feitas configuram, em parte, a compreensibilidade de cada leitor
específico”. Desse modo, toda leitura tem sua história, assim como a têm os
sentidos, já que estes são sedimentados segundo as condições de produção da
linguagem.
A leitura é vista como
uma atividade sócio-histórica através da qual o leitor se expõe à opacidade do
texto, ou seja, opera relações do dito com o não-dito, com o dito em outro
lugar, de outras maneiras. A história de leituras se prende à historicidade que
rege a relação dos sujeitos com os textos. Há, pois, uma história de leituras
que afeta o texto. Por isso, o mesmo leitor não lê o mesmo texto da mesma
maneira em diferentes momentos, assim também o mesmo texto é lido de modos
diversos, em diferentes épocas, por leitores diferentes.
A semiótica tem por
objetivo de estudo a significação. Consiste sua tarefa na construção de uma
teoria geral da significação. Nesse sentido, ela não se confunde com a semiologia, cujo interesse fundamental
recai sobre a descrição dos sistemas de signos não verbais.
Os semioticistas estão
interessados em construir modelos teóricos que deem conta das condições de
produção e da compreensão do sentido, sejam quais forem os lugares e as formas
de sua manifestação. Inspirada na concepção de signo de Hjelmslev e tendo uma
reconhecida dívida para com Saussure, a semiótica se propõe elaborar uma teoria
que explique o sentido das formas. Assentada no isomorfismo entre os planos do
conteúdo e o da expressão, a semiótica procura dar conta da articulação da
significação.
Embora a semiótica se
ocupe de uma gama ampla de objetos sígnicos, entre os quais se incluem uma
imagem, um ritual, uma música, etc., para fins desta exposição,
interessar-nos-á a descrição da estrutura teórica que examina o funcionamento
textual da significação. Esse funcionamento é observado do ponto de vista da
estrutura interna do texto e não a partir das relações do texto com um
referente externo. Destarte, à luz da teoria semiótica da significação textual,
o sentido resulta de um jogo de
relações sistêmicas entre elementos significantes do texto. Os semioticistas
estão preocupados, portanto, com o exame da forma
do sentido, a saber, do modo como este se constrói.
3.1. Texto e discurso
Cabe à semiótica a tarefa
de construir a organização e a produção dos discursos e dos textos; em uma
palavra, a competência discursiva. Num primeiro momento, é lícito dizer que o
texto e o discurso não se distinguem no contexto semiótico de análise. Assim,
texto ou discurso recobre tanto as manifestações semióticas linguísticas quanto
as não linguísticas. Como se vê, a semiótica tem uma concepção bastante ampla
do que seja um texto e/ou discurso. Por exemplo, um filme deve ser considerado
um texto ou discurso, já que também um filme se constitui de uma organização
sintagmática subjacente. Para os propósitos deste texto, no entanto, vou-me
cingir ao conceito de texto como resultado
de um dispositivo estruturado de regras e de relações, que recobrem o plano da
expressão e o plano do conteúdo. Esses dois planos são contemplados em dois
diferentes níveis de análise: o superficial
e o profundo.
Ao postular os níveis
superficial e profundo no tratamento da produção e compreensão da significação,
a semiótica evidencia sua dívida para com a teoria gerativa chomskyana, o que
não significa que não estabeleça pontos de divergência relativamente ao modelo
gerativista. Um dos aspectos que distinguem o modelo semiótico do modelo
gerativista padrão repousa no fato de que o primeiro pretende elaborar uma
teoria que permite gerar discursos, ao passo que o modelo gerativista
preocupa-se em elaborar uma teoria que permita que se gerem frases. Ademais, a
linguística gerativa ocupa-se com a forma; a semiótica, por sua vez, tem em
vista a produção de um modelo que dê conta do percurso gerativo do sentido de
diferentes textos. Malgrado essas diferenças, não devemos subestimar o peso da
influência do gerativismo chomskyano, sobretudo quando atentamos para o fato de
que o modelo gerativo de sentido proposto pela semiótica circunscreve-se ao
texto em si e às relações internas entre suas formas.
Cumpre enfatizar ainda
que a análise semiótica não tem como escopo a superfície textual; seu objetivo
é explicitar o funcionamento do sentido do texto, funcionamento que se concebe
como fato do nível profundo. O interesse pela superfície textual só terá lugar
na análise na medida em que ela se torna um meio pelo qual se pode compreender a
arquitetura do sentido, que é um fato concernente ao nível profundo do fenômeno
textual.
3.2. O percurso gerativo de sentido
O percurso gerativo de sentido é uma sucessão de níveis, cada um dos quais passível de receber uma descrição adequada (Fiorin, 2005, p. 20). O percurso gerativo de sentido, estruturando-se em níveis, torna possível a explicitação da produção e interpretação do sentido. Essa explicitação se faz num movimento que vai do mais simples ao mais complexo. Os três níveis do percurso gerativo de sentido são os seguintes: o profundo (ou fundamental), o narrativo e o discursivo. Em cada um deles, devem-se discriminar um componente sintático e um componente semântico.
Vale dizer que, numa
teoria do discurso, a sintaxe contrapõe-se à semântica. A sintaxe dos
diferentes níveis do percurso gerativo é de natureza relacional, compreendendo,
assim, “um conjunto de regras que rege o encadeamento das formas de conteúdo na
sucessão do discurso”. (ib.id., p. 21).
O aspecto relacional da
sintaxe não exclui seu aspecto conceptual. Assim, quando queremos construir uma
oração, combinamos um predicador com certo número de argumentos. Se articulamos
um predicador de ação a um sujeito [ AGENTE], teremos como resultado uma
estrutura predicativa de ação-processo. Ora, esse esquema relacional é já
dotado de conteúdo, atualizado nas noções de “ação”, “agente” e “paciente”
Veja-se o exemplo abaixo:
(1) X LAVAR Y
Argumento 1
predicador Argumento 2
AGENTE PACIENTE
A senhora lavou o tapete
Esse esquema sintático –
AGENTE-PREDICADOR-PACIENTE - pode ainda
receber diferentes investimentos, tais como: o menino quebrou o vaso de flores, a cozinheira assou o frango, o
policial prendeu o ladrão, etc. Esses exemplos são suficientes para
patentear o fato de que a sintaxe dos diversos níveis do percurso gerativo
também tem um caráter conceptual, de sorte que a distinção entre sintaxe e
semântica não consiste na suposição de que esta encerre significado e aquela,
não. A distinção baseia-se no fato de que a sintaxe é mais autônoma do que a
semântica, e essa autonomia da sintaxe deve ser entendida como um efeito do
fato de que esse domínio da gramática é suscetível de receber uma grande
variedade de investimentos semânticos.
Passo, doravante, a
apresentar e descrever, separadamente, os três níveis constitutivos do percurso
gerativo de sentido.
1) Nível Profundo
Conforme disse, cada
nível do percurso gerativo de sentido abrigará um componente sintático e um
componente semântico. Esses dois componentes serão contemplados separadamente
na descrição de cada nível do percurso. Começo, pois, pelo tratamento do
componente semântico do nível
profundo ou fundamental. A semântica do nível profundo inclui as categorias
semânticas que entram na constituição da base de um texto.
Uma categoria semântica
estriba-se numa oposição; seja, por exemplo, / natureza/ versus /cultura/. É claro que só podemos estabelecer uma diferença
entre dois termos tomados conjuntamente, se eles tiverem um traço em comum. Por
isso, opomos /verticalidade/ a /horizontalidade com base no traço comum
/espacialidade/; mas não faz sentido opor /sensibilidade/ a /horizontalidade/,
visto que esses elementos não têm qualquer traço em comum.
Cumpre também distinguir
entre dois tipos de relação entre os termos de uma categoria semântica: 1) contrariedade e 2) contraditoriedade. São contrários os termos de uma oposição que se
relacionam por uma pressuposição recíproca. Assim, o termo /masculinidade/ é o
contrário de /feminilidade/, dado que aquele pressupõe este para ter sentido, e
vice-versa. Quando aplicamos uma negação a cada um dos contrários, obtemos dois
termos contraditórios. Assim, /não masculinidade/ é o contraditório de
/masculinidade/, e /não feminilidade/ é o contraditório de /feminilidade/. Cada
um dos contraditórios implica o termo contrário daquele do qual é o
contraditório. Assim é que /não masculinidade/ implica o contrário
/feminilidade/ e /não feminilidade/ implica o contrário /masculinidade/. Os
dois termos contraditórios - /não masculinidade/ e /não feminilidade/ - são
contrários entre si. Evitando-se confundi-los com os contrários /masculinidade/
e /feminilidade/, chamemos os contraditórios que são contrários entre si de subcontrários.
Mas por que é necessário
distinguir a contrariedade da contraditoriedade? É que, na relação de
contrariedade, cada um dos termos apresenta um conteúdo positivo, ao passo que,
na relação de contraditoriedade, um dos termos se caracteriza pela presença de
um dado traço, e o outro termo se caracteriza pela ausência desse mesmo traço.
Assim, a feminilidade não é a ausência de masculinidade, mas é uma marca
semântica específica.
No discurso, os termos
contrários ou subcontrários podem aparecer reunidos. Quando se observam termos
contrários reunidos, há termos complexos; quando se verifica conjunção de
subcontrários, há termos neutros. Ajunte-se que cada um dos elementos da
categoria semântica de base de um texto recebe as qualificações semânticas /euforia/ e /disforia/. A marca euforia
indica que o termo é considerado um valor positivo; por outro lado, a marca disforia indica que o termo é avaliado
de modo negativo. Euforia e disforia são valores determinados na construção do
texto, e independem do sistema axiológico do leitor. Cabe ao leitor a tarefa de
identificar a qual dos termos da categoria semântica de base é atribuída a
qualificação euforia e qual recebe a qualificação disforia. O termo que recebe
a qualificação euforia é chamado eufórico;
o que recebe a qualificação disforia é chamado disfórico.
A categoria semântica do
nível profundo é responsável por dotar de sentido o conjunto de elementos do
nível superficial.
Consideremos, agora, a sintaxe do nível profundo. A sintaxe do
nível profundo compreende duas operações, quais sejam: a negação e a asserção.
Na linearidade de um texto, essas operações se aplicam a uma dada categoria a versus
b. Destarte, devem-se discriminar entre duas relações:
a) afirmação de a, negação de a, afirmação de b;
b) afirmação de b, negação de b, afirmação de a.
Da consideração dessas
duas relações depreende-se que, no domínio da sintaxe do nível profundo,
importa determinar a organização sintática fundamental do texto. Finalmente,
não devemos perder de vista o fato de que a semântica e a sintaxe do nível
profundo representam a instância inicial do percurso gerativo e que através
delas busca-se explicitar os níveis abstratos da produção, do funcionamento e
da interpretação do discurso (Fiorin, 2005, p. 24).
2) Nível Narrativo
A compreensão do modo como
se constitui o nível narrativo supõe que se distingam entre si narração e narratividade. Essa distinção é importante também, pois que nos
previne contra a crença de que o nível narrativo não pode ser determinado em
textos não narrativos. A narração é um modo de organização do discurso, que
caracteriza determinados gêneros discursivos, como contos, crônicas e romances.
Todavia, a narratividade tem uma aplicação universal, constituindo, assim, “um
componente da teoria do discurso” (ib.id., p. 28). A narratividade consiste
numa transformação que se verifica entre dois estados sucessivos e diferentes.
A narratividade é uma transformação de conteúdo, na qual estão implicados três
momentos: 1) um estado inicial; 2) a transformação; 3) um estado final.
Na narração, por outro
lado, os estados e as transformações que se verificam no curso do discurso se
ligam a personagens individualizados. Essa relação dos estados e transformações
com personagens individualizadas não é o que está sob o foco do conceito de narratividade,
o qual descreve o conteúdo em termos de transformação de estados sucessivos e
diferentes.
A sintaxe do nível narrativo abriga, pois, dois tipos de enunciados
elementares: a) enunciados de estado e
b) enunciados de fazer. Nos
enunciados de estado, se estabelece uma relação de junção (disjunção ou
conjunção) entre um sujeito e um objeto, como em “Camila é pobre” (conjunção
entre o sujeito Camila e o objeto pobreza) e “Camila não é pobre” (disjunção
entre o sujeito Camila e o objeto pobreza). Nos enunciados de fazer,
evidenciam-se as transformações. Nesses tipos de enunciados, dá-se a passagem
de um enunciado de estado a outro. Assim, por exemplo, em “Camila ficou rica”,
há uma transformação de um estado inicial “não rica” num estado final “rica”.
Aos dois tipos de
enunciados de estado correspondem duas espécies de narrativas mínimas: a de privação e a de liquidação de privação. Na privação, ocorre um estado inicial
conjunto e um estado final disjunto. Por exemplo, uma família rica que, no
decurso da história, perde toda a riqueza. Na liquidação da privação, dá-se o
contrário: um estado inicial disjunto é sucedido de um estado final conjunto.
Por exemplo, Camila que, sendo inicialmente uma pessoa pobre, torna-se rica.
É necessário enfatizar
que não se deve confundir sujeito com pessoas, nem objeto com coisa. Quando
disse que, em “Camila é pobre”, há uma conjunção entre o sujeito (Camila) e o
objeto (pobre), faço uso dos termos ‘sujeito’ e ‘objeto’ como papéis narrativos que podem ser
representados num nível mais superficial por coisas, pessoas ou animais.
Os textos são narrativas
complexas, nas quais uma série de enunciados de fazer e de ser se organizam
hierarquicamente. Uma narrativa complexa estrutura-se numa sequência canônica,
que compreende quatro fases: 1) manipulação;
2) competência; 3) performance; 4) sanção.
Na fase de manipulação, um sujeito age sobre outro
a fim de levá-lo a querer ou a fazer alguma coisa. Há inúmeros tipos de
manipulação, tais como “pedido”, “ordem”, “intimação”, “chantagem”, etc. Vou
definir aqui apenas quatro tipos de manipulação que se verificam com maior
frequência nas narrativas:
1) tentação: o manipulador propõe ao manipulado uma recompensa, ou
seja, um objeto de valor positivo, com o propósito de levá-lo a fazer alguma
coisa;
2) intimidação: ocorre quando o manipulador obriga o manipulado a
fazer alguma coisa mediante ameaças;
3) sedução: ocorre quando o manipulador leva o manipulado a fazer algo
por meio de um juízo de valor positivo sobre a competência deste;
4) provocação: o manipulador impele o manipulado à ação expressando um
juízo de valor negativo sobre a competência do manipulado.
Na fase da competência, o sujeito responsável pela
transformação central da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer. Na fase
da performance, dá-se a
transformação (mudança de um estado a outro) central da narrativa. Na fase da sanção, ocorre a constatação de que a
performance se realizou. Nessa fase, o sujeito reconhece que realizou a
transformação.
Nas narrativas efetivas,
as fases da sequência canônica não aparecem sempre bem organizadas. Sucede, por
vezes, que muitas fases ficam ocultas; outras vezes, se constata que as
narrativas não as realizam completamente. Demais, as narrativas efetivas podem
manifestar preferencialmente uma das fases. As narrativas reais contêm um
conjunto de sequências canônicas e as diversas fases da sequência canônica
podem ser organizadas pelo autor de maneiras diferentes.
Tomando-se, agora, para descrição a semântica do nível narrativo, cumpre dizer que ela recobre os
valores inscritos nos objetos. Há, nas narrativas, dois tipos de objetos: 1) objetos modais; 2) objetos de valor. Os objetos modais compreendem: o querer, o dever,
o saber e o poder fazer. Esses objetos constituem os elementos cuja aquisição é
indispensável para realizar a performance principal. Os objetos de valor, por
seu turno, são objetos com os quais a performance principal mantém relação de
conjunção ou disjunção.
Importa esclarecer que o
valor do nível narrativo não é idêntico ao objeto concreto manifesto no nível
mais superficial do percurso gerativo. O objeto do nível narrativo é o
significado que tem um objeto concreto para o sujeito que entra em conjunção
com ele. Assim, por exemplo, a espada concretiza, no plano superficial de uma
fábula, o objeto modal /poder vencer/.
Portanto, objeto-valor e objeto modal são posições na sequência
narrativa. Os objetos concretos ( veja-se a “espada”) manifestam diversos
valores de acordo com a narrativa.
3) Nível Discursivo
Neste nível, as formas
abstratas do nível narrativo se atualizam com termos que lhes dão concretude.
Assim, a conjunção com a riqueza pode se atualizar no nível discursivo como
“roubo de jóias”. Segundo Fiorin (p. 41), “o nível discursivo produz as
variações de conteúdos narrativos invariantes”.
Nível da manifestação
O percurso gerativo de
sentido consiste no processo de constituição do plano do conteúdo. Não
obstante, não se deve ignorar o plano da expressão, uma vez que não há plano de
conteúdo desvinculado do plano de expressão. O plano de expressão pode ser de
diferentes naturezas: verbal, gestual,
pictórico, etc. O percurso gerativo de sentido é um modelo que simula a
produção e a interpretação do significado. Consoante ensina Fiorin (2005, p.
47):
“Esse modelo mostra aquilo que sabemos de forma
intuitiva: que o sentido do texto não é redutível à soma dos sentidos das
palavras que o compõem nem de enunciados em que os vocábulos se encadeiam, mas
que decorre de uma articulação dos elementos que o formam – que existem uma
sintaxe e uma semântica do discurso”.
Por manifestação, deve-se
entender a união de um plano de conteúdo com um plano de expressão. Importa
salientar que o texto é, então, o resultado da manifestação do plano de
conteúdo através de um plano de expressão. Nesse sentido, texto e discurso se
diferenciam. O discurso, por sua vez, será uma unidade do plano de conteúdo, ou
“o nível do percurso gerativo de sentido em que as formas narrativas abstratas
são revestidas por elementos concretos” (Ib.id. p. 45).
Ainda que não exista
plano de conteúdo sem plano da expressão, e vice-versa, a distinção que se
costuma fazer entre os planos é de ordem metodológica e serve para expressar o
fato de que um mesmo conteúdo pode ser expresso por diferentes planos de expressão.
É claro – deve-se frisar – que a realização de um mesmo conteúdo por planos de
expressão distintos acarretará certas modificações ao conteúdo. Essas
alterações sofridas pelo conteúdo decorrem basicamente de dois fatores: efeitos estilísticos de expressão e coerções do material.
Entre os efeitos
estilísticos, podemos citar, entre outros, o ritmo, a aliteração, a assonância,
as figuras retóricas de construção (ironia, prosopopéia, etc.), etc. Entre as
coerções do material, cite-se a linearidade do plano de expressão verbal. Nesse
caso, a linearidade expressa-se no fato de que um fonema vem depois do outro,
uma palavra vem após a outra e assim sucessivamente. Um plano de expressão gestual,
por seu turno, não conhece a coerção por linearidade, que impõe que seus
elementos apareçam sempre numa cadeia de sucessividades. O plano de expressão gestual se caracteriza
pela simultaneidade de seus elementos. Assim, se não podemos, no plano de
expressão verbal, pronunciar dois fonemas ao mesmo tempo, no plano de expressão
gestual, podemos realizar dois gestos simultaneamente.
Ajunte-se que cada desses
planos de expressão trabalha com um tipo de material diferente: no verbal,
sons, palavras, etc.; no gestual, o corpo e suas partes. Vale ressaltar que línguas naturais
diferentes, embora funcionem com o mesmo material (os sons), não selecionam nem
estruturam os elementos da expressão, isto é, os sons, do mesmo modo. Uma
língua natural também não usa exatamente os mesmos sons que a outra. Por força
da coerção do material, é fato que certos sentidos são mais bem veiculados por
um plano de expressão que por outro. Ademais, essa mesma coerção explica a
dificuldade de tradução de textos poéticos. Cabe aqui assinalar a lição de
Fiorin (p. 50): “quando se traduz de uma língua para outra, a coerção do
material leva à perda dos efeitos estilísticos de expressão que estão presentes
na língua de partida”.
Semântica Discursiva
O percurso gerativo de
sentido inclui, entre as estruturas discursivas, uma sintaxe discursiva, que se
expressa pelo fenômeno da discursivização,
o qual, por sua vez, se subdivide nos processos de actorialização, temporalização
e espacialização, e uma semântica
discursiva, que abriga a tematização
e a figuratização.
Actorialização,
temporalização, e espacialização são os três procedimentos de discursivização.
Na actorialização, instalam-se as pessoas; na temporalização, instalam-se os
tempos; na espacialização, instalam-se os espaços do discurso.
A análise dos textos
cioranianos será feita segundo um recorte que não tem a pretensão de dar conta
de todas as dimensões previstas pela teoria que a embasa. Portanto,
cingir-me-ei a elucidar a semântica discursiva, descrevendo três grupos de elementos que lhe são constitutivos: 1) temas e figuras; 2) percursos figurativos
e percursos temáticos; 3) isotopia.
Tendo apresentado e
descrito esses grupos, penso dispor de subsídios teórico-metodológicos
suficientes para a elaboração de uma – entre as leituras possíveis – dos textos
de Cioran cuja interpretação e compreensão são os objetivos perseguidos neste
texto.
Temas e Figuras
Tematização e
figurativização são dois níveis de concretização do sentido. Todos os textos
tematizam o nível narrativo. O nível temático poderá ou não ser figurativizado.
A oposição figura e tema refere-se, a princípio, à oposição
entre abstrato e concreto. Mas abstrato e concreto não devem ser tomados como noções
que se opõem de maneira absoluta. Na verdade, elas constituem um continuum ao longo do qual se passa
gradualmente do mais abstrato ao mais concreto.
A figura é o termo que se refere a algo que existe no mundo natural
(p. ex. árvore, vagalume, sol, correr,
brincar, etc.). Destarte, a figura é todo conteúdo que tem um referente que
é acessível à nossa experiência sensorial. Esse mundo natural a que remete a
figura pode ser um mundo construído, como, por exemplo, nos textos ficcionais.
O tema, por sua vez, é um conteúdo
puramente conceitual, isto é, que não remete ao mundo natural. Temas servem à
organização, à categorização, à ordenação dos elementos do mundo natural. São
termos mais abstratos, tais como elegância,
vergonha, felicidade, racional, calcular, etc.
Há que distinguir,
portanto, dois tipos de textos, conforme o grau de concretude dos elementos
semânticos que revestem os esquemas narrativos: os figurativos e os temáticos.
Os textos figurativos “criam um efeito de realidade, pois constroem um
simulacro da realidade” (ib.id., p. 91). Os textos temáticos “tem uma função
predicativa ou interpretativa” (ib.id.). Os textos figurativos cumprem uma
função descritiva ou representativa. Os textos temáticos servem para explicar o
mundo; os textos figurativos, para simulá-lo. Não há textos exclusivamente
temáticos ou exclusivamente figurativos, por isso devemos atentar para o que
nos ensina Fiorin:
“É importante ressaltar que, quando se fala em textos
figurativos e temáticos, fala-se, respectivamente, em textos predominantemente,
e não exclusivamente figurativos e temáticos”. (Fiorin, 2005, p. 92).
Todo texto exibe uma
organização narrativa que será tematizada. Posteriormente, o nível de
organização temática poderá ou não ser figurativizado. É o nível temático que
atribui sentido ao figurativo. Pode suceder que a tematização se manifeste
diretamente, sem a cobertura figurativa. Nesse caso, há apenas textos
temáticos. Mas não há textos figurativos que não exibam um nível temático,
“pois este é um patamar de concretização do sentido anterior à figurativização”
(ib.id., p. 94). O processo de simbolização é resultado da relação entre temas
e figuras. Nesse processo, a uma dada figura fixa-se uma interpretação
temática.
Percursos figurativos e Percursos temáticos
Todo lexema possui um
núcleo significativo. Esse núcleo não impede, no entanto, as múltiplas
possibilidades significativas de um lexema. É claro, porém, que essas
possibilidades de significação são bem delimitadas, já que se relacionam, de
alguma maneira, com o núcleo significativo. A relação entre o núcleo
significativo e as possibilidades de significação faz do lexema uma organização
virtual de sentido. Assim, embora constituído de um núcleo significativo -
“cada um dos glóbulos situados na parte anterior da cabeça que permitem a visão,
o lexema olho”. (ib.id.) -, o lexema olho realiza-se de diferentes maneiras
nos variados contextos de uso.
(1) Analisa tudo com olho
crítico.
(2) Interroguei-o com os olhos
fixos no seu rosto.
(3) O chamado olho do
furacão é uma região localizada no centro dos ciclones tropicais fortes.
O percurso figurativo designa o encadeamento de figuras, a rede
relacional das figuras. Assim, quando lemos um texto, não apreendemos figuras
isoladas. A análise textual supõe nossa capacidade de operar recortes sobre o
tecido figurativo, já que o texto quer dizer tecido. Um conjunto de figuras só
ganha sentido com a concretização de um tema, o qual, por seu turno, é o
revestimento de enunciados narrativos. Por conseguinte, apreender um percurso
figurativo é descobrir o tema subjacente a ele.
O texto pode ter mais de
um percurso figurativo. Por isso, um texto só é compreensível se houver
coerência entre os diferentes percursos figurativos que o constituem. Por
vezes, o narrador pode operar uma quebra da coerência, com vistas a obter
determinados efeitos de sentido.
O percurso temático designa o encadeamento de temas. Esses percursos
se verificam nos textos temáticos. Também os percursos temáticos exigem uma
coerência interna. Identificamos um percurso temático sempre que o texto exibe
um conjunto de lexemas abstratos. Só conseguimos encontrar o tema geral que dá sentido
às figuras ou o tema geral que relaciona os demais temas, quando apreendemos os
encadeamentos das figuras ou dos temas, o que quer dizer quando apreendemos os
percursos figurativos ou temáticos.
Configurações Discursivas
A configuração discursiva
pretende explicar o fato de que, muitas vezes, quando tomamos diferentes
textos, apercebemo-nos de que eles tratam do mesmo tema. Ocorre que,
examinando-os com cuidado, descobrimos que eles abordam esse tema de maneira
distinta. Quando diferentes textos, embora versem sobre o mesmo tema, fazem-no
com um enfoque distinto, o que ocorre é que os percursos temáticos que explicam
o tema geral são diferentes, assim como diferentes são os percursos
figurativos. O que é, então, uma configuração discursiva? Segundo Fiorin (2005,
p. 107), “é um lexema do discurso que engloba várias transformações narrativas,
diversos percursos temáticos e diferentes percursos figurativos”.
Só é possível inferir a
configuração discursiva a partir do cotejo entre vários discursos. Uma
configuração discursiva associa a um núcleo comum de sentido variações
figurativas, variações temáticas, variações narrativas, sendo essas variações
os diferentes percursos figurativos, temáticos e narrativos.
Isotopia
A isotopia é responsável
por conferir coerência semântica ao texto, porquanto ela designa a reiteração,
a repetição, a recorrência de traços semânticos ao longo do discurso. A
isotopia é a recorrência de um dado traço
semântico ao longo do discurso (ib.id., p. 112-113). Segundo Fiorin (ib.id.),
“a isotopia oferece um plano de leitura, determina um modo de ler o texto”. A
isotopia procura explicar o fato de um texto prestar-se a várias
interpretações, mas não a toda e qualquer interpretação. O conceito de
isotopia, por um lado, garante a validade do princípio segundo o qual todo
texto admite diversas leituras; por outro lado, ela explica por que nem toda e
qualquer leitura é possível. As diversas possibilidades de interpretar um texto
estão previstas no próprio texto; são virtualidades significativas inscritas no
texto. Essas possibilidades várias de interpretar um texto acenam com o caráter
polissêmico do texto.
É a isotopia que filtra
as leituras possíveis para um dado texto. A pluri-isotopia está inscrita no
texto por meio de conectores de isotopias. Um conector de isotopias “é um termo
que possui dois ou mais significados, isto é, um termo polissêmico, presente no
texto (...) que permite a passagem de uma isotopia a outra”. (ib.id., p. 115).
“O conceito de isotopia é extremamente importante para
a análise do discurso, pois permite determinar o(s) plano(s) de leitura dos
textos, controlar a interpretação dos textos pluri-significativos e definir os
mecanismos de construção de certos tipos de discurso, como, por exemplo, o
humorístico. Na análise dos textos pluri-isotópicos, é essencial, a partir da
observação dos conectores e dos desencadeadores de isotopia, depreender as
distintas isotopias que se superpõem, para que nenhum plano de leitura seja
deixado de lado”. (ib.id., p. 117-118).
Na próxima seção, faço uma breve apresentação de
Cioran e de sua filosoifa.
4. Cioran: o mais pessimista dos filósofos
O filósofo romeno Emil
Cioran (1911-1995), tendo sido leitor de Schopenhauer, endossa, de bom grado,
as teses que estruturam a filosofia deste filósofo alemão: 1) para cada indivíduo teria sido melhor não
existir; 2) o mundo como um todo é o
pior dos mundos possíveis.
Quem deseje saber qual
foi a orientação filosófica assumida pelo pensamento de Cioran terá nos títulos
de suas obras boas pistas. Dois livros, em especial, parecem-me bastante
emblemáticos da visão cioraniana de mundo – Nos Cumes do Desespero (1933), obra de juventude, impregnada de
expressões de angústia e lirismo, e Do
inconveniente de ter nascido (1973), obra de maturidade e escrita em estilo
aforístico. Nos Cumes, Cioran postula
a inutilidade da filosofia. Desde então, ainda com vinte e dois anos, Cioran
passa a viver à margem das universidades. Nos
Cumes é resultado de sua experiência com a insônia, com a vigília incessante. Essa obra é fruto
das leituras que o autor faz de Schopenhauer, Nietzsche, Bergson, Pascal e
Dotoiévski. Escrito em romeno, esta obra antecipa os temas que marcarão
profundamente o seu pensamento filosófico: o
niilismo cósmico, o ceticismo e a lucidez radical sobre “o inconveniente de ter nascido”.
Cioran foi um ávido
leitor de Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche e Max Stiner. Em Do inconveniente de ter nascido, o
filósofo romeno constrói um libelo contra a catástrofe do nascimento. Num dos
aforismos da obra, escreve: “Perdemos tanto ao nascer como perderemos ao morrer
– Tudo”. O pensamento cioraniano não é o tipo de pensamento que angaria o
interesse de todo e qualquer leitor. Nem todo leitor, por mais versado em
filosofia que seja, está preparado para ser um leitor de Cioran. A compreensão
do pensamento desse filósofo exige mais do que a capacidade intelectiva e a
erudição filosófica; exige uma cumplicidade afetiva, uma experimentação
fisiológica, um modo de ser obcecado pelo pior. A obra cioraniana destina-se a
um tipo de leitor familiarizado com os tormentos do espírito e do corpo.
Os escritos cioranianos
são produto de um exercício de pensamento que faz da filosofia, ao mesmo tempo,
meio de cunhagem e de expressão de um modo de ser que é a antípoda do modo de
ser que caracteriza o homem contemporâneo, facilmente seduzido pelas ofertas de
felicidade das sociedades de consumo. A filosofia cioraniana renuncia ao pensar
sistemático, ao pensar atrelado a desenvolvimentos lógicos. O pessimismo de
Cioran, influenciado, em parte, pelo budismo, expressa-se na forma de uma
teoria do sofrimento do mundo, à luz da qual o mundo não é bom e nada nele pode
tornar-se melhor. Para Cioran, o mundo é desprovido de sentido, é mau e
inaceitável.
Seguem-se os dois textos
de Cioran que serão submetidos à análise com base no modelo do percurso
gerativo de sentido.
TEXTO 1
NADA TEM IMPORTÂNCIA ALGUMA[1]
E
que importância pode ter o fato de eu me atormentar, sofrer ou pensar? Minha
presença no mundo sacudirá para o meu grande pesar – a tranquila existência de
uns e perturbará a ingenuidade inconsciente e prazerosa de outros, para o meu
ainda maior pesar. Embora sinta que minha tragédia seja para mim a maior
tragédia da História – maior que as quedas de impérios ou de quem sabe que
desabamentos no fundo de uma mina – carrego implicitamente a sensação de minha
total nulidade e insignificância. Estou convencido de que não sou absolutamente
nada no universo, embora sinta que a única existência real seja a minha.
Ademais, se eu fosse obrigado a escolher entre a existência do mundo e a minha
existência, eu recusaria a outra, com todas as suas luzes e suas leis, a fim de
planar sozinho no Nada absoluto. Embora para mim a vida seja um suplício, não
acredito no caráter absoluto dos valores transvitais pelos quais me
sacrificaria. Para ser sincero, diria que não sei por que vivo e por que não
cesso de viver. A chave, provavelmente reside no fenômeno da irracionalidade da
vida, que faz com que ela se mantenha sem motivo. E se não houver senão motivos
absurdos para viver? Mas então eles ainda poderiam se chamar motivos? O mundo
não merece o nosso sacrifício por uma ideia ou uma crença. Somos hoje mais
felizes graças ao sacrifício dos outros pelo nosso bem e nossa iluminação? Que
bem e que iluminação? Se alguém se sacrificou para que eu fosse feliz agora,
sou então mais infeliz que ele, pois não entendo por que erguer minha
existência por cima de um cemitério. Há momentos em que me sinto responsável
por toda a miséria da História, em que não compreendo por que alguém derramou
sangue por nós. A maior ironia será então quando se provar que eles foram mais
felizes do que nós. Maldita seja a
História toda. Nada mais neste mundo me interessa; a própria questão da morte
me parece ridícula; o sofrimento, limitado e não revelador; o entusiasmo,
impuro; a vida, racional; a dialética da vida, lógica e não demoníaca; o
desespero, menor e parcial; a eternidade, uma conversa fiada; a experiência do
Nada, uma ilusão; a fatalidade, uma piada... Pois, levando a sério, que sentido
tem tudo isso? Para que problematizar, para que atirar luzes ou aceitar
sombras? Não seria melhor enterrar minhas lágrimas na areia às margens do mar,
na mais completa solidão? Nunca chorei, porém, pois as lágrimas se transformaram
em pensamentos. E não seriam esses pensamentos tão amargos quanto as lágrimas?
TEXTO 2[2]
Tem
sentido por acaso que alguém continue sofrendo depois de mim? Podem existir
ainda angústias depois de minhas angústias e dores? Há gente que nasceu para
suportar as dores dos que não sofrem. O demoníaco da vida derrama sobre eles
todos os venenos que os outros não conhecem, todos os sofrimentos que os outros
não suspeitaram. Quem dera pudessem estes, por obra e graça de um milagre,
repartir seus venenos, suas dores e desesperos! Bastaria para tornar
insuportável a existência dos outros. Pois os homens só conhecem as dores
aproximativas, as dores que vêm de fora e que são inexistentes em comparação às
dores ligadas à individuação, à estrutura da existência, porque esta é
individual. Só são fecundas e duradouras as dores nascidas no centro de nossa
existência, que irradiam em uma existência e crescem de forma imanente na
essência dessa existência. Há dores que teriam que deter a História, assim como
há homens depois dos quais a História não tem sentido algum. E me pergunto:
minha existência não torna inútil a existência futura do mundo?
Não
tem que nos doer a transitoriedade das coisas terrestres ou a inexistência das
celestes. Que tudo esteja destinado a perecer, que tudo seja vão e fugaz, que
tudo careça absolutamente d de valor e consciência, isso só pode provocar
desgosto... Mas não pode provocá-lo quando se pensa como em uma existência tão
reduzida no tempo e tão limitada no espaço pode caber tantas dores, podem se
consumar tantas tragédias e pode surgir tanto desespero. Se a existência
individual é tão evanescente como uma ilusão, por que então tantas tristezas,
tantas renúncias e tantas lágrimas? Diante desta perplexidade que nos conduz ao
desespero, nos vemos forçados a aceitar a irracionalidade da vida sem poder
pensar mais além. Também não tem sentido continuar pensando porque não há
explicação alguma. Tudo é tão inexplicável que me dói a inutilidade das ideias.
A futilidade deste mundo no qual a dor se afirma como uma realidade, transforma
o negativo em lei. Quanto mais ilusória parece a existência do mundo, mais real
se torna o sofrimento como compensação. Não há escapatória para o sofrimento
enquanto vivamos; mas a morte não é uma solução, porque, resolvendo tudo, não
resolve absolutamente nada. Não é possível encontrar para o mundo explicação
nem justificação alguma. Que sua fugacidade, sua futilidade e sua inutilidade
nos deixem tão insensíveis quanto o fato de que a vida nos tenha sido dada para
morrer. Mas saber a cada instante de nossa vida que vamos morrer é o que nos
faz mais mal. Quando não se tem consciência da morte, a vida, sem ser uma
delícia, tampouco seria um fardo. E passar toda a vida infestado pelo medo da
morte é um fardo. Então nos damos conta e nos horrorizamos de que, em uma
existência tão reduzida no tempo e tão limitada no espaço possam caber medos
tão profundos e tão perigosos. Por que ao homem se deu a vida para temer a
morte e por que a vida é tão impura nos homens? Por que vivemos para saber que
morreremos?
Vejo
no homem um tremor de individuação: a insegurança e o medo inerentes à vida que
ficou vulnerável através da individuação, uma insegurança e um medo próprios a
uma vida que se isola cada vez que se realiza no indivíduo.
Que
grande alegria ter vencido por um instante a tristeza, sentir-me vazio até a
imaterialidade! Mas não de um vazio vertiginoso e alucinatório, mas de uma
vacuidade que me eleve, que me impulsione e me torne tão leve quanto pesado me
fez a tristeza.
§§
Apresentarei, pois, uma
proposta de leitura desses dois textos cioranianos calcada sobre o modelo
semiótico do Percurso Gerativo do Sentido.
Inicialmente, é possível identificar três temas que funcionam como índices de
três campos relacionais de sentido,
os quais serão apresentados separadamente, se bem que eles não sejam estanques,
mas se relacionam entre si. Um campo relacional de sentido é um conjunto de itens lexicais ou construções sintáticas que
compartilham entre si um ou mais traços semânticos ou entre os quais podemos reconhecer
alguma relação de sentido discursivamente
construída. Esses itens ou construções sintáticas formam uma rede de
relações de sentido. O campo relacional de sentido é sempre um campo
conceitual. Assim, por exemplo, os lexemas pai,
mãe, filho, tia, avó, avô pertencem ao campo relacional caracterizado pelo
traço parentesco.[3]
Em outras palavras, eles se reúnem num mesmo conjunto em virtude de terem em
comum a propriedade semântica parentesco.
Temos um campo relacional de sentido
sempre que podemos reunir num conjunto vocábulos ou construções sintagmáticas
segundo algum tipo relação de sentido entre eles. Seguem-se os campos relacionais
de sentido para cada um dos textos que serão submetidos à análise:
TEXTO 1
Sofrimento < pesar, tragédia, sacrifício, miséria, morte,
desespero, lágrimas, solidão, chorar, amargura.
Individuação < existência, mundo,
iluminação, História, lágrimas, pensamentos, chorar, morte.
Insignificância < nulidade, Nada
absoluto, irracionalidade da vida, experiência do Nada, ilusão, fatalidade.
Convém fazer alguns
esclarecimentos sobre a constituição dos campos relacionais de sentido acima
apresentados. O item lexical “lágrimas” não necessariamente associa-se a
sofrimento, já que podemos derramar lágrimas como consequência de uma emoção de
alegria. Mas os campos relacionais de sentido são construídos discursivamente;
portanto, no texto, o lexema “lágrimas” pertence ao campo relacional cujo
núcleo é o vocábulo “sofrimento” (cf. sofrer). Ajunte-se que diferentes campos relacionais
de sentido podem compartilhar um ou mais itens lexicais. Assim, “morte” pode
pertencer ao campo relacional de sofrimento e também ao campo relacional de
individuação, já que a morte é um acontecimento que atinge um indivíduo ou cada
indivíduo, não havendo a possibilidade de que outro morra em meu lugar[4].
Como os campos relacionais de sentido são construídos discursivamente, cabe ao
leitor reconhecer quais são os itens lexicais que se prendem a um mesmo núcleo
do campo relacional. É possível que as relações entre os itens lexicais e o
núcleo se dê por oposição. Por exemplo, “História” foi incluído no campo relacional
da individuação, muito embora “História” não designe a história individual, mas
envolva a relação com a alteridade, ou seja, História recobre práticas humanas
que se fazem conjuntamente com os outros. No texto, a relação entre
individuação e História é uma relação de contraste, de oposição.
A importância do
reconhecimento dos campos relacionais de sentido se deve ao fato de o leitor
poder, através deles, apreender como se estrutura o mundo textual construído
pelo autor. Esse mundo textual não é uma cópia do mundo real, mas um modelo de
mundo construído pelo texto. Nessa versão do mundo textualmente construída, o
leitor deve ser capaz de reconhecer, com base nos campos relacionais de
sentido, que se representa a experiência da insignificância do mundo feita por
um ‘eu’ que se apercebe como igualmente insignificante. Sabemos que os textos 1
e 2 buscam desenvolver três temas: o sofrimento, a individuação e a
insignificância de tudo. O próprio título do texto 1 – Nada tem importância alguma – serve de pista para o reconhecimento
do assunto sobre o qual versa o autor.
Vejamos, agora, os campos
relacionais de sentido do texto 2. O texto 2 nos permite identificar também
três temas: 1) sofrimento/dor; 2) individuação; 3) insignificância.
TEXTO 2
Sofrimento < angústia,
demoníaco da vida, venenos, desesperos, tristezas, renúncias, lágrimas,
desgosto, medos
Individuação < dores, estrutura
da existência, centro da existência, História, consciência da morte, medo da
morte, horror, medo, tremor da individuação, insegurança
Insignificância < futilidade do
mundo, transitoriedade, carência de valor e coerência, ilusão, evanescência,
irracionalidade da vida, morte, falta de explicação e justificação, fugacidade,
inutilidade das ideias.
Como se vê, nessa
primeira etapa da produção da leitura, importa que o leitor consiga reconhecer
as relações de sentido entre o núcleo do campo e os seus componentes. Esses
dois textos de Cioran são predominantemente temáticos. Assim, os dois textos
buscam fornecer uma explicação do mundo, do real. Estabelecidos os campos relacionais
de sentido, podemos agora proceder a nossa leitura em conformidade com os três
níveis do percurso gerativo de sentido. Vimos que esses três níveis são: 1) o profundo (ou fundamental), 2) o narrativo e o 3) discursivo.
1) NÍVEL PROFUNDO
No nível profundo, há,
como vimos, dois componentes: um semântico e um sintático. Na semântica do
nível profundo, precisamos buscar reconhecer a categoria semântica de base, que
se assenta numa oposição. Tanto no texto 1 quanto no texto 2, essa oposição se
estabelece entre as categorias semânticas /individuação/
vs. /alteridade/. Os dois textos se estruturam com base na relação de
contrariedade entre /individuação/ e /alteridade/. A individuação é,
particularmente, marcada, no texto 1, pela presença do pronome de primeira
pessoa “eu”, ao passo que a alteridade é marcada pela ocorrência de termos como
“mundo”, “existência de uns”, “ingenuidade inconsciente e prazerosa de outros”,
etc. Todos os elementos relacionados à categoria da /individuação/ recebem a
qualificação semântica /disforia/ . Isso significa dizer que o autor interpreta
de modo negativo a individuação. A individuação é fonte de dor e sofrimento
(cf. “embora para mim a vida seja um suplício, não acredito no caráter absoluto
dos valores transvitais...”). Também a categoria da /alteridade/ recebe um
valor disfórico, pois que o autor considera o mundo sem sentido algum, a
História maldita e repleta de miséria.
Considerando, agora, a
sintaxe do nível profundo, reconhecemos, para o texto 1, a seguinte operação: afirmação da alteridade, negação da alteridade, afirmação da individuação. A individuação é negada em vários momentos no
texto. Por exemplo, quando o autor afirma “carrego implicitamente a sensação de
minha total nulidade e insignificância”, ele nega a individuação. A negação da
individuação implica a afirmação da alteridade: há o mundo, o universo, embora
o “eu” não seja “absolutamente nada no universo”. O texto termina com a afirmação dramática da
individuação, quando o autor diz que “as lágrimas se transformaram em
pensamentos”. Se nos lembrarmos de que, no início do texto, o autor questiona a
significância de atormentar-se, de sofrer e de pensar, devemos concluir que o
autor, mesmo reconhecendo a insignificância de tudo, escolheu transformar sua
dor em pensamentos. Transformando suas
lágrimas em pensamentos, o autor escapa à tentação do suicídio, a única saída
possível para o desespero total em face da insignificância de tudo.
No texto 2, podemos
reconhecer a seguinte operação: 1) afirmação da individuação, negação da
individuação, afirmação da alteridade. A afirmação da individuação se verifica,
por exemplo, na passagem em que o autor escreve: “não há escapatória para o
sofrimento enquanto vivamos; mas a morte não é uma solução, porque resolvendo
tudo, não resolve nada” (linhas 24-26). No fim do texto, quando se dá a
transformação de um estado caracterizado pela superação da tristeza, lemos
sobre o sentir-se vazio até a imaterialidade. A fuga numa “vacuidade que me
eleve” é a própria negação da individuação. A afirmação da alteridade se dá
nessa transformação: não ser mais quem eu sou; ser outra coisa, assumir outra
natureza, transfigurar-se. Fuga de si mesmo – eis a afirmação da alteridade.
Pois o fato de ser um eu é fonte de pesar e tristeza, a insignificância do ser
“eu” torna a vida um grande tormento. Ser um “eu” consciente, a cada instante,
de que, irá morrer é que faz a vida absurda e intolerável.
2) NÍVEL NARRATIVO
No nível narrativo,
cumpre ver que, no texto 1, há uma relação de conjunção entre ser e eu. Essa
relação de conjunção entre “ser” e “eu” pode ser depreendida na fase da performance, na qual se dá a
transformação. Ao transformar suas lágrimas em pensamentos, o sujeito assume-se
como “eu” que, para manter-se vivo, escolheu pensar, externar sua dor em
pensamentos. Enquanto pensa, enquanto verte suas lágrimas na forma de
pensamentos, permanece vivo.
No texto 2, o que
verificamos é uma relação de disjunção entre “ser” e “eu”, que também pode ser
depreendida na fase da performance. Nessa fase, o “eu” é invadido de uma vacuidade que o eleva, que o
torna leve. Essa vacuidade é a experiência de supressão do próprio “eu” e do
próprio corpo, que guarda alguma semelhança com a experiência budista do
parinirvana, a forma última e definitiva do nirvana que só se alcança com a morte.
Na experiência de vacuidade, o sujeito é aliviado do peso do ser um “eu”.
3) NÍVEL DISCURSIVO
No nível discursivo, as
formas abstratas do nível narrativo se atualizam com termos que lhes dão
concretude. No texto 1, a
conjunção entre “ser” e “eu” se dá como “conversão de lágrimas em pensamentos”.
Em outros termos, entre a tristeza paralisante, o desespero total e a
manifestação de pensamentos na escrita, o sujeito escolheu esta última opção.
No texto 2, a disjunção entre “ser” e
“eu” se dá na forma de uma experiência metafísica ou quase mística, a saber,
‘sentir-se vazio até a imaterialidade’.
4) TEMAS E FIGURAS
Já observei que os dois
textos cioranianos aqui contemplados são predominantemente temáticos. É larga a
ocorrência de temas. No texto 1, por exemplo, temos, entre outros, os temas pesar, sacrifício, desespero, solidão,
amargura, existência, iluminação, nulidade, Nada absoluto, irracionalidade da
vida, fatalidade, total nulidade, insignificância. No texto 2, topam-se os
seguintes temas: angústia, demoníaco da
vida, desespero, veneno, tristeza, desgosto, futilidade do mundo,
transitoriedade, carência de valor e consciência, ilusão, evanescência, etc.
É possível, no entanto, identificar algumas figuras em ambos os textos. No
texto 1, topam-se as seguintes: tragédia
da História, quedas de impérios, desabamentos no fundo de uma mina, cemitério,
na areia às margens do mar, enterrar, lágrimas derramar sangue. No texto 2,
encontramos: gente, homens, coisas
terrestres, História. As figuras, conforme vimos, respondem pela descrição
do mundo e se representam por itens lexicais ou construções sintagmáticas
marcados pelo traço sêmico [+ concreto].
Uma vez tenhamos
identificado os temas e as figuras, podemos reconhecer os percursos temático e
figurativo. Esses percursos resultam do encadeamento dos temas e/ou das figuras
entre si. O tema geral do texto, que dá sentido às figuras, só se apreende
quando reconhecemos os encadeamentos das figuras ou dos temas. Somente quando
identificamos os percursos temático ou figurativo é que podemos determinar o
tema sobre o qual versa o texto. Como os dois textos analisados são
predominantemente temáticos, é na ligação entre os temas que devemos buscar
determinar o tema geral dos dois textos. Vou ilustrar o percurso temático do texto 1, a seguir:
1. sensação de minha total nulidade e insignificância < 2. não ser nada no universo < 3) planar sozinho no Nada absoluto
< 3) vida como suplício < 4) irracionalidade da vida.
Todos esses temas
permitem-nos inferir o tema geral, a saber, tudo é desprovido de significação
ou importância. É importante notar que esse tema geral – “a insignificância de
tudo” – é enfocado de modo diferente nos dois textos. Essa diferença de enfoque
nos leva à noção de configurações
discursivas. Só podemos depreender uma configuração discursiva a partir do
cotejo entre dois ou mais textos. Cumpre dizer, a esta altura, que “a
insignificância de tudo” é tratada relativamente ao fenômeno da individuação.
Isso significa que essa insignificância de tudo é uma experiência feita pelo
próprio “eu”. O próprio “eu” se apreende como insignificante na total
insignificância de tudo.
Há um lexema que ocorre
nos dois textos, sob formas diferentes, a partir do qual é possível estabelecer
relações de sentido entre os percursos figurativos, temáticos e narrativos.
Este lexema é representado pela forma “sofrer” (cf. sofrimento, sofrendo). No
texto 1, a
insignificância de tudo é pensada a partir da insignificância do sofrer. O
próprio sofrimento é insignificante. No texto 2, a insignificância de tudo é
enfocada a partir do sofrimento que existe no fato da individuação. Em outros
termos, no texto 2, a
insignificância de tudo é tematizada a partir da dor que há em ser um “eu”.
5) MARCADORES DE ISOTOPIA
É possível reconhecer nos
dois textos três conectores de isotopia: 1) dor/sofrimento; 2) futilidade do
mundo; 3) individuação. Esses três marcadores acenam com as diversas
possibilidades de interpretar o texto. Essas possibilidades de interpretação
estão previstas no texto por força desses marcadores. Não se trata de dizer que
os textos tratam de três temas, já que o tema geral dos dois textos é “a
insignificância de tudo”. Mas os marcadores de isotopia acenam para o fato de
que esse tema geral pode ser perspectivizado de três formas, pelo menos: 1) a
partir da dor e sofrimento (dor de ser eu,
insignificância do sofrimento); 2) futilidade do mundo (o
mundo em si é desprovido de todo sentido, a vida é irracional); 3) individuação
(as dores ligadas à estrutura da existência,
a minha total nulidade e insignificância).
Assumindo-se que não
existe uma leitura correta ou errada de um texto, sucede, em vez disso, que o
leitor pode produzir uma leitura superficial ou parcial do texto. Um leitor que
procurasse ler o texto 1 a
partir da figura “tragédia da História” passaria ao largo da questão central
que diz respeito à insignificância de tudo. Ele não compreenderia o estatuto
discursivo da figura “tragédia da História”. O sintagma “tragédia da História”
é parte de uma construção superlativa: “... sinta que minha tragédia seja para
mim a maior tragédia da História” (linha 4). Esse sintagma ocupa a
posição remática na oração, logo não encerra a informação mais relevante. O que
é mais relevante é o fato de a minha tragédia ser a maior dentre as tragédias
que desfilaram na História da humanidade. Seu estatuto discursivo secundário
impede que pensemos a “tragédia da História” como o tema (assunto) do texto 1.
Ora, se o autor diz sentir que a sua tragédia é a maior tragédia da História,
então é a partir da individuação que se deve considerar a insignificância de
tudo. Será a minha tragédia igualmente insignificante? Essa é uma questão que o
leitor deve-se colocar durante a leitura. Se tudo é desprovido de significado,
devo forçosamente concluir que a minha tragédia, os meus sofrimentos são também
insignificantes? Essas questões acenam para a problemática do texto: a da experiência individual da
insignificância de tudo.
Considerações finais
Não tive a intenção de
exemplificar, em pormenores, a relevância do modelo teórico-metodológico do
percurso gerativo de sentido, fato que pode ser atestado na forma superficial
como abordei o nível narrativo e no meu silêncio acerca do nível da
manifestação quando da análise dos dois textos cioranianos. Ao menos, em parte,
isso se deveu à crença de que esse modelo teórico-metodológico de leitura tem
sua aplicabilidade reduzida a depender do gênero e/ou tipo textual. Em textos
em que predominam tipos dissertativos as formas de manipulação previstas pelo
nível narrativo são parecem facilmente atualizáveis. Por exemplo, é difícil ver
como os quatro tipos de manipulação previstos no nível narrativo podem ser
identificados nos dois textos de Cioran. Assim, a tentação, a intimidação, a
sedução, a provocação são tipos de manipulação que se deixam apreender
claramente em textos narrativos, como contos, romances e até mesmo poemas. Não
estou assumindo que esses quatro tipos de manipulação não possam ser nunca encontrados em textos
dissertativos; estou, na verdade, dizendo que não foram encontrados nos textos
de Cioran por mim analisados e que esses tipos de manipulação devem ser pouco
frequentes em textos dissertativo-argumentativos.
Finalmente, o modelo
teórico-metodológico explicitado não constitui o único método de leitura,
tampouco é o mais eficaz para fins de compreensão de um texto. Ele não pode
excluir outras formas de ler o texto. O modelo semiótico de leitura enfoca
aspectos internos ao texto. Ainda que tenha a pretensão de levar o leitor a
acessar cognitivamente a estrutura profunda do texto, esse modelo de leitura
ignora aspectos do processo da leitura que não se circunscrevem à materialidade
do texto. Por exemplo, o modelo semiótico ignora a exterioridade constitutiva
(memória discursiva) que é valorizada na Análise do Discurso. Também silencia
sobre o conjunto de saberes de que dispõe o leitor e que são relevantes na
construção do sentido do texto. Malgrado essas lacunas, o modelo semiótico de
leitura ensina-nos que o sentido é resultado de uma construção semântica em
níveis. Ao produzir um texto, o autor/locutor gera um determinado sentido numa
sucessão de camadas de concretização. Da mesma forma, a interpretação por parte
do leitor se dá no trabalho de reconstrução do percurso gerativo de sentido,
isto é, reconstruindo as camadas de concretização do sentido pretendido pelo
autor.
Na medida em que é
tributário do gerativismo chomskyano, o modelo gerativo do sentido assenta na
oposição entre dois níveis: o da estrutura profunda e o da estrutura superficial.
Esses dois níveis são deslocados do âmbito da sentença para o domínio do
discurso. Assim, o nível profundo é o mais abstrato e o menos imediatamente
acessível. O nível narrativo tem um grau de abstração menor, embora ainda
inclua formas abstratas. O nível narrativo é uma etapa intermediária de
concretização das formas abstratas do nível profundo. O nível discursivo
constitui o nível máximo da concretização das formas abstratas do nível
narrativo. Dessa forma, o plano de
conteúdo se realiza segundo três níveis: do mais abstrato, o nível profundo,
passando pelo nível intermediário de concretização, o nível narrativo, ao mais
concreto, o nível discursivo.
A proposta de leitura dos
textos cioranianos não chegou a discutir a profundidade das teses e proposições
filosóficas assumidas pelo autor. A discussão sobre a visão filosófica de mundo
do autor, sobre a problematicidade do drama existencial contemplado nos textos
teve de ser preterida em função do objetivo geral a que esta exposição visava: oferecer um método de leitura. Fica aqui
meu compromisso com a discussão sobre a trama filosófica dois textos de Cioran
por mim aqui considerados em outra ocasião.
[1]
CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. São Paulo: Hedra, 2011, p. 49-50.
[2] CIORAN, Emil. O
livro das ilusões. Rio de Janeiro: Rocco, 2014, p. 19-21.
[3] O
conceito de campo relacional de sentido,
cunhado por mim, é mais abrangente que o conceito de campo semântico ou lexical.
O campo semântico supõe relações entre itens lexicais que tenham algum traço
sêmico em comum. Na determinação de um campo semântico, dois critérios são
comumente utilizados: 1) análise
componencial do significado; 2) análise
por protótipos. De acordo com o primeiro critério, assume-se que um campo
semântico se constitui sempre que o significado de seus componentes, quando
submetido à divisão pela análise, exibe traços em comum. Por exemplo, o campo
semântico [FIGURA GEOMÉTRICA] se compõe de itens lexicais como quadrado, retângulo, triângulo, pentágono, etc, já que todos esses itens
compartilham, pelo menos, o traço sêmico [+ figura geométrica]. De acordo com o
segundo critério, o campo semântico se constitui a partir da identificação de
indivíduos que representam mais adequadamente uma categoria. Nesse caso, nossa
experiência com esses indivíduos será relevante na determinação do campo
semântico. Por exemplo, o campo semântico [AVE] inclui itens como pardal,
andorinha, beija-flor, bem-te-vi, arara, etc., já que estes são os membros mais
prototípicos da categoria [AVE]. São menos prototípicos, por exemplo, avestruz
e pavão, que podem ficar excluídos do campo semântico, segundo o traço mais
relevante que utilizarmos para a caracterização da categoria [AVE]. Assim, se o
traço sêmico for [+ voar], naturalmente, deixaremos de fora a avestruz e o
pavão. A análise da categorização pela prototipicidade patenteia que os limites
entre as categorias são fluidos, jamais rigorosos. Assim, incluímos o pavão e a
avestruz na categoria [AVE] já que, embora não voem, compartilham com as aves
prototípicas outras características; e excluímos dessa mesma categoria, por
força de nossa formação científica, o morcego, muito embora este animal voe.
Mas a exclusão do morcego da categoria [AVE] contraria nossa intuição natural a
respeito de qual deve ser o traço necessário para que um animal seja
considerado uma ave.
[4] É
claro que é possível uma pessoa se
sacrificar por outra, morrendo para salvar a vida dessa outra pessoa. Mas o
sentido que se deve atribuir à impossibilidade de que outra pessoa morra em meu
lugar deve ser o da impossibilidade de cada um escapar de sua própria morte em
algum momento. A morte já é sempre a minha possibilidade mais própria
(Heidegger).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. São Paulo:
Hedra, 2011.
_______________.
O livro das Ilusões. Rio de Janeiro:
Rocco, 2014.
FIORIN, José
Luiz. Elementos de Análise do Discurso.
São Paulo: Contexto, 2005.
KOCH, Ingedore
V. Ler e compreender: os sentidos do
texto. São Paulo: Contexto, 2006.
ORLANDI, Eni
P. Análise do Discurso. In: ORLANDI, Eni P.; LAGAZZI-RODRIGUES (orgs.). Discurso e Textualidade: Campinas, SP:
Pontes, 2010, p. 13-31.
_______________.
Discurso e Leitura. São Paulo:
Cortez, 2012.