quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O cristianismo nos afirma que há um homem invisível, que vive no céu e vigia tudo o que fazemos, o tempo todo. O homem invisível tem uma lista de 10 coisas que ele não quer que a gente faça. Se você fizer qualquer uma dessas coisas, o homem invisível tem um lugar especial, cheio de fogo, fumaça, sofrimento, tortura e angústia onde ele vai lhe mandar viver, queimando, sofrendo, sufocando, gritando e chorando para todo o sempre. Mas ele ama você! (George Carlin)


                                               
 
                                    A morte da fé


Nesta nova oportunidade, atendendo às exigências de meu espírito intelectualmente inquieto, gostaria de dar a saber aos leitores as contribuições de Sam Harris, em A morte da Fé (2009), para a construção de uma consciência crítica sobre os fundamentos e imposturas da fé religiosa.
Não se trata, a rigor, de uma resenha, mas de um convite à leitura deste grande trabalho do filósofo e neurocientista Sam Harris. Vou selecionar (até onde li) as passagens que me chamaram a atenção, no tocante ao seu poder argumentativo. A preocupação do autor é lançar por terra os fundamentos da fé religiosa, insistindo na necessidade de combater o seu poder nocivo e mortal à sobrevivência humana. Nesse tocante, atacará, pela raiz, o fundamentalismo islâmico que, para ele, é a maior ameaça à vida humana no século XXI.
Cuidarei para que o pensamento do autor não seja fragmentado, quando da apresentação das passagens mais poderosas argumentativamente. Na contracapa, lemos o seguinte:

“Incisivo e provocador. A morte da fé propõe uma reavaliação completa do estatuto ético das crenças religiosas. Defendendo sem concessões o primado da razão sobre a fé. Sam Harris investiga os fundamentos teológicos das principais religiões do mundo sem se intimidar com o enorme desafio teórico suposto pela tarefa. Baseando-se numa erudita bibliografia para demolir, um a um, os mitos construídos ao longo de milênios de inquisições, guerras santas e genocídios, Harris aponta o terrorismo islâmico como o maior dos perigos que a sobrevivência da fé impõe ao mundo civilizado. A morte da fé constitui, sobretudo, uma vigorosa denúncia da natureza intrinsecamente violenta e sectária das religiões dogmáticas”.
(grifo meu)

Estou ainda no terceiro capítulo desta instigante e lúcida obra intelectual e, por isso, me limitarei a expor os trechos que me despertaram atenção especial até então. O primeiro capítulo, cujo título é A razão no exílio é dedicado à discussão do papel da crença na vida individual e do mito da moderação na religião, ou seja, o autor avalia o que é ser um religioso moderado, aquele que diz respeitar a liberdade de crenças religiosas diversas. A par dos religiosos moderados há os religiosos extremistas, mas reconhece o autor que as pessoas de fé se situam num continuum.
No tocante à natureza da crença, tema que será explorado no segundo capítulo, já no primeiro capítulo escreve o autor:

“Uma crença é uma alavanca que, uma vez acionada, move quase tudo o mais na vida de uma pessoa. Você é um cientista? É liberal em política? É racista? Todas essas são apenas vários tipos de crenças em ação. Suas crenças definem a sua visão de mundo; elas ditam o seu comportamento; são elas que determinam as suas repostas emocionais para com os outros seres humanos. Se você duvida, imagine como a sua experiência de vida mudaria de repente se você passasse a acreditar em uma das seguintes afirmações:
1.Você só tem mais duas semanas de vida.
2.  Você acaba de ganhar na loteria – o prêmio é de 100 milhões de dólares.
3. Seres extraterrestres implantaram um receptor no seu crânio e estão manipulando seus pensamentos”.
(pp. 10-11)

No capítulo segundo (dando um salto a título de coerência temática), o autor define crenças da seguinte maneira:

“As crenças são princípios de ação, seja lá o que forem em termos cerebrais, elas são processos pelos quais nosso entendimento do mundo (seja correto ou equivocado) é representado e disponibilizado para orientar o nosso comportamento”.
(pp. 58-57)
(ênfase no original)

O autor destaca a relação entre crença e comportamento, e nos lembra que


“O poder que a crença exerce sobre nossas vidas emocionais parece ser total. Para cada emoção que somos capazes de sentir, existe uma crença que pode despertá-la em questão de momentos”.
(p. 59)

Crenças e convicções, segundo Harris, devem ser coerentes, tanto do ponto de vista lógico quanto semântico, com vistas a se tornarem válidas. Além disso, tanto umas quanto outras devem representar  um dado estado do mundo. Assim, ensina-nos:

“Para saber a que se refere uma dada convicção, preciso saber o que minhas palavras querem dizer; e, para saber o que minhas palavras querem dizer, minhas convicções devem ser minimamente coerentes. Não há como fugir do fato de que existe uma estreita relação entre as palavras que usamos, o tipo de pensamentos que podemos pensar e o que acreditamos ser verdade a respeito do mundo”
(p. 60)

Embora reconheça que os seres humanos não são sempre logicamente coerentes, ensina-nos ainda, à página 65:

“Para que seja possível o conhecimento do mundo, mesmo o mais básico, as regularidades no sistema nervoso devem refletir, de forma coerente, as regularidades do ambiente. Se cada vez que eu visse o rosto de uma mesma pessoa um conjunto de neurônios diferentes disparasse no meu cérebro, eu não teria como formar uma lembrança dessa pessoa. O rosto dela poderia parecer um rosto num dado momento, e uma torradeira no momento seguinte, e eu não teria por que ficar surpreso com sua incoerência, pois não haveria nada que conferisse coerência a um dado padrão de atividade neural”.
(p. 65)

A leitura desse último excerto já nos dá a medida da consistência teórica com que o autor, um filósofo e neurocientista, trata da questão do conceito de crença. Não há dúvida de que suas reflexões se baseiam nos conhecimentos, ainda em tenro desenvolvimento, das ciências neurológicas.
Ainda no capítulo segundo, na seção A fé e as evidências, o autor começa a avaliar as implicações que o conceito de crença, então definido e discutido anteriormente, terá no domínio da fé. De agora em diante, discutirá o conceito de crenças religiosas. Aqui questionará o fato de elas serem colocadas à margem do discurso racional e de, por isso, não poderem ser submetidas à crítica. Ele nos mostrará que elas não se distinguem, essencialmente, das outras crenças, para as quais necessitamos de justificativas que as validem.

“Não é necessário nenhum conhecimento especial e psicologia ou neurociência para observar que os seres humanos em geral relutam em mudar de ideia. Como muitos autores já observaram, somos conservadores nas nossas convicções, no sentido de que não acrescentamos nem subtraímos algo do nosso estoque delas sem que haja razão para isso”
(p. 69)

Esse trecho sugere quão difícil é a uma pessoa religiosa modificar, abandonar ou, ao menos, pôr em dúvida, as suas crenças dogmáticas. Lembra o autor que as convicções, assim como as crenças, como sejam tentativas de representar estados de coisas no mundo, devem elas estar relacionadas coerentemente (ou corretamente) com este mundo, pois só assim podem ser consideradas válidas. Assim, escreverá, com perspicácia:

“(...) Tampouco posso dizer coisas como “Acredito em Deus porque isso faz com que eu me sinta bem”. O fato de que eu me sentiria bem se existisse um Deus não me oferece a menor razão para acreditar na existência de um Deus por qualquer outra afirmação consoladora. Digamos que eu queira acreditar que há um diamante do tamanho de uma geladeira enterrado em algum lugar no meu quintal. É verdade que eu me sentiria muitíssimo bem se acreditasse nisso. Mas será que eu tenho alguma razão para acreditar que realmente há no meu quintal um diamante milhares de vezes maior do que qualquer um já descoberto? (...) Acreditar que Deus existe é acreditar que estou em alguma relação com a sua existência de tal forma que sua existência é em si a razão para a minha crença. Deveria haver alguma conexão causal, ou uma aparência disso, entre o fato em questão e a minha aceitação dele. Assim, podemos ver que as crenças religiosas, se quiserem representar convicções sobre a forma como o mundo é, devem ser comprovadas como quaisquer outras”.
(p. 71)
(grifo meu)

De fato, as crenças religiosas não representam a forma como o mundo funciona; não representam nenhum estado do mundo. Não se apóiam em evidências, porque não há evidências que as sustentem, que as justifiquem. Nesse tocante, o autor é incisivo e insiste:


“Simplesmente não existe outro espaço lógico para as nossas convicções sobre o mundo que ocupamos. As afirmações religiosas, enquanto pretenderem tratar da forma como o mundo é – Deus pode realmente ouvir as suas preces; Se você tomar seu santo nome em vão, coisas muito ruins vão acontecer com você, etc. -, terão de se posicionar em relação ao mundo e às nossas outras convicções a respeito dele. E é somente se forem posicionadas dessa forma que afirmações desse tipo poderão influenciar nossos pensamentos e comportamentos subsequentes. Para uma pessoa afirmar que suas convicções representam um verdadeiro estado do mundo (visível ou invisível; espiritual ou mundano), ela deve acreditar que suas convicções são consequência da forma como é o mundo. Isso, por definição, a deixa vulnerável a novas evidências”
(p. 72)
(ênfase no original)

Ainda nesse parágrafo, o autor observa que

“(...) se nenhuma mudança concebível no mundo puder fazer uma pessoa questionar suas convicções religiosas, isso prova que suas convicções não estão levando em consideração nenhum estado do mundo. E ela não poderia afirmar, portanto, estar representado o mundo, de forma nenhuma”.

Isso nos mostra quão as crenças religiosas estão apartadas do mundo, porque, afinal, não dizem nada sobre algum estado do mundo. Há inúmeras passagens em que o autor prova-nos que a fé é uma impostura. Devemos ter em mente que as crenças religiosas, fundadas na ignorância, dispensam as provas, sequer as exigem (e isso é respaldado no próprio evangelho (João 20, 29 – “Bem-aventurados os que não viram e creram”). Nesta próxima passagem, Harris mostra quão arraigadas são as crenças religiosas, a tal ponto que nem o mais aterrador acontecimento vivenciado pela humanidade é capaz de suprimi-las:

“(...) em qualquer esfera da vida as convicções são um cheque que todo mundo insiste em descontar deste lado da sepultura: o engenheiro diz que a ponte vai aguentar; o médico diz que a infecção é resistente à penicilina – as razões que essas pessoas apresentam para suas afirmações sobre o funcionamento do mundo podem ser desmentidas. O mesmo não acontece com o mulá, o padre e o rabino. Nenhuma mudança neste mundo, ou no mundo em que eles vivem, poderia demonstrar a falsidade de muitas de suas convicções não se originam em qualquer observação do mundo, nem do mundo que eles vivenciam. (Elas são, no sentido de Karl Popper, “infalsificáveis”). Aparentemente, nem o Holocausto levou judeus a duvidarem da existência de um Deus onipotente e benevolente. Já que ver a metade do seu povo ser sistematicamente jogada nos fornos crematórios não é uma prova contra a noção de que um Deus todo-poderoso cuidando dos interesses desse povo, parece razoável supor que nada mais poderia ser
(p. 76)
(grifo meu)

De fato, nem o Holocausto, nem as inúmeras guerras em nome da fé perpetradas até hoje pelos homens, nem mesmo o sofrimento mais pungente e aterrador que ainda possa recair sobre todos nós que este mundo habitamos serão uma prova suficiente para que os religiosos deixem de acreditar na existência de Deus (insisto, num Deus que é infinitamente benevolente e todo-poderoso). Aliás, Deus só pode ser pensado com esses predicados; se lhos retiramos, ele deixa de ser deus. Quem desejaria a existência de um deus impotente ou mau?
A seção Fé e loucura está repleta de passagens ironicamente inteligentes. Não há como passar por ela sem alguma forma de perplexidade e prazer intelectual. A seção inicia-se com as seguintes palavras:

“Já vimos que as nossas crenças estão estritamente relacionadas com a estrutura da linguagem e com a aparente estrutura do mundo. Nossa “liberdade de crença”, se é que existe, é mínima. Será que uma pessoa é realmente livre para acreditar em uma afirmação para a qual não há provas? Não. A prova (seja lógica ou sensorial) é a única coisa que indica que uma dada crença ou convicção realmente se refere ao mundo. Nós temos nomes para definir pessoas que têm muitas convicções para as quais não há justificativa racional. Se essas convicções forem extremamente comuns, chamamos essas pessoas de “religiosas”; caso contrário, provavelmente serão chamadas de “loucas”, “psicóticas” ou “dementes”. A maioria das pessoas de fé é perfeitamente sã, é claro, mesmo as que cometem atrocidades por conta de suas crenças. Mas qual é a diferença entre um homem que acredita que Deus vai recompensá-lo com 72 virgens se ele matar um punhado de adolescentes judeus e outro que acredita que criaturas da estrela Alfa Centauri estão lhe enviado mensagens para a paz mundial através de seu secador de cabelo? Existe uma diferença, é óbvio, mas essa diferença não coloca a fé religiosa sob uma óptica lisonjeira”
(p. 82)

O parágrafo que se segue lança luzes sobre a argumentação do autor, no tocante à relação entre loucura e religião:


“Apenas certos tipos de pessoas acreditam no que ninguém acredita. Se alguém é governado por ideias para as quais não há provas (e que, portanto, não podem ser justificadas numa conversa com outros seres humanos), isso em geral indica que há algo de gravemente errado na sua mente. Sem dúvida, há sanidade nos grandes números. No entanto, é mero acidente histórico o fato de que se considere normal na nossa sociedade acreditar que o Criador do universo escuta os seus pensamentos, mas acreditar que Ele se comunica com você por meio de pingos de chuva em código Morse batendo na janela do seu quarto é uma demonstração de doença mental. Por isso, embora as pessoas religiosas não sejam, em geral, loucas, suas crenças fundamentais certamente o são. Isso não surpreende, uma vez que a maioria das religiões meramente canonizou algumas manifestações de ignorância e loucura ancestrais e as passou para nós como se fossem verdades primordiais. Isso faz com que bilhões acreditem no que nenhuma pessoa sã poderia acreditar por conta própria. Na verdade, é difícil imaginar um conjunto de crenças mais indicativo de doença mental do que o que se encontra no cerne de nossas tradições religiosas”
(pp. 82-83)
(grifo meu)

Aqui, em minha rua, passa, às vezes, um homem que sofre de algum tipo de enfermidade mental. Ele não representa ameaça alguma aos transeuntes e gosta, especialmente, de falar às mulheres paradas no ponto de ônibus, prometendo-lhes casa, carinho e conforto, caso venha a ganhar na loteria. Recentemente, presenciei esse caso. A mulher, ao ouvir isso, sorriu, sem jeito. Ela, provavelmente, deve ter entendido que ele era “maluco”. Mas, se por acaso, ele lhe dissesse que Deus iria abençoá-la com milhões de reais – talvez, ela sussurrasse para si: amém!  e concluísse, felizmente, “ele é maluco, mas sabe o que fala”.
É interessante notar que se alguém que crê em Deus disser a outro crente que ouviu a voz de Deus, certamente, essa pessoa seria considerada “louca”. É que a loucura, nesse caso, deve ser convencional, ou seja, compartilhada na forma de cânones por uma dada comunidade cultural. Todos os que crêem devem participar da loucura e talvez a único acordo que se pode ter, no domínio da religião, é que Deus, definitivamente, não tem voz (nem corpo, nem cheiro...).
Referindo-se ao dogma da Eucaristia, na Igreja Católica, (o autor cita um trecho da Profissão de fé da Igreja Católica) escreve o autor:

“Jesus Cristo – que, aliás, nasceu de uma virgem, enganou a morte e subiu aos céus corporalmente – agora pode ser comido sob a forma de uma bolacha. Depois de algumas palavras em latim faladas sobre uma taça do seu borgonha favorito, você também pode beber o sangue dele. Há alguma dúvida de que, se existisse apenas um solitário adepto dessas crenças, ele seria considerado maluco? Mais ainda, existe alguma dúvida de que ele seria maluco? O perigo da fé religiosa é permitir que seres humanos normais possam colher esses frutos da loucura e ainda considerá-los sagrados. E, já que cada nova geração de crianças continua aprendendo que as afirmações religiosas não precisam ser justificadas como todas as outras, a civilização continua sitiada pelos exércitos do absurdo. Nós estamos, neste momento, matando uns aos outros por causa de literatura antiga. Quem teria imaginado que algo tão tragicamente absurdo seria possível?
(p. 83)
(grifo meu)

Finalmente, o que nos tem a dizer o autor sobre a moderação religiosa? Decerto, muita coisa; no entanto, cinjo-me a referir um trecho que ilustra, sinteticamente, sua posição nesse tocante:

“O problema que a moderação religiosa apresenta para todos nós é que ela não permite que se diga nada de muito crítico acerca do literalismo religioso. Não podemos dizer que os fundamentalistas são malucos, pois estão simplesmente praticando a sua liberdade de religião, não podemos sequer dizer que eles estão enganados em termos religiosos, já que o conhecimento que eles têm sobre as Escrituras em geral é igualável. Tudo que podemos dizer, como moderados religiosos, é que não gostamos do custo, em termos pessoais e sociais, que a adoção plena das Escrituras nos impõe (...) A moderação religiosa é produto do conhecimento secular e da ignorância escritural – e ela não tem nenhum respaldo, em termos religiosos, para ser colocada lado a lado com o fundamentalismo. Os textos em si são inequívocos: são perfeitos em todas as suas partes. À luz desses textos, a moderação religiosa parece apenas uma falta de vontade de submeter-se plenamente à lei divina. Ao deixar de viver segundo a letra desses textos, e ao mesmo tempo tolerar a irracionalidade dos que assim vivem, os moderados traem igualmente a fé e a razão (...)”
(p. 21)
(ênfase no original)

Não custa lembrar a importância do discurso ateísta para a formação de indivíduos autônomos e críticos intelectualmente: o ateu ousa pronunciar – religião se discute sim!  As crenças religiosas não têm nada de especial para serem resguardadas de avaliações racionalmente orientadas para desnudar-lhes a inconsistência e incoerência. As crenças religiosas soam no vácuo completo, porque só servem ao desejo e à imaginação.








sábado, 19 de novembro de 2011

"Tudo que sabemos é uma impressão nossa, e tudo que somos é uma impressão alheia (....)" (Fernando Pessoa)

                                      

                                                  Divagações
                                              Do desassossego

Bastam-me estes dois passos de Pessoa, em Livro do Desassossego, para que eu possa aqui dar um testemunho de mim. Deles se originará esta enxurrada de reflexões, com as quais eu me derramo neste papel virtual.

“O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios”.
(p. 56)

“Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou”
(p. 45)

Intentando evitar a fratura do pensamento do poeta, refiro abaixo, na íntegra, os textos donde estes fragmentos foram retirados:

Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino”.


Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo próximo, um bocado de sossego com um bocado de pão, não pensar muito o conhecer que existo, e não exigir nada dos outros nem exigirem eles nada de mim. Isto mesmo me foi negado, como quem nega a esmola não por falta de boa alma, mas para não ter que desabotoar o casaco”.

Agora, preciso sentir-me. Preciso pensar, mas pensar dói. Não que seja uma dor que repercuta fisicamente; é uma dor mais aguda porque esteriliza a alma; é quando desejamos tanto dizer, que as palavras se tornam escassas, elas nos escapam; o sentido míngua. Na cama, livros espalhados; estava disposto a lê-los, mas os deixei ali, para escrever. Ler e escrever, ler e escrever, escrever e ler, e ler para pensar e escrever para refletir sobre o já pensado e sentir o que foi lido e escrito e pensado. Ao cabo dessas atividades, resta-me o sentir. É o sentir a que viso. O sentir é o sentido – o sentido para o qual aponta meu esforço intelectual. No início, eram as palavras; no fim, é o sentir.
Meu irmão, que, em raras ocasiões pode dizer-me alguma coisa significativa, declarou-me, há poucos dias, que há pessoas que apenas passam pela vida. Sim, como os transeuntes por que nós passamos cotidianamente e deles nos esquivamos. Alguns de nós são transeuntes da existência. Atravessam as ruelas, as ruas, as estradas, as avenidas da vida com o único propósito de chegar ao outro lado. São meros atravessadores que sabem – aliás como todos nós sabemos – que vão morrer e, ainda assim, se contentam em apenas atravessar.
E eu não me refiro aos indigentes, ao largo dos quais passamos indiferentes nas ruas. Não me refiro aos desgraçados, aos miseráveis, aos marginalizados deste mundo, cuja existência míngua a cada dia, sem que de nossas pálpebras caia uma gota de lágrima. E não nos culpemos por isso, já que não temos para com eles nenhuma afinidade. O lamento, quando há, é sufocado pela indiferença, que é nosso escudo contra as decepções da vida. Ser indiferente é um estratagema para nos protegermos; ser indiferente, muitas vezes, é necessário. A felicidade de cada um de nós depende de que olhemos para o mundo indiferentes; nosso olhar deve ostentar a indiferença, porque, do contrário, viveríamos imersos num profundo mal-estar e faríamos da melancolia nossa acompanhante no viver cotidiano. Tenho de reconhecer, em que pese o excesso de sentir que tece a essencialidade de minha alma, que certa dose de insensibilidade é condição para que possamos olhar através da janela, mesmo num dia chuvoso, e sentir a alegria de viver.
Dizia que não me referia aos indigentes, mas aos que foram privilegiados pela vida, ou, se preferirem, os privilegiados socioeconomicamente.  No entanto, não quero dar ao meu discurso um tom sociológico. Existem, como cantou Tim Maia, os que nascem para sofrer e os que nascem para sorrir. E dentre os que sorriem demais ou esporadicamente, dentre os que são abastados e os que vivem sem muitos recursos econômicos, há uma grande faixa de pessoas que entulham a vida de prazeres fugazes, que não alcançam senão as aparências das relações e que, portanto, apenas seguem na travessia.
Estas pessoas estão, portanto, de acordo com uma das formas de a vida se dar; elas seguem as tendências como seguem as roupas da moda; e como a moda é, por definição, comportamento efêmero, é o espaço institucional em que tudo que circula é passageiro e descartável, essas pessoas estão sempre dispostas a abandonar certos padrões, certas tendências, certos modismos, sempre que lhe são oferecidas alternativas, novidades, últimos lançamentos. A travessia torna-se assim camaleônica. Elas se adaptam a dadas condições de existência social; dançam conforme a dança (enquanto se entusiasmam com as novas músicas). Acontece que eu não sei dançar muito bem, minha dança descompassa e meu canto desafina. E a música de minha alma remonta a tempos antigos em que o deleite provinha das sonatas do coração.
Donde se segue que há entre mim e a vida um profundo desacordo, visto que eu sou fiel a mim mesmo, estou tão de acordo comigo, que só posso dormir tranquilo quando o primeiro pensamento da manhã se harmoniza com o último pensamento da noite, tornando-me presente a mim mesmo. Evidentemente, ao longo do dia, milhares de pensamentos trafegaram em minha alma, alguns, certamente, desencontrados; mas, ao cabo de um dia, se meu último pensamento traz-me à consciência o sentido de unidade entre o que fui (em momentos anteriores) e o que sou, posso, então, dormir um sono sereno.
A intuição do poeta a respeito de nossa incapacidade de nos conhecermos a nós mesmos realmente é confirmada pelas ciências da mente. Somos um estranho vivendo em nós mesmos. Algumas pessoas experimentam isso de modo desastroso; outras lidam com esse estranhamento com serenidade; outros mais com perspicácia; e ainda há os que, estranhando-se a si mesmos, fazem arte. Há os que se sentem confortáveis em si mesmos; e há os que dariam tudo para evadir-se (assim mesmo furtivamente, para que não sejam notados pelo superego, que viria nessa tentativa de fuga uma transgressão).
Entre os transeuntes da existência, há milhares que pedem muito à vida. Desejam carros, milhões de reais, aquela viagem dos sonhos, um condomínio de luxo, um corpo escultural, o cargo de poder, entre outras tantas aspirações. Sinto que meu sofrimento primevo fez-me pedir pouco à vida, salvo o desejo de vivê-la. Isso, talvez, seja muito, mas nem sempre a vida me caiu como uma roupa bonita que nos torna irresistível numa noite agitada. Houve tempo em que a vida me era pesada, me sabia indigesta.
Com a maturidade e, embora na infância ofertado com mimos e presentes, descobri, entre as superfluidades que entulham nossas vidas, o essencial. Então, pedi à vida esse essencial: amor e conhecimento. O conhecimento, ou o saber é uma riqueza cuja conquista só dependia de mim (embora eu tenha contado com a ajuda de tantos outros); mas notem “com a ajuda”. O amor, contudo, não depende de quem o deseja; o amor implica o outro; e os outros com os quais me relacionei não participavam da mesma extensão do amor da qual eu tomava parte. O amor convoca o outro a participar de um mesmo sentido conosco. Não tardou para que eu reconhecesse que a reciprocidade amorosa era um pedido exorbitante. É que para muitos o amor não é o essencial; é um adendo que se vier a calhar, muito bem, senão, o eu se abarrota de si e, na ilusão de sua auto-suficiência, pensa ou diz, mesmo que contrafeito, “estou feliz sozinho”.
A felicidade na solidão é uma ilusão constante numa geração incapaz de experienciar relações duradouras e emocionalmente consistentes. Frustrados, homens e mulheres da modernidade líquida enganam-se a si mesmos, e supõem, mesmo que contrariamente à própria natureza da espécie de que eles são exemplares (de uma perspectiva biológica), que eles se bastam a si mesmos. A crença na felicidade de viver solitariamente é produto da ideologia individualista que prescreve a supremacia do indivíduo sobre o coletivo. Primeiro eu, depois eu, depois eu e... depois eu...
Entendam, mesmo que eu possa parecer enfadonho, mas o óbvio é carecido de atenção, já que, muitas vezes, ele nos elucida: nós, seres humanos, somos seres sociais. A relação entre o indivíduo e o todo (a sociedade) é uma relação dialética, na medida em que não há indivíduo sem o social, e este não pode ser pensado sem os indivíduos que o compõem. Mas a ideologia individualista mascara essa evidência.
Felizmente, existe o amor, que nos convoca para olhar o social, o amor nos implica nesse social, nos abre para o outro. A abertura que o amor nos provoca, que é nossa capacidade de nos relacionar com o exterior (não só com o interior), torna-nos sensíveis ao entorno social, que inclui as pessoas a quem destinamos carinhos ou nossas disposições de afeição. E não se entenda esse amor como amor universal, que é uma utopia, uma idealização, fruto de nossa ingenuidade. Freud nos ensinara a esse respeito: o amor é uma moeda cara demais para ser distribuída aleatoriamente ou a todos. É impossível amar aquele que nos é estranho, com o qual não temos nenhuma afinidade.
Talvez, melhor seria falar em moral. É a ela que devemos, na verdade, essa abertura para o social. A moral surge no momento em que um homem se relaciona com outro homem, em que cada um tem de reconhecer o domínio de sua individualidade e liberdade e atuar em benefício comum, ou, ao menos, tentando evitar prejuízos recíprocos. A moral surge no instante do confronto com o sujeito e o social, ou o mundo. No entanto, creio em que sem o amor não é possível a moral. Mas insisto em que se trata de uma forma específica de amor: é o amor que rejeita toda forma de violência. Claro: se os homens vivessem abandonados aos seus impulsos, atacando e matando uns aos outros, a vida em comunidade seria impossível e é mais vantajoso para a vida individual que haja um esforço cooperativo entre todos - homens e mulheres.
Já enfadado, fico com a sensação de que não disse tudo. Ao tentar externar-me com exatidão, creio ter oferecido senão inexatidões de minha alma; é a sensação de que eu me escapo a mim mesmo e nunca atinjo um núcleo de sentido palpável. Talvez, porque o sentido não é palpável mas fluente... ele se esvai... escorre e tentado capturá-lo, nos perdemos no meio do caminho, como quem se encontra perdido numa encruzilhada.
Sinto que sou um projeto irrealizável e que o meu eu mesmo é uma afronta ao mundo. De resto, sobra-me aquela sensação de que estou de acordo com o eu sou.








segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação" (Fernando Pessoa - Livro do Desassossego)



                                                         
                                      A compra


A vida está lá fora, exigindo tanto de nós, de todos que vão e vêm apressados; alguns confinados em escritórios, numa ante-sala atendendo aos que chegam. E eu, em meu quarto, com dois livros diante de mim: O Livro do desassossego, de Fernando Pessoa e a mais famosa e principal obra do filósofo francês Jean Paul Sartre, O Ser e o Nada – ensaio de Ontologia e Fenomenologia. Li algumas linhas de Pessoa e me deparei com esta que já me descentrou:

"No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação" (p. 44)

Contenho-me para não analisá-la, assim conservo seu encanto, sua beleza, seu angustiante significado. E o livro de Sartre, ainda não o li, evidentemente. Mas corri os olhos por algumas páginas, como se estivesse a namorá-lo... não me demorei, mas fitei uma ou outra linha... E o que experimentei? Senti-me seduzido... sim, atraído para aquelas páginas que me revelarão tanta coisa... e o que espero? Espero delas nada apreender... e é possível que eu não compreenda mesmo nada do que lerei nelas...E não me importo com isso... Os especialistas ensinam que o discurso de Sartre nesta obra é obscuro, e impenetrável aos não-especialistas... Tanto faz... Ter este livro em minhas mãos dá-me um poder (não de opressão, não de soberba, mas de espírito, de vida, uma vontade de potência, diria Nietzsche), um prazer diante do qual as palavras se rendem.
E meu espírito se alarga, se esgarça e o mundo todo parece tão distante e pequeno (eu diria insignificante)... E, assim, absorto, permaneço, anestesiado com estes livros sobre o peito... pensativo... distante... “Diante de mim, um mundo a se desvendar, um universo a ser desbravado”... palavras que me saltam  e que se abrem com sede de sentido, cheias de significação... e eu diante delas, sedento de saber, e saber para ser, e ser para saber e ser mais, e saber mais e mais... e depois volto apenas a ser.

poeminha sentimental



Sentimentalidade

Minha alma abriga
Taças transbordantes de sentimentos
E ficarão lá a boiar
Com todos os momentos
Em que permanecemos
Atados em afagos e beijos

Tome deles o gole que melhor lhe convier
Se embriague se quiser
Mas não os entorne a esmo
Deixa-os inundar sua alma
Ou prove-os, deguste-os gota a gota

Mas não ouse derramá-los no chão
As taças de minha alma são de ouro
Não se quebram e pesam
Tanto no corpo quanto no coração

(BAR)

sábado, 12 de novembro de 2011

"Ser romântico é estar grávido de um amor que o mundo quer ver abortado" (BAR)

                                 

                                        Da poesia ao ser romântico

 
Dos livros colho saberes que lançam luz sobre questões que me ocorrem na vida cotidiana, porque meu espírito não se contenta com a vida: a condição humana sempre será desconfortante a quem deseja ter o mínimo de entendimento sobre ela. Quando escrevo um poema, após lê-lo várias vezes e concluir que exprime bem a dimensão de meu sentir, cuido que fiz vir ao mundo um pedaço de mim capaz de transcender. Normalmente, o poema acaba por unir-me as duas pontas da existência: a solidão que me fecunda o espírito, desdobrando-o em versos (estado necessário à labuta do coração, pois que ele silencia o mundo, dando asas à voz do eu-lírico); e o mundo, ou a vida exterior ao “eu”, que é, a despeito de dissimulações do espírito lírico, o fim a que se destina o poema. Todavia, sempre que escrevo um poema, nego, em alguma medida, o mundo: trata-se de uma condição necessária para escrever liricamente. A poesia lírica e mundo não se toleram. Sucede diferente com a poesia de cunho social; mas mesmo aí é preciso certo grau de abstração do sujeito: o eu-lírico se distancia do mundo, para tomá-lo como objeto de reflexão poética. Assim também o eu-lírico, que pretende dar vazão a seus estados de alma, a seus sentimentos, que pretende invadir-se a si mesmo, precisa, a priori, distanciar-se, para contemplar a si mesmo. Fazer poesia é ter encontro íntimo consigo mesmo. É no movimento antonímico, a saber, de “abstrair-se” e “expandir-se”, que o eu-lírico consegue alcançar certo estado de expurgação psíquico-emocional.

Durante alguns anos – e ainda hoje, decerto, se bem que com menos intensidade -, preocupei-me com duas questões que estão inextricavelmente relacionadas, qual seja, os relacionamentos e o ser romântico. A pergunta que me fazia, no que toca a este último tema, era: O que é ser romântico na sociedade contemporânea hedonista e individualista? Vejamos. Basta que liguemos a televisão, para assistir, em algum programa de auditório, que visa a promover relacionamentos amorosos, ao apresentador perguntar a algum dos espectadores ou participantes de um quadro como Vai dar namoro, por exemplo, se ele é romântico. Em geral, a resposta é, indubitavelmente, “sim” – e não poderia deixar de sê-lo, sob pena de ele ser desprestigiado pelo público feminino (em geral, esta questão dirige-se a um homem e aqui há um aspecto interessante: a mulher é, tacitamente, tomada como um ser romântico por definição, por isso não cabe a pergunta em relação a ela; o homem (pelo menos, o da sociedade moderna), ao contrário, é estereotipado como um ser não dado a sensibilidade exacerbada; portanto, como um não-romântico). Entretanto, é uma forma ideológica de compreensão, visto que mascara o fato de, por um lado, nem todas as mulheres serem românticas; por outro lado, de haver ainda homens românticos (ou, pelo menos, que encarnem vestígios de um ser romântico).

Após o “sim” do rapaz, então, desejoso de “desencalhar” (como se costuma dizer, porque “estar “encalhado”” é motivo de vergonha, tanto para homens, quanto para mulheres, em nossa sociedade), segue um coro de interjeições e aplausos que são sinais de que os valores românticos são ainda desejados e acolhidos, em que pese ao fato de que se tenha diluído a consciência de tais valores. Aqueles sinais, de qualquer modo, representam a aprovação da platéia, mais propriamente, das mulheres, é claro. Escusando-me de fazer uma avaliação preconceituosa (no sentido de que posso fazer juízos prévios que entram em conflito com os fatos), acredito em que, apesar de toda retórica favorável ao romantismo, de que se sabe apenas nos livros de literatura (e ainda aqui é um conhecimento restrito a uma classe social privilegiada), e que aprendemos na escola, parece haver certo esvaecimento desses valores nas experiências afetivas em nossa sociedade. Refiro-me especificamente às relações entre homens e mulheres com finalidade sexual. Então, afirmo novamente: nesta esfera, o sentido de ser romântico ou foi totalmente esvaziado, ou está ralo, carece de uma profundidade. É certo que ser romântico não é assumir uma atitude; não é, definitivamente, um estado de alma. De uma pessoa não se pode dizer romântica, porque, em certas circunstâncias, dá buquês de rosas, ou registra em papéis os rabiscos de uma paixão ou de um amor. Em algum momento de nossa vida, escrevemos cartas de amor, até que a maturidade nos convença de que foi um esforço inútil do coração, decorrente de um estado primaveril de nossa existência. No entanto, agrado-me de saber que existem pessoas que, após longos anos de casamento, ainda dedicam cartas de amor ao seu cônjuge; sinal de que, pelo menos, entre aqueles que pertencem a gerações anteriores, os valores românticos ainda sobrevivem; atualmente, os casamentos sequer chegam a um mês.

Ser romântico é um movimento do espírito para a negação do mundo. É um sentir e perceber a realidade segundo os ideais sublimados na alma. É interiorizar-se e descobrir na intimidade da alma o desejo pela fuga. É sentir que o mundo incomoda e que se é estranho em si mesmo. É sublimar a beleza da alma e do corpo. É prostrar-se ao ideal de fusão, de unidade e desejá-lo ardorosamente. É nutrir um amor dirigido, primariamente, para a alma, pois que a relação sexual, para o amor romântico, significa o arrefecimento do desejo. Porque o amor romântico é, necessariamente, o amor da carência, da impossibilidade; amor que, ao desejar, preenche seu vazio e nutre, e sustenta sua fragilidade. Ser romântico é ser enamorado da solidão anímica e fazer disso uma graça sobrenatural e inefável. É buscar nos ideais sublimados o único meio de se vincular a um mundo que veio antes e ao qual, pelo nascimento, se é condenado, porque, afinal, não se nasce membro de uma sociedade, nasce-se com a predisposição à sociabilidade. O romântico autêntico é ser sociável, embora inconformado; mas é, acima de tudo, um eleitor: pois seu coração elege, no meio da multidão, a alma cuja beleza e significância preencherão o vazio, ou antes, o sopro doloroso de sua existência.

Não vou elencar, como se poderia supor, as características famigeradas do romantismo, enquanto movimento estético-literário. Não me refiro ao romantismo como escola literária particular. Refiro-me à condição de existência do romântico típico ou autêntico. Não se trata, definitivamente, como se poderia concluir, tendo em conta uma visão utilitarista, de um estilo. Ser romântico não é um estilo de vida, porque os estilos podem ser escolhidos e duram enquanto durarem certas tendências valorizadas; e, como tudo na sociedade líquida, é efêmero, líquido, muda numa velocidade espantosa, também os estilos serão tão descartáveis quanto os celulares ou qualquer outra mercadoria de consumo. Talvez, venham-me acusar de conservador, já que pareço assumir uma visão antiga do romântico, que remonta à segunda metade do século XVIII. É provável que se possa falar em “românticos modernos”, que não precisam viver e sentir como Álvares de Azevedo, Byron, por exemplo; mas devem conservar, em sua alma, pelo menos três características: idealização-sublimação, escapismo (negação do mundo) e exagero (cantado e vivido por Cazuza). Portanto, um indivíduo não é propriamente um romântico se não se define por esses três aspectos; poderá ser até cortês, galanteador e educado; mas, para ser romântico, ele terá de haver-se consigo mesmo. Se, nesse confronto, admite ser o mundo aprazível, então não é romântico; se supervaloriza os obstáculos que turvam os anseios do coração, então não é romântico; se não bebe dos aromas que há na alma da pessoa a que seu coração se inclina e se não se embriaga na beleza dela; e se ama tão só carnalmente, se é escravo da tentação do corpo; se tão-só a ele destina seu desejo, se o prazer carnal é a finalidade última de sua astúcia, então não é romântico. Se o mundo lhe é bastante, se a vida é o limite de suas potencialidades, o ventre de seus desejos, então não é romântico; porque, para o romântico, o mundo não é o bastante e a vida é apenas o berço de seus ideais de amor sublime, que se torna, não raro, o cárcere (e há que transcendê-la, de algum modo). Se suas paixões não namoram a demência, a loucura; se seus amores não lhe provocam um terremoto de emoções e sensações imperiosas; se não impregna sua alma de impetuosidade lírica; se não se arremessa ao outro, desejando a unidade sobre-humana; se não busca com o outro a unidade transcendente; se a ideia de morte não lhe acarinha a alma; se não sofre com lágrimas que afogam todo seu sentir excelso, que lhe fincam no coração caminhos de tristeza abismal; se não se deleita com a beleza que se aninha sob a complexidade da matéria lasciva; se não “enxerga numa gotícula de água toda a complexidade do oceano” (BAR), então não é romântico. Se não é uma voz sufocada num tropel, um grito ofegante num mundo que lhe é tão estranho quanto medonho, se não sucumbe a lágrimas pesadas e lancinantes derramadas por amores esmeradamente nutridos pelo coração endoidecido, não é romântico. Pois o romântico, em síntese, se define pela busca máxima e apaixonada pela unidade transcendente através da negação da imanência de sua mundaneidade (imanência no sentido de ‘situação dada e não escolhida’).

O nascimento de um romântico é sempre um sopro sofrível, já que, ao descobrir-se vivo, iniciará sua busca insana e desenfreada pelo deleite amoroso que justifique sua vida e que torne afável a morte inevitável. Como a vida lhe seja um acidente que lhe obsta a fruição dos prazeres de seus ideais sublimados, a morte, ao termo do movimento impetuoso e funesto da alma sonhadora, se lhe torna a condição mais desejada graças à qual não só poderá livrar-se das dores que lhe pungiam a alma, quando esta estava imersa na corporeidade, como também graças à qual retornará a uma essência, que está predestinada a ser obscurecida pela luz da vida.

Para o romântico, que ama com a alma e para a alma encerrada no corpo, viver neste mundo é, deveras, uma condição de angústia. Não se é romântico, em suma, se não se vê às voltas com a angústia da existência.

A bíblia é uma obra humana

                       


                            O que você precisa saber
                          A Bíblia é obra humana

Ah! Quão deleitoso é o esclarecimento! Inestimável é o valor do conhecimento. Gostaria de que meus leitores pudessem experimentar o sentimento de euforia intelectual, o regozijo, a doçura decorrente do saber! Quero compartilhar com vocês o meu contentamento e entusiasmo.
Eu vou procurar ser breve, prometo-lhes. No entanto, é necessário contar-lhes sobre algumas circunstâncias que ajudam a explicar meu entusiasmo.
Quando ainda lecionava numa escola para turmas do ensino médio, um aluno, muito aplicado e um dos poucos quietos e estudiosos que ali havia, presenteou-me com um livro pequeno, cujo título (O Homem em busca de Deus), a princípio, levou-me a acreditar que se tratava desses livros destinados a fiéis de sua igreja, cheio de doutrinação. No entanto, para a minha grata surpresa, o livro reúne estudos sobre as diversas formas de religiões no mundo, incluindo mitologia, magias, espiritismo, além do cristianismo, budismo, judaísmo, islamismo, entre outras. Mais interessado fiquei, quando me dei conta de que no limiar encontravam-se informações sobre as origens da religião, embora as teorias que buscavam explicar como surgiram as religiões sejam muito variadas e pouco críveis.
Pode parecer que, muitas vezes, eu me concentre em certos temas e os revisito, como sucede com os temas sobre religião e Deus. Todavia, a impressão não revela o fato de que minhas leituras e interesses intelectuais são bem variados e o acervo de livros que tenho em minha casa abriga estudos relativos à Linguística, à filosofia, à teologia, à sociologia, à psicanálise, à psicologia, à antropologia e à literatura.
Se me perguntarem quantos livros leio por ano, eu responderei não poder precisar o número. Leio muitos, porque eu não leio um de cada vez; leio vários, embora, é claro, não os leia completamente; porque leio capítulos de um, capítulos de outro. A maioria dos livros que tenho eu já li, parcialmente.
No ano passado, me tornei um consumidor compulsivo de livros. Comprava-os em penca. Ultimamente, porém, tenho cessado de comprá-los em grande quantidade, simplesmente porque não há mais espaço onde colocar tantos livros.
Um dos últimos livros que comprei é de Bart D. Ehrman, o mesmo autor de O problema com Deus, livro já referido em outro texto postado aqui. O livro intitula-se Evangelhos perdidos – as batalhas pela escritura e os cristianismos que não chegamos a conhecer (2008). É um pouco sobre este livro que quero lhes contar. Comecei a lê-lo hoje, e só terminei de ler a introdução, que já nos permite situar-nos nas reflexões do autor. Sugiro a leitura que, como se verá, interessará a todo aquele que não faz calar o entendimento, que não se resigna à ignorância imposta e que se vale dessa ignorância como o fez Sócrates: reconheceu-a para conhecer.
Leiamos com atenção. Imagine que tudo o que você sabe sobre a Bíblia, ou seja, todos os livros que a compõem, particularmente, os 27 livros do Novo Testamento, estivessem ali em virtude de uma série de disputas e falsificações e que outros tantos evangelhos foram rejeitados, excluídos, perdidos. Imagine que o que sabemos sobre o Cristianismo hoje poderia ser diferente e que, na verdade, há e houve muitos Cristianismos. Não há prova mais cabal de que a Bíblia é um produto humano, foi escrita por homens e seus textos exprimem apenas uma visão vitoriosa do Cristianismo “certo”.
Doravante, eu vou referir trechos que elucidam os objetivos do autor, bem como as questões com as quais ele se defrontará em sua discussão. No limiar da Introdução, escreve-nos:

“Deve ser difícil imaginar um fenômeno religioso mais diversificado do que o Cristianismo moderno. Há missionários católicos romanos em países em desenvolvimento que se devotam à pobreza voluntária pelo bem dos outros, e televangelistas que dirigem programas de doze passos para assegurar sucesso financeiro.Há presbiterianos na Nova Inglaterra e manipuladores de serpentes Apalaches. Há sacerdotes gregos ortodoxos comprometidos com o serviço litúrgico de Deus, repleto de orações, encantamentos e incenso, e pregadores fundamentalistas que vêem a liturgia da Alta Igreja anglicana como uma invenção demoníaca. (...)”
(p. 17)

O autor se pergunta se deveremos, tendo em conta essa diversidade do cristianismo moderno, falar de um ou vários cristianismos. O fato é que houve outras formas de cristianismo que não chegaram ao nosso conhecimento, conforme se pode ler abaixo:

“A maioria dessas antigas formas de Cristianismo é desconhecida no mundo atual, uma vez que acabaram sendo reformadas ou extintas. Como resultado, os textos sagrados que alguns cristãos antigos usavam para apoiar suas perspectivas religiosas vieram a ser proscritos, destruídos ou esquecidos – perdidos, de uma forma ou de outra. Muitos desses textos diziam-se escritos pelos seguidores mais próximos de Jesus. Seus opositores declaravam que eles haviam sido falsificados”.
(p. 18)

No fim da página 18, o autor iniciará a subseção intitulada de As variedades do Cristianismo antigo, com vistas a nos mostrar a variedade de crenças que existia entre os cristãos dos séculos II e III. Leiamos o trecho em que ele nos conta sobre esse fato:

“Nos séculos II e III, havia cristãos que acreditavam que Deus criara o mundo. Entretanto, outros acreditavam que esse mundo tinha sido criado por uma divindade subordinada, ignorante (Por que outro motivo seria o mundo tão cheio de miséria e dificuldade?) E ainda outros cristãos pensavam que era pior do que isso, que este mundo era um erro cósmico criado por uma divindade má como um lugar de prisão, para capturar humanos e submetê-los à dor e ao sofrimento”
(grifo meu)

Na página 19, o autor prossegue, contando-nos:

“Nos séculos II e III, havia cristãos que acreditavam que a Escritura Judaica (o “Velho Testamento” cristão) fora inspirada pelo único e verdadeiro Deus. Outros acreditavam que fora inspirada pelo Deus dos judeus, que não era o Deus único e verdadeiro. Outros acreditaram que fora inspirada por uma deidade maligna. Outros, ainda, acreditavam que não fora inspirada”.

Ehrman continuará seu relato, mostrando-nos que as crenças relativas à natureza de Jesus também variavam. Houve aqueles que acreditavam que Jesus era humano e divino; houve, por outro lado, os que acreditavam que ele era apenas divino e não humano; houve ainda aqueles que acreditavam que Jesus era um homem tal como qualquer outro, mas que teria sido escolhido por Deus para filho. Segundo essa crença, Jesus não era divino por si mesmo.
Naqueles séculos, também houve cristãos que acreditaram que a morte de Jesus trouxe a salvação do mundo; outros, porém, acreditaram que sua morte não tinha nada que ver com salvação. Finalmente, houve alguns mais que acreditavam que Jesus nunca morrera.
Agora, com a palavra, o autor:

“Como poderiam algumas dessas visões até mesmo ser consideradas cristãs? Ou, colocando a questão de forma diferente, como as pessoas que se consideravam cristãs poderiam defender tais crenças? Por que não consultavam suas Escrituras para ver que não eram 365 deuses, ou que o verdadeiro Deus havia criado o mundo, ou que Jesus havia morrido? Por que elas simplesmente não liam o Novo Testamento?”
(p. 19)

É necessário um esclarecimento. Naquela época, houve pessoas que acreditavam que o número de deuses era de 365. Também houve outros que declaravam haver dois; e outros tantos, que havia trinta.
O autor responderá à questão com que encerra sua exposição acima referida, conforme se pode ler em:

É porque não havia Novo Testamento. Com certeza, os livros que foram finalmente reunidos no Novo Testamento haviam sido escritos em torno do século II, mas eles não tinham sido ainda agrupados em um cânone autorizado e amplamente reconhecido de Escritura. E havia também outros livros tidos como autorias igualmente impressionantes – escritos pelos apóstolos terrenos de Jesus”.
(p. 19)
(grifo meu)

A subseção seguinte será destinada à apresentação dos chamados Evangelhos apócrifos, ou seja, os Evangelhos que não passaram pelo crivo da igreja. Muitos se perderam. Leiamos o que o autor – uma autoridade nos estudos sobre o Cristianismo e a Igreja primitiva – tem a nos ensinar:

“Os Evangelhos que vieram a ser incluídos no Novo Testamento foram todos escritos anonimamente; somente algum tempo depois é que foram chamados pelos nomes de seus reputados autores, Mateus, Marcos, Lucas e João. Mas na época em que esses nomes estavam sendo associados aos Evangelhos, outros livros da mesma espécie tornavam-se disponíveis, textos sagrados que eram lidos e reverenciados por diferentes grupos cristãos em todo o mundo: um Evangelho, por exemplo, que declarava ter sido escrito pelo discípulo mais próximo de Jesus, Simão Pedro; um outro de seu apóstolo Filipe; um Evangelho supostamente escrito pela discípula de Jesus, Maria Madalena; um outro do próprio irmão gêmeo de Jesus, Dídimo Judas Tomé”
(p. 20)

O que se vê é que o Novo Testamento não é senão produto de escolhas, exclusões, falsificações deliberadamente feitas por escribas da época. Leiamos mais um trecho sobre a “montagem da Bíblia”:

“Quando o Novo Testamento foi finalmente reunido, incluía Atos, um relato das atividades dos discípulos após a morte de Jesus. Entretanto, havia outros Atos escritos nos primeiros anos da igreja: os Atos de Pedro e de João, os Atos de Paulo, os Atos da companheira de Paulo, Teda, e outros. Por que estes não foram incluídos como parte da Escritura?
(ibi.id.)
(grifo meu)

Não há certeza de que fora realmente Paulo que escreveu as epístolas que lhe são atribuídas. Os estudiosos ainda discutem a autenticidade da autoria. Interessa-nos saber também que houve outras cartas enviadas por “Paulo” (ou quem quer que as tenha enviado) ao filósofo Sêneca e que não foram incluídas nas Escrituras.
Também o livro do Apocalipse inclui apenas os textos escritos por alguém chamado João, mas não inclui os supostamente escritos por Simão Pedro (p. 21).  Por que as autoridades eclesiásticas não incluíram os de Pedro no cânone? Conclui o autor, no tocante à constituição do que hoje sabemos ser a Bíblia:

“Hoje sabemos que em alguma época, em algum lugar, todos esses livros não-canônicos, assim como muitos outros, foram reverenciados como sagrados, inspirados e escriturais. Alguns deles nós temos hoje; outros, conhecemos apenas pelo nome. Somente 27 livros cristãos primitivos foram enfim incluídos no cânone, copiados por escribas através dos tempos, finalmente traduzidos para o inglês [e português], e agora estão nas estantes de praticamente todos os lares dos Estados Unidos [e do Brasil]. Outros livros vieram a ser rejeitados, escarnecidos, amaldiçoados, atacados, queimados, completamente esquecidos – perdidos”.
(p. 21)
(grifo meu)

A subseção que se seguirá encerra uma breve avaliação sobre as consequências de todo esse processo histórico de exclusão, reescritura e incorporação de textos sagrados. O autor observa que houve uma perda: a grande diversidade do Cristianismo dos primeiros séculos. O ganho diz respeito à confiança no Cristianismo “certo”. O que aprendemos é que o Cristianismo e a Bíblia, que o encerra como doutrina, foram produtos de conflitos, disputas entre grupos. Leiamos o que se segue:

“E então como um golpe de misericórdia, esse grupo vitorioso reescreveu a história da controvérsia, fazendo parecer que não tinha havido qualquer conflito, declarando que suas próprias visões sempre tinham sido aquelas da maioria dos cristãos em todos os tempos, desde a época de Jesus e seus apóstolos, e que sua perspectiva, de fato, sempre tinha sido “ortodoxa” (isto é, a “crença correta”), com seus oponentes no conflito, utilizando os outros textos escriturais, sempre representando pequenos grupos dissidentes, engajados em iludir pessoas com “heresias” (cujo significado é, literalmente, “escolha”; um herege é alguém que deliberadamente escolhe não acreditar nas coisas certas”).
(p. 22)

Eu sou, então, um herege. Ainda hoje os homens disputam, pelejam para saber quem está mais iludido, se os cristãos ortodoxos, os católicos, os protestantes, etc.
Finalmente, o autor nos lança a pergunta:

“E se tivesse sido diferente? E se outra forma de Cristianismo tivesse se tornado a dominante, em vez da que venceu?”
(p. 23)

E prosseguirá, na página seguinte:

“Antecipando essas discussões, posso destacar que, se alguma outra forma do Cristianismo tivesse vencido as primeiras batalhas pelo domínio, as conhecidas doutrinas do Cristianismo talvez jamais tivessem tornado a crença “padrão” de milhões de pessoas, inclusive a crença de que há um Deus, de que ele é criador, de que Cristo, seu filho é tanto humano quanto divino. A doutrina da Trindade poderia jamais ter se desenvolvido. Os credos ainda professados nas igrejas de hoje poderiam jamais ter sido inventados. O Novo Testamento, como uma coleção de livros sagrados, talvez jamais tivesse chegado a existir. Ou poderia ter chegado a existir com um conjunto totalmente diferente de livros, inclusive a Epístola de Barnabé em vez da Epístola de Tiago, ou o Apocalipse de Pedro em vez do Apocalipse de João. Se algum outro grupo tivesse vencido; se um grupo diferente tivesse saído vencedor, os cristãos poderiam ter tido apenas o Velho Testamento (o qual não teria sido chamado de “Velho” Testamento, uma vez que não teria havido o “Novo”)
(p. 24)

Acrescenta que os primeiros conflitos cristãos foram determinantes não só da constituição interna da religião, como também trouxe efeitos vitais para a própria história da civilização ocidental. Não custa lembrar que a cultura ocidental formou-se a partir da confluência de duas outras culturas: a greco-latina e a judaico-cristã.

“É possível imaginar que, se a forma do Cristianismo que se estabeleceu como dominante não o tivesse feito, o Cristianismo nunca teria se tornado a principal religião do mundo dentro do Império Romano. Se isso tivesse acontecido, o império talvez jamais adotasse o Cristianismo como sua crença oficial, e ele nunca teria se tornado a religião dominante na Idade Média européia, chegando até o Renascimento, a Reforma e os dias de hoje”
(p. 24)

Fico tentado a lançar uma observação impregnada de uma ironia ateísta. No entanto, meu propósito foi trazer à consciência dos meus leitores o fato incontestável de que a Bíblia é obra dos homens. Além disso, deve-se ter em conta que os relatos dos evangelhos foram produzidos muitos anos depois da morte de Jesus. Desconfiemos, portanto, de sua veracidade e fidelidade aos acontecimentos relatados; além disso, não há acordo entre os evangelistas sobre vários acontecimentos da vida de Jesus, como, por exemplo, o lugar onde teria nascido. Insisto: religiões são produtos culturais, portanto, obras humanas e não de deuses; esses são entidades imaginárias, produzidas pelos homens.
Quem poderá garantir que o que está na Bíblia é realmente testemunho dos prodígios de Deus, que se revelava através de Jesus? Ficções, mitos, crendices... Tudo isso está na Bíblia.
Mas ainda me inquieto com a ideia de que Deus bem que poderia pôr fim às disputas, não? Poderia ter ele bradado quem estava, afinal de contas, com a razão. Estranhamente se manteve em silencio durante todos esses séculos!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"O amor e a gratidão andam juntos" (Sponville)

 
O amor é frágil

“Hoje estou feliz ao lado de uma pessoa que me quer bem. Estou feliz mesmo ciente de que a felicidade é episódica e tão frágil, tão instável. Um dia, talvez, essa pessoa me abandone. Mas é assim: as pessoas chegam e vão, e vão e vêm. Algumas deixam um pouco de si e nós nos agarramos nesse resquício; outras se vão sem deixar rastros em nosso coração; algumas lembranças que desejamos afugentar de nossa alma (porque nos pesam e nos impedem de prosseguir); sentimentos quebradiços que se esfarelam e que insistimos em varrer para os cantinhos da alma. Mas não desistimos dessa felicidade, nascida dos encontros furtivos, do instante em que nos olhamos um no outro, e nossos corações, repletos, parecem mergulhados um no outro; e nos beijamos até não ter mais fôlego; e nos sentimos como se quiséssemos penetrar um o corpo do outro; e o desejo ocupando todo o espaço que nossos corpos não preenchem. Mas até mesmo a volúpia, o êxtase do encontro passa, aliás como a vida, também o amor é frágil.”

(BAR)